segunda-feira, 24 de março de 2014

Vitamina A durante a gravidez é essencial para um sistema imunitário saudável nos filhos

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 19/03/2014.
Equipa de cientistas liderada por portugueses descobriu que a ausência total de vitamina A impede a formação normal dos gânglios linfáticos, peças importantes do sistema imunitário. Artigo é publicado na revista Nature.
Pode-se ir buscar vitamina A às cenouras. 
 
 
As células indutoras do tecido linfático (a verde) no intestino
Uma equipa internacional liderada por cientistas portugueses descobriu que a ausência de vitamina A durante o desenvolvimento embrionário – neste caso nos ratinhos da experiência – impede a formação normal dos gânglios linfáticos, peças-chave do sistema imunitário. A carência de vitamina A na gravidez põe assim em causa a resposta imunitária. A descoberta, publicada hoje na revista Nature, demonstra como esta vitamina é essencial na alimentação das mulheres, principalmente nos países em desenvolvimento.
 
Pode-se ir buscar a vitamina A a muitos alimentos: cenouras, espinafres ou a batatas-doces. Esta vitamina é necessária para a formação de pigmentos visuais, regulação das células do sistema imunitário nos intestinos ou para o desenvolvimento do próprio embrião.
 
Agora, uma equipa internacional, com cientistas da Holanda e dos Estados Unidos, coordenada por Henrique Veiga Fernandes, líder de um grupo no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa, observou que a vitamina A permitia a maturação das células que, durante o desenvolvimento embrionário dos ratinhos, vão formar os gânglios linfáticos e as placas de Peyer – estruturas do sistema linfático situadas nos intestinos, onde têm uma função imunitária importante.
 
Os gânglios linfáticos têm entre um a dois centímetros e estão distribuídos em locais como as virilhas, as axilas ou na região da garganta. Dentro dos gânglios alojam-se os linfócitos, especializados no combate de bactérias ou vírus. Outras células do sistema imunitário têm a função de levar até aos gânglios pedaços dos organismos patogénicos que infectam o corpo: uma vez aí, mostram estes pedaços ao maior número possível de linfócitos, até encontrarem o linfócito que naturalmente é mais adequado para combater aquele organismo.
 
Quando isso acontece, inicia-se uma resposta imunitária, que pode desencadear o inchaço do gânglio. Se os linfócitos estivessem espalhados pelo corpo, aquela célula imunitária que leva o pedaço do agente patogénico teria muita dificuldade em encontrar o linfócito especializado.
 
Abelhas operárias
Os gânglios formam-se durante o desenvolvimento embrionário, graças a um tipo de células do sistema imunitário – as células indutoras do tecido linfático. Saindo do fígado do feto, estas células viajam pelo sangue até que, em determinados locais do corpo, saltam dos vasos para formar os gânglios linfáticos.
 
“Estas células funcionam como abelhas operárias”, explica Henrique Veiga Fernandes ao PÚBLICO. “Quando saem do sangue, formam pequenos agregadores de células e estão sempre em movimento.”
 
Nesses locais, as células indutoras do tecido linfático sofrem um passo final de maturação. Depois, provocam alterações nas células do tecido conjuntivo e são estas que vão formar “os andaimes” dos gânglios linfáticos. Quando esses “andaimes” ficam construídos, os linfócitos vão habitá-los.
 
A equipa de Henrique Veiga Fernandes tentou descobrir o que desencadeava a maturação final das células indutoras do tecido linfático. Com testes, primeiro in vitro e depois in vivo, os cientistas chegaram à conclusão de que era necessária a presença de ácido retinóico (um composto que o corpo produz a partir da vitamina A). “A metabolização da vitamina A faz com que as células se diferenciem. Este foi o nosso ponto de partida”, diz o cientista.
 
Depois, quiseram encontrar o mecanismo celular que originava esta transição. Já se sabia que nas células indutoras do tecido linfático existem moléculas capazes de receber o ácido retinóico. Agora, a equipa descobriu que esse receptor é responsável por activar um gene no núcleo dessas células e esse gene activa, por sua vez, muitos outros genes que desencadeiam a maturação destas células. A partir daí estão prontas para pôr as células do tecido conjuntivo em acção.
 
Não existe uma ausência total de vitamina A. Devido à sua importância, há sempre uma reserva no corpo. Por isso, para se perceber qual é o efeito no sistema imunitário da inexistência total da vitamina A, os investigadores bloquearam artificialmente, com um fármaco, o gene que inicia a maturação das células.
 
“Tratámos as fêmeas de ratinhos grávidas com este fármaco. Em toda sua descendência, os gânglios eram muito pequenos ou nem sequer existiam”, explica Henrique Veiga Fernandes. Assim, menos vitamina A significa a existência de menos células indutoras do tecido linfático a amadurecerem, o que se traduz na formação de menos andaimes nos gânglios linfáticos. Este efeito é irreversível na vida dos ratinhos.
 
Apesar de estes gânglios serem normais a nível dos seus tecidos, crescem muito menos: são minigânglios, o que compromete a imunidade. Para chegar a esta conclusão, a equipa testou a resposta imunitária de ratinhos cujas mães tiveram uma dieta sem vitamina A, infectando-os com um vírus que causa infecções pulmonares. Nos ratinhos normais, a infecção foi debelada ao fim de sete a dez dias. Mas nos ratinhos com gânglios pequenos, o vírus continuava a multiplicar-se ao final de duas semanas.
 
Implicações na vacinação
Embora não seja possível fazer estas experiências em seres humanos, Henrique Veiga Fernandes explica que o sistema imunitário do ratinho e do humano são “muito semelhantes”: “Tal como no ratinho, também existem células indutoras do tecido linfático no humano.”
 
Por isso, estes resultados são importantes, principalmente em países “onde há ausência crónica de vitamina A”. Há até a possibilidade de as carências de vitamina A “minarem a eficácia das campanhas de vacinação de crianças”, alerta, por sua vez, Gérard Eberl, do Instituto Pasteur, num comentário à descoberta também na Nature. As vacinas “enganam” o sistema imunitário, levando-o a produzir substâncias específicas para combater cada invasor, o que poderá ficar em causa com os gânglios pequenos.
 
A novidade obriga ainda a uma mudança de paradigma sobre a forma como se olha para o desenvolvimento do sistema imunitário. Pensava-se que esse desenvolvimento durante a gravidez decorria sem interferências do exterior: era só carregar no play – a fusão do espermatozóide com o óvulo – e deixar o filme correr.
 
“Pela primeira vez, demonstrou-se que esse desenvolvimento está dependente de factores ambientais”, refere o cientista. “É extraordinariamente surpreendente que num ambiente, aparentemente tão protegido, a dieta materna possa ter um papel tão crítico.”
 
Para Henrique Veiga Fernandes, isto é “uma ruptura completa” que abre um campo de investigação novo, para perceber “de que forma o sistema imunitário consegue percepcionar o meio externo”. As questões sucedem-se agora: qual é o regime alimentar mais benéfico ligado a uma doença ou a uma vacina? Os comportamentos de uma pessoa têm influência na resposta do sistema imunitário?
 

 

Novo método pode permitir diagnosticar precocemente o cancro do pâncreas

Artigo publicado pelo jornal Público em 21/03/2014.
Os cientistas que desenvolveram a técnica acreditam que ela poderá estar disponível nos hospitais dentro de cinco anos.
 

O actor norte-americano Patrick Swayze morreu em 2009, aos 57 anos, dois anos depois de lhe ter sido diagnosticado um cancro do pâncreas
O cancro do pâncreas é um dos mais temíveis: é muitas vezes detectado numa fase avançada, quando já se espalhou para outros órgãos – o que faz com que apenas 5% dos doentes sobrevivam cinco anos ou mais após o diagnóstico. Mas agora, essa situação poderá estar prestes a mudar. Uma equipa de cientistas da Universidade de Gotemburgo (Suécia) acaba de anunciar, na revista Journal of the National Cancer Institute, o desenvolvimento de uma técnica que permitiu detectar, com 97% de certeza, certos precursores do cancro do pâncreas, tornando possível, no futuro, a sua prevenção ou tratamento.
 
Sabe-se hoje que a presença de quistos no pâncreas – tumores cheios de fluido – pode ser um sinal precursor desse cancro, explica a universidade sueca em comunicado.
 
Estes quistos costumam ser descobertos acidentalmente na realização de exames com técnicas de imagiologia tais como a tomografia axial computadorizada (TAC) ou a ressonância magnética. Nem todos têm potencial canceroso, mas como não é possível prever a sua evolução com base nas imagens, isso conduz a análises desnecessárias – e pouco fiáveis – do líquido contido nos quistos, bem como a cirurgias invasivas que apresentam riscos para as pessoas.
 
O novo método agora desenvolvido por Karolina Jabbar e colegas consiste em utilizar a técnica dita de espectrometria de massa para detectar com precisão, nos quistos, a presença de proteínas chamadas mucinas, cuja produção aumenta nos tumores malignos. E permitiu aos cientistas diagnosticarem correctamente que, entre 79 quistos, 77 eram efectivamente precursores de cancros.
 
“Trata-se de um resultado espectacularmente bom para um teste de diagnóstico, e esperamos que o nosso método permita descobrir precocemente um maior número de cancros do pâncreas, numa fase em que ainda é possível tratá-los ou preveni-los”, diz Karolina Jabbar, citada no mesmo documento.
 
Os autores também conseguiram analisar diferentes quistos e identificar, com 90% de certeza, os que já tinham evoluído para um cancro. Isto significa que também poderá ser possível saber, em caso de detecção de um quisto potencialmente maligno no pâncreas, se o doente precisa logo de cirurgia para o remover ou se convém, pelo contrário, esperar e monitorizar o seu crescimento .
 
“O método existe e permite-nos medir os marcadores biológicos [do cancro do pâncreas] rapidamente e com precisão”, diz Gunnar Hansson, um dos líderes do estudo. Para mais, “requer uma amostra 25 vezes mais pequena de fluido do quisto que as análises convencionais [do conteúdo dos quistos]”. E conclui: “Tenho a certeza de que dentro de cinco anos, vai haver espectrómetros de massa nos corredores dos hospitais.”

Cientistas identificam mais um mecanismo que acelera crescimento e formação de tumores

Artigo publicado na SAPO Saúde em 25/02/2014.
Cientistas identificam mais um mecanismo que acelera crescimento e formação de tumores.
 

O estudo sugere que uma proteína descontrola as moléculas do ácido ribonucleico, vulgarmente conhecido pela sigla RNA, e estimula a formação e multiplicação das células cancerígenas.

Cientistas do Instituto de Investigação em Biomedicina de Barcelona (IRB), em Espanha, descobriram um mecanismo controlado pela proteína CPEB1 que afeta mais de 200 genes relacionados com a proliferação celular e com a progressão de tumores.

O mecanismo foi identificado a partir da utilização de células de linfoma de Hodgkin. O estudo, publicado no domingo na revista Nature, mostrou que a CPEB1 altera uma região específica de um tipo de molécula de RNA. Segundo um dos autores, Raúl Méndez, a CPEB1 descontrola centenas de moléculas de RNA que estimulam a desdiferenciação celular, quando a célula adulta passa a agir como embrionária, e a sua proliferação, promovendo o alastramento do cancro.

"As proteínas CPEB são necessárias durante o desenvolvimento e também durante a regeneração do tecido, mas se ficam continuamente ligadas, as células dividem-se em momentos errados e formam o tumor", explica Méndez.

"Esta descoberta é positiva do ponto de vista terapêutico, pois significa que se removermos a CPEB1 de células saudáveis, a sua função pode ser assumida por qualquer outra proteína CPEB. Em contraste, em tumores, apenas a CPEB1 tem a capacidade de encurtar essas regiões, afetando apenas as células tumorais", explicou Felice Alessio Bava, investigador principal.

O laboratório desenvolveu um sistema de rastreio de moléculas terapêuticas para criar um medicamento que pode inibir a ação da CPEB em tumores, com poucos efeitos secundários nas células saudáveis.

"Não há drogas atualmente disponíveis que influenciam a regulação da expressão do gene, a este nível. As nossas descobertas abrem uma janela terapêutica pioneira. Estamos otimistas com o potencial de proteínas CPEB como alvos", conclui Méndez.

Cientistas australianos descobrem como as células cancerígenas enganam organismo

Artigo da LUSA publicado em 24/03/2014 pela Sapo na rubrica Saúde.
Células cancerígenas emitem molécula que impede sistema imunitário de combater o cancro.

Uma equipa de cientistas australianos acredita ter descoberto a forma como as células cancerígenas enganam o sistema imunológico do organismo, levando-o a pensar que são inofensivas, noticiou hoje a cadeia australiana SBS.

A descoberta permite uma maior compreensão da forma como os glóbulos brancos, também conhecidos por "células assassinas", distinguem as células inofensivas das doentes e poderá levar ao desenvolvimento de novos tratamentos para os cancros mais agressivos e avançados, segundo o investigador principal do projeto, Mark Smyth.

"Diz-nos algo que não sabíamos antes. E tem também implicações nos vírus", disse Smyth, do Instituto Berghofer de Investigação Médica de Queensland (QIMR/Queensland Institute of Medical Research - Berghofer), na Austrália.

"Essencialmente mostra que o cancro 'sequestra' o sistema de reconhecimento e ativação imunológica, o que lhe permite espalhar-se pelo corpo", acrescentou, considerando a descoberta "muito entusiasmante".

"Passei grande parte da minha carreira a tentar convencer as pessoas de que o sistema imunológico reage ao cancro", sublinhou, acrescentando: "O nosso trabalho é importante, mas apenas uma pequena parte do retrato completo".

Os investigadores identificaram uma proteína conhecida como CD96, que se encontra nos glóbulos brancos e que tem como função evitar que as "células assassinas" ataquem os tecidos saudáveis.

Molécula inibe sistema imunitário

Contudo, os cientistas descobriram que as células cancerígenas emitem uma molécula, reconhecida pela CD96, que impede as 'células assassinas' de reagirem.

A equipa conseguiu provar a sua teoria com experiências em laboratório. O próximo passo é fazer testes em células humanas.

"Se resultar, faz sentido desenvolver anticorpos para bloquear a proteína CD96", disse Smyth, cuja descoberta foi publicada no jornal Nature Immunology.
"A imunoterapia revolucionou o tratamento do cancro. Algumas pessoas estão a sair dos tratamentos curadas", sublinhou.

O diretor do QIMR Berghofer Research Institute, Frank Gannon, adiantou que este progresso é o resultado de muitos anos de trabalho.

"É a coisa mais entusiasmante que vi nos últimos 20 anos", disse, adiantando que, dentro de cinco anos, será possível fazer testes em humanos.