segunda-feira, 4 de julho de 2016

Sustendo a respiração, a sonda Juno chega segunda-feira a Júpiter


 
Ilustração científica da sonda Juno em Júpiter
 
Grande Mancha Vermelha, uma das marcas distintivas de Júpiter
 
Mais recentemente, em 1994, vários telescópios registaram em tempo real a queda de 21 pedaços do cometa Shoemaker-Levy 9 na superfície de Júpiter, alguns com dois quilómetros de diâmetro. O fenómeno tirou as últimas ilusões sobre a possibilidade de um enorme corpo extraterrestre embater na Terra, como terá acontecido há 65 milhões de anos, no cataclismo que ajudou a pôr termo à era dos dinossauros. Se aqueles corpos colidiram contra Júpiter, como negar que outros grandes objectos poderão estar um dia na rota da Terra?
 
Esta segunda-feira, quando a sonda Juno for capturada pela gravidade de Júpiter, a NASA vai dar continuação a esta tradição de se usar aquele gigante como um enorme espelho, onde se encontram reflectidas algumas características do sistema solar e da sua história. Ao contrário da Terra, a massa de Júpiter permitiu reter a sua composição original, quando o planeta se formou. Por isso, ao analisar a composição da atmosfera de Júpiter, a NASA espera que a sonda dê informações sobre o início do sistema solar e sobre como os planetas se formaram.
 
Deste modo, a Juno permitirá olhar lá para fora para compreendermos o nosso mundo, o nosso passado. Antes disso, contudo, terá de sobreviver ao momento vertiginoso de ser agarrada pela gravidade de Júpiter, o instante mais perigoso da missão, segundo dizem os cientistas da NASA. Se correr mal, esse momento poderá deitar a perder cinco anos de viagem espacial, 990 milhões de euros do custo da missão e, claro, tudo o que poderíamos aprender com Júpiter. Mas hoje ainda não é a altura exacta de suster a respiração.
 
“Demos por encerrado cinco anos de uma viagem espacial e temos apenas dez dias pela frente até à inserção na órbita de Júpiter”, dizia na semana passada Rick Nybakken, um dos responsáveis pela missão da Juno no Laboratório de Propulsão a Jacto da NASA, que fica em Pasadena, na Califórnia. As palavras antecipam o nervosismo crescente com a aproximação do 4 de Julho – o Dia da Independência dos Estados Unidos, que este ano terá um sabor especial para os norte-americanos com a chegada da sonda ao planeta. “É uma grande sensação pôr todo o espaço interplanetário no espelho retrovisor e ter o maior planeta do sistema solar no nosso pára-brisas.”

Como fabricar planetas

Dizer que Júpiter é o maior planeta do sistema solar não chega para compreender a sua dimensão. Júpiter é enorme: é três vezes maior do que Saturno, tem 11 vezes o diâmetro da Terra (12.756 quilómetros) e 122 vezes a sua área superficial. Só a Grande Mancha Vermelha, uma tempestade atmosférica épica de cores vermelhas que existe no Hemisfério Sul, bem visível nas fotografias do telescópio espacial Hubble e que os astrónomos andam a monitorizar pelo menos desde o século XIX, tem agora cerca de 16.000 quilómetros de diâmetro. A Terra caberia lá dentro, sem problemas.
 
A massa de Júpiter é superior à massa de todos os outros corpos do sistema solar, excluindo o Sol. À noite, o seu brilho só é ultrapassado por Vénus, pela Lua e, às vezes, por Marte.
 
Apesar de os telescópios terrestres terem dado a conhecer a muitos astrónomos as cores do planeta, foram as fotografias da sonda da NASA Pioneer 10, o primeiro que atravessou a cintura de asteróides, situada entre Marte e Júpiter, e fotografou de perto o gigante a 4 de Dezembro de 1973, que permitiram olhar com mais proximidade para a atmosfera joviana. As icónicas bandas brancas e castanho-claras, que hoje associamos imediatamente ao gigante, revelam nuvens de várias composições químicas que estão a diferentes altitudes. Os cientistas pensam que as brancas, por exemplo, são formadas por cristais de amónia, e estão a uma temperatura de 150 graus Celsius negativos.
 
Júpiter é o primeiro dos planetas gasosos do sistema solar, e é composto maioritariamente por hidrogénio e hélio, tal como as estrelas. Por isso, a sua densidade é muito menor do que a dos planetas rochosos, como a Terra, Vénus e Marte.
 
“Um dos objectivos principais da Juno é aprender qual a receita para se fazer um sistema solar”, diz Scott Bolton, o investigador principal da missão, no Instituto de Investigação do Sudoeste, em San Antonio, Texas, citado pelo jornal norte-americano The New York Times. “Como é que se faz um sistema solar? Como é que se fabricam os planetas que temos no nosso sistema solar?”, questiona.
 
Há elementos mais pesados em Júpiter, como o lítio, o carbono e o azoto. Apesar destes elementos estarem em quantidades pequenas quando comparados com o hidrogénio e o hélio, a sua proporção é muito maior do que a proporção destes elementos no Sol, explica o cientista. Compreender esta variação pode ser a chave para compreender o sistema solar. “Não sabemos exactamente como é que isto aconteceu. Mas sabemos que este facto é realmente importante. E a razão para isto ser importante é porque os elementos que existem a mais em Júpiter [em relação ao Sol] são os mesmos elementos que compõem aquilo de que nós somos feitos. É destes elementos que a Terra é feita. É daqui que a vida surge.”
 
O interior de Júpiter é outro mistério. Devido ao seu tamanho e à pressão, estima-se que haja um enorme oceano líquido de hidrogénio no interior do planeta capaz de conduzir a electricidade e criar um enorme campo magnético à sua volta. E ninguém sabe qual é a constituição do núcleo do planeta, ou se ele existe mesmo. Um dos objectivos dos cientistas da NASA é determinar a existência e a composição do núcleo. Essa informação permitirá identificar a teoria certa sobre o nascimento de Júpiter: se foi formado a partir de uma parte instável da nuvem de poeiras e gases do nosso sistema solar, que entrou em colapso; ou se houve primeiro a formação de um núcleo planetário maciço que, depois, atraiu todo o gás que estava à volta.

Um ano de ciência

Depois da Pioneer 10, Júpiter foi visitado pela Pioneer 11, em 1974, pelas duas sondas Voyager, em 1979, a sonda Ulisses, em 1992, a sonda Galileu, que chegou ao planeta em 1995 e até 2003 esteve a estudar o gigante e as suas luas, a Cassini-Huygens, em 2000, e, mais recentemente, a New Horizons, que fez um voo de três meses junto de Júpiter, em 2007, antes de seguir para Plutão. Por isso, depois da Galileu, a Juno é o segundo aparelho exclusivamente destinado a perscrutar este gigante.
 
A sonda partiu da Terra a 5 de Junho de 2011, fez um movimento circular que ultrapassou a órbita de Marte, voltou até à Terra e aproveitou o impulso dado pela sua gravidade para finalmente viajar até Júpiter, percorrendo nestes quatro anos e 11 meses 2800 milhões de quilómetros. Esta segunda-feira, a sonda será capturada pela gravidade de Júpiter e, fazendo um ajuste à rota, irá lançar-se para realizar algumas órbitas até iniciar, a 9 de Novembro, 33 órbitas científicas cuja trajectória foi traçada para evitar a potente magnetosfera de Júpiter, 20.000 vezes mais forte do que a da Terra.
 
Além de provocar nos pólos de Júpiter as maiores auroras boreais do sistema solar, a magnetosfera carrega as partículas existentes à volta do planeta, sendo assim capazes de destruir os componentes eléctricos da sonda. Para evitar estes danos, os cientistas puseram os circuitos da Juno dentro de um cofre de titânio de 1,7 centímetros de espessura, impedindo muitas partículas de atingirem o equipamento. Mas o cofre não chega.
 
“Para muitos dos instrumentos fazerem o seu trabalho, a nave tem de se aproximar mais de Júpiter do que nas missões anteriores. Para evitar os níveis de radiação mais fortes que existem à volta de Júpiter, os responsáveis pela missão projectaram órbitas muito alongadas para a sonda se aproximar do gigante de gás pelo Norte”, lê-se num documento da NASA sobre a missão. Nesses trajectos, a sonda irá ficar muito perto de Júpiter, a uma distância mínima de 4200 quilómetros. Depois, circulará junto ao planeta de Norte para Sul e de seguida afastar-se-á iniciando mais uma órbita alongada para evitar ao máximo a radiação.
 
Cada uma das 33 órbitas demorará 11 dias. Durante esse tempo, os nove instrumentos da Juno estarão de olhos abertos. A sonda tem uma câmara a cores para uso do público em geral, que poderá escolher que partes do planeta a fotografar, e mais oito instrumentos científicos. Entre os quais, estão dois transmissores que vão trocar sinais com a Terra, para analisar a influência gravítica de Júpiter, e inferir a sua estrutura interna; um magnetómetro para criar um mapa tridimensional da magnetosfera do planeta; um radiómetro que vai analisar microondas emitidas pelo gigante para detectar a composição das nuvens de Júpiter; e um detector de partículas para analisar como é que elas interagem com a magnetosfera de Júpiter.
 
Se tudo correr bem, a missão científica durará um ano. O suficiente para as 33 órbitas permitirem aos aparelhos analisarem toda a superfície de Júpiter. Quando houver novidades sobre as descobertas de Juno, é provável que já nos tenhamos despedido da sonda. Apesar de todos os cuidados dos cientistas, a radiação que a Juno vai receber acabará por danificar o seu interior ao fim desse ano.
 
Por isso, o último acto do aparelho será um mergulho na atmosfera daquele planeta. Para uma sonda que foi baptizada com o nome da deusa que, na tradição romana, foi a mulher de Júpiter e era capaz de ver através das nuvens, este desfecho não deixa de ser simbólico. Mas é aqui na Terra que vamos poder dar um sentido a tudo o que ela viu, e construir mais um pouco da nossa história planetária aos ombros de um gigante chamado Júpiter.
 

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