terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Taxa para sacos de plástico foi a melhor acção ambiental de 2015, diz a Quercus

Inês Moreira Cabral - Público

No balanço de 2015, a ONG refere que os maiores problemas foram as descargas poluentes e as "absurdas" metas de reciclagem de resíduos urbanos.
 
A Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza, emitiu esta segunda-feira o balanço ambiental do ano, com as boas e as más práticas de 2015. A Organização Não Governamental para o Ambiente pede maior responsabilidade ecológica para o próximo ano, por um crescimento económico mais sustentável.
 
A imposição de taxas aos sacos de plástico descartáveis, no âmbito da chamada fiscalidade verde, revelou-se “eficaz para minimizar a produção de resíduos e ajudar a uma maior sustentabilidade ambiental”. Por isso, esta medida surge em primeiro lugar na lista de boas acções ambientais do ano. A medida foi aprovada o ano passado, mas só entrou em vigor no início deste ano. Nuno Sequeira, da Quercus, afirma que “esta é uma medida transversal a todos os sectores. Basta ir ao supermercado e é fácil perceber que o paradigma mudou”. A medida terá significado, por outro lado, um aumento de mais de 40% no consumo de sacos de lixo em Portugal mas o responsável da Quercus insiste que, ainda assim, esta taxa terá ajudado a minimizar a produção de resíduos.
 
A recuperação de espécies extintas em Portugal recebeu também nota positiva este ano, depois de o investimento na fauna ameaçada ter devolvido habitat a espécies com estatuto de conservação, como o abutre-preto, que esteve extinto em Portugal ao longo de cerca de 40 anos, a águia-imperial-ibérica e o lince ibérico, que já conta com uma população de onze animais em território nacional.
 
A Cidadania pelo Ambiente é ainda apontada com um passo importante, e a organização evidencia os esforços dos cidadãos do Ribatejo pelo movimento “Vamos Salvar o Rio Almonda” como um exemplo de “persistência” na luta pela despoluição do rio, que levou à suspensão de algumas licenças de descargas de efluentes industriais. A criação da Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP), que reúne cidadãos e entidades algarvias para impedir a exploração de hidrocarbonetos na região é também apontada como bom exemplo de cidadania activa pelo ambiente.
 
A Quercus refere também entre as boas iniciativas de 2015 pelo ambiente, o acordo climático assinado em Paris na Conferência do Clima COP21, no qual as 196 nações signatárias se comprometeram a reduzir emissões de gases de estufa para manter o aumento da temperatura global nos 1,5ºC.
 
Más Práticas
Mas também houve mau ambiente em 2015. Uma das principais criticas diz respeito este ano às descargas poluentes no rio Tejo, que, de acordo com a Quercus, já formaram barreiras que impedem a migração da fauna piscícola ao longo do caudal do rio, cada vez mais degradado. As descargas ilegais e os caudais cada vez mais reduzidos deixam em risco não só a bacia do Tejo e a qualidade da água, mas põem em causa a pesca, a saúde das pessoas e o potencial turístico das zonas ribeirinhas.
 
As decisões políticas são também alvo de crítica no balanço. A Quercus defende que as metas de reciclagem, definidas em 2014 no Plano Estratégico de Resíduos urbanos (PERSU 2020), são “absurdas, porque obrigam as regiões do interior a reciclarem 80% dos resíduos em 2020, enquanto as grandes metrópoles, de Lisboa e Porto, só têm de reciclar entre 23 e 35%”. A organização avisa ainda que se as metas das duas cidades não forem aumentadas, o objectivo comunitária de reciclagem de 50% dos resíduos urbanos não será cumprido.
 
A criação, pelo anterior governo, de um regime especial para regular a actividade de empresas sem licença de exploração, desde pedreiras a explorações pecuárias, é ainda apontada pela ONG como uma “via verde para a irresponsabilidade ambiental”. O Decreto-lei 165/2014, que estipula o regime excepcional e suspende as contra ordenações em vigor contra as empresas, tinha sido já apontado no balanço de 2014 da Quercus como uma das piores iniciativas do ano para o ambiente.
 
O novo Regime Jurídico Aplicável às Acções de Arborização e Rearborização (RJAAR) também consta da lista negra do ano. O aumento desenfreado de plantações de eucalipto aumenta o risco de incêndios e põe em causa “pinhais-bravos e outras formações da nossa floresta”, associados a uma “incorrecta mobilização de solos”. Os ambientalistas acusam a falta de ordenamento de território e a falta de investimento em outras espécies, uma vez que o eucalipto é já abundante no país.
 
A fraude da Volkswagen, que manipulou os dispositivos de controlo de emissões das viaturas, incluindo em cerca de 117 mil carros vendidos em Portugal, e a suspensão, pela própria Quercus, do galardão de ouro que tinha atribuído à Praia de Dona Ana, no concelho de Lagos, por as intervenções ali feitas terem colocado em causa o equilíbrio ambiental e paisagístico, são outros pontos negros neste balanço.
 
Desejos para 2016
Para o próximo ano, a Quercus pede intervenção das autarquias no uso de herbicidas nos espaços públicos em prol de métodos não químicos. Muitos municípios já aderiram à campanha, lançada pela ONG o ano passado, mas a Quercus apela para que outros autarcas sigam o mesmo exemplo.
 
Com a proposta do actual governo para a revisão do regime de rearborização, a organização está expectante quanto à acção política em matéria de ambiente no próximo ano, e apela a “outros consensos políticos” sobretudo no que toca a melhorar o pacote de medidas da Fiscalidade Verde.
 
“Noventa por cento das verbas da Fiscalidade Verde são alocadas na reforma do IRS, e apenas 10% é investido no ambiente. O governo tem penalizado as más acções contra o ambiente, mas também deveria bonificar as boas para os que o beneficiam”, propõe Nuno Sequeira. O representante da ONG espera que o actual governo avance com uma revisão da distribuição destas verbas.
 
A ONG pede ainda mais investimento na sensibilização para a Conservação da Natureza, num ano que será “decisivo para a consolidação da Rede Natura 2000 em Portugal”.
Texto editado por Andrea Cunha Freitas

Quando uma matriarca elefante morre, uma das filhas herda o seu estatuto social

- Público

Ditado de elefantes: “Se uma cair, outra levanta-se.” Esta parece ser de facto a fórmula que garante a resiliência das sociedades matriarcais de paquidermes africanos à caça ilegal de que têm sido alvo.
Duas jovens fêmeas de famílias diferentes interagem sob o olhar de uma parente mais velha
É a “transmissão vertical” da posição social que, no seio das manadas de elefantes africanos (Loxodonta africana), tem permitido a estas complexas sociedades matriarcais resistirem à dizimação dos seus elementos mais experientes por caçadores furtivos. Os resultados foram publicados na revista Current Biology.
 
Segundo as estimativas, caçadores ilegais mataram 100.000 elefantes africanos entre 2010 e 2012, explica um comunicado daquela revista. Como explicar então que, apesar deste massacre — que atinge fortemente as matriarcas decanas devido ao maior tamanho das suas presas de marfim —, a estrutura social das manadas de elefantes se tenha mantido estável? A resposta chegou agora.
 
Shifra Goldenberg, Iain Douglas-Hamilton e George Wittemyer, das universidades de Oxford (Reino Unido) e do Colorado (EUA) e da organização sem fins lucrativos Save the Elephants, com sede em Nairobi (Quénia) — e fundada pelo co-autor Iain Douglas-Hamilton —, estudaram, ao longo de 16 anos, os padrões de agrupamento social das fêmeas adultas de elefantes que vivem no Norte do Quénia. Os seus resultados mostram que as filhas das matriarcas ocupam frequentemente a posição social da mãe quando esta morre — seja de velhice ou das balas dos caçadores.
 
“Ficámos surpreendidos ao constatar a importância que a rede social da mãe tem para os novos laços sociais da filha”, diz Shifra Goldenberg, citada pelo comunicado. “Já tínhamos observado, no passado, jovens fêmeas a juntar-se a parceiras imprevistas, mas agora percebemos que as mães dessas jovens já se conheciam e tinham passado um tempo juntas.”
 
Os elefantes vivem em grupos que incluem fêmeas e as suas crias, formados por várias famílias relacionadas entre si, sendo uma fêmea adulta — a matriarca — que lidera cada família. Estudos anteriores da estrutura social das manadas já tinham revelado uma complexidade social comparável à das sociedades humanas. Ainda segundo o mesmo documento, os autores do actual estudo também analisaram agora a forma como as fêmeas do grupo que tinham filhas — e que desempenhavam um importante papel enquanto matriarcas — modelavam a vida social das suas filhas — ou seja, preparavam-nas para o desempenho do “cargo”.
 
Em particular, os cientistas conseguiram prever qual iria ser, após uma disrupção social no grupo devido à morte de matriarcas, a posição social de uma dada filha com base no que fora a posição social da sua mãe nos anos anteriores. “Esta capacidade de a filhas preencherem o lugar deixado vago pelas mães é o motor da resiliência da rede social [dos grupos de elefantes]”, lê-se ainda no comunicado.
 
De um modo geral, em caso de morte de matriarcas, eram as filhas mais velhas e mais experientes que passavam a ocupar esses “nós” centrais da rede social. E em situações extremas, quando as famílias do grupo perdiam a maior parte dos seus adultos, os elefantes criavam novas redes de relações mais distantes.
 
Isso tem permitido a manutenção da rede social dos elefantes do Quénia, apesar de uma taxa de “renovação” das fêmeas adultas que nos 16 anos do estudo rondou os 70%!
 
“O facto de os elefantes serem socialmente resilientes é importante e entusiasmante: mostra a sua resiliência inata face a essa ‘desafortunada’ pressão humana” que é a caça furtiva, diz Shifra Goldenberg.
 
“Teria sido expectável que uma sociedade centrada em matriarcas como estes grupos de elefantes se desmoronasse devido à perda das matriarcas, mas o nosso estudo mostra que estes animais são capazes de se adaptar a este tipo de mudanças”, salienta a investigadora.
 
“O nosso estudo demonstra que essa robustez social existe tanto nos grupos de elefantes confrontados com perdas menores, como nos que sofrem grandes perdas”, diz George Wittemyer. “Permite um certo optimismo quanto à capacidade de recuperação dos elefantes, desde que consigamos aliviar a pressão gerada pelas agressões humanas.”
 
É esta mesma “resiliência das redes” que faz com que uma rede global de computadores como a Internet resista aos ataques exteriores. Muitos “nós” da rede podem ir abaixo, mas há sempre alternativas que mantêm a rede funcional. Mas, como faz notar a revista Nature, o fenómeno é raramente observado na natureza.

Identificado gene que explica o aparecimento de novas espécies

Rita Ponce - Público

A questão do aparecimento de novas espécies tem intrigado gerações de cientistas. Charles Darwin chamou-lhe “o mistério dos mistérios”. Um gene essencial para a divisão das células na mosca-do-vinagre veio ajudar a desvendar este enigma.
 
Sabe-se que o cavalo e o burro pertencem a espécies diferentes mas podem cruzar-se e ter descendentes, a mula e o macho, que, no entanto, são estéreis. Há mais casos semelhantes no reino animal, e é através do estudo destes casos que os cientistas tentam explicar como e por que razão aparecem novas espécies. Cientistas nos Estados Unidos descobriram agora um gene responsável por barreiras à reprodução entre duas espécies de moscas-do-vinagre. Surpreendentemente, este gene pode também estar relacionado com o desenvolvimento de cancro.
 
“Dizemos que existem espécies novas quando existem barreiras que impedem que se cruzem entre si”, explica Nitin Phadis, primeiro autor do artigo na última edição da revista Science e investigador da Universidade de Utah, em comunicado de imprensa. “Identificar os genes e desvendar a base molecular da esterilidade ou morte dos híbridos é chave para compreender o aparecimento de novas espécies.”
 
Os cientistas descobriram que o gene chamado “gfzf” – cuja acção normalmente impede que células com danos no ADN se dividam – está também envolvido nas barreiras biológicas à reprodução entre duas espécies muito próximas de moscas-do-vinagre, causando a morte dos machos híbridos. Utilizadas como modelos de investigação, as moscas-do-vinagre permitem compreender processos genéticos mais latos, neste caso sobre as barreiras biológicas entre espécies distintas e o aparecimento de novas espécies.
 
“A verificação do ciclo celular por genes como gfzf tem um papel importante na correcção de erros durante o ciclo celular, que, caso não sejam corrigidos, podem causar cancro. O nosso trabalho sugere que a especiação e a biologia do cancro podem fazer parte do mesmo contínuo de processos biológicos”, diz Harmit Malik, líder do projecto e investigador do Centro Fred Hutchinson de Investigação do Cancro, também em comunicado.
 
A mosca-do-vinagre é muito usada para estudos genéticos e desde 1910 que os cientistas tentam descobrir as causas das barreiras à reprodução entre duas espécies muito próximas de mosca-do-vinagre – as espécies irmãs Drosophila melanosgaster e Drosophila simulans que, quando cruzadas entre si, só têm filhas, que são estéreis. Os machos morrem durante a fase larvar. Outros estudos já tinham identificado dois genes envolvidos na mortalidade dos machos, mas como a sua acção não explicava totalmente o fenómeno previa-se que existisse um terceiro gene. Este estudo poderá agora desvendar este enigma com mais de um século.
 
Através de 55.000 cruzamentos entre moscas das duas espécies com mutações pontuais e da análise de mais de 330.000 filhas híbridas, os cientistas descobriram seis filhos machos híbridos que conseguiram sobreviver.
 
A análise de todo o genoma destes machos revelou que todos tinham mutações no gene gfzf. Tinha-se encontrado o gene que era o responsável pela morte dos machos. E que, quando possuía mutações que o desactivavam, permitia a sobrevivência dos machos resultantes do cruzamento entre as duas espécies de moscas.
 
“Não seria possível resolver este mistério com as abordagens genéticas tradicionais. Foi preciso uma abordagem totalmente nova, através da análise de todo o genoma”, conta Harmit Malik. Agora os cientistas pensam que os métodos que utilizaram poderão acelerar a descoberta da base genética do isolamento reprodutor noutros grupos animais.
Texto editado por Teresa Firmino

D. Ana: Do bonito areal ao "paredão" atual

Rosa Ruela - Visão - 29/12/2015

Ainda nem passaram seis meses desde a alimentação artificial da praia D. Ana, em Lagos, e já o mar levou tanta areia que os desníveis metem medo.
 
 
 
 
 
 
 
 




 
 
 
 
 
 
Com temperaturas máximas a rondar os 20 graus, as férias de Natal e Ano Novo têm atraído muito boa gente à joia das joias da Costa d'Oiro. Vista de cima, do miradouro, a praia D. Ana continua enquadrada à direita por deliciosos leixões no meio do mar, como se caminhassem na direção da Ponta da Piedade. Mas por estes dias não será boa ideia olhar para baixo porque o areal parece ter sido cortado longitudinalmente, aqui e ali, como se o mar fosse uma faca afiada.
 
 
Olhar para a esquerda também não traz na volta uma boa imagem. Logo abaixo do edifício Montana, um dos dois empreendimentos turísticos de vários andares que castigam a arriba há cerca de vinte anos, há um grande buraco, rodeado por um velho gradeamento que ameaça cair a qualquer momento e terminado por canos de plástico.
 
E para a direita, muito perto das escadas de madeira maltratadas, escorre um esgoto a céu aberto. As autoridades dizem ser apenas águas pluviais inofensivas, mas os moradores sabem que estão misturadas com o que sai da estação de tratamento a funcionar cá em cima, no largo.
 
"É esgoto puro; mesmo que 80% tenha sido tratado, como dizem, basta ver a cor e o cheiro", diz Maria Trigoso. "Antes, ia diretamente para o mar, mas agora, como escorre para a areia, cavou um enorme vale na praia."
 
Foi em julho, já a época balnear começara, que terminou a alimentação artificial da praia D. Ana. Além de alargar o areal em 50 metros, com areia dragada ao largo, a obra, orçada em quase 2 milhões de euros, incluiu a construção de um esporão com 40 metros que ligou a falésia ao Leixão da Artilharia.
 
O esporão deveria ser suficiente para conter os 140 mil metros cúbicos de areia dragada ao largo, ou pelo menos grande parte deles. Tudo com o objetivo principal de aumentar o espaço para estender a toalha longe das arribas instáveis.
 
Agora, nem seis meses decorridos, o mar já fez desaparecer vários metros de areal. Na Agência Portuguesa do Ambiente garantem que a movimentação era esperada, que a praia foi "sobrealimentada" em 15 a 25 por cento, e que os desníveis, com o tempo, vão desaparecer. Mais: sem esta intervenção, o mar teria incidido com frequência batido na base da arriba, tornando-o ainda mais vulnerável.
 
Mas quem ali mora ou passa férias não se cansa de deplorar o estado atual da D. Ana. "Começou a ficar sem areia a partir de outubro, com as suestadas", conta Maria Trigoso "E ainda não houve um daqueles ventos muito fortes que levam tudo."
 
Os efeitos secundários também já se fizeram sentir – parte da areia levada pelo mar apareceu no Pinhão, uma praia pequenina à sua esquerda. Fernando Silva Grade, artista plástico e ativista do grupo ambientalista Almargem, chama-lhe "metástase".
 
Exagero? A Quercus, que ainda no verão suspendeu a classificação "Qualidade de Ouro" à praia D. Ana, "por considerar que as intervenções realizadas colocaram em causa o equilíbrio ambiental e paisagístico que deve nortear a atribuição deste galardão", escolheu essa suspensão um dos "piores factos ambientais de 2015" no balanço do ano agora publicado.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Cientistas descobrem forma de evitar parto prematuro

Renascença - 24/12/2015
O estudo ainda não está concluído, mas os resultados dos testes são positivos. A investigação ajudou a localizar o elemento que provoca as contracções da mulher.
 
O parto prematuro, a principal causa de morte perinatal de mães e bebés, pode ser evitado graças a uma descoberta de cientistas norte-americanos publicada na revista especializada "Science Transnational Medicine".
 
Uma investigação da Universidade de Stanford e da Universidade do Nevada ajudou a localizar o elemento que provoca as contracções da mulher, o que permitiu desenhar um inibidor para as interromper e adiar o parto.
 
Actualmente, não existe uma estratégia específica para prevenir ou tratar os partos prematuros que provocam a morte ou graves deficiências em inúmeros recém-nascidos todos os anos.
 
O desencadeador do parto é um canal de cálcio, ou seja, uma proteína semelhante a um poro que se encontra na membrana das células e que controla o fluxo de cálcio até ao interior da célula.
 
A identificação do canal de cálcio nas células musculares da parede uterina como causador da activação das contracções permitiu aos médicos identificar o alvo para onde será direccionado um inibidor para as bloquear.
 
Os investigadores aperceberam-se de que este canal de cálcio está mais presente em mulheres grávidas do que nas não-grávidas, aumentando os índices à medida que a gestação avança.
 
Os canais de cálcio são conhecidos pela capacidade de conduzir e manter o ritmo cardíaco, pelo que faz sentido que ajudem a preparar o corpo da mulher para o parto, como descobriu a equipa liderada pelo cientista Lihua Ying.
 
As equipas académicas de Nevada e Stanford desenvolveram um inibidor e testaram-no com sucesso em dois tipos de roedores, conseguindo prolongar as gravidezes e evitar partos prematuros.
 
Pelo contrário, a estimulação do canal de cálcio acelerou o parto dos ratinhos, comprovando a descoberta.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Impacto de cometas gigantes pode pôr em risco a vida na Terra

Marta Santos Silva- Diário de Notícias - 23/12/2015
Os cometas são um perigo subestimado para a segurança da vida na Terra. É o alerta lançado por um grupo de astrónomos num artigo científico publicado esta semana em que demonstram que os cometas, e não só os asteroides, devem ser vistos como uma potencial ameaça contra a qual deve haver vigilância. O principal perigo é causado pelas "caudas" dos cometas.
 
Os astrónomos da Universidade de Buckingham, no Reino Unido, estudaram o potencial perigo que representam as centenas de cometas gigantes que têm sido descobertas nas últimas décadas para a vida na Terra, e chegaram a conclusões preocupantes.
 
Embora se invista muito esforço científico e mesmo militar para perceber melhor como podemos prever e proteger-nos do impacto de um asteroide, não existe o mesmo nível de investimento na deteção e prevenção de cometas, mas os cientistas, Bill Napier e Duncan Steel da Universidade de Buckingham e Mark Baily e David Asher do Observatório de Armagh, chamam a atenção para o perigo que colocam as longas e icónicas caudas dos cometas.
 
Os cometas gigantes, chamados "centauros", que existem predominantemente no Sistema Solar exterior, ou seja, na região para lá da cintura de asteroides que separa Marte de Júpiter, são por vezes enviados para a zona onde se encontram os pequenos planetas, incluindo a Terra, por "empurrões" gravitacionais dos planetas maiores. À medida que se aproximam do Sol, os cometas, feitos de gás, gelo e rocha, começam a desintegrar-se.
 
É essa desintegração que forma a longa cauda do cometa, e é também o que apresenta maior risco para a Terra - se o "centauro" viajar pela zona próxima da Terra, deixará um rasto de destroços que "inevitavelmente" entrarão em colisão com o nosso planeta.
 
O estudo publicado na revista científica Astronomy and Geophysics, da Royal Astronomical Society, destaca que é possível prever que um cometa deste género se atravesse no caminho da Terra a cada 40 mil a 100 mil anos.
 
A descoberta é consistente com o que se sabe do passado da vida terrestre. Algumas das grandes extinções do passado, incluindo a morte dos dinossauros há 65 milhões de anos, podem estar associadas à passagem de cometas gigantes.
 
"Nas últimas três décadas, temo-nos esforçado muito para vigiar e analisar o risco de uma colisão entre a Terra e um asteroide. O nosso trabalho sugere que temos que olhar para além do nosso bairro imediato também, para lá da órbita de Júpiter, para encontrar os "centauros". Se tivermos razão, então estes cometas distantes podem ser um perigo sério, e está na hora de os percebermos melhor", disse Bill Napier, num comunicado divulgado pela Royal Astronomical Society.

sábado, 19 de dezembro de 2015

O nascer da Terra como nunca o viu

Diário de Notícias - 19/12/2015
"A imagem é simplesmente incrível", disse um dos responsáveis pelo projeto, Noah Petro, citado no comunicado da NASA.
 
"A imagem da Terra evoca a famosa foto "The Blue Marble" tirada pelo astronauta Harrison Schmidt durante a missão Apollo 17, há 43 anos, que também mostrava África em destaque", acrescentou o especialista da agência espacial norte-americana.
 
Lançada a 18 de junho de 2009, a sonda Lunar Reconnaissance Orbiter (LRO) assiste a 12 "nasceres da Terra" diários. Contudo, os seus sete instrumentos estão normalmente apontados para a superfície lunar, pelo que raramente o fenómeno da Terra a aparecer por detrás da Lua é captado pelas câmaras.
 
A imagem agora divulgada é uma montagem de uma série de imagens tiradas a 12 de outubro, quando a sonda estava a 134 quilómetros acima da cratera lunar Compton.
 
"A partir da Terra, o nascer e o pôr da Lua são sempre momentos inspiradores", referiu o investigador principal do LRO, Mark Robinson. "No entanto, os astronautas lunares vão ver algo completamente diferente: vista da superfície lunar, a Terra nunca nasce nem nunca se põe. Como a lua está bloqueada pela força das marés, a Terra surge sempre no mesmo local acima do horizonte, variando apenas ligeiramente com o leve oscilar da Lua. A Terra pode não se mover através do 'céu', mas a vista não é estática. Os futuros astronautas vão ver os continentes a rodar e podem sempre ser atraídos pelo padrão das nuvens. A Terra nunca é visível do lado oculto da Lua; imaginem um céu sem Terra ou Lua. O que é que os exploradores do lado negro da Lua pensar sem uma Terra por cima das suas cabeças?", acrescentou.

A primeira imagem do nascer da Terra foi capturada pela Lunar Orbiter 1, em 1966. Mas a mais icónica é a da véspera de natal de 1968, capturada pela missão Apollo 8.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Uma ilha que se tornou na Meca da biologia tropical

Juan José Rodriguez  - Jornal Público

“Barro Colorado é provavelmente a floresta tropical mais estudada do mundo”, essencial para o estudo das alterações climáticas.
Há cerca de 350 projectos científicos a serem conduzidos em Barro Colorado
Uma ilha artifical de 15 quilómetros quadrados no meio do canal do Panamá tornou-se na Meca da biologia tropical: a comunidade científica internacional vê neste pequeno paraíso um laboratório a céu aberto para analisar os efeitos das alterações climáticas.
 
Barro Colorado está situado no coração do lago artificial de Gatun, criado no início do século XX durante a construção do canal do Panamá. Gerido pelo Instituto Smithsonian para a investigação tropical (STRI), este território alberga uma das principais reservas de florestas húmidas tropicais do mundo e cerca de 350 projectos científicos que ali estão a ser conduzidos.
 
“Barro Colorado é provavelmente a floresta tropical mais estudada do mundo e isso ajudou-nos muito para compreender o funcionamento das outras florestas em todo o planeta”, explica William Laurance, investigador associado do STRI e professor da Universidade James Cook, na Austrália.
 
Entre os cientistas que trabalham na ilha, situada a 40 quilómetros a nordeste da Cidade do Panamá, alguns optaram por viver ali para aproveitar plenamente as instalações: laboratório de investigação, estufas, insectário, salas de informática e de conferências. Outros chegam de barco da aldeia de Gamboa.
 
“Se me perguntarem qual é a verdadeira Meca da biologia tropical, eu respondo Barro Colorado”, garante Camilo Zalamea, um biólogo e botânico colombiano especializado no estudo de sementes, com um doutoramento em França. Na ilha contam-se 465 espécies de vertebrados, incluindo 72 de morcegos, 500 espécies de papoilas, 400 de formigas, 384 de aves e cinco tipos de macacos: o macaco-aranha, o macaco-prego, macaco-titi, macaco-uivador e macaco-da-noite.
 
Também há cutias (roedores), tapires, quatis (pequenos mamíferos), tartarugas, crocodilos, porcos-do-mato, salamandras e serpentes. Alguns cientistas garantem que também viram veados, pumas e jaguares.
 
Avançando pelos trilhos de Barro Colorado, o visitante penetra na floresta densa e rica, com mais de 1200 espécies de plantas e árvores, algumas delas centenárias. Os investigadores fazem diversas medições nas árvores, como a sua taxa de humidade, a altura, o perímetro e as trocas gasosas. Para tal, utilizam um aparelho de análise de gás que usa radiação infravermelha e que é introduzido em tubos de PVC colocados no terreno e na casca das árvores, e recorrem também a um dendrómetro que está equipado com uma cinta metálica que é colocada à volta do tronco.
 
O objectivo é também analisar a medida das árvores e a quantidade de dióxido de carbono libertado para a atmosfera por este ecossistema. “Face às alterações climáticas, estamos a tentar compreender como é que a floresta reage às variações de temperaturas e como as emissões de carbono evoluem em função da temperatura e da humidade do solo”, explica a bióloga e engenheira ambiental Vanesa Rubio.
Segundo os cientistas, a poluição ambiental e a desflorestação fazem com que as florestas libertem uma maior quantidade de dióxido de carbono, um gás que está na origem do aquecimento global – porque o gás que está armazenado nas cascas é libertado quando as árvores são abatidas.
 
“O ciclo do carbono mudou. Ficou completamente maluco”, diz Vanesa Rubio.
 
Na ilha, um terreno de 50 hectares, com mais de 200 mil árvores marcadas e recenseadas de cinco em cinco anos, é dedicado ao estudo da evolução da floresta. “Por causa das alterações climáticas, as secas são mais severas e a temperatura aumentou. Parece que as árvores não se vão aguentar”, considera Rolando Perez, um botânico panamiano que identifica as árvores de Barro Colorado há mais de 25 anos. Ele explica que, embora o número de árvores não tenha diminuído enormemente, observaram-se mudanças na “composição das árvores ou das espécies sensíveis”.
 
Camilo Zalamea, tal como outros investigadores que trabalham em Barro Colorado, espera que o trabalho efectuado na ilha tenha sido tido em conta nas negociações da cimeira do clima em Paris. Um grupo de 52 países com florestas tropicais exige que um acordo mundial sobre as alterações climáticas reconheça o contributo destes ecossistemas e que uma cooperação mundial seja acordada para os proteger.
 
Segundo estudos recentes, os efeitos das alterações climáticas são visíveis no crescimento das árvores e das lianas tropicais, o que tende a reduzir a capacidade de armazenamento de dióxido carbono e alterar a composição das plantas.

Espécie animal imortal

National Geographic Júnior
Graças a um processo único, uma espécie de medusa consegue reverter o seu organismo ao seu estágio primário de vida.
 
O nome científico é Turritopsis dohrnii (anteriormente Turritopsis nutricula), também conhecido como medusa imortal, e pode ser encontrado no mar Mediterrâneo e nas águas da costa japonesa. Esta espécie consegue reverter o processo biológico de envelhecimento, de um estado adulto e sexualmente maduro, para um estágio imaturo.

A vida desta medusa começa como uma pequena larva, capaz de nadar livremente pela água, conhecida como plânula. Na fase seguinte de crescimento, esta forma uma colónia de pólipos, prendendo-se ao fundo do mar. Estes pólipos unem-se numa forma única dando origem à medusa, que se liberta do fundo do mar, passando a circular normalmente. Nesta fase, a medusa já adulta e sexualmente madura procura acasalar rapidamente.

Quando exposta a condições de stress, agressões físicas, ou mesmo se adoecer ou envelhecer, esta medusa ativa um mecanismo biológico de reversão, voltando ao estágio de pólipo para formar uma nova colónia e recomeçar o seu processo de vida. Teoricamente, este processo repete-se indefinidamente, tornando esta espécie de medusa biologicamente imortal.

Como é óbvio, podem ser vítimas de inevitáveis predadores ou adoecer fatalmente na sua forma de medusa, antes de coneguir reverter o processo.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Novas fronteiras no combate ao VIH


Temos hoje uma nova ferramenta e com ela uma oportunidade de colocar o nosso país na vanguarda do combate ao VIH.

Surgiu nos últimos anos uma nova estratégia de prevenção do VIH conhecida como profilaxia pré-exposição (PrEP). A PrEP consiste na toma de um medicamento antirretroviral (o Truvada, usado para tratar pessoas que vivem com VIH), para prevenir a infecção em pessoas seronegativas. Vários estudos recentes demonstraram que, quando tomada devidamente, esta estratégia de prevenção tem uma eficácia perto dos 100%.

Estes estudos foram conduzidos sobretudo em homens que têm sexo com homens (HSH). Isto porque a infecção por VIH neste grupo continua a aumentar em todo o mundo ocidental. Em consequência, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou, este ano, a recomendar a disponibilização da PrEP para os HSH em risco: com um historial de sexo anal desprotegido, mais do que dez parceiros sexuais num ano, casais serodiscordantes (em que uma das pessoas é seropositiva e a outra não), ou mesmo em grupos de especial risco como trabalhadores sexuais.
 
Nos Estados Unidos, a PrEP foi disponibilizada para os HSH há mais de quatro anos com um empenhado apoio do Centros para o Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC). Os resultados são claros: zero novas infecções entre os utilizadores da PrEP! A ministra da Saúde francesa anunciou já este Novembro que a França será um país onde a PrEP ficará disponível a curto prazo. No Reino Unido existem clínicas que vendem PrEP e já há muitos HSH que estão a importar do estrangeiro. Na Bélgica, Holanda e Alemanha existem estudos de implementação que estão a disponibilizar PrEP aos HSH neste preciso momento.

Em Portugal, as novas infecções por VIH entre HSH têm vindo a aumentar de forma preocupante. De acordo com dados do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), a incidência nos HSH em Lisboa é de 3,36 em cada 100 por cada ano. Ou seja, a cada ano que passa, mais de três em cada 100 HSH infectam-se. Ainda este ano, Henrique de Barros, ex-coordenador Nacional da Luta Contra a Sida e reputado epidemiologista, demonstrou que entre os HSH portugueses cerca de 80% têm indicação para iniciar PrEP, o que quer dizer que deveriam estar já a fazer PrEP, pois correm um elevado risco de se infectarem.

O sucesso da PrEP entre os HSH norte-americanos percorreu o mundo e os movimentos cívicos ligados ao VIH estão hoje na linha da frente reivindicando a generalização da PrEP. Em muitos países como o Reino Unido, onde a PrEP não é comparticipada, existem já redes de HSH seronegativos que importam Truvada genérico da Índia e o tomam de forma “selvagem” – isto é, sem apoio de uma consulta médica, onde possam vigiar os efeitos secundários desta medicação e realizar o teste do VIH e de outras infecções de forma periódica.

Ficamos a saber também neste Novembro que em Portugal já há HSH a fazerem o mesmo e até já criaram um grupo de apoio nas redes sociais. A “PrEP selvagem” pode ser um perigo para a saúde de quem a utiliza mas é também um sinal de que os HSH estão atentos aos riscos que correm e dispostos a fazer alguma coisa para os combater.

No entanto, apesar da ciência, das autoridades de saúde mundiais e da experiência que já existe, a PrEP continua a não estar disponível em Portugal. A imprensa já abordou o tema, as associações e movimentos da área do VIH já o discutem há alguns anos. Mas as nossas autoridades de saúde continuam inertes. A sua passividade e recusa em distribuir PrEP em Portugal custa-nos a todos um pesado fardo: a cada dia, semana e mês que passam surgem novas infecções. Novas infecções é um eufemismo para nos referirmos a pessoas que vão viver o resto das suas vidas sob medicação crónica. São décadas futuras de antirretrovirais, consultas e análises clínicas que todos nós iremos pagar.

Neste dia 1 de Dezembro de 2015 assinalámos a memória de todos os que morreram vítimas desta epidemia. E ao mesmo tempo estamos mais perto do que nunca de podermos colocar um ponto final nesta tragédia global. Temos hoje uma nova ferramenta e com ela uma oportunidade de colocar o nosso país na vanguarda do combate ao VIH. Faltam a vontade política e a determinação dos nossos responsáveis pela saúde. A partir de agora todos os dias contam, pois em todos esses dias há novas infecções que poderiam ser evitadas com esta nova estratégia. Uma estratégia que promete virar a página na longa história da luta contra a sida.
Médico, activista do GAT-Portugal (grupo de activistas em tratamentos para o VIH/SIDA)

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

O mito de Einstein



Um dos pontos altos deste Ano Internacional da Luz é a celebração precisamente hoje, dia 25 de Novembro, do centenário da obra maior de Albert Einstein, a teoria da relatividade geral, que descreve a força da gravidade, ultrapassando Newton. Foi um dos maiores empreendimentos do espírito humano: percebeu-se que conceitos aparentemente tão díspares como o espaço, o tempo, a matéria e a energia estavam ligados por uma equação matemática que culminava longos esforços em demanda de uma descrição unificada do Universo. Ainda hoje essa equação se mantém de pé, apesar de todas as investidas teóricas e experimentais para a derrubar. De facto, a Natureza nada revelou até agora que nos faça duvidar da solidez da descrição einsteiniana.

Para mim como para tantos outros que escolherem a Física como profissão, Einstein foi um herói da juventude. Não me sentia tanto seduzido pelo lado icónico, seguramente o mais visível: o sábio de ar bondoso, farta cabeleira, camisola de lã e sandálias. Tratava-se antes da atracção pelo invisível, que a sua figura personificava melhor do que qualquer outra. Ele encarna a ideia de que o mundo é compreensível. Não sabemos porquê, mas é. O físico Einstein foi um pouco filósofo ao declarar: “O que há de mais incompreensível no mundo é o facto de ele ser compreensível.” Pode ser difícil, mas é possível decifrar os mistérios do mundo. O sábio suíço, nascido na Alemanha, também disse um dia que: “Deus é subtil, mas não é malicioso”. Não sendo ele uma pessoa religiosa no sentido comum, queria ele dizer que o Universo é intrincado, mas os seus mecanismos são acessíveis à mente humana. O trabalho continuado dos físicos e dos outros cientistas tem confirmado essa afirmação.

Incompreensível é também o facto de o mundo se revelar compreensível através de equações. O cérebro de Einstein produziu há cem anos uma equação, cuja beleza espantou o próprio autor (“A teoria é de uma beleza incomparável”, comentou), que permitiu previsões que se haveriam de revelar certeiras a respeito do mundo: um minúsculo desvio da órbita de Mercúrio em relação ao previsto usando as leis de Newton; uma pequena deflexão pelo Sol da luz proveniente de estrelas por detrás dele; buracos negros, abismos cósmicos que são fins locais do espaço-tempo; e o Big Bang, que é o início global do espaço-tempo a partir de uma prodigiosa concentração de energia. Galileu tinha dito que “o Livro da Natureza está escrito em caracteres matemáticos”. E Newton tinha escrito os Princípios Matemáticos de Filosofia Natural, contendo a sua lei da gravitação universal. Mas Einstein veio acrescentar, numa base matemática, que a geometria do espaço-tempo (espaço e tempo tinham sido ligados em 1905 na sua teoria da relatividade restrita) é comandada pela matéria-energia (os dois também ligados na mesma altura). A força da gravidade mais não é do que o encurvamento do espaço-tempo, às ordens da matéria-energia. Para usar uma metáfora visual, um astro como o Sol está no espaço-tempo como uma bola em cima de um lençol esticado. Se colocarmos um berlinde, que será a Terra, com velocidade adequada ele rodará em torno da bola central.

Roland Barthes, o semiólogo e filósofo francês que tal, como a teoria maior de Einstein, nasceu há cem anos (designadanmente a 12 de Novembro de 1915), escreveu nas suas Mitologias (Edições 70, 1978): “(...) o produto da sua invenção assumia uma condição mágica, reincarnava a velha imagem esotérica e uma ciência inteiramente encerrada nalgumas letras. Há um único segredo do mundo e esse segredo condensa-se numa palavra, o Universo é um cofre-forte de que a humanidade procura a cifra: Einstein chegou quase a encontrá-la, é esse o mito de Einstein; aí se nos deparam de novo todos os temas gnósticos: a unidade da Natureza, a possibilidade irreal de uma redução fundamental do mundo, o poder de abertura da palavra, a luta ancestral entre um segredo e uma linguagem, a ideia de que o saber total não pode descobrir-se senão de um só golpe, como uma fechadura que cede bruscamente depois de mil tacteamentos infrutuosos.”

O prolongado confronto do cérebro humano com o Universo (um confronto natural pois o nosso cérebro é a única parte do Universo que o consegue compreender) vai tendo resultados felizes, como a epifania de Einstein há cem anos. A história da ciência ensina-nos que cada revelação não é o fim de nada, mas um novo princípio. Einstein não foi o fim de Newton, cuja teoria da gravitação universal continua a ser válida em certas condições. Foi o início de uma cosmovisão bem mais fantástica do que a de Newton, pois o mundo do sábio inglês não podia albergar buracos negros nem provir de uma explosão inicial. Escreveu o Padre Teilhard de Chardin, paleontólogo e teólogo francês contemporâneo de Einstein: “à escala do cósmico só o fantástico pode ser verdadeiro.”
Professor Universitário (tcarlos@uc.pt)

De onde vêm as principais leveduras do vinho? Dos carvalhos do Mediterrâneo


Equipa coordenada por investigador português acaba de descobrir a origem selvagem das leveduras vínicas mais utilizadas na fermentação das uvas. Este é um novo capítulo da história da domesticação do nosso melhor “microamigo”.

Amostras da levedura Saccharomyces cerevisiae
Frascos com pedaços de carvalho recolhidos no campo para obter amostras de leveduras
A vinha e o vinho são tradicionais no Mediterrâneo
Ao longo da história, o homem tem domesticado animais, plantas e até microrganismos, através da selecção e propagação de características consideradas úteis ou interessantes. Foi o que aconteceu também com a levedura do vinho. Actualmente, as leveduras que existem nas uvas, nas vinhas, nos lagares e nas adegas — e que são responsáveis pela fermentação da uva para produzir vinho — são muito semelhantes em todo o mundo: pertencem a uma população global da espécie Saccharomyces cerevisiae. Até agora, não se sabia de onde vinham estas leveduras. Mas a equipa de José Paulo Sampaio, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL), descobriu o “parente selvagem” das principais leveduras do vinho: vive nas cascas de carvalhos da região mediterrânica.

As leveduras vínicas pertencem a um grande grupo de leveduras de cuja ecologia pouco se sabe, embora sejam muito estudadas em laboratório e com aplicações industriais. “Pasteur foi o primeiro a estudar [as leveduras do género] Saccharomyces e muitos outros lhe seguiram as pisadas. No entanto, apesar de receber tanta atenção desde os primórdios da microbiologia, ainda hoje ninguém sabe com exactidão como e onde vivem na natureza”, conta o biólogo José Paulo Sampaio.

No caso da levedura Saccharomyces cerevisiae, ela acompanha o homem há milhares de anos e é utilizada não só para a produção de vinho — há estirpes com características diferentes usadas para levedar a massa de pão e para produzir algumas cervejas e bioetanol.

Os novos resultados da equipa do investigador português foram publicados na Molecular Ecology e esta revista decidiu convidar especialistas nesta área a escrever um comentário sobre o trabalho para ser publicado em simultâneo. “Para conhecer a origem das leveduras do vinho, precisávamos de conhecer o seu parente mais próximo em condições naturais — e foi isto que este trabalho identificou”, sublinha ao PÚBLICO Christian Landry, da Universidade de Laval, no Canadá, um dos três autores do comentário. Para estes especialistas, os novos resultados científicos esclarecem o processo de domesticação “do melhor microamigo do homem”.

“Agora podemos perceber se as leveduras do vinho foram domesticadas uma ou mais vezes ao longo da história da humanidade. Permite-nos também perceber de onde vêm os genes destas leveduras que as tornam boas produtoras de vinho”, acrescenta o investigador canadiano. “A longo prazo, este estudo ajudar-nos-á a compreender a história da produção de vinho e poderá também ser útil para os produtores de vinho que se interessem em saber por que é que algumas estirpes são melhores do que outras na produção de vinho.”

O vinho é produzido através da fermentação das uvas (esmagadas) por acção das leveduras, que transformam o açúcar da fruta em álcool e dióxido de carbono. Embora a Saccharomyces cerevisiae não seja a única levedura envolvida na produção de vinho, é a mais importante. “No mosto inicial, há uma multidão de leveduras. No processo de produção do vinho, ocorre naturalmente uma sucessão de microrganismos, acabando por predominar a levedura Saccharomyces cerevisiae”, explica José Paulo Sampaio.

O processo industrial é muito semelhante, mas neste caso há a intervenção do próprio produtor de vinho — “são adicionadas leveduras seleccionadas, para que estas predominem”.

José Paulo Sampaio dedica-se ao estudo da evolução e diversidade de leveduras desde o seu doutoramento, na década de 1990, e este é o tema principal de investigação do grupo que lidera na Unidade de Ciências Biomoleculares Aplicadas na FCT-UNL. “A [nossa] investigação consiste em compreender as transformações que estão por detrás da domesticação microbiana, ou seja, as modificações genéticas que deram origem às leveduras que hoje utilizamos para produzir produtos como o vinho”, explica. “Estes assuntos têm interesse académico, porque se relacionam com a evolução. E têm interesse aplicado, porque a compreensão destes fenómenos ajuda-nos a melhorar e a diversificar os produtos industriais.”

Este grupo de investigação tem estudado a origem das leveduras responsáveis pela fermentação na produção de cerveja e cidra, além dos vinhos, recolhendo amostras destes microrganismo por todo o mundo. “Já viajei pela Patagónia argentina, pelo Cerrado brasileiro, regiões montanhosas na Nova Zelândia e florestas na Austrália e Nova Caledónia. E encontrámos leveduras selvagens da Saccharomyces que nunca ninguém tinha encontrado”, relata o cientista.

Indiana Jones da microbiologia
O projecto de investigação que esteve na base do artigo na Molecular Ecology iniciou-se em 2005, com a procura de populações selvagens de Saccharomyces cerevisiae em árvores em Portugal. E foi nas cascas de carvalhos que os cientistas as descobriram.

Mais tarde, estenderam o trabalho a ambientes naturais por outras regiões do globo — Espanha, França, Itália, Eslovénia, Grécia e Japão —, escolhendo locais de amostragem representativos da diversidade das regiões e em colaboração com cientistas de outros países. Por todo o mundo, recolheram muitas amostras em espécies de carvalhos e de outras árvores.

“O trabalho de campo tem um pouco de Indiana Jones da microbiologia. Mas é sobretudo cansativo e repetitivo. Há calor, moscas e pó”, considera José Paulo Sampaio. “Em cada saída recolhemos dezenas ou centenas de amostras de casca ou de solo debaixo da árvore. E anotamos a localização de cada colheita. As amostras são colhidas assepticamente e colocadas em sacos estéreis. A parte laboratorial começa quando colocamos as amostras em frasquinhos”, descreve ainda.

Entre as amostras de leveduras recolhidas, a equipa sequenciou o genoma de 90 delas. A comparação dos genomas dessas 90 amostras e de outras amostras de todo o mundo disponíveis em bancos de dados revelou a identidade dos parentes selvagens mais próximos das leveduras do vinho: são leveduras que existem em cascas de carvalho na bacia mediterrânica. E foi na Península Ibérica, no Sul de França, em Itália, na Grécia e Eslovénia que as encontraram.

A surpresa não foi tanto pela descoberta das leveduras selvagens no Mediterrâneo — afinal, essa é a região de origem da vinha e do vinho —, mas por ter sido nas cascas de carvalhos. Mais exactamente, encontraram-nas no carvalho-português (Quercus faginea), no carvalho-negral (Quercus pyrenaica), na azinheira (Quercus ilex) e no carvalho-alvarinho (Quercus robur). Porém, no sobreiro (Quercus suber), que é uma das espécies de carvalhos mais frequente em Portugal, não se detectaram estas leveduras.

“Parece um paradoxo termos encontrado esta levedura em carvalhos, e não onde há muita fruta. Mas, embora existam centenas de espécies de carvalho, apenas a encontrámos em espécies de carvalho que têm cascas onde há vestígios de açúcar”, refere o investigador. “As bebidas alcoólicas surgem em todas as civilizações e têm uma história muito antiga: os registos mais antigos são da China sobre a fermentação do arroz. O vinho teve origem na bacia mediterrânica e disseminou-se a partir daí. Por isso, não ficámos muito surpreendidos por termos encontrado a população selvagem aqui.”

As análises genéticas mostraram que as leveduras das cascas de carvalho são da mesma espécie do que as leveduras vínicas — a Saccharomyces cerevisiae —, mas já pertencem a populações diferentes. A separação entre elas terá ocorrido entre há 1300 e 10.300 anos. O que, de acordo com o artigo, é coincidente com os primeiros registos de produção de vinho, que remontam a 5400 a 5000 anos a.C. Ou seja, esses registos têm 7400 a 7000 anos e são relativos a vestígios químicos da presença de vinho num recipiente encontrado numa aldeia do Neolítico na região do Irão.

A análise dos genomas das leveduras trouxe outras novidades. A levedura vínica tem genes importantes para a fermentação e produção de vinho, uma vez que contêm as instruções de fabrico de moléculas que transportam açúcares e compostos azotados para dentro das células. Mas a equipa descobriu que esses genes não existem nas leveduras Saccharomyces selvagens. Em contrapartida, há leveduras de outros géneros — como a Zygossacharomyces — que têm estes genes relevantes para a fermentação.

Portanto, esses genes na estirpe domesticada da Saccharomyces cerevisiae não vieram das suas congéneres selvagens e foram assim adquiridos de outras leveduras, ao longo de milénios de selecção para a produção de vinho. O facto de não existirem nas leveduras selvagens significa que a aquisição desses genes pela levedura do vinho ocorreu após a sua separação das populações selvagens. Ainda não se sabe como é que tal aconteceu: uma possibilidade é ter sido através de cruzamentos com outras leveduras e, como estes genes tinham efeitos favoráveis para a produção de vinho, foram seleccionados e propagados.

“Fomos nós que forçámos a aquisição destas características — esta é uma característica da domesticação”, remata José Paulo Sampaio. “Acho muito engraçado começar a transpor o conhecimento da domesticação para os micróbios”, considera o investigador, sublinhando que as espécies domesticadas, sejam animais, plantas ou micróbios, têm características relevantes para o homem que não existem nos parentes selvagens. “As espécies domesticadas estão associadas a um ambiente criado pelo homem — a levedura do vinho existe nas vinhas, nos lagares e nas adegas, onde ficam todo o ano de modo dormente”, acrescenta.

“Este trabalho representa um esforço gigantesco e inclui muitas componentes: recolha de amostras no campo, trabalho laboratorial de cultura e identificação dos microrganismos, sequenciação genética e a análise bioinformática”, frisa João Paulo Sampaio, referindo-se à importância das colaborações com investigadores de Itália, França, Reino Unido, Eslovénia e Japão para o sucesso deste projecto. “Algumas etapas demoraram mais de seis anos. É um trabalho quase fora de moda nos dias que correm.”

Os resultados estão já disponíveis para investigadores no mundo inteiro: as sequências de ADN das amostras de leveduras recolhidas pela equipa estão em bancos públicos de dados (como o GenBank) e as leveduras selvagens encontram-se guardadas na FCT-UNL, numa colecção destinada a investigação científica.
Texto editado por Teresa Firmino

Borracha escolar resolveu mistério dos pergaminhos medievais


O velino ultrafino das bíblias medievais terá sido feito com a pele de animais abortados? A resposta foi agora obtida utilizando uma técnica muito simples e não invasiva.

Extracção de proteínas de um pergaminho utilizando um pedaço de borracha
Sarah Fiddyment mostra o pergaminho de um acto jurídico
Página de uma bíblia do século XIII
Uma simples borracha em PVC permitiu a uma equipa internacional de biólogos, arqueólogos, medievalistas e outros especialistas concluir que o finíssimo pergaminho de que foram feitas, na Idade Média, as páginas das primeiras “bíblias de bolso”, afinal não provém, como especulavam alguns, da pele de fetos de animais. Os resultados foram publicados na última edição da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

Milhares de bíblias de bolso foram fabricados, a partir do século XIII, sobretudo em França, mas também em Inglaterra, Itália e Espanha, lê-se num comunicado a Universidade de Iorque (Reino Unido), onde o estudo foi realizado. Alexander Devine, co-autor do estudo, e estudioso de manuscritos antigos, explica no mesmo documento que a importância e a influência das bíblias produzidas em grande escala ao longo do século XIII foram “o resultado directo do seu formato em volume único e portável, tornado possível pela combinação inovadora de estratégias de miniaturização e de compressão conseguidas através do uso de pergaminho extremamente fino”.

Como salientava, por outro lado e com alguma ironia, um outro co-autor do estudo – Bruce Holsinger, medievalista da Universidade da Virgínia (EUA) – num artigo da sua autoria publicado na mesma semana na revista The New York Review of Books, o facto é que “uma grande parte da nossa herança escrita sobrevive sob a forma de uma grande massa de restos mortais de animais”.

E este especialista fazia notar ainda que, no Reino Unido, continua a ser é obrigatório “imprimir e conservar as cópias oficiais das leis aprovadas pelo Parlamento em pele de animal, o que inspira ocasionalmente debates em Westminster acerca da ética e da economia do comércio de pergaminho” – tradição essa que poderá vir a acabar em breve, “para a grande consternação da comunidade dos conservadores [de arquivos] e dos especialistas de livros de arte”.

Velino uterino?
Seja como for, a utilização da palavra em latim abortivum em muitas fontes documentais para se referir ao pergaminho ultrafino desses volumes antigos levou alguns especialistas a sugerir que se tratava de “velino uterino” – isto é, que a pele de fetos de bovino, ovino e de outros animais de criação fora usada para o fabricar.

Pelo seu lado, os críticos desta teoria retorquiam que não teria sido sustentável criar animais apenas para abortar fetos com vista a produzir as grandes quantidades de velino necessárias para as edições em grande escala daquela altura. Ainda outra teoria estipulava que, para fabricar o pergaminho, também teriam sido utilizados animais selvagens como coelhos ou esquilos. Por último, havia quem propusesse que era possível obter o velino a partir da pele de animais mais velhos através de uma técnica específica de produção, hoje esquecida. E parece ser esta a teoria que agora se confirma a partir do estudo.

O trabalho foi realizado por cientistas do Reino Unido, França, Bélgica, Dinamarca, Irlanda e Estados Unidos, liderados por Sarah Fiddyment e Matthew Collins, do Departamento de Arqueologia da Universidade de Iorque. Os cientistas aplicaram pela primeira vez uma técnica não invasiva, dita de “extracção triboeléctrica de proteínas”, para resolver esta controvérsia de longa data. O método não podia ser mais simples e imediato: consiste em esfregar suavemente o pergaminho com uma borracha de PVC.

Na área da conservação, explicam os autores na PNAS, é corrente utilizar-se borrachas de PVC, semelhantes às borrachas da escola, para limpar os documentos antigos. Ora, como fazem ainda notar, o método apresenta uma vantagem adicional: proteínas provenientes do material antigo ficam agarradas à borracha ao mesmo tempo que a sujidade – e podem portanto ser analisadas para determinar a sua origem. Já agora, é graças à electricidade electroestática criada pela fricção (o chamado efeito triboeléctrico) que a borracha consegue “apagar” a sujidade e extrair as proteínas.

Os cientistas recolheram desta forma proteínas animais no velino de 72 bíblias de bolso medievais originárias de França, Inglaterra e Itália – e ainda, de 293 amostras de pergaminho do século XIII, lê-se no comunicado. A espessura dos pergaminhos variava de 0,03 a 0,28 milímetros.

Quando a seguir submeteram o material recolhido à clássica técnica de espectroscopia de massa, os cientistas conseguiram determinar, em particular, quais as espécies animais que tinham sido utilizadas para fabricar o velino. Uma primeira conclusão: “Não encontrámos qualquer vestígio de animais imprevistos”, diz Sarah Fiddyment, citada no mesmo documento. “Porém, conseguimos identificar mais do que uma espécie de mamífero num mesmo documento, e isso bate certo com a disponibilidade das peles conforme o local de fabrico.”

Quanto ao facto de poder tratar-se de pele de animais abortados, nada indica que esse seja o caso: “Os nossos resultados sugerem que o velino ultrafino não provém necessariamente do uso de animais abortados ou recém-nascidos com uma pele ultrafina, mas podem [pelo contrário] reflectir a utilização de um processo de produção que permitia transformar em velino de igual qualidade e finura a pele de mamíferos em maturação de diversas espécies”, acrescenta a investigadora.

A prova disso é o facto que, depois de concluído este trabalho, o co-autor e especialista em conservação de pergaminhos Jirí Vnoucek conseguiu recriar pergaminhos semelhantes ao “velino uterino" a partir de peles antigas. “É mais uma questão de utilizar a tecnologia certa de fabrico do que de recorrer à pele de animais uterinos”, explica. “Claro que as peles de animais mais novos são as melhores para produzir pergaminho fino, mas posso imaginar que toda a pele era utilizada e que nada era deitado fora.”

Uma das luas de Marte vai esmigalhar-se e dar um anel ao planeta


A lua Fobos tem como futuro a desintegração devido às forças gravitacionais a que está submetida. Mas não será para já. E das rochas e poeiras resultantes dessa destruição nascerá um novo acompanhante do planeta. 

Representação artística do futuro anel de Marte

Fobos, uma das duas luas de Marte
Marte tem duas luas, Fobos e Deimos. E a maior, Fobos, está a aproximar-se lentamente de Marte. Até agora não se sabia se isso a levaria à sua desintegração ou à colisão com o planeta. Dois investigadores da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, prevêem que dentro de 20 a 40 milhões de anos a lua Fobos se despedaçará e os seus fragmentos vão dar origem a um anel. Assim, num futuro longínquo, o planeta vermelho terá como companheiros uma lua e um anel.

Este trabalho contribui para compreender a história dos satélites naturais e dos anéis dos planetas do nosso sistema solar. Tushar Mittal, um dos autores do estudo, explica, segundo um comunicado da sua universidade, que é provável que existissem muitas mais luas em redor dos planetas do sistema solar e que elas se tenham desintegrado e formado anéis. Pensa-se mesmo que esta seja a origem dos anéis dos planetas exteriores. Há anéis em redor de Júpiter e Saturno, os chamados “gigantes gasosos”, e de Urano e Neptuno, os “gigantes gelados”.

As duas luas de Marte — Fobos e Deimos, que significa “medo” e “pavor” em grego antigo — receberam o nome dos filhos do deus grego da guerra, Ares, a que os romanos chamaram Marte. Ambas as luas foram descobertas em 1877 pelo astrónomo norte-americano Asaph Hall. Pequenas, de forma irregular, fazendo lembrar batatas, pensa-se que as luas marcianas terão sido asteróides capturados pelo campo gravitacional de Marte. Deimos tem 18 quilómetros de diâmetro máximo e dez de mínimo. Já Fobos, a maior, tem 26 quilómetros de diâmetro máximo e 16 de mínimo, e encontra-se numa órbita mais próxima de Marte.

“Ao contrário da nossa Lua, que se afasta da Terra alguns centímetros por ano, Fobos está a aproximar-se de Marte alguns centímetros por ano. Por isso, é inevitável que colida ou se desintegre”, refere Benjamim Black, co-autor do estudo publicado na última edição da revista Nature Geoscience. “Uma das nossas motivações para estudar Fobos é que nos permite desenvolver ideias sobre os processos sofridos por uma lua à medida que se move em direcção a um planeta.”

Actualmente, só se conhece mais uma outra lua do sistema solar que se está a aproximar do seu planeta — Tritão, em órbita de Neptuno. No caso de Fobos, à medida que se aproxima de Marte, aumentam as tensões gravíticas a que está sujeito. A atracção exercida pela gravidade de um corpo maior provoca “forças de maré” num corpo mais pequeno, fazendo com que se estique e encolha. As forças de maré são as mesmas forças que provocam as marés na Terra e resultam, neste caso, da força da Lua e do Sol sobre a massa oceânica. Quando um corpo é sólido, como Fobos, estas forças causam tensões que resultam em fracturas.

Para deduzir o desfecho desta aproximação, a equipa estimou a coesão dos materiais de Fobos, baseando-se em dados geológicos e usando modelos geotécnicos.

Nesses cálculos da coesão, fizeram-se também simulações sobre a formação da maior cratera de impacto existente na lua — a cratera Stickney. Em 1973, a União Astronómica Internacional baptizou-a com o apelido de solteira da mulher de Asaph Hall, Angeline Stickney, que o tinha incentivado na procura de satélites de Marte. O impacto de um meteorito terá formado esta grande cratera de nove quilómetros de diâmetro, sem no entanto ter destruído a lua. Ora esta colisão é também um indicador da coesão de Fobos, uma vez que a lua se teria desintegrado se fosse ou muito rígida ou pouco.

A coesão da maior lua marciana é relativamente baixa, indicam os resultados do estudo. “Fobos é um agregado poroso e heterogéneo de rochas muito destruídas e outras mais intactas”, refere o artigo. A coesão do satélite será assim insuficiente para resistir às tensões gravíticas, que aumentam com a aproximação a Marte, o que causará a sua desintegração. Esta fragmentação será semelhante à que poderíamos observar se puxássemos uma barra de cereais pelas extremidades, espalhando migalhas e pedaços por todo o lado, descreve a equipa no comunicado.

As rochas e as poeiras resultantes da desintegração da lua continuarão a orbitar Marte e distribuir-se-ão rapidamente em volta do planeta, formando um anel. Se neste processo se formarem fragmentos muito coesos, eles continuarão a aproximar-se de Marte, acabando por colidir com o planeta, originando então mais crateras de impacto na sua superfície.

Mas estes acontecimentos não são para já. O anel só aparecerá dentro de 20 a 40 milhões de anos. A sua posterior evolução foi também prevista pelos cientistas. “O anel poderá persistir durante um a 100 milhões de anos, conforme a distância entre Fobos e Marte no momento em que a lua se desintegrar”, precisa Benjamim Black à agência noticiosa AFP.

O anel ficará em torno de Marte até os seus fragmentos caírem em Marte, como uma chuva de estrelas.

Quando pensamos em planetas com anéis, surge logo Saturno enfeitado pelos seus anéis gelados, que podemos ver da Terra com telescópios. Já o futuro anel de Marte, talvez nem se consiga ver da Terra (quem quer que cá estiver nessa altura), porque as poeiras não reflectem muita luz solar, ao contrário do gelo nos anéis de Saturno. “Mas, daqui a umas dezenas de milhões de anos, a visão a partir de Marte será espectacular”, antevê Benjamim Black.
Texto editado por Teresa Firmino

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Pode a atmosfera da Terra também desaparecer?

Sapo, Quero Saber
O anúncio que a NASA ia apresentar novidades sobre Marte criou expetativa; todos queriam saber: o que será que tinha acontecido à atmosfera do planeta vermelho? Agora que já sabemos que, afinal, foram as tempestades e ventos solares que "roubaram" a atmosfera do planeta, outra questão surge: será que pode acontecer à Terra?
 
Comecemos pelo início: a NASA acredita que, há cerca de quatro mil milhões de anos, Marte era tão habitável como a Terra é hoje. Prova disso são os vestígios de oceanos e lagos que, segundo os seus estudos, já existiram no planeta. Para isso, a sua atmosfera tinha de ser densa e quente - ao contrário do que é hoje, em que a atmosfera tem apenas 0,6% da pressão atmosférica à superfície da Terra, e o planeta tornou-se frio e árido.
 
Para perceber o que pode então ter acontecido, foi enviada a sonda MAVEN para estudar a sua atmosfera. Em março deste ano, durante uma violenta tempestade solar, a sonda detetou que a atmosfera do planeta vermelho perdeu mais partículas do que em condições normais. Esta conclusão levou à realização de quatro estudos publicados na Science and Geophysical Research Letters.
Uma representação de ventos solares a chegar até Marte.
A teoria é que, quando o Sol era ainda jovem e mais ativo, fortes tempestades solares fizeram com que o campo magnético de Marte enfraquecesse. Durante as tempestades, o Sol liberta grande quantidade de protões a elevadas velocidades. Quando se aproximam de Marte, geram um campo elétrico que atrai iões, que se libertam e tornam ainda mais fina a atmosfera.
Como os ventos solares chegam a Marte.
E Marte tornou-se o que hoje conhecemos. Mas poderá acontecer o mesmo à Terra?
A representação da perda de iões.
"A resposta é sobretudo sim" diz David Brain, que faz parte da missão MAVEN. "A Terra está a perder partículas, mas tem um grande escudo magnético", que afunila o campo elétrico das tempestades solares.
As zonas em que Marte perde mais iões.
A perda testemunhada atualmente na Terra é a um ritmo muito mais pequeno do que aconteceu em Marte. A repetir-se o fenómeno, vai demorar muito, mas muito tempo até que o nosso planeta também perca a sua atmosfera.
Imagens: NASA.