terça-feira, 24 de julho de 2012

Cientistas portugueses travaram doença de Machado-Joseph no ratinho

Artigo escrito por Ana Gerschenfeld, jornalista do Público, em 24 de julho de 2012.

"Uma equipa de cientistas da Universidade de Coimbra conseguiu identificar e bloquear, no ratinho, um dos mecanismos de base responsáveis pela degenerescência cerebral que caracteriza a terrível doença de Machado-Joseph.


Na ilha das Flores, nos Açores, uma pessoa em cada 140 sofre desta doença - de longe o recorde mundial.

A confirmarem-se nos seres humanos, os seus resultados poderiam conduzir ao primeiro tratamento eficaz desta doença genética, que é relativamente rara em quase todo o mundo, mas que afecta uma em cada 4000 pessoas de ascendência portuguesa na Nova Inglaterra (EUA) e que, na ilha das Flores, nos Açores, bate todos os recordes, com uma pessoa afectada... em cada 140.

Os apelidos de dois açorianos ficaram unidos para sempre no nome desta doença que atinge o cerebelo - estrutura da parte posterior do cérebro responsável pela coordenação motora, o tónus muscular e o controlo do equilíbrio. Um deles, Guilherme Machado, nascera na ilha de São Miguel e, em finais do século XIX, emigrara para o Massachusetts, onde os filhos fixaram residência e criaram família. O outro, António Jacinto Bastiana, nascera na ilha das Flores em 1815 e emigrara em 1845 para São Francisco, aproveitando uma escala do baleeiro a bordo do qual trabalhava. Adoptou o nome de Antone Joseph e morreu em 1870, não sem antes ter gerado sete filhos. Hoje, na Califórnia, vivem cerca de 600 descendentes de Joseph. Em 1972, a doença de Machado-Joseph foi descrita, pela primeira vez, na família Machado e quatro anos mais tarde na família Joseph.

"A doença, também designada por ataxia espinocerebelosa do tipo 3, foi identificada como entidade autónoma pelos investigadores e clínicos Paula Coutinho e Corino de Andrade, do Porto, que lhe deram o nome das duas primeiras famílias para as quais havia descrições na literatura", disse ao PÚBLICO Luís Pereira de Almeida, o líder da equipa do Centro de Neurociências da Universidade de Coimbra que acaba de publicar o seu trabalho na revista Brain.

A doença de Machado-Joseph é progressiva e não tem cura. Deve-se a uma mutação num único gene e basta um dos progenitores ser afectado para os filhos terem uma probabilidade de 50% de ter a doença. Pode surgir tanto na infância como aos 70 anos e apresentar sintomas de gravidade variável. Tipicamente, vai provocando a perda do controlo das extremidades e rigidez muscular, o que faz com que os doentes possam parecer embriagados ou vítimas da doença de Parkinson. Outras manifestações são espasmos musculares, problemas de deglutição, perturbações da visão e descontrolo dos movimentos oculares, perturbações do sono e problemas cognitivos. Quando os doentes morrem novos, é frequente ser devido a infecções pulmonares causadas pela aspiração de alimentos. Uma característica particularmente trágica da doença é que a sua gravidade aumenta ao longo das gerações.

O gene mutado que a causa, descoberto em 1994 no cromossoma humano 14, apresenta uma repetição anormalmente elevada de uma pequena sequência de "letras" do ADN, o que dá origem a uma proteína anormal - a ataxina-3 -, que forma depósitos letais dentro do núcleo dos neurónios. Os especialistas já suspeitavam que a proteína mutada, ao fragmentar-se, conduzia à formação dos depósitos anómalos. E agora, a equipa de Coimbra conseguiu, ao desvendar o processo de fragmentação, confirmar que esse processo e a degenerescência cerebelar estão, de facto, relacionados.

Mais precisamente, os cientistas mostraram que a ataxina-3 mutante é cortada aos pedaços por uma molécula, chamada calpaína. E também que, quando a calpaína é inactivada, os fragmentos neurotóxicos desaparecem e a destruição cerebral é interrompida - o que pode significar a descoberta de uma potencial maneira de travar o processo. "Mesmo que não consigamos prevenir totalmente a fragmentação da ataxina-3, o facto de ela abrandar poderia ser suficiente para impedir que a doença surgisse durante a vida das pessoas, o que representaria uma incrível vitória sobre esta terrível doença", diz Pereira de Almeida em comunicado.

Os investigadores quiseram saber se, no ratinho, seria possível impedir que a calpaína fragmentasse a ataxina-3. Para isso, utilizaram uma outra molécula, chamada calpastatina, um inibidor da calpaína naturalmente presente no organismo. E constataram que, efectivamente, a introdução de altos níveis de calpastatina no cérebro dos animais não só permitia reduzir o número de depósitos de ataxina-3 dentro dos neurónios, como também os estragos cerebrais e os sintomas neurológicos característicos da doença de Machado-Joseph.Se os resultados forem válidos no ser humano, fármacos capazes de bloquear a calpaína poderiam vir, pela primeira vez, a permitir travar a doença. Mas Pereira de Almeida é prudente: "Este trabalho é mais uma peça do puzzle... não sabemos ainda o alcance. Temos estado a testar um fármaco [em animais] que parece promissor, mas não está aprovado para uso clínico, pelo que ainda irá demorar, mesmo se tudo correr bem, a chegar à clínica." "

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Bactéria alterada geneticamente impede mosquitos de transmitir vírus da malária

Artigo publicado por LUSA/SOL, em 16/07/2012.

"Investigadores do instituto Johns Hopkins para a Investigação da Malária modificaram geneticamente uma bactéria existente nos intestinos dos mosquitos e descobriram que o parasita que provoca a malária não sobrevive nos mosquitos infectados com a bactéria modificada.

A bactéria, com o nome científico de 'Pantoea agglomerans', foi modificada para segregar proteínas que são tóxicas para o parasita da malária, mas não prejudicam o mosquito nem os humanos.
 
Segundo o estudo agora publicado na revista científica PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences), a bactéria modificada teve uma eficácia de 98 por cento na eliminação do parasita da malária nos mosquitos.
 
«É um resultado muito promissor», disse à Lusa Marcelo Jacobs-Lorena, um dos autores do estudo e professor na Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg.
 
O investigador brasileiro recordou que já há cerca de 10 anos publicou um estudo que mostrava que mosquitos geneticamente modificados ficavam «praticamente resistentes ao parasita da malária», mas quando se tratou de introduzir os mosquitos no campo, surgiram as dificuldades.
 
«Ficou claro que é muito difícil introduzir o mosquito transgénico no campo. Não é suficiente soltar milhões de mosquitos e esperar que os transgénicos sobrevivam. Eles não podem competir com os mosquitos que já lá estão», explicou.
 
Os cientistas mudaram então de estratégia e decidiram fazer bactérias transgénicas que segregam a mesma proteína.
 
É que os mosquitos, como qualquer outro organismo, têm uma quantidade de bactérias no intestino e, além disso, a parte mais vulnerável do desenvolvimento do parasita ocorre no intestino. «Temos bactérias e parasitas no mesmo compartimento», explicou.
 
«Esta descoberta fornece o fundamento para a utilização de bactérias geneticamente modificadas para combater a malária», disse Jacobs-Lorena.
 
A questão é agora como introduzir as bactérias transgénicas no campo, o que o investigador disse acreditar ser «muito mais fácil» do que com os mosquitos, sobretudo tendo em conta que está a ser usada uma bactéria que passa de geração em geração nos mosquitos. ~
 
A ideia, explicou o cientista, é colocar vasos de barro com uma bola de algodão embebida numa solução de água e açúcar e infectada com a bactéria - porque o mosquito é activo durante a noite, mas durante o dia procura um lugar escuro e húmido e além disso precisa de açúcar.
 
Para Marcelo Jacobs-Lorena, mais difícil do que a técnica será a questão legal, porque as bactérias em causa são Organismos Geneticamente Modificados, o que exige autorização das instituições competentes e a aprovação da população.
 
«Tecnicamente, em poucos anos seria possível testar [o modelo] no terreno, mas em termos regulatórios é imprevisível», disse, admitindo um mínimo de cinco anos para implementar o estudo no campo.
 
«O objectivo último é evitar completamente que o mosquito transmita o parasita da malária às pessoas», disse, considerando que esta estratégia seria complementar às outras medidas que estão a ser tomadas para combater a malária.
 
«Precisamos de encontrar novos meios de combater a malária, porque os meios que temos actualmente - as drogas e os insecticidas - não são suficientes», sublinhou.
 
A malária é uma doença evitável e curável, mas que pode matar, causada por parasitas transmitidos aos humanos por picadas de mosquitos infectados. Segundo o último relatório anual da OMS sobre a doença, estima-se que, em 2010, a malária tenha causado 655 mil mortos, principalmente crianças africanas."

sábado, 14 de julho de 2012

Vença o destino traçado pelo seu ADN

Artigo publicado na rubrica Saúde da sapo

"Descubra o peso da herança genética e do seu estilo de vida na sua saúde

O futuro cumpre-se. Ano após ano, a ciência tem-nos demonstrado quão poderosos são os nossos genes.

Parte daquilo que somos é-nos passado pelo ADN dos nossos pais, o código genético que determina a forma como o nosso organismo se desenvolve e funciona. Mas quer isso dizer que, se a sua mãe teve cancro da mama, você pode também padecer desta doença?

Não necessariamente. Pesquisas científicas recentes na área da Epigenética indicam que podemos influenciar a forma como os nossos genes se expressam, modificando o seu destino genético. Ainda que traços como a cor dos olhos, o tom de pele, a altura ou a estrutura óssea não sejam modificáveis, outras características (incluindo o risco de vir a sofrer determinadas doenças) podem ser ajustadas por nós.

O stress, que segundo inúmeros especialistas e profissionais que desenvolveram técnicas inovadoras, podemos aprender a gerir, a alimentação que seguimos ou o exercício físico que praticamos, por exemplo, não só afetam o nosso estado de saúde atual como podem alterar a forma como o nosso ADN se comporta e transferir esses ajustes para as gerações seguintes.

O segredo está no epigenoma, o mecanismo que responde aos sinais ambientais e depois liga ou desliga os genes, intensificando ou reduzindo a sua atividade. A epigenética – o estudo deste mecanismo – mostra que a maior parte dos genes representam apenas predisposições e que, embora não possamos controlar o nosso ADN , podemos controlar a forma como este se comporta.

Como desligar os genes maus?

Imagine que o corpo humano é um computador, em que o hardware (a máquina) é o ADN e o software (a programação) é o epigenoma, isto é, os programas que dizem ao ADN o que fazer. Os seus genes, tal como o computador, são "inúteis" sem as instruções epigenéticas. Por exemplo, «uma célula do intestino e uma célula da pele são diferentes não por terem genes diferentes, mas porque os genes que estão on (ligados) e off (desligados) não são os mesmos», salienta João Ferreira, investigador do Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa.

A ciência procura agora descobrir quais são exatamente os mecanismos que ligam e desligam os genes, de forma a prevenir algumas doenças com carga hereditária. Alguns estudos indicam mesmo que no caso de história familiar de cancro, a ingestão de determinados alimentos pode instruir o seu epigenoma a desligar os genes predisponentes de cancro.

Mas estas descobertas pressupõem algo ainda mais surpreendente e que pode revolucionar o diagnóstico e o tratamento de algumas doenças. Os estudos epigenéticos pressupõem que as escolhas que fazemos em termos de estilo de vida não só influenciam a forma como os genes são ativados, como deixam uma marca (marca epigenética) que é transmitida de pais para filhos."

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Islandeses descobrem “escudo” contra Alzheimer

Artigo publicado na rubrica Sociedade da sapo.
"Um grupo de cientistas islandeses descobriu uma mutação genética que serve de escudo à doença de Alzheimer e à degradação cognitiva do envelhecimento, avançou a revista "Nature".

Uma equipa do centro deCODE Genetics, de Reiquiavique, estudou o genoma completo de 1.795 islandeses e descobriu uma mutação do gene APP que reduziria até 40% a formação da proteína amilóide em idosos saudáveis.

A proteína é uma substância insolúvel que se acumula no cérebro dos doentes, formando placas, e é responsável pelo aparecimento da doença.

O estudo revelou que a função cognitiva dos idosos entre os 80 e os 100 anos, que tinham a mutação no gene APP, funcionava muito melhor do que a dos que não a possuíam.

“Pelo que sabemos, até agora, [a mutação] representa o primeiro exemplo de uma alteração genética que confere protecção forte contra a doença de Alzheimer”, sublinha o coordenador da equipa de investigação, Kari Stefansson.

Segundo os especialistas, a mutação genética permite travar a deterioração cognitiva nos idosos sem Alzheimer. Assim sendo, defendem que as alterações cognitivas e a Alzheimer partilham mecanismos idênticos ou parecidos.

Em Portugal, estima-se que existam cerca de 153 mil pessoas com demência, das quais 90 mil com doença de Alzheimer. "

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Aquecimento global está a transformar a tundra em florestas

Artigo publicado em 04/06/2012 por Green Savers na sapo.

"Plantas e arbustos estão a colonizar partes da tundra do Ártico, de acordo com um estudo elaborado por cientistas da Finlândia e da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Segundo o estudo, este fenómeno começou há quatro décadas e poderá levar ao aumento das pressões climáticas, caso seja replicado a uma escala maior.

A investigação percorreu uma área de 100 quilómetros quadrados – o tamanho da Islândia -, no noroeste da tundra Euroasiática, da Sibéria à Finlândia. Utilizando dados de imagens de satélite, trabalho de campo e observações de pastores de renas locais, o estudo concluiu que entre 8 a 15% da área de tundra é agora composta por salgueiros e amieiros com mais de dois metros.

“É uma grande surpresa ver estas plantas reagirem desta forma”, explicou o principal autor do relatório, Marc Macias-Fauria, da Universidade de Oxford. O estudo foi publicado ontem no jornal Nature Climate Change.

Há alguns anos, os cientistas acreditavam que os efeitos das alterações climáticas no Ártico demorariam séculos. “Descobrimos arbustos que já se estão a transformar em árvores em apenas algumas décadas”, continuou o autor.

Assim, os cientistas acreditam que o aquecimento no Ártico ocorre a um ritmo duas vezes mais rápido que no resto do mundo. Segundo especialistas, este fenómeno deverá atrair mais desenvolvimento relacionado com a procura de gás e petróleo e atrair renas e outros animais, que se alimentam de arbustos."

Nova pesquisa mostra que a subida do nível médio do mar está imparável

Artigo publicado em 05/07/2012 por Green Savers na sapo

"Por mais que os Governos cheguem a um consenso global para reduzir as emissões de carbono e as empresas invistam em tecnologias sustentáveis, o aumento do nível do mar será imparável e já não pode ser contrariado.

De acordo com cientistas norte-americanos e australianos, apesar das medidas que estão a ser tomadas, há alguns anos, para reduzir as emissões globais de carbono, a expansão da água do mar é um fenómeno muito previsível.

Embora os cortes das emissões possam atrasar o aumento do nível médio do ar, esta consequência já é inevitável devido ao aumento das temperaturas nos últimos trinta anos.

O estudo foi desenvolvido por cientistas da United States National Center for Atmospheric Research e da Climate Central and Center for Australian Weather and Climate Research e concluiu que os efeitos da industrialização aqueceram as águas que se encontram abaixo das superfícies dos oceanos, o que está a causar que as águas dos mares mais profundos se expandam.

Uma vez que estas profundidades não podem ser alcançadas, este calor chegou para ficar. Ou seja, o nível médio do mar vai continuar a aumentar até 2100, quer as emissões sejam reduzidas ou não.

Na verdade, a redução das emissões de carbono pode levar a que esta subida do nível do mar seja mais lenta. Ainda assim não a parará. Segundo os cientistas, estas reduções drásticas podem limitar o aumento no nível médio do mar até 32,2 centímetros em 2100 e 139,4 centímetros em 2300."

Os 8 animais que os cientistas podem fazer regressar à Terra

Artigo publicado em 21/05/2012 por Green Savers na sapo.


"Há pelo menos oito animais – alguns extintos há um século outros há 10 mil anos – que podem vir a ser reintroduzidos no planeta Terra através da clonagem. Veja quais são.
Tigre dente-de-sabre
Extinto há mais de 10 mil anos, este felino era mais poderoso e robusto que o actual leão. Os seus dentes chegavam a medir 20 centímetros e poderiam abater um mamute inteiro. Os seus fósséis foram encontrados em bom estado em La Brea Tar Pits, Los Angeles (EUA), e é daí que se pode extrair a informação genética.
Moa
Parecida cmo a avestruz e ema, as Moas mediam 3,6 metros e pesavam 230 quilos. Viveram na Nova Zelândia, até há 600 anos, mas ainda há penas e ovos intactos em fósseis. Os cientistas já extraíram o seu DNA para projectos de clonagem.
Mamute peludo
Este mamute poderá ser clonado, em cinco anos, por um grupo de cientistas da Universidade de Quioto, no Japão. Desaparecido há mais de 11 mil anos, este processo seria facilitado com a utilização de um elefante de hoje, que daria à luz o animal pré-histórico.
Preguiça Gigante
Outro gigantesco animal extinto há milhares de anos – oito -, mas cujas amostras de DNA foram já extraídas de restos de pelos intactos do animal. A preguiça gigante media quatro metros e pesava quatro toneladas.
Lobo da Tasmânia
Nativo da Austrália e Nova Guiné, o lobo da Tasmânia é o maior marsupial conhecido dos tempos modernos, tendo sido dado como extinto nos anos 30. Como desapareceu há pouco tempo, muitos espécimes estão em museus de todo o mundo. Assim, cientistas americanos e australianos já estão a planear cloná-los e reintroduzi-los na natureza.
Rinoceronte peludo
Outro animal gigantesco desaparecido há milhares de anos – mais de 10 –, grandes partes do rinoceronte peludo são facilmente encontradas congeladas e bem preservadas.
Dodo
Desde que foi descoberto pelos europeus até à data da extinção deste simpático pássaro passaram-se apenas 80 anos. De 1600 a 1680. Os cientistas ainda procuram o DNA suficiente para criar um clone que possa ser implantado nos ovos dos pombos, um dos seus mais modernos parentes.
Huia
Nativa da Nova Zelândia, esta ave de plumagem preta, com a ponta das asas e cauda branca, e papos laterais de cor-de-laranja foi extinta no início do século XX. O último registro visual confirmado ocorreu em 1907 e desde 2000 que cientistas do País tentam clonar o pássaro."

Rapaz de 13 anos descobre sistema que aumenta eficiência da energia solar em 20%

Artigo publicado em 06/09/2011 por Green Savers na sapo.

"Aidan Dwyer tem 13 anos e pode ser considerado um pequeno génio. Isto porque descobriu o que nenhum adulto conseguiu: criar um sistema que melhora a energia solar em 20%, através da aplicação da famosa sucessão numérica de Fibonacci.

O protótipo de painel solar criado por Aidan é 20% mais eficiente que os actuais painéis solares, recolhendo luz durante mais duas horas e meia por dia. Os jornais especializados em energias renováveis dizem já que esta invenção poderá voltar a revolucionar a energia solar.

De acordo com o Gizmodo, a descoberta do jovem de 13 anos parece ter sido tirada de um guião de filme de Hollywood. Aidan passeava pelos bosques do Estado de Nova Iorque quando reparou nos padrões em espiral das folhas dos ramos de árvores. Fotografou-os e, ao analisá-los, apercebeu-se que estes respondiam à sucessão numérica de Fibonacci.

Mais tarde, o jovem – que frequenta o 7º ano – pensou que estes padrões poderiam estar relacionados com a quantidade de luz solar que recebiam as plantas. Para provar a sua teoria, construiu dois painéis com células fotovoltaicas. O primeiro, com a forma dos actuais painéis, e o segundo com um novo desenho, baseado nos padrões dos ramos das plantas. Quando comparou os resultados, percebeu que o novo desenho superava a eficiência do antigo em mais de 20%.

“Os resultados mais interessantes produziram-se em Dezembro, quando o Sol estava na sua posição mais baixa em relação ao céu. O desenho em forma de árvore produziu mais 50% de electricidade e o tempo de recolha foi 50% superior”, assegurou o jovem num artigo publicado na página Web do museu da História Natural."

Sucessão numérica de Fibonacci
O matemático italiano Leonardo Pisa, também conhecido como Fibonacci, propôs no século XIII, o uso da sequência numérica  (1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, …). Esta sequência surge da aplicação de uma lei de formação simples: cada elemento, a partir do terceiro, é obtido somando-se os dois anteriores. Veja: 1+1=2, 2+1=3, 3+2=5 e assim por diante.
A sequência tem sido utilizada nomeadamente no desenvolvimento de modelos explicativos de fenómenos naturais.

Descoberto o mistério do fantástico sentido de orientação das trutas

Decifrado mais um mecanismo, de entre a multiplicidade de processos que condicionam o comportamento dos seres vivos. Passo a passo vão sendo desvendados os mistérios que fazem do conhecimento científico o tal edíficio em permanente construção e confirmam o velho aforismo de Sócrates de que quanto mais se sabe mais se sabe que "nada" se sabe. O texto publicado na rubrica Vida da sapo, em 11/07/12,  é elucidativo deste facto.

"Depois de passarem três anos no mar, até 300 quilómetros de distância da sua casa, a truta-arco-íris nada de volta para o seu habitat original, seguindo as correntes de água fresca até terra. Raramente se engana na direcção.

Há anos que os investigadores tentam descobrir o mistério deste fantástico sentido de orientação, que tem como pano de fundo várias características: uma fantástica visão e olfacto. Mas as trutas também parecem depender de campos magnéticos da Terra, que as levam para a direcção certa.

Agora, e pela primeira vez em qualquer animal, cientistas isolaram estes campos magnéticos no peixe que responde por esses campos. Este avanço pode ajudar os pesquisadores e perceber os sentidos magnéticos de várias espécies, incluindo dos pássaros.

“Achamos que esta descoberta vai mudar o jogo. Para estudar as células sensoriais magnéticas precisamos, primeiro, de os agarrar, e foi isso que conseguimos agora fazer”, explicou ao Huffington Post Green Michael Winklhofer, investigador da Ludwig Maximilians University, de Munique (Alemanha).

Pesquisas anteriores mostraram que muitas espécies de peixes – assim como peixes migratórios – têm a capacidade de detectar diferenças nas forças dos campos magnéticos, que variam em cada canto do globo.

Segundo os cientistas, a chave para esta capacidade está na magnetita, o mais magnético de todos os minerais e o qual encontraram incorporado no tecido das aves e peixes. Nos últimos anos, os investigadores conseguiram perceber que tecidos poderiam conter magnetita, mas nunca chegaram perto de isolar as células individuais que a continham.

Para o conseguirem, Winklhofer e os seus colaboradores colocaram a suspensão de células da truta-arco-íris debaixo de um microscópio que tinha um íman à volta do local da amostra. Assim, qualquer célula que tivesse partículas magnéticas deveria rodar lentamente com o íman, pensou a equipa.

Depois, testaram o mesmo método em tecidos isolados dos narizes dos peixes, que contêm magnetita. Em cada um dos tecidos olfactivos da truta encontraram entre uma e quatro células que rodaram com o campo magnético rotativo. A equipa transferiu então as células rotativas para lâminas de vidro individuais, para estudá-las uma vez mais debaixo do microscópio.

Em cada célula isolada, as partículas magnéticas estavam perto das membranas da célula, de acordo com o relatório publicado pela equipa de investigação no Proceedings of the Natural Academy of Sciences.

E, surpreendentemente, o magnestismo em cada célula era entre dezenas a centenas de vezes mais forte do que os cientistas pensavam. Isto sugere que o peixe pode detectar não apenas a direcção do Norte, tendo como base o magnetismo, mas também pequenas diferenças entre forças de campos magnéticos que podem dar mais detalhes precisos sobre a latitude e longitude.

“Precisamos de demonstrar que estas células são, na verdade, células sensoriais”, explica Michael Walker, da University of Auckland, Nova Zelândia. O próximo passo é recolher tecidos dos pombos para perceber onde os pássaros têm as células sensoriais magnéticas."

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Maior acelerador de partículas descobriu bosão de Higgs



Artigo escrito por Ana Gerschenfeld, jornalista do Público, em 05/07/2012
"É mesmo um bosão de Higgs, mas não se sabe se é “o” bosão de Higgs, ou seja, exactamente a partícula subatómica teorizada há cerca de 50 anos para explicar a existência da matéria. Este anúncio faz história.

“Estamos à beira de completar um capítulo da física e no limiar do que poderá ser uma nova era de descobertas”, declarou ontem aos jornalistas o norte-americano Joe Incandela, responsável máximo pela experiência CMS — uma das duas que, utilizando o LHC, o maior acelerador de partículas do mundo, procuram (ou melhor, procuravam até ontem) o já célebre mas fugidio bosão de Higgs.

Incandela acabara de apresentar, numa sala ali ao pé cheia de físicos reunidos no Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN), perto de Genebra, Suíça (onde mora o LHC), os mais recentes resultados da “caça” ao bosão de Higgs montada pela sua equipa ao longo de mais de dois anos.

Com visível emoção, tinha sido o primeiro a anunciar a descoberta, com 99,9999% de certeza, de uma nova partícula com uma massa de cerca de 125 GeV (gigaelectrão-volts) — umas 133 vezes a massa do protão — que, em primeira análise, apresenta o comportamento do bosão de Higgs. O anúncio fora acolhido com aplausos pela plateia, na qual se encontravam quatro dos físicos teóricos que, há cerca de 50 anos, postularam independentemente a existência do bosão de Higgs — incluindo o próprio Peter Higgs, o britânico que deu o seu nome à partícula.

Antes de mais, diga-se que o bosão de Higgs foi teorizado para explicar por que é que a matéria existe. Acontece que o chamado Modelo-Padrão, actualmente a melhor descrição das partículas subatómicas e das forças que as unem, exige que uma partícula confira massa às outras. Sem ela, o universo que hoje observamos, com as suas galáxias, planetas — e nós —,nunca teria surgido.

A sua detecção foi difícil, em particular porque se trata de uma partícula extremamente instável. Apenas criada nas colisões de protões lançados uns contra os outros, a velocidades próximas da da luz, nos aceleradores de partículas (tais como o LHC e, antes dele, o norte-americano Tevatron), o bosão de Higgs desintegra-se para dar origem a uma série de outras partículas — como fotões e quarks.


São essas colisões (500 milhões de milhões delas para obter os actuais resultados, segundo os cálculos de Incandela) que os cientistas da experiências CMS e ATLAS (a outra “caçadora” de Higgs no LHC) têm estado a analisar desde 2010, à procura de sinais de que um bosão de Higgs por aí passou, embora apenas durante uma ínfima fracção de segundo.

Seguiu-se a apresentação dos resultados da experiência ATLAS, pela sua responsável máxima, a italiana Fabiola Gianotti. As duas experiências são independentes — e as equipas até gostam de dizer que competem entre elas para ver quem chega primeiro à meta —, mas ontem a sintonia dos resultados foi perfeita. Gianotti também anunciou a descoberta, com 99,9999% de certeza, de uma nova partícula cuja massa ronda os 126 GeV. Os aplausos redobraram.

Ainda não é possível dizer se este novo bosão é ou não diferente do bosão previsto pelo Modelo-Padrão.“Isto é um bosão”, disse Rolf Heuer, director-geral do CERN, respondendo às perguntas durante a conferência de imprensa. “Podemos dizer que é um bosão de Higgs, mas não podemos dizer que é o’ bosão de Higgs.”

Acontece que, para além do Modelo- Padrão, há outros cenários (mais interessantes) que também prevêem bosões de Higgs. “Ficaria satisfeitíssimo se esta partícula não fosse o bosão de Higgs do Modelo-Padrão” disse Incandela. “Por exemplo, sabemos que existe matéria escura no universo e se esta partícula não fosse exactamente o bosão de Higgs do Modelo-Padrão poderia vir a funcionar como um portal”, dando acesso a novos territórios do conhecimento.

Contudo, a determinação da identidade da nova partícula exige um estudo muito aprofundado das suas propriedades e vai demorar. “É como se tivéssemos acabado de avistar uma pessoa ao longe”, salientou Heuer. “Para sabermos se é o nosso melhor amigo ou o seu gémeo, vamos ter de nos aproximar.

Tornem a perguntar dentro de três a quatro anos.” Diga-se ainda que também seria possível — embora os especialistas não evoquem muito esta hipótese por enquanto — que não se tratasse afinal de um bosão de Higgs, nem “convencional” nem atípico, mas de uma partícula mais exótica, o que levaria ainda mais tempo a desvendar.

O que poderá ser possível confirmar até ao fim do ano é se o bosão de Higgs agora descoberto é uma partícula “escalar”— ou seja, uma partícula “que não gira sobre si própria, por assim dizer”, como explicou ao PÚBLICO o francês Marumi Kado, da equipa da ATLAS (os físicos diriam que o seu spin é igual a zero). Ora, essa é “uma propriedade- chave do mecanismo de Higgs”, salientou, que é o processo através do qual o bosão de Higgs confere massa às outras partículas.

Entretanto, o LHC continua a “cuspir” dados, que batalhões de computadores e cientistas espalhados pelo mundo vão analisando. Fá-lo-á até ao primeiro trimestre de 2013, quando encerrará durante dois anos para manutenção e para permitir quase duplicar a energia de colisão dos protões acelerados no seu túnel circular subterrâneo com 27 quilómetros de perímetro. O encerramento agendado para o fim deste ano, mas Heuer revelou ontem que, devido à descoberta, irá permanecer em funcionamento mais “dois meses e meio a três meses”.

Uma coisa é certa, a partir de agora: esta descoberta histórica está a gerar emoções fortes na cabeça dos físicos. Incandela, por exemplo, declarou ontem, com algum lirismo: “Estamos a começar a olhar para o ‘tecido’ do universo como nunca o tínhamos feito até aqui. Este bosão é algo de muito profundo. Ocupa um lugar diferente, tem uma relação com o estado do universo, encarna de facto a substância das partículas com as quais vivemos.”

 
Kado, físico de 41 anos que há apenas um mês foi nomeado responsável por toda a investigação futura sobre o bosão de Higgs na experiência ATLAS, expressou sentimentos igualmente intensos: “A partir de agora, vejo toda a natureza de forma diferente”, afirmou. “E o bosão de Higgs está no centro de tudo.”"

 

domingo, 1 de julho de 2012

Reveladas evolução, vida sexual e raízes da perigosidade de fungos que infectam humanos

Artigo escrito por Ana Gerschenfeld, jornalista do Público, em 04/06/2009

"Há 270 milhões de anos, uns bocadinhos do património genético de diminutos fungos, que até lá não tinham nada de particular, começaram a sofrer uma mudança de identidade. Normalmente, os fungos, do género Candida – não deveriam ter sobrevivido a tal alteração genética – mas sobreviveram, ao ponto que são hoje os principais responsáveis pelas infecções fúngicas nos seres humanos. Como é que foi possível? A sequenciação dos genomas de uma série de espécies deste fungo permitiu agora explicar este aparente paradoxo.

Células do fungo patogénico Candida albicans vistas ao microscópio óptico

O genoma dos seres vivos é uma grande molécula, feita do encadeamento de quatro moléculas de base, a que chamamos “letras” para respeitar a metáfora segundo a qual o genoma contém as “instruções” para a construção de cada tipo de organismo. Grosso modo, cada “palavra” de três letras consecutivas, ou “codão”, codifica um dos 20 aminoácidos, os tijolos de construção que as células vivas utilizam para fabricar as suas proteínas, componentes essenciais dos tecidos biológicos. Aminoácidos esses que o organismo vai buscar às proteínas animais contidas nos alimentos.

Desde a descoberta dos codões, há uns 50 anos atrás, pensava-se que essa correspondência codão-aminoácido – o chamado “código genético” – era comum a todos os organismos vivos, universal. O argumento era que, uma vez o código genético fixado, de uma vez por todas, nos primórdios da evolução das espécies, já não podia ser alterado sem consequências funestas para o organismo afectado.

No fim da década de 80, porém, Manuel Santos e a sua equipa da Universidade de Aveiro foram dos primeiros grupos do mundo a propor que isso não era bem assim: descobriram que as Candida conseguiram sobreviver apesar de ter sofrido uma alteração do seu código genético que deveria ter sido perfeitamente tóxica. Num trabalho hoje publicado em consórcio internacional na revista “Nature”, explicam pela primeira vez, graças à análise comparativa dos genomas de várias espécies diferentes de Candida, como é que essa “mudança de identidade” teve concretamente lugar.

“O nosso resultado tem implicações tremendas do ponto de vista biológico”, disse-nos em conversa telefónica Manuel Santos. “Significa que o código genético não é universal. Já tínhamos descoberto essas alterações há uns anos, mas com este estudo conseguimos perceber como é que essa evolução aconteceu.”

Basicamente, nas Candida, o codão que inicialmente mandava colocar no sítio correspondente da proteína em construção um aminoácido chamado leucina, passou a comandar a colocação de um outro aminoácido, a serina. E esta alteração do código genético “deveria ter sido letal”, repete Manuel Santos.

Mas esse codão não mudou repentinamente de identidade; pelo contrário, fê-lo muito gradualmente, ao longo de milhões de anos. “Há 270 milhões de anos, esse codão começou a mudar e adquiriu duas identidades diferentes”, diz ainda Manuel Santos. A maior parte das vezes, continuava a comandar a colocação de leucina, mas de vez em quando colocava serina. A seguir – e é este o segredo do sucesso da operação –, “durante 100 milhões de anos, esse codão desapareceu praticamente do genoma dos fungos. E quando reemergiu, com a sua segunda identidade, foi em posições onde já não era tóxico para os genes”. Um belo truque evolutivo.

Para que é que serve este tipo de alteração ao código genético? “Não sabemos”, responde-nos Manuel Santos. Mas acrescenta logo: “Estes fungos têm uma enorme necessidade de contornar o sistema imunitário humano. Uma possibilidade é que esta alteração do código genético seja um mecanismo compensatório destinado a aumentar a diversidade genética das Candida, que só muito raramente se reproduzem de forma sexuada”. Os organismos que apenas se reproduzem de forma assexuada formam colónias de clones, geneticamente idênticos – e portanto, têm dificuldade em resistir aos ataques do sistema imunitário dos seus hospedeiros.

Um outro dos aspectos agora esclarecidos por este trabalho prende-se precisamente com a reprodução destes fungos. “Há décadas que a reprodução sexuada dos fungos era objecto de intenso debate”, frisa Manuel Santos. “Pensava-se que não havia reprodução sexuada nestes organismos. Mas ela é importante para gerar diversidade genética. Agora, a sequenciação dos genomas de Candida clarificou definitivamente esta questão: algumas espécies possuem genes de reprodução sexuada e outras não. Contudo, naquelas que apresentam uma reprodução sexuada, ela só acontece muito raramente, sendo normalmente assexuada” – isto é, por fissão celular.Do lado da medicina: perceber de onde vem o perigo

Normalmente, as candidíases manifestam-se como lesões cutâneas e podem ser facilmente tratadas com medicamentos antifúngicos. Mas, em caso de deficiência imunitária, podem ser letais, espalhando-se para o fígado, os pulmões, o cérebro. Põem em risco bebés prematuros, doentes transplantados, pessoas com HIV. E algumas espécies estão a tornar-se resistentes.

O que faz com que uma espécie de Candida seja patogénica e outra inócua? Este é um dos aspectos ainda pouco claros. Mas os resultados hoje publicados permitem começar a desvendar o mistério. “A sequenciação dos genomas e a sua comparação mostrou que as espécies patogénicas possuem um conjunto de genes envolvidos na patogénese” diz Manuel Santos, que liderou a participação portuguesa no trabalho.

Mais precisamente, o seu genoma contém um maior número de cópias de uma série de genes que codificam o fabrico de proteínas, chamadas adesinas, que comandam a síntese de proteínas da parede celular destes fungos. “São elas que interagem com as células humanas”, frisa Manuel Santos, “e isso é importante para a adaptação do fungo ao sistema imunitário do hospedeiro”, adaptação que condiciona a manutenção da infecção. “Este resultado é muito importante porque pode permitir desenvolver novos antifúngicos”, conclui."

O que é que os insectos canibais nos ensinam sobre a escolha do que comemos e a obesidade?

Texto escrito por Alexandra Prado Coelho, jornalista do Público, 26/02/2012

"No Norte dos Estados Unidos há uma espécie de grilos, a Anabrus simplex, que avança em bandos, atravessando campos e estradas. O biólogo Stephen Simpson põe a imagem em movimento no ecrã atrás dele - a massa de insectos move-se imparável. Por que é que não param?

Quanto menos proteínas se come, maior é a tendência para compensar a dieta com hidratos de carbono.

Esta é uma história que tem que ver com comida. A dieta destes grilos é muito baixa em proteínas e eles procuram alimentos que possam suprir essa falha. "Qual a principal fonte de proteínas que têm à disposição?", pergunta Simpson. Sim, é o grilo que está ao lado. É por isso que eles continuam a andar. Quando param, são comidos.

Stephen Simpson, especialista em fisiologia da nutrição da Universidade de Sydney, na Austrália, foi um dos oradores na conferência Food for thought: tasting ideas, na semana passada, na Fundação Champalimaud, em Lisboa. E usou o canibalismo destes grilos para explicar como é que o cérebro dos animais (e dos humanos) funciona no momento de escolher alimentos.

O cientista descreveu um teste no qual à frente destes insectos foram colocadas quatro rodelas de alimentos, sendo uma apenas de hidratos de carbono, outra de proteínas, outra de hidratos de carbono e proteínas, e a última sem nada. O resultado foi conclusivo: os animais concentravam-se em redor das rodelas com proteínas. Isto significa, segundo Simpson, que existe nos cérebros deles uma espécie de sensor que indica as necessidades alimentares dos seus organismos.

Vários testes em animais e humanos mostram a mesma tendência de comportamento: quando não estão a ingerir proteínas suficientes, quer uns quer outros tentam compensar ingerindo uma maior quantidade de hidratos de carbono e gorduras. O resultado é a obesidade.

Foi o que se verificou com a população dos Estados Unidos, explicou Simpson. A partir de certa altura, a dieta dos norte-americanos baixou em média de 14% de proteínas para 12,5%, quebra que eles tentam compensar com a ingestão de mais gorduras e hidratos de carbono.

Aconteceu o mesmo com o grupo de alunos que, quando era professor de entomologia na Universidade de Oxford, no Reino Unido, Simpson levou para um "chalé nas montanhas, dizendo-lhes que podiam comer tudo o que lhes apetecesse". A dieta foi sendo alterada, sem que eles se apercebessem, e a quantidade de proteínas foi reduzida.

Os resultados confirmaram o que os testes com animais já tinham mostrado: quanto menor a quantidade de proteínas, maior a tendência para a compensar a dieta com hidratos de carbono e gordura. Notou-se uma tendência em especial para o consumo de snacks com sabores fortes, como as batatas fritas, cujo gosto (o chamado umami, ou o quinto dos cinco gostos básicos, além do doce, salgado, amargo e ácido) é habitualmente associado às proteínas, daí que consumi-los pode dar a ilusão de se estar a obter mais proteínas.

Mas como sabe o cérebro de quantas proteínas precisamos? Carlos Ribeiro, cientista suíço filho de pai português, investigador do Programa de Neurociências da Fundação Champalimaud, tem estudado a mosca-do-vinagre à procura da resposta. Mostra um desenho em que uma mosca, de guardanapo ao pescoço, tem de decidir entre um hambúrguer e um prato cheio de bolos.

Adaptação à gordura

Na realidade, o que acontece no laboratório é que as moscas têm a opção entre comida com corante vermelho (açúcares) e azul (proteínas). "Podemos ver o que escolheram vendo a cor da barriga delas", explica Carlos Ribeiro. "Parecem ter uma espécie de sensor que indica a quantidade de proteínas que devem ingerir." Os cientistas alteraram geneticamente esse sensor para que "diga sempre "não tens proteínas suficiente", e assim, por muito que ela coma, continua a achar que não chega". Isto "pode ajudar-nos a perceber por que é que há pessoas que comem de mais e outras que não comem o suficiente".

Sabemos que as proteínas são necessárias ao organismo porque são a única fonte de azoto de que ele dispõe para o crescimento. Daí que exista uma predisposição genética natural para procurar proteínas (que estará afectada nas pessoas que sofrem de anorexia).

Mas estes dados conduzem-nos a outra pergunta: por que é que o nosso organismo não nos deixa comer proteínas em excesso? Ou, dito de outra forma, como é que sabemos que já comemos as suficientes? As investigações de Simpson apontam para uma resposta: se se der demasiadas proteínas a um insecto, a esperança de vida reduz-se. Restringir o consumo de proteínas é, portanto, um mecanismo de defesa. Os estudos de Simpson revelam ainda outra tendência interessante. O que sabemos, até agora, é que tanto humanos como animais têm dificuldade em regular a ingestão de alimentos calóricos (hidratos de carbono e gordura) quando os hábitos alimentares se alteram. Mas, pergunta o investigador, será que no futuro se vão adaptar melhor a isso?

A experiência foi feita com lagartas: ao longo de várias gerações, foram alimentadas com excesso de calorias. Inicialmente, a tendência foi o desenvolvimento da obesidade, mas ao fim de oito gerações os insectos conseguiam já libertar-se do excesso de hidratos de carbono sem os transformar em gordura - tinham-se tornado imunes. Esta descoberta, afirma Simpson, pode abrir caminho à descoberta de genes que permitam o combate à obesidade."