segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Pesticida que mata abelhas também faz mal aos humanos, alerta agência europeia

Texto de Ricardo Garcia publicado pelo jornal Público em 17/12/2013
Organismo responsável pela segurança alimentar na UE recomenda maior controlo sobre insecticidas neonicotinóides, que podem afectar o desenvolvimento do cérebro.
Três pesticidas neonicotinóides estão proibidos para algumas culturas na UE
Um dos pesticidas mais utilizados na agricultura e suspeito de estar a matar abelhas pode afectar também o sistema nervoso humano e deve ser alvo de controlo e limites mais rígidos. O alerta é da Agência Europeia de Segurança Alimentar (AESA), num parecer divulgado esta terça-feira.
 
Os pesticidas em causa são da família dos neonicotinóides - insecticidas que têm sido acusados de estarem a dizimar populações de abelhas. Alguns estão sob uma proibição temporária na União Europeia, imposta por Bruxelas desde o princípio deste mês.
 
O parecer da AESA resulta de um pedido da Comissão Europeia, feito em Novembro de 2012, depois de um novo estudo ter sugerido riscos daqueles pesticidas para o ser humano. Realizado por investigadores do Instituto de Ciências Médicas de Tóquio e publicado na revista científica PLOS One, o estudo avaliou o efeito dos insecticidas acetamiprida e imidaclopride em células nervosas de ratos. A conclusão foi a de que ambos podem afectar o desenvolvimento do cérebro, tal como a nicotina.
 
À luz dos novos dados, a AESA reavaliou toda a produção científica existente e, embora haja muitas incertezas, chegou à mesma conclusão. “Ambos os compostos podem afectar o desenvolvimento e a funcionalidade dos neurónios”, sustenta a agência, no seu parecer, referindo-se às células que são a base do sistema nervoso.
 
A AESA chama a atenção para uma série de limitações metodológicas dos estudos existentes, dizendo que ainda é necessário mais investigação com animais. Mas ainda assim a agência recomenda uma redução, nalguns casos substancial, das doses aceitáveis de exposição aos pesticidas.
Para a acetamiprida, a dose de ingestão diária – que significa o limite considerado seguro que pode ser consumido através da água ou dos alimentos – deveria ser reduzida para um terço da actual. Para o imidaclopride, o limite actual é considerado adequado, mas a dose de referência aguda – o valor máximo a ingerir num único dia – deveria cair em 25%.
 
Mais, a AESA também recomenda que todos os processos de autorização de novos pesticidas da classe dos neonicotinóides sejam precedidos de estudos para avaliar a sua potencial toxicidade na fase de desenvolvimento do sistema nervoso – ou seja, nos fetos e nas crianças.
 
O parecer da AESA é um novo sinal de alerta não só em relação aos pesticidas, mas também à forma como estão a ser aprovados. Os neonicotinóides surgiram no mercado na década de 1990. Em Portugal, a primeira variedade comercial foi autorizada em 1997.
 
Desenvolvidos a partir da molécula da nicotina, foram rapidamente adoptados por serem ao mesmo tempo eficientes como insecticidas e menos tóxicos para o ser humano e outros animais do que outras gamas de pesticidas criadas no passado. O imidaclopride é actualmente o insecticida mais utilizado mundialmente na agricultura.
 
Ao mesmo tempo em que granjeavam sucesso, os neonicotinóides transformaram-se em alvo de suspeita. Vários estudos sugerem que os pesticidas estejam associados ao desaparecimento das abelhas das colmeias – um fenómeno que se observa em vários países europeus e nos Estados Unidos. Uma das hipóteses é a de que, uma vez absorvidos através do néctar e do pólen, os neonicotinóides prejudicam a capacidade de navegação das abelhas.
 
Em Janeiro passado, a AESA já tinha sugerido que tais pesticidas só deveriam ser utilizados em culturas onde as abelhas não se alimentam. Quatro meses mais tarde, a Comissão Europeia decidiu proibir três pesticidas – imidaclopride, tiametoxam e clotianidina – para determinados usos, durante dois anos a partir de Dezembro.
 
As multinacionais Bayer e Syngenta – fabricantes de insecticidas neonicotinóides – estão a tentar bloquear legalmente a moratória. Em processos separados junto do Tribunal Europeu de Justiça, ambos os grupos contestam a decisão da Comissão Europeia, dizendo que os pesticidas não prejudicam as abelhas e criticando a avaliação da AESA.
 
Os fabricantes também dizem que a decisão foi tomada sem o apoio unânime dos Estados-membros da UE. Na votação, em Abril de 2013, 15 países posicionaram-se a favor da moratória, oito contra – incluindo Portugal – e quatro abstiveram-se. Sem uma maioria qualificada, a decisão ficou a cargo da Comissão, que avançou com a proibição.
 
A nova opinião agora expressa pela AESA promete aquecer o conflito entre Bruxelas e a indústria de pesticidas. A Comissão vai enviar agora a opinião da AESA para os fabricantes, aguardando os seus comentários. A redução dos limites aceitáveis de exposição aos pesticidas será possivelmente avaliada em Março.

Universidade do Minho cria bebida alcoólica a partir da borra do café

Artigo da LUSA publicado pelo jornal Público em 21/12/2013
Resultado da investigação considerado como uma das 25 melhores invenções do ano pela revista Time.
De um simples café a uma bebida como a vodka
Uma investigação da Universidade do Minho permitiu criar, a partir da borra do café, uma bebida com um teor alcoólico que a torna tão forte como vodka ou aguardente e que foi considerada pela revista Time como uma das 25 melhores invenções do ano.
 
Em comunicado, a Universidade do Minho explica que aquela é a primeira bebida destilada directamente da borra de café e que, por se basear no aproveitamento daqueles resíduos, tem "elevado potencial comercial".
 
Solange Mussatto, responsável pela investigação, lembra que os resíduos do café são "muito ricos", desde logo porque "a borra representa cerca de 80% do grão". "A nova bebida foi identificada como café alcoólico, mas, na verdade, é um destilado, como uma aguardente transparente, com 40 por cento de etanol e aroma a café", refere a investigadora. O resultado é "diferente do que existia até agora", pois a nova bebida é obtida dos resíduos, ao contrário dos licores atuais, que são produzidos a partir dos grãos de café.
 
A nova bebida foi obtida em laboratório, depois de os resíduos secos de café serem fervidos em água e de esta ter sido coada, tendo-lhe sido adicionados açúcar e levedura para catalisar a fermentação. "Num formato de produção em contexto industrial, apesar de o processo ser relativamente simples e barato, a recolha de grandes quantidades de borra de café necessita de um sistema com alguns cuidados, já que estes resíduos têm humidade e outros factores de fácil contaminação", realça a investigadora.
 
A patente já foi registada, aguardando agora os responsáveis por alguém que se interesse pelo produto numa vertente comercial.

Há uma guerra na fase silenciosa da infecção do parasita da malária

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 23/12/2013
Cientistas portugueses descobriram, em ratinhos, que metade dos parasitas é morta no fígado pelo sistema imunitário. Mecanismo pode ajudar a produzir uma vacina eficaz.
Uma célula do fígado infectada com os parasitas a verde (ao meio da imagem), com um aglomerado de células do sistema imunitário à sua volta
Janeiro de 1948 ainda não tinha terminado quando uma descoberta revelou uma peça do puzzle da infecção da malária. Já tinham passado quase 70 anos desde que o francês Charles Laveran observara pela primeira vez parasitas da malária no sangue humano, pelo que no final da década de 1940 era um dado adquirido de que o parasita se transmitia pela picada de mosquitos e que infectava os glóbulos vermelhos. Mas entre a picada e a infecção no sangue havia um período de dez dias que o parasita desaparecia em combate.
 
“Os últimos resultados obtidos por nós na malária de macacos, [para o parasita] Plasmodium cynomolgi, foram impressionantes e, pensamos nós, inequívocos”, arrancava o artigo na Nature de 24 de Janeiro de 1948, escrito pelos parasitólogos ingleses Henry Shortt e Cyril Garnham, no qual descreveram que é no fígado que ocorre esta “fase silenciosa” do ciclo, como lhe chama a investigadora portuguesa Maria Mota.
 
Nas décadas seguintes pensava-se que na fase hepática “o parasita não era reconhecido pelo hospedeiro”, explica ao PÚBLICO Maria Mota, especialista em malária, líder de uma equipa no Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa, e Prémio Pessoa 2013 pelo seu trabalho. Mas tal não é verdade: 55 anos depois da descoberta publicada na Nature, a equipa de Maria Mota mostra agora, em ratinhos, que o sistema imunitário detecta a presença dos parasitas logo no fígado e mata cerca de metade.
Há, por isso, uma guerra, essa sim silenciosa, no início da infecção, conclui o artigo da equipa de Maria Mota na última edição da revista Nature Medicine.
 
Hoje conhecem-se melhor os parasitas da malária que causam infecções nos humanos. Há quatro espécies do género Plasmodium responsáveis pela doença no mundo. De todas, o Plasmodium falciparum é o pior, causando a maior parte das cerca de um milhão de mortes anuais.
 
É a fêmea do mosquito anófeles que injecta os parasitas da malária nas pessoas. Já no sangue, os parasitas dirigem-se para o fígado, onde penetram algumas células até, cada um, se instalar finalmente numa delas (em hepatócitos). Na célula, o parasita protege-se e fica dentro de uma vesícula chamada “vacúolo”. Assim, está protegido mas mantém-se em contacto com o ambiente exterior.
 
Nos dias seguintes, vai sugando nutrientes do hepatócito e multiplica-se, originando milhares de parasitas. Estes, com uma forma diferente, libertam-se do hepatócito e vão para a corrente sanguínea infectar glóbulos vermelhos. Nesta fase, quando os parasitas voltam a multiplicar-se e rebentam com as células do sangue, os sintomas da malária aparecem: febre alta, tremores, dores. O ciclo de infecção no sangue continua, com novos glóbulos vermelhos infectados e mortos. Mas alguns dos novos parasitas que nascem têm uma forma diferente e, se forem absorvidos pelos anófeles, podem reproduzir-se no mosquito, que é o hospedeiro principal, dando lugar a uma nova geração de parasitas.
 
Onda inflamatória
Pensava-se que durante a fase do fígado, o sistema imunitário não detectava o parasita. Mas em experiências passadas detectaram-se células do sistema imunitário no fígado de ratinhos infectados pelo parasita. Além disso, observou-se também em testes com ratinhos, alterados geneticamente para não produzirem uma proteína muito importante para o desenvolvimento da malária — a heme-oxigenase-1 —, que a fase de infecção no fígado é, neste caso, logo bloqueada devido a uma resposta inflamatória agressiva. O parasita é morto e a infecção pára aqui, o que demonstra que o sistema imunitário do hospedeiro consegue atacar o agressor na primeira fase da infecção.
 
Por isso, os investigadores foram tentar compreender que resposta inflamatória era essa. Descobriram que, de facto, existia. “O hospedeiro detecta e é capaz de matar os parasitas”, explica Maria Mota.
 
A equipa começou por comparar a actividade genética em ratinhos que eram infectados com o parasita Plasmodium berghei — que causa malária nestes roedores — e ratinhos que não o eram. E viu que os hospedeiros infectados com os parasitas activavam muitos genes relacionados com a resposta inflamatória.
 
Depois, os cientistas verificaram que o ARN do parasita, um ácido nucleico parecido com o ADN, era responsável pela activação de um sensor que iniciava a resposta inflamatória na própria célula do fígado onde o parasita se encontrava. “Descobrimos qual é o sensor que acciona o alarme”, diz Maria Mota.
 
Com a activação desse sensor, a célula do fígado infectada liberta moléculas inflamatórias importantes, os interferões. Estes interferões activam uma cascata celular inflamatória semelhante nos hepatócitos à volta da célula infectada pelo parasita, apesar de estes hepatócitos em redor não estarem infectados com o Plasmodium. Esta resposta inflamatória continua e acaba por se propagar “como uma onda” pelo fígado, diz Maria Mota.
 
O resultado desta onda é o chamamento de glóbulos brancos que acabam por se dirigir para o fígado e matam parte das células infectadas com o parasita.
 
Há muitas perguntas que ficam por responder sobre esta sequência de acontecimentos, diz Maria Mota. Não se sabe como os leucócitos detectam os hepatócitos com o parasita, nem por que razão os parasitas, dentro dos hepatócitos, começam por mostrar o seu ARN à célula hospedeira, provocando a resposta imunitária.
 
Em ratinhos, o ataque do sistema imunitário tem consequências, matando metade dos parasitas no fígado — o que faz com que muitos menos parasitas vão para o sangue continuar a infecção. Mas também não se sabe por que é que a outra metade sobreviveu à resposta imunitária no fígado.
 
Há outro dado curioso. Quando a equipa induziu uma resposta inflamatória nos ratinhos duas horas antes de os infectar com o parasita, a resposta imunitária no fígado foi muito mais forte, e cerca de 99% dos parasitas não sobreviveu à fase de infecção nos hepatócitos. Segundo Maria Mota, estas observações indicam que este método pode servir como “um adjuvante para uma potencial vacina da malária”. Isto permitiria reduzir o número de doses de uma vacina tão ambicionada, já que as vacinas que se testaram em fases experimentais só resultaram quando eram aplicadas várias vezes.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Descoberta uma causa do envelhecimento celular que talvez seja reversível

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 19/12/2013
Inverter os efeitos do envelhecimento foi sempre um dos grandes sonhos humanos. Uma equipa internacional com forte participação portuguesa mostrou agora que, no ratinho, certos aspectos do declínio ligado à idade talvez possam ser “rebobinados”.
Na imagem, as mitocôndrias surgem a verde e os núcleos das células a azul
Cientistas portugueses, norte-americanos e australianos descobriram uma causa do envelhecimento celular nos mamíferos e conseguiram neutralizar alguns dos seus efeitos com um tratamento. Os seus resultados são publicados esta quinta-feira na revista Cell.
 
O mecanismo agora desvendado tem a ver com as mitocôndrias, as estruturas intracelulares que existem às centenas em cada célula e que fornecem energia às células. As mitocôndrias são uma componente-chave do envelhecimento, porque, à medida que o tempo passa, tornam-se cada vez menos eficientes na produção de energia – e é nessa altura que começam a manifestar-se doenças do metabolismo como a diabetes de tipo 2 (diabetes do adulto) ou neurodegenerativas como a doença de Alzheimer.
 
O que os cientistas descobriram foi que existe uma sucessão complexa de acontecimentos dentro da célula que leva à degradação da comunicação entre o núcleo celular (que contém a esmagadora maioria do ADN) e as mitocôndrias (que também contêm um bocadinho de ADN próprio). E que é a degradação dessa componente da comunicação intracelular que faz diminuir a capacidade que a célula tem de produzir energia.
 
“O processo de envelhecimento que descobrimos é como o que acontece com o tempo num casamento”, diz David Sinclair, da Universidade de Harvard (EUA), em comunicado da sua instituição. “Quando o casal é novo, os cônjuges comunicam bem, mas como o passar do tempo, quando há já muito tempo que vivem juntos, começam a ter problemas de comunicação. E, tal como acontece com os casais, bastou restabelecer a comunicação para resolver o problema.”
 
David Sinclair é conhecido pelo trabalho que tem desenvolvido no seu laboratório sobre as causas fundamentais do envelhecimento. Em particular, a sua equipa tem-se focado numa classe de genes que comandam o fabrico de proteínas chamadas "sirtuínas". E foi ao estudar ratinhos aos quais tinha sido retirado um desses genes, o SIRT1, que Ana Gomes, da Universidade de Coimbra, que trabalha no laboratório de Sinclair e é a autora principal do actual estudo, reparou numa aparente discrepância.
De facto, os cientistas constataram – como era de esperar nestes animais mutantes – que os ratinhos apresentavam sinais de envelhecimento devido à falta do SIRT1, incluindo uma disfunção mitocondrial, lê-se ainda no comunicado. Porém, ficaram surpreendidos ao observar que, entre as proteínas implicadas na produção de energia, só tinham diminuído os níveis daquelas directamente fabricadas pelo ADN das mitocôndrias, enquanto os níveis das restantes, cujo fabrico é comandado pelo ADN do núcleo da célula, permaneciam normais. “Isso não batia certo com o que a literatura científica sugeria”, diz Ana Gomes.
 
Por isso, decidiram perceber porquê – e foi aí que deram com a "cascata" de eventos moleculares responsáveis pela degradação da comunicação intracelular que assegura a coordenação dos dois genomas, o mitocondrial e nuclear.
 
Ratinhos velhos ficaram com músculos jovens
Para começar, existe nas células um composto, o NAD, que veicula informação entre o genoma do núcleo e o das mitocôndrias e que coordena a acção dos dois genomas. Neste processo, a proteína fabricada pelo gene SIRT1 tem uma função intermediária, de vigilância, garantindo que uma outra molécula, chamada HIF-1, não interfira com a comunicação entre o núcleo e as mitocôndrias. Mas na ausência do gene SIRT1 a acção da HIF-1 fica descontrolada, o que afecta a comunicação entre os dois genomas assegurada pelo NAD. Esta é a tal cascata.
 
Mesmo numa situação normal, em que o SIRT1 está presente e funciona devidamente, a produção do NAD diminui à medida de que envelhecemos, por razões ainda desconhecidas. E, quando isso acontece, tudo se passa como se o gene SIRT1 não estivesse lá. Ele perde a capacidade de controlar o que faz a HIF-1, cujos níveis disparam e perturbam totalmente a comunicação entre os dois genomas da célula. O mal está feito e surgem sinais de envelhecimento e doenças.
 
“Nunca ninguém tinha descrito esta componente do processo de envelhecimento”, salienta Ana Gomes. Diga-se ainda que é possível que a HIF-1 também desempenhe um papel no desenvolvimento do cancro, o que, segundo Ana Gomes, permite especular que a fisiologia do envelhecimento e a do cancro têm pontos em comum.
 
Mas a história não acaba aqui: a seguir, a equipa descobriu que… poderia ser possível reparar o mal. Como? Administrando um composto naturalmente produzido pelo organismo que as células transformam em NAD a ratinhos já velhos, desde que isso fosse feito antes de haver uma acumulação excessiva, devida ao envelhecimento, de mutações nefastas no ADN das mitocôndrias. E, efectivamente, quando examinaram os músculos de ratinhos com dois anos de idade que tinham recebido NAD durante apenas uma semana, os cientistas constataram que pareciam os músculos de ratinhos com apenas seis meses de idade. Isso equivaleria a ver uma pessoa com 60 anos dotada da musculatura de um jovem de 20 anos.
 
“Basicamente, volta a ligar-se o interruptor para reactivar as funções comprometidas durante o processo de envelhecimento”, fazem notar, em comunicado da Universidade de Coimbra, outros dois co-autores, Anabela Rolo e Carlos Palmeira (com João Teodoro, são no total quatro cientistas portugueses, das universidades de Coimbra e de Aveiro, que assinam o trabalho).
 
“Não se trata de uma inversão da velhice à infância”, esclarece ainda Ana Gomes no mesmo documento. “O estudo revela [apenas] a reversão de alguns processos envolvidos no envelhecimento. E ainda são necessários mais estudos para verificar o impacto, muito promissor, dos resultados desta pesquisa quer nas patologias relacionadas com o envelhecimento, quer no cancro, na diabetes, etc.”
“Há aqui, claramente, muito mais trabalho ainda por fazer”, frisa Sinclair, “mas, se estes resultados se confirmarem, muitos aspectos do envelhecimento poderiam ser reversíveis, se fossem apanhados a tempo.”


sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Água: o combustível da vida

Texto escrito por  Pedro F. Pina, com entrevista a Débora Pinheiro, nutricionista, em 01/11/2013.
Sabemos que é essencial. E sabemos também que nos sacia sempre que bebemos um copo. Falamos de água. Mas por que razão devemos bebê-la? E como é que podemos saber quanta água devemos beber diariamente? Veja já de seguida.
A importância de beber água
Será assim tão importante beber água? A resposta que temos para si é bastante direta: sim, é. Está a ver o seu primeiro dia de aulas? Bebeu água. E o que fez no dia em que começou o seu novo emprego? Bebeu água. E lembra-se do dia em que festejou a despedida de solteiro do seu melhor amigo? Bem, talvez nesse dia tenha bebido muitas outras coisas para lá de água. Mas de certeza que se tivesse bebido mais água, o dia seguinte, de "ressaca", teria custado menos a passar (embora isto seja tema para um outro artigo). Mas vamos ver em pormenor por que razão se deve beber água todos os dias.

Apesar de o nosso corpo ser uma "máquina" bastante complexa, a verdade é que não tem capacidade de armazenar água. Embora pudesse ser inestético, termos uma bossa como têm os camelos poderia ser útil. Como não é o caso não há outra solução: deve ser feita a reposição diariamente – e realçamos este diariamente – de modo a equilibrar as perdas ocorridas pela urina, fezes, ar expirado e pele (transpiração e perspiração). Ou seja, "perdemos" água em praticamente todas as funções mais básicas do nosso organismo.

Os sintomas de desidratação

Já todos ouvimos que a maior parte do nosso organismo é constituído por água. Os valores costumam variar (entre 60 a 70 por cento do nosso organismo será composto por água), mas o facto a reter é simples: a água é uma parte substancial do nosso organismo. No caso do cérebro, como nos explica a nutricionista Débora Pinheiro, este valor sobe para 90 por cento, daí que o cérebro seja mesmo o "primeiro órgão a ser prejudicado com a desidratação. E não é preciso pensarmos no exemplo extremo dos "oásis" avistados por quem ficou perdido a deambular pelo deserto. "Fadiga, tonturas, cefaleia e dificuldades de concentração" contam-se entre os primeiros sintomas de desidratação, como nos explica a nutricionista.

Quem bebe diariamente menos água do que devia pode também notar a urina com cor amarelo escuro e com cheiro. Isto acontece porque "os rins compensam a falta de água excretando urina mais concentrada, o que leva a que substâncias tóxicas fiquem mais concentradas na bexiga, aumentando o risco de infeções urinárias", pormenoriza Débora Pinheiro.

Outros sintomas são os olhos encovados, a pele seca, e até obstipação, que pode desencadear o aparecimento de pólipos e hemorroidas. No caso da pele, a ingestão de água também é importante para a eliminação das toxinas produzidas pelo organismo. Uma pele bem hidratada elimina estas toxinas com maior facilidade e fica com uma aparência mais saudável.

Mas talvez o primeiro sintoma de desidratação seja mesmo o mais óbvio deles todos: a sede. Sim, parece simplista, mas a verdade é que se está com sede, se sente a garganta ou os lábios já um pouco secos, é sinal de que já devia ter bebido água. Podemos e devemos beber água, mesmo antes de estarmos "cheios de sede".

A água como fonte de vida

A água toma parte no transporte de nutrientes no nosso organismo. E é também parte ativa na regulação da nossa temperatura corporal. Este ponto é particularmente crítico em crianças e idosos, alerta a nutricionista, já que estes se tornam "muito suscetíveis a temperaturas elevadas, levando, em alguns casos, à morte, como é noticiado todos os anos na época de Verão".
 
Outra função do nosso organismo que é influenciada pelo consumo de água é a digestão. Mantendo-se fiel à máxima de que "tudo o que é em excesso é demais", também a água pode trazer problemas.
Débora Pinheiro esclarece-nos que "beber muita água durante as refeições pode diluir o suco gástrico, atrasando a digestão dos alimentos, o que propicia a origem de problemas digestivos". Nalguns casos, também pode provocar uma maior distensão gástrica, aumentando o volume do estômago.
 
Mas como é que podemos saber que é demais? A nutricionista dá-nos algumas orientações: "o 'ideal' será beber um copo de água à refeição, ou então um copo antes da refeição mais um copo durante a refeição, para quem pretende ter menor sensação de fome, e não mais do que isso". Alternadamente à água, a nutricionista sugere que podemos também beber infusões de plantas (como lúcia lima, tília, menta, entre tantas outras).

Um dos mitos que por vezes surge associado à água, é que beber água às refeições também pode engordar. Como vimos, a água pode interferir no processo digestivo. No entanto, esclarece a nutricionista, a "água não tem valor energético, isto é, não tem calorias; o que engorda é o desequilíbrio entre o que é ingerido (o excesso alimentar) e o que é despendido (o défice de atividade física)". Por isso, não: beber água às refeições não engorda, muito pelo contrário. Se beber água antes da refeição vai sentir-se mais saciado, levando a uma menor ingestão de alimentos, o que até poderá auxiliar na perda de peso.

A água não fornece energia, não contém proteínas, nem lípidos, ou vitaminas ou o mais ténue resquício de hidratos de carbono. "Apenas fazem parte da sua composição alguns sais minerais, como o sódio, o potássio, o cálcio, o magnésio e o zinco, em quantidades muito reduzidas". Alguém que esteja à procura do seu peso ideal deve, por isso, ver nela uma aliada – não só porque sacia mas também porque será essencial para repor líquidos depois da prática desportiva. Mas como é que podemos saber quanta água devemos beber? Vamos ver já de seguida.

Quanta água devo beber por dia?

Débora Pinheiro explica-nos que "a ingestão de água deve ser feita de acordo com a idade, sexo, dimensão corporal, atividade física, estado de saúde e fatores externos influenciadores, como o clima".

A ingestão de água recomendada é de 150 ml/kg (mililitros por quilograma) para os bebés, a qual é fornecida pelo leite materno nos bebés em amamentação, 60 ml/kg para as crianças e 35 ml/kg para os adultos. Estas são as orientações nutricionais. Mas não se assuste: não vai ser preciso usar máquina de calcular e medidores sempre que se quiser servir de um copo de água.

A título de exemplo, para um indivíduo com uma altura média e cerca de 70 kg de peso, a ingestão de água deveria rondar os 2,5 litros. A nutricionista esclarece-nos que isto inclui a água adicionada na sopa, numa infusão, em limonada ou cevada mas excluindo a água presente nos alimentos, como é o caso do leite, das hortícolas, da fruta e a dos sumos. Este valor aumentaria em situações como a prática de exercício físico intenso, episódios exacerbados de diarreia, vómitos prolongados, febre – mas também deve aumentar no caso de grávidas ou mulheres que se encontrem a amamentar.

Mas mais do que ficar condicionado a valores, adianta Débora Pinheiro, "é importante verificar os sinais e os sintomas de alerta progressivos de uma insuficiente hidratação, que podem culminar numa desidratação". E a melhor forma de irmos antecipando essa possível desidratação, é mesmo habituarmo-nos a fazer da água a nossa companhia.

Leve uma garrafa consigo - de preferência reutilizável - quando for ao ginásio, tenha outra na sua secretária de trabalho e até um copo de água na mesa-de-cabeceira, para durante a noite. Alguns estudos sugerem até que devemos começar o dia a beber um copo de água, mesmo em jejum. É uma forma de ajudarmos o nosso organismo a começar o dia.

E se entre os seus amigos e os familiares já deu por si a debater as diferenças entre a água engarrafada e a água canalizada, a nutricionista Débora Pinheiro dá também uma ajuda: "a única diferença é a dureza da água, ou seja, a concentração em alguns minerais dissolvidos, sobretudo o cálcio e o magnésio, que na água de torneira se encontram em maior quantidade".

A água da torneira é tratada e destinada ao consumo humano. A sua qualidade é controlada por análises químicas, de acordo com a legislação em vigor. Se noutras áreas, mesmo ao nível da nutrição, Portugal ainda tem algo a melhorar, pelo menos com a água que temos à nossa disposição isto não é um problema. É só uma questão de preferência. Por isso, seja qual for a origem do seu próximo copo de água (engarrafada ou canalizada), desfrute dele. Pela sua saúde.

(Re)descubra a dieta mediterrânica

Texto escrito por  Pedro F. Pina, com entrevista a Ana Carolina Soares, nutricionista, em 23/08/2013.
É considerada uma das dietas mais saudáveis do mundo. E Portugal sempre foi um dos seus principais representantes. Mas com a industrialização e a globalização, acabámos por trocar uma salada temperada com azeite, por um cheeseburguer gorduroso. Mas a dieta mediterrânica não desapareceu. Redescubra-a aqui.
(Re)descubra a dieta mediterrânica
  A dieta mediterrânica refere-se a um conjunto de tradições alimentares de países ao longo da bacia do mediterrânico, como Espanha, Itália e Grécia. Portugal, embora não seja banhado por este mar, inclui-se nesta lista pela proximidade de factores como o clima, a cultura, a geografia e a agricultura. Na verdade muitos nutricionistas defendem mesmo o uso do plural – dietas mediterrânicas – para se ter em conta as pequenas adaptações feitas por cada país ao longo do Mar Mediterrânico. Mas existem, na prática, imensos pontos em comum. E a verdade é que por cá há muito que temos todos os "ingredientes" que compõem esta dieta.

Uma dieta de excelência

Entre diversas características, destaca-se na dieta mediterrânica o uso de azeite como principal gordura, ao invés de manteigas e margarinas. Pães e cereais, peixe, carnes brancas frango ou perú e um consumo muito moderado de carnes vermelhos e de produtos lácteos são outras características, tal como a utilização de condimentos que dão sabor à comida, ao invés de um uso abusivo de sal.

Mas esta dieta contempla também uma quantidade generosa de frutos, vegetais e frutos secos e ainda um consumo moderado de vinho tinto, um antioxidante natural, que ajuda também a evitar a coagulação do sangue. O facto de os alimentos serem frequentemente cozidos ou grelhados, ao invés de fritos, é outra das principais características, que ajudam a manter esta dieta saudável.

Ana Carolina Soares, nutricionista, especifica que esta dieta se associa preferencialmente à prevenção de doenças cardiovasculares, pela qualidade do tipo de gorduras, como é o caso do azeite, "uma gordura moninsaturada", mas também nos peixes "onde vamos buscar gorduras de qualidade, principalmente ácidos gordos essenciais e ómega 3".
Esta combinação resulta num regime que consegue ser bastante rico em fibras, gorduras monoinsaturadas (que ajudam a reduzir o chamado "mau" colesterol), mas também em proteínas de origem vegetal, hidratos de carbono, vitaminas e minerais. Por outro lado é um regime bastante moderado no que concerne a proteínas animais e gorduras saturadas. É por todas estas razões que a dieta mediterrânica se consagrou como uma dieta ótima na prevenção de doenças cardiovasculares e até em cancros que podem ser potenciados por uma má dieta.

Mas acima de tudo a dieta mediterrânica destaca-se pelos seus pratos saborosos, aromáticos, imaginativos e até bastante coloridos. Mas se é um regalo tanto para a vista como para o paladar, e praticamente todos os alimentos que a compõem estarem à nossa disposição sem necessidade de o país os importar, por que razão acabámos por nos afastar de hábitos que, segundo a nutricionista Paula Veloso, num artigo não por acaso intitulado "a dieta mais saudável do mundo", terá já cerca de três mil anos de prática?

Novos hábitos

Ana Carolina Soares explica-nos, no entanto, que esta dieta perdeu o seu peso entre os portugueses. "Já não nos alimentamos tanto por produtos à base do mar, em termos de fontes proteicas, como é o caso do peixe, muito menos de frutas". Mesmo o consumo de chocolates e doces, que "aqui há uns anos não estariam tão disseminados", terá contribuído, diz-nos. Mas haverá atualmente um padrão alimentar dos portugueses?

Sobre esta questão a nutricionista responde-nos que "neste momento temos um bocadinho de tudo, é difícil definir um padrão". A verdade é que "perdemos realmente estes hábitos e esta cultura enraizada". Surgindo no seu lugar surgiu uma cada vez maior oferta de comida prensada. E uma das principais razões terá que ver com o facto de no, lugar de hábitos que estavam enraizados, não ter surgido uma maior educação para a nutrição
Ana Carolina Soares, quando questionada sobre o que se poderia fazer para contrariar este retrocesso, vai um pouco mais longe, sugerindo que "faria sentido nas escolas haver mais acompanhamento o nível da nutrição". Mas esta responsabilidade não pode cingir-se às escolas. E um dos desafios para os nutricionistas, num país onde os níveis de obesidade juvenil estão mais altos do que nunca, é que "muitas vezes não se consegue corrigir os hábitos de uma criança sem corrigir também os hábitos dos pais", adianta a nutricionista.

Espanha chegou mesmo a sugerir que esta dieta fosse considerada Património Cultural Não Material da Humanidade – um reconhecimento que há não muito tempo foi dado ao nosso Fado –, pedindo inclusive aos países membros da União Europeia que apoiassem este projeto. Apesar de tudo, a unanimidade que existe em torno desta dieta acaba muitas vezes por esbarrar contra os obstáculos do quotidiano.

As rotinas que nos tiram tempo livre, a facilidade de escolher uma refeição rápida, pré-cozinhada, e a perda de uma certa cultura gastronómica em detrimento de um certo facilitismo, acabaram por fazer com que esta dieta perdesse a sua força entre nós. Mas o desafio não é assim tão impossível quanto possa parecer à primeira vista. Basta pensar que o paladar humano é capaz de saber apreciar uma quantidade de saberes incrível, que vai muito além da dicotomia entre doces e salgados.

Num país com vinho, azeite e produtos hortícolas de qualidade, e que ainda para mais se encontra perante o desafio de uma crise socioeconómica, não seria má ideia apostar numa alimentação que, além de ser saudável, é também muito nossa. É tudo uma questão de vontade.

Gripe e constipação: descubra as diferenças

Texto escrito por  Carla Mateus. com entrevista a Marta Drummond, pneumologista, em 07/01/2013
 Muitas pessoas confundem gripe com constipação, mas é importante perceber que existem diferenças entre as duas doenças. Apesar de ambas serem infeções respiratórias causadas por um vírus, diferem principalmente pela intensidade, duração dos sintomas e complicações. Saiba como distingui-las.
     
O inverno traz consigo uma das fases do ano em que estamos mais suscetíveis às gripes e constipações. Tosse, nariz obstruído, dores no corpo, cansaço fazem-se sentir frequentemente nesta altura do ano. No entanto, nem todas as pessoas conseguem distinguir uma gripe de uma constipação.

Apesar de ambas as condições serem infeções causadas por vírus respiratórios e terem alguns sintomas semelhantes, podem ser facilmente confundidas e mal diagnosticadas. Marta Drummond, pneumologista, chama a atenção para o facto de a gripe ser uma doença mais grave do que o resfriado comum ou coriza, vulgarmente designado por constipação. As complicações da gripe “não são de todo comparáveis às de um resfriado comum, que muito raras vezes poderá fazer perigar a vida de um doente”, alerta.

Por essa razão, importa saber reconhecer a diferença entre os sintomas da constipação e da gripe, de forma a assegurar que recebe o tratamento adequado. Esta distinção torna-se ainda mais premente dado que os medicamentos antivirais eficazes no tratamento da gripe devem ser tomados durante as fases iniciais, quando os sintomas aparecem.

Sintomas semelhantes, doenças diferentes

Causada pelo vírus influenza, a gripe caracteriza-se por um aparecimento inesperado, sendo de propagação muito rápida. Já a constipação, implica o envolvimento de vários tipos de vírus, como o rinovírus, e costuma desaparecer dentro de alguns dias, sem causar grandes complicações.

A constipação comum apresenta, sobretudo, manifestações respiratórias como aumento de mucosidade, tosse, irritação da garganta, congestão e secreção nasal, mas raramente produz febre e o mal-estar é mais leve. Habitualmente cura-se de forma espontânea, sem tratamento, em poucos dias.

O mesmo cenário não se repete com a gripe. De acordo com Marta Drummond, os seus sintomas são mais intensos e a recuperação bem mais lenta, podendo demorar até duas semanas. Quem não se lembra de ter, pelo menos uma vez na vida, arrepios de frio, dores musculares e articulares generalizadas, cansaço, prostração, dores de cabeça, tosse, espirros e congestão nasal? Ao contrário do que acontece num resfriado comum, “a febre é geralmente elevada, superior a 39ºC, fazendo sentir os seus efeitos. Existem ainda outros sintomas, embora menos frequentes, que podem surgir quando estamos perante uma gripe. É o caso da congestão ocular, náuseas e vómitos”, revela a pneumologista.
A gripe faz com que as pessoas se sintam pior do que com uma constipação, sendo mais perigosa nas crianças pequenas, nos idosos (com mais de 65 anos de idade – saiba mais), nos doentes com problemas do sistema imunitário ou com doenças crónicas. Por norma, o paciente começa a sentir-se melhor 2 a 5 dias após o início dos sintomas e fica completamente restabelecido, no máximo, em duas semanas.

Alívio dos sintomas


Os vírus da gripe e da constipação entram no nosso corpo pelas membranas mucosas da boca, nariz e ouvidos e são geralmente transmitidos pelo ar, o que os torna altamente contagiosos.

Marta Drummond explica que “o diagnóstico de ambas as situações faz-se, sobretudo, pela história clínica e exame físico, os quais são muito indicativos, tais as suas caraterísticas típicas e exuberantes”. No entanto, para um diagnóstico de confirmação de gripe, “é necessário proceder a exames laboratoriais, com isolamento e identificação do vírus implicado, recorrendo-se, por exemplo, à realização de esfregaço de secreções nasais”, acrescenta a pneumologista.

Uma vez contraídas, a única coisa a fazer é aliviar os seus sintomas e reduzir a duração ou a intensidade do processo. Basicamente, o tratamento consiste em ficar em repouso, ingerir bastantes líquidos (sobretudo água, chá e sumos de frutas), contactar com o mínimo de pessoas possível, durante o tempo em que os sinais e sintomas persistirem, e adotar hábitos de prevenção, de forma a não contagiar as pessoas que vivem à sua volta.

Por norma, o resfriado comum apenas requer a toma de anti-inflamatórios e descongestionantes nasais. Mas no caso da gripe, se se considerar necessário, pode-se administrar “medicação para baixar a febre (antipiréticos) e medicamentos para controlar as dores musculares e articulares (analgésicos e anti-inflamatórios). Existem também medicamentos antivíricos que, quando tomados logo nas primeiras horas de aparecimento dos sintomas gripais, atenuam bastante a sua intensidade e reduzem o risco de complicações”, recomenda a especialista. 
Vacinação ajuda a prevenir
Como se costuma dizer, a prevenção é o nosso melhor aliado. Pelo menos no caso da gripe, já que é impossível prevenir o início de uma constipação comum. No que diz respeito à gripe, a principal medida de prevenção é a vacinação anual, sobretudo daqueles que são considerados grupos de risco, ou seja, idosos, crianças, doentes crónicos, doentes com sistema imunitário comprometido (com mais de 6 meses), grávidas com mais de 12 semanas de gestação e profissionais de saúde.

A época de vacinação teve início no passado mês de outubro. Todavia, se ainda não teve oportunidade de se proteger contra a gripe e essa for sua intenção, saiba que ainda o pode fazer. A vacina da gripe pode ser administrada até ao fim do inverno, mas, quanto mais cedo melhor.

Em Portugal, a vacinação é gratuita nos centros de saúde a alguns dos grupos de risco mencionados, como é o caso das pessoas com idade igual ou superior a 65 anos. Para quem não tem acesso gratuito às vacinas, estas podem ser compradas nas farmácias, mediante receita médica e com comparticipação estatal.

"Estou com gripe. E agora?"


Se foi contagiado pelo vírus da gripe, existem algumas medidas que podem diminuir a intensidade dos seus sintomas e facilitar a sua recuperação. Conheça-as.

- Procure descansar, ingerir muitos líquidos e manter uma alimentação equilibrada.
- Evite a exposição ao frio, como correntes de ar e alterações bruscas de temperatura.
- Para aliviar a congestão nasal, pode aplicar soro fisiológico.
- Evite fumar e não tome antibióticos sem aconselhamento médico, visto que estes são recomendados apenas para o tratamento de algumas complicações da gripe.
- Se tiver febre, dores de cabeça ou no corpo, pode recorrer a analgésicos para aliviar estes sintomas.
- Em caso de dúvida ou agravamento dos sintomas peça apoio à linha de saúde 24 (808 24 24 24). 

Mezinhas da avó: remédios naturais contra a gripe

Texto escrito por    em 09/01/2013
A gripe é uma patologia comum, geralmente inofensiva, mas que ainda assim exige alguns cuidados e atenção ao incómodo que provoca. São muitas as coisas que a medicina já nos dá contra a gripe. Mas desta vez decidimos recuperar do baú algumas "mezinhas" das nossas avós, para falarmos aqui de "remédios" caseiros.
Remédios naturais contra a gripe
Tosse, espirros, uma sensação de frio apesar de a temperatura do corpo ter subido, algum cansaço, dores de cabeça, congestão nasal, os olhos um pouco irritados e, olhando ao espelho, até um nariz vermelho, como se o nosso organismo quisesse dar algum sentido de humor aos sintomas. São vários e algo incómodos, os sintomas da gripe. É provável que já todos nós a tenhamos sentido no corpo. Tal como é provável que voltemos a senti-la. Apesar de tudo o mais comum é implicar apenas alguns dias de cuidados e repouso até a pessoa se sentir recomposta.

A gripe ocorre, mais frequentemente, nos meses de inverno, com o pico de contágio a surgir habitualmente entre Dezembro e Março. Trata-se de uma doença com uma taxa elevada de transmissão e em escolas, locais de trabalho e transportes públicos, lugares que concentram várias pessoas em pequenos espaços, o vírus da gripe costuma encontrar algumas "facilidades" de contágio.

Cuidados a ter

A prevenção é o primeiro trunfo contra a gripe. Para além do cuidado com a higiene e com o estilo de vida, temos a vacinação, considerada a medida preventiva mais eficaz. Todos os anos a Direcção-Geral de Saúde (DGS) aconselha o seu uso quando os períodos mais frios do ano se aproximam.

Mas quando a prevenção não chega e o vírus faz mesmo o seu indesejado percurso, os sintomas começam-se a sentir. É a altura certa para o tratamento. Em casos mais graves – de persistência de sintomas ou havendo alguma condição médica anterior que requeira particular cuidado – o acompanhamento especializado poderá ser essencial.

Apesar de tudo – e porque é disto que aqui falamos – pode haver alguns conhecimentos úteis do tempo dos nossos avós. A verdade é que a gripe já fora descrita pelo próprio Hipócrates, há mais de dois mil anos atrás. E muitas outras formas de tratamento existiram muito antes da medicina como hoje a conhecemos.

Uma gripe exige sempre algum cuidado a quem tenha sido atacado pelo vírus. O repouso, evitando o contacto próximo com outras pessoas, para impedir o contágio, é essencial, tal como o cuidado em se agasalhar. Mas a isto podemos juntar alguns "remédios", passe o termo, caseiros e naturais. Antes de falarmos em alguns casos práticos, uma lembrança: são vários os elementos que encontramos na natureza com capacidade para aliviar sintomas da gripe – mas não os confunda com automedicação nem julgue saber mais do que o que o médico lhe aconselha.
 
Quando os remédios caseiros ajudam
O xarope de cenoura é uma estratégia já antiga, com algumas variações na receita. Damos-lhe uma: cortar uma cenoura às rodelas, juntar algumas gotas de limão e uma colher de chá de mel. Há também quem junte um pouco de açúcar. A cenoura possui propriedades que contrariam alguns dos sintomas da gripe, como a tosse ou o congestionamento das vias respiratórias. Mas atenção: este xarope de cenoura deve ser tomado com precaução e é contraindicado para indivíduos com diabetes.

Em moldes semelhantes temos também o xarope de alho. 150ml de água juntamente com 200g de açúcar e deixar ferver até formar uma mistura homogénea. Descasca-se e espreme-se o alho e aos poucos vão-se acrescentando os 80g de alho (aproximadamente duas cabeças de alho). Deixa-se ferver por mais 10 minutos. Depois é deixar esfriar, coar e acondicionar num recipiente de vidro. Repetimos o alerta: atenção às quantidades de açúcar (e isto é um cuidado que se aconselha a toda e qualquer pessoa).

O alho é um alimento particularmente poderoso. Tem sido utilizado pelo Homem como recurso culinário e terapêutico desde a Antiguidade, tendo-se descoberto inclusive papiros egípcios que o incluíam em diversas receitas terapêuticas. Atualmente já sabemos mais das suas propriedades mas, como em tantas outras coisas, convém ser consumido mas nunca em excesso.

Tal como o alho também o gengibre tem sido estudado pelas suas capacidades de reforço do sistema imunitário. A estes podemos ainda acrescentar o uso de Tomilho, uma planta que pode ser utilizada em chás, funcionando como um xarope natural contra a tosse. E ainda o óleo essencial do eucalipto, outro nutriente que toma parte em algumas receitas, com uma simples colher de chá a poder ser útil no descongestionamento das vias respiratórias.

Outra receita bastante comum: um chá de limão com uma colher de mel é outra opção a ter em conta – à qual ainda pode juntar um pouco de cebola. Consumido morno, e sem necessidade de açúcar, trata-se de um que chá que pode acalmar uma garganta eventualmente irritada, possuindo ainda vitamina C, a qual confere ao organismo mais capacidade de defesa contra o ataque viral.

Acima de tudo convém nunca esquecer que, em altura de gripe, é essencial manter o corpo bem hidratado. Infusões, sumos (em particular ricos em vitamina C) ou simplesmente água. O importante é não desidratar. Estes e outros remédios caseiros podem ser usados como complemento no tratamento de diversos sintomas da gripe. Caso os sintomas persistam convirá continuar atento. Uma gripe habitualmente não é um caso sério, passe a expressão. Mas é essencial evitar que degenere em algo mais grave.

Finalmente, embora em grupos de risco os cuidados tenham de ser redobrados, a verdade é que normalmente a gripe não é caso para alarme – o que não quer dizer que seja caso para desatar a fazer experiências caseiras. Lembre-se do essencial: líquidos, repouso e não desesperar. Vai ver que passado uns dias os sintomas desaparecem e aos poucos o nariz volta à sua cor natural.

Mitos da Diabetes

Texto escrito por   em 13/11/2013
Da alimentação ao estilo de vida, passando pelas complicações, gravidez e vários tipos da doença são muitos os mitos em torno da diabetes que importa desconstruir. Quebre aqui 11 dos mitos mais vulgares.

MITO 1 - Nada pode ser feito para prevenir as complicações da diabetes
Está mais do que provado que o risco de complicações da diabetes pode ser prevenido através de um controlo adequado dos níveis de glicémia, da tensão arterial e do colesterol. O diabético pode viver com qualidade de vida, graças ao controlo e vigilância adequada.

MITO 2 - Os produtos “diet” ou “light” podem ser consumidos à vontade por diabéticos
O diabético não deve ficar-se pelas frases promocionais do fabricante e deve ler sempre os rótulos destes produtos para perceber se há ou não açúcares “escondidos”, como os açúcares naturais da fruta. Além disso deve também confirmar a quantidade de hidratos de carbono e de calorias.

MITO 3 - A insulina provoca dependência
A insulina não provoca dependência. Um exemplo claro disso, é o facto de muitas mulheres que tiveram diabetes gestacional e foram medicadas com insulina, deixam de ter diabetes depois do parto, deixando também de administar insulina ou qualquer outro tipo de medicação.

MITO 4 - As pessoas com diabetes têm de ter uma alimentação completamente diferente das outras pessoas.
A alimentação de um diabético deve reger-se pelos princípios de uma alimentação saudável, ou seja: ser equilibrada, diversificada e completa. Para um diabético, da mesma forma que para toda a restante população, devem ser adoptados princípios básicos como: seguir as indicações da roda dos alimentos, fazer as refeições com intervalos regulares, beber litro e meio ou dois litros de água ao longo do dia e preferir os alimentos grelhados, cozidos ou estufados aos fritos e molhos gordos.

MITO 5 - As pessoas com Diabetes não podem ingerir açúcar
As pessoas com Diabetes não precisam de eliminar o açúcar (sacarose) ou os alimentos ricos em açúcar (produtos de pastelaria, refrigerantes, chocolates). Podem incluí-los em quantidades pequenas, se conjugados com uma refeição completa, e desde que tenham os valores de glicemia dentro dos valores adequados. No entanto, o consumo deste tipo de alimentos tanto para os diabéticos, como - mais uma vez - para população em geral, deve ser a exceção e não a regra.

MITO 6 - O diabético não deve comer nada antes de deitar, pois vai fazer com que os valores de glicémia aumentem ao acordar.
Falso. A hiperglicemia matutina é frequente nos diabéticos e acontece devido ao efeito de Dawn, um fenómeno de libertação de hormonas que acontece durante a noite e que aumenta a glicemia e a resistência à insulina. Mas, para que este fenómeno possa ser contornado, o diabético deve precisamente, e ao contrário do que se pensa, fazer uma refeição ligeira antes de dormir.

MITO 7 - As pessoas podem ser “pouco” diabéticas ou “muito” diabéticas.
O que pode variar é o maior ou menor controlo da doença e, em consequência disso, a ocorrência ou não de complicações. Os indivíduos que têm a sua diabetes mais descontrolada correm riscos mais elevados de ter complicações. A diabetes é uma doença crónica com a qual a pessoa terá de lidar toda a vida, não se aplicando o conceito de ser muito ou pouco diabético.

MITO 8 - Quem ingerir grandes quantidades de açúcar pode ficar diabético.
A causa da diabetes não tem de estar necessariamente relacionada com a quantidade açúcar que ingerimos. A diabetes tipo 1 é causada pela destruição das células do pâncreas que produzem insulina, no caso da diabetes tipo 2, resulta da incapacidade do organismo responder à insulina. Na maioria dos casos, a tendência para ter diabetes tipo 2 relaciona-se ainda com uma herança genética. O consumo excessivo de açúcares pode é levar a um aumento de peso que, esse sim, está relacionado com o aparecimento da diabetes.

MITO 9 - As mulheres diabéticas não devem engravidar
As mulheres diabéticas podem engravidar e, com um bom controlo no período pré-natal, durante a gestação e no pós-parto, há todas as condições que tudo decorra sem complicações. No entanto, as mulheres diabéticas devem, antes de engravidar, fazer uma consulta pré-concepcional, para fazer controlo metabólico entre outras razões. Só assim poderão assegurar que tudo decorrerá sem problemas.

MITO 10 - As pessoas com diabetes tipo 1 são as únicas a precisar de insulina.
Pode acontecer que, mesmo com cuidados diários e medicação, haja um descontrolo da diabetes tipo 2, o que pode levar que a insulina seja necessária para o controlo da hiperglicemia.

MITO 11 - A diabetes tipo 2 é uma doença menos grave que a diabetes tipo 1
Existe este ideia pelo facto de a diabetes tipo 1 estar associada à insulina injetável e atingir na maioria das vezes crianças ou jovens. No entanto, apesar do diabético tipo 2 não ser insulinodependente, se a doença não for controlada é tão ou mais grave que a diabetes tipo
 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Leite? Talvez sim, talvez não

Texto escrito por Pedro F. Pina, com entrevista a Catarina Cunha, nutricionista, 07/10/2013.
O assunto tem gerado algum debate e, como todos os debates dignos desse nome, há sempre argumentos contra e a favor. Mas será que devemos beber menos leite ou na verdade este é mesmo essencial para os nossos ossos? O debate segue dentro de momentos.

Não surgiu do nada, este debate. Desde pequenos que a maior parte de nós foi educada para a importância de beber leite. "Estás a crescer", "Faz bem aos ossos", "É para o teu bem". O leite, diziam-nos, era boa opção para qualquer refeição. No entanto, hoje em dia há cada vez mais especialistas a contrariar as ideias com que fomos educados. Será o leite assim tão importante?

Não é novidade que o leite é conhecido por proporcionar grandes quantidades de cálcio fundamental para que os nossos ossos se tornem fortes e saudáveis. Não é por acaso que o corpo dos mamíferos o produz de forma natural precisamente para alimentar as crias quando estas estão a dar os primeiros passos. Isto funciona também para mamíferos bípedes como nós, que geralmente usufruimos nos nossos primeiros tempos de vida de aleitamento materno. Uma criança que fosse privada de cálcio seria uma criança subnutrida.

Para evitarmos alarmismos dizemos desde já que não é preciso fugir do leite como o diabo foge da cruz. Um adolescente que goste de beber um copo de leite ao pequeno-almoço teria piores consequências se o decidisse substituir por um calórico refrigerante gaseificado. O que está em causa não é tanto se devemos preocupar-nos com o leite em particular quando temos tantas outras opções nutricionais bastante adversas ao nosso alcance. É uma coisa mais simples: talvez o leite não seja tão essencial quanto pensávamos que fosse.

A nutrição, enquanto disciplina, é relativamente recente. Isto explica em parte porque é que por vezes ouvimos coisas contraditórias dos especialistas. Não é maldade dos profissionais, que só nos querem confundir a cabeça. A verdade é que estudar um certo tipo de alimentação não é um processo igual ao de uma farmacêutica que estuda os efeitos (benéficos e adversos) de um medicamento. Mesmo estudar um alimento em particular como o leite pode ser um desafio gigantesco.

A nutricionista Catarina Cunha recorda-nos que há não muito tempo atrás – e quem viveu o tempo do Estado Novo certamente que o recorda – o óleo de fígado de bacalhau era quase de consumo obrigatório. Muitos pais davam os piores dissabores aos filhos com a melhor das intenções. Há benefícios no óleo de fígado de bacalhau. Mas, vistas bem as coisas, quando este hábito cessou o país não caiu numa apocalítica carência vitamínica. Esta ideia feita sobre o óleo de fígado de bacalhau era, de facto, desadequada. E como vimos, as crianças que vieram depois até foram poupadas a este dissabor.
 
O que o leite nos dá

Catarina Cunha explica-nos que "a partir dos dois anos de idade começamos a ter um decréscimo na produção da lactase" o que, com o tempo, "aumenta a possibilidade de nos tornarmos intolerantes ao leite, mais concretamente à lactase e caseína". A este propósito, a nutricionista questiona mesmo se o facto de o número de pessoas intolerantes ao leite estar a aumentar, "não será do incentivo excessivo ao consumo de leite por ser um alimento supostamente ideal".

O consumo de leite e de outros produtos lácteos (iogurte, queijo, etc.) é recomendado pela maioria das sociedades de nutricionistas, em virtude dos seus efeitos benéficos em termos de absorção de cálcio e mineralização óssea. É inegável que o leite é a fonte mais fácil de obtenção de cálcio em maior quantidade. Os nossos ossos e dentes podem beneficiar dele. Além do mais é também uma fonte proteica, o que é benéfico do ponto de vista muscular. Alguns estudos referem ainda uma outra possível vantagem no consumo de alimento: a sensação de saciedade – o que quer dizer que, enquadrado numa dieta equilibrada, pode ajudar quem esteja a tentar perder peso.
Onde não há consenso entre os especialistas é se esta é mesmo a forma mais adequada de obtermos o cálcio de que necessitamos. A única não é certamente.

Em entrevista ao MSN Saúde, a nutricionista Ana Carolina Soares realçava que "há outros alimentos ricos em cálcio e com boa absorção desse mesmo cálcio, como é o caso das couves, do próprio feijão branco, até dos frutos secos". Há quem opte também pelo leite de soja. Em qualquer dos casos, falamos de alimentos cuja ingestão em quantidades adequadas podem proporcionar o cálcio e as proteínas de que necessitamos. E a verdade é que mesmo comparando com outros produtos lácteos, como é o caso dos iogurtes, a nutricionista acredita que o iogurte pode ser uma opção um pouco mais segura, comparativamente ao leite, "pelo facto de ser fermentado".

Um polémico estudo norte-americano intitulado Milk – The promoter of chronic Western diseases (traduzindo: leite, o promotor de doenças crónicas ocidentais) refere mesmo que os efeitos adversos a longo prazo do consumo de leite na saúde humana têm sido negligenciados.

Ao mesmo tempo, uma das dificuldades no estudo deste tema reside precisamente no facto de o consumo de leite estar tão enraizado em certas sociedades (onde se inclui a portuguesa), que chega a ser tratado como dado adquirido. Mas talvez valha a pena continuar a estudar o assunto.
O que nos pode fazer duvidar

Algumas das dúvidas que o leite provoca têm já algum tempo. Afinal de contas outras espécies de mamíferos só o consomem nos primeiros tempos de vida. Quando atingem a idade adulta o leite já não é mais uma necessidade. Os seres humanos, no entanto, continuam a consumi-lo. Com a curiosidade de ser leite que pertence a outras espécies de mamíferos (mais de 90 por cento do leite que consumimos é oriundo de vacas).

A este respeito, Ana Carolina Soares realça que "muitas vezes esquecemo-nos que o leite acaba por ser uma secreção de uma glândula que tem como objetivo fazer desenvolver um animal e fazê-lo crescer. Há portanto uma componente hormonal associada ao leite. Quando eu desenvolvo leite para amamentar um filho, desenvolvo um determinado perfil hormonal para o fazer crescer numa determinada proporção, se eu vou beber leite de uma vaca, que é maior do que nós, a proporção hormonal que surge será outra. E podemos não estar bem preparados para receber essa quantidade de estimulação hormonal", refere.

O especialista em nutrição português Pedro Bastos tem sido uma figura ativa na tentativa de mostrar que o leite não é a melhor opção de alimento para o ser humano. Já teve oportunidade de apresentar o seu trabalho além-fronteiras e um dos pontos a que o investigador dá ênfase é precisamente a relação que outros países têm com o consumo de leite. O Japão, por exemplo, é citado como país onde as taxas de obesidade, osteoporose e até cancro são mais baixas e o consumo de lacticínios é baixo, comparativamente a Europa e EUA.
No seu trabalho, Pedro Bastos realça que foi só há alguns milhares de anos que o leite e os produtos lácteos entraram na nossa dieta. A partir da análise de registos fósseis, Bastos percebeu também que os nossos antepassados do homem, que deixavam de beber leite logo após o período de amamentação, possuíam uma densidade mineral óssea comparável à dos adultos atuais. Afinal de contas, o leite seria assim tão vantajoso?

Importava por isso perceber tanto os benefícios como os possíveis efeitos adversos do consumo e leite. Alguns estudos referem que casos de diabetes ou de obesidade são o tipo de situações em que o consumo de leite pode ser desfavorável. Há até quem questione se não se devem procurar outras fontes de cálcio quando há risco de osteoporose, já que o leite é muito mais do que uma dose concentrada de cálcio.

Sobre isto, convém ter em conta que o leite é um alimento particularmente orientado para a fase de infância. No período neonatal, quando a produção endógena de hormonas é mais baixa, o leite surge como um alimento que facilita o crescimento. Para além de fornecer cálcio o leite possui proteínas, lípidos, hidratos de carbono, vitaminas e minerais, além de servir como estimulante hormonal, suprindo assim as mais diversas necessidades nutritivas nesta fase inicial da nossa vida.

À medida que crescemos, continuamos a precisar de cálcio, continuamos a poder beneficiar do valor proteico e vitamínico do leite, mas a nossa produção endógena de hormonas mudou. E é aqui que podemos falar numa preocupação dos especialistas em nutrição, uma que de certa maneira extravasa o leite.

Quem mudou? Nós ou o leite?

Desde a revolução industrial que os níveis de produção têm aumentado. Isto acontece nas mais diversas indústrias e a indústria alimentar não é exceção. No caso do leite, o que se tem notado ao longo do século XX é uma concentração cada vez maior de hormonas.

Muito mudou desde o primeiro processo de pasteurização, na segunda metade do século XIX. Hoje em dia, as vacas, o nosso principal fornecedor de leite, crescem cada vez mais rápido e são ordenhadas durante mais tempo, ao longo do ano. Catarina Cunha dá destaque a esta questão, que talvez até diga mais sobre uma certa parte da indústria alimentar do que do próprio leite. "A qualidade do leite tem vindo a sofrer uma grande alteração ao longo dos anos e isso tem origem na qualidade da alimentação bovina, assim como na própria qualidade da carne". Não sendo caso para nos deixar alarmistas, está visto que não precisamos de nos sentir desarmados. Como devemos, então, proceder?

A nutricionista Catarina Cunha adianta que "podemos recorrer a outras fontes de cálcio na nossa dieta mediterrânica tais como brócolos, os frutos secos tais como as amêndoas, sardinhas, queijos, iogurtes e não esquecendo todos os vegetais com folha verde escura tal como a nossa famosa couve-galega que também é rica em vitamina K, importante na prevenção de depósito de cálcio nas artérias". E acrescenta ainda que "o leite de amêndoa, aveia, arroz e kefir também são algumas das alternativas a quem apresenta intolerância á lactose". Mas falta aqui um elemento que não devemos descurar.
"Como é que o cálcio é absorvido no nosso organismo?", pergunta-nos a nutricionista. "A chave reside na vitamina D" – responde a própria.

A vitamina D é um elemento a ter em conta quando falamos de leite. É que não estão aqui apenas em causa as quantidades de cálcio ingeridas. Estas têm de ser devidamente absorvidas pelo nosso organismo para podermos beneficiar do cálcio. E esta vitamina em particular é uma ajuda essencial na absorção de cálcio.
A insuficiência de vitamina D leva a uma aceleração do envelhecimento ósseo. Existem alimentos que nos podem ajudar a este respeito, como é o caso do salmão, mas também da cavala, da sardinha, da enguia ou dos ovos (já agora, o tal óleo de fígado de bacalhau também pode ser uma ajuda neste aspecto, ainda que bem nada saborosa para a maioria dos paladares). Um especialista em nutrição pode também aconselhar sobre algum suplemento vitamínico. Mas num país como Portugal, a melhor solução durante boa parte do ano é também a mais barata: uma exposição solar moderada.

O mais importante a reter é que uma alimentação equilibrada, e acompanhada por hábitos de vida saudáveis, que incluam a prática regular de exercício físico, garante-nos os nutrientes necessários para não nos sentirmos dependentes do leite.

Mas "se é uma daquelas pessoas que se não prescinde de leite e não é intolerante, o recomendado é um copo por dia, que contem cerca de 300 mg de cálcio", conclui a nutricionista Catarina Cunha.

Alergia e intolerância

O imunoalergologista Manuel Branco Ferreira, no seu livro o ABC das AlergiasLINK, explica-nos que a alergia ao leite de vaca é mais prevalecente em crianças e que tende a ser transitória, embora nos últimos anos tenham sido descritos mais casos de persistência em adolescentes.
No mesmo livro, o imunoalergologista adianta ainda que atualmente já foram identificadas alergias a mais de 170 alimentos diferentes. Há relativamente poucos alimentos responsáveis por quadros de alergia alimentar grave – mas o leite de vaca é um deles, sendo que em casos particularmente extremos umas poucas gotas de leite ingeridas “podem ser fatais em doentes altamente sensibilizados”.
À medida que envelhecemos, vamos perdendo a lactase (a enzima responsável pela degradação da lactose do leite) e vamos ficando cada vez mais "intolerantes" à lactose. Neste caso falamos simplesmente de um determinado grau de intolerância. Pode sentir-se algum desconforto, gases ou possivelmente diarreia. Em caso de dúvida, procure o apoio de um especialista para definir como pode proceder.

domingo, 1 de dezembro de 2013

O cão tornou-se o nosso amigo na Europa pré-agrícola

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 15/11/2013
Quando e onde é que o cão deixou de ser lobo e passou a ser o melhor amigo do homem? Uma análise comparativa do ADN de lobos e cães, modernos e antigos, forneceu agora a resposta.
 

O cão terá sido domesticado na Europa
Uma equipa internacional de cientistas conclui na revista Science datada desta sexta-feira que os lobos foram domesticados na Europa, pelos caçadores-recolectores, durante a última grande Idade do Gelo, há 19 mil a 32 mil anos. As suas conclusões invalidam uma velha teoria segundo a qual a domesticação do cão teria acontecido no leste da Ásia há apenas 15 mil anos.
 
De facto, esta teoria tinha um problema: os mais antigos restos fósseis de animais parecidos com cães que se conhecem provêm da Europa e da Sibéria e têm 30 mil anos. Mas agora, Olaf Thalmann, da Universidade de Turku, na Finlândia, e colegas – entre os quais Svante Pääbo, do Instituto Max Planck de Leipzig, na Alemanha, mais conhecido pela sequenciação do genoma dos Neandertais –, realizaram uma análise genética e resolveram essa aparente contradição.
 
Os cientistas compararam o chamado ADN mitocondrial de uma série de lobos, cães e afins. O ADN mitocondrial é um bocadinho de material genético que é exclusivamente transmitido pelas mães à sua descendência e que os geneticistas das populações usam para construir as árvores genealógicas das espécies por via matrilinear.
 
Mais precisamente, a equipa incluiu no estudo 18 lobos e canídeos pré-históricos e 77 cães e 49 lobos modernos – entre os quais o dingo, os coiotes da América do Norte, várias raças de cães chineses e os mais antigos restos fósseis de cães conhecidos, ambos encontrados na Alemanha (um com 12.500 anos e o outro com 14.700 anos).
 
Conclusão: o ADN dos cães modernos é muito parecido com o dos cães europeus, antigos e modernos, mas não com o dos lobos de fora da Europa.
 
Os resultados desta análise genética surpreenderam os próprios autores, lê-se num comunicado da Universidade de Tubinga (Alemanha), onde trabalha Johannes Krauss, especialista em sequenciação de ADN antigo, que também assina o artigo da Science. “Fiquei pasmado pela clareza com que [os resultados] mostram que todos os cães actuais descendem de apenas quatro linhagens, todas elas originárias da Europa”, diz Thalmann, citado nesse comunicado. Mais: a maioria do ADN dos cães modernos pertence a uma única linhagem, que apresenta um alto grau de parentesco com a de um esqueleto de lobo encontrado numa gruta no norte da Suíça.
 
“Os nossos resultados implicam que os cães já eram nossos amigos muito antes de começarmos a criar cabras, ovelhas e gado”, diz Krausse. Ou seja, a domesticação do lobo antecede o advento da agricultura e eles foram muito provavelmente domesticados pelas comunidades de caçadores-recolectores que dominaram a Europa durante a última grande Idade do Gelo.
 
Os cientistas especulam que o processo de domesticação terá começado com os lobos a serem atraídos pelos caçadores, cujo rasto seguiam comendo os restos de animais que eles deixavam para trás.

Seropositivos podem dar órgãos a seropositivos nos Estados Unidos

Texto de Vera Novais publicado pelo jornal Público em 30/11/2013
Uma nova lei vai possibilitar a doação de órgãos infectados com VIH nos EUA, que já é uma realidade na África do Sul. Mas o receio é que daqui surja uma superinfecção ou supervírus da sida.
 
Os Estados Unidos acabam de aprovar uma lei que permite o transplante de órgãos entre pessoas infectadas pelo VIH. Mas antes disso ainda terá de haver investigação científica, por exemplo para avaliar se os transplantes originarão uma superinfecção. Portugal também prepara uma nova lei sobre a transplantação, mas, tal como outros países da Europa, não deverá incluir estes transplantes.
 
Actualmente, o VIH/sida passou de doença terminal a crónica para quem tiver acesso a terapias anti-retrovirais. Mas apesar de viverem mais tempo, muitos seropositivos sofrem de falências renais e hepáticas, levando à diminuição da qualidade de vida ou à morte.
 
A doação de órgãos por seropositivos para portadores de VIH, e mesmo a investigação usando esses órgãos, era proibida nos EUA, pela Lei Nacional de Transplantes de Órgãos de 1984. E só recentemente foi aceite naquele país que os doentes infectados com o vírus pudessem receber transplantes.
 
Também em Portugal a possibilidade de um seropositivo receber órgãos é relativamente recente. “Há dez anos, os portadores de VIH não eram elegíveis para transplantes”, revela Fernando Macário, presidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação. “[Agora o receptor] pode ser transplantado, se for portador do vírus, mas se já tiver sida não.”
 
Fonte alternativa de órgãos
Agora nos EUA, a Lei HOPE (HIV Organ Policy Equity Act) foi assinada pelo Presidente Barack Obama (a 22 de Novembro), depois de aprovada no Congresso. Esta lei, que revoga a de 1984, traz uma alternativa a todos os doentes – mais de 100.000 – que estão hoje em lista de espera para transplante, em particular os infectados pelo VIH, cuja mortalidade enquanto aguardam pelo transplante é superior à dos não portadores, como refere o site da HIV Medicine Association (da HIVMA), que apoia esta iniciativa.
 
Em Portugal, as listas são menores: cerca de 2000 doentes aguardam um transplante de rim, segundo Fernando Macário. “Para o fígado e coração não há listas de espera, têm de ser transplantados ou morrem.”
 
Com a nova lei, nos EUA haverá mais uma fonte de órgãos: os dadores que têm VIH. Mas isto só se tornará um procedimento comum depois de se investigarem os riscos e se definirem as normas para estes transplantes, um trabalho a fazer pelos cientistas do Departamento de Saúde dos EUA.
 
Desta forma, os doentes infectados poderão conseguir transplantes mais depressa, diminuindo as listas que partilham com os doentes VIH-negativos. “O alargamento dos dadores é bom para seropositivos e seronegativos. Se a prática [médica] for boa, trará ganhos para a saúde e económicos, em particular para o sistema nacional de saúde”, comenta Paula Policarpo, da direcção da Abraço, defendendo que o assunto deveria ser discutido em Portugal.
 
Para quem espera por um rim, a diálise é a alternativa, embora a qualidade e o tempo de vida sejam menores do que quando recebem um transplante. Porém, na África do Sul, onde um em cada cinco adultos tem o vírus da sida (5,5 milhões de pessoas em 2012), assim como noutros países pobres, o acesso à diálise é muito limitado – o que obrigou à procura de novas soluções; por isso os transplantes entre seropositivos sul-africanos são uma realidade desde 2008 (antes não podiam ser dadores de órgãos, nem sequer receber um órgão saudável).
 
Além do mais, a lei agora revogada nos EUA era considerada discriminatória, pois excluía os órgãos infectados com o VIH, mas nada dizia, por exemplo, sobre o uso de órgãos com o vírus da hepatite C.
“O VIH não pode ser visto como uma doença diferente das outras, os princípios a aplicar devem ser iguais aos das outras doenças virais”, considera Arnaldo Figueiredo, médico-cirurgião do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Acrescenta que em Portugal os transplantes entre infectados com hepatite C são possíveis, aliás, tal como nos EUA.
 
Os receios
Um infectado com VIH tem de enfrentar alguns riscos. Num transplante de um órgão saudável, os imunossupressores dados a uma pessoa já imunodeprimida pelo VIH, para reduzir o risco de rejeição, podem potenciar doenças que se aproveitem de um sistema imunitário enfraquecido. Mas correr este risco pode ser a única alternativa.
 
Existe ainda o risco de acelerar a doença ao ser-se infectado com uma nova estirpe do vírus vinda do dador do órgão, que pode ser resistente aos anti-retrovirais ou originar uma superinfecção, resultante da combinação de infecções com diferentes estirpes do vírus.
 
Porém, Dorry Segev, da Faculdade de Medicina Johns Hopkins (EUA) e colegas desvalorizaram este risco, num artigo na American Journal of Transplantation, de 2011: “Há indícios de que doentes com infecções por VIH bem controladas pelas terapias anti-retrovirais têm um menor risco de desenvolver uma superinfecção.” Para esta equipa, o risco de criar um vírus mais resistente (um supervírus) é baixo, se a carga viral presente no dador também for muita baixa, devido aos tratamentos.
 
Já o virologista Ricardo Camacho é mais prudente. “A superinfecção faz sempre acelerar o processo de infecção”, diz este cientista do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, em Lisboa, e da Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica. “Mas [nos transplantes] não há provas de que a superinfecção possa acontecer. Nunca foi completamente estudada, porque os casos são poucos.”
 
Para já, há os resultados dos transplantes (de rins) entre seropositivos na África do Sul, iniciados pela equipa de Elmi Muller, do Hospital Groote Schuur, em 2008. Entre os 26 transplantes realizados, 24 tiveram sucesso, noticia a revista Nature. Ainda que estes resultados reforcem que os benefícios ultrapassam os riscos, Muller diz são necessários mais estudos para tornar estes transplantes mais seguros.
 
Para Ricardo Camacho, é natural que estes transplantes se façam onde há um único subtipo de VIH predominante na população. Na África do Sul, quase todos os infectados têm o subtipo C e nos EUA predomina o subtipo B. Como existem vários subtipos em Portugal, um transplante nestas condições não seria tão simples, explica.
 
A escassa investigação nesta área parece justificar a posição a nível europeu. “A Comissão Europeia é a favor da não utilização de órgãos de portadores de doenças transmissíveis, porque isso pode ter efeitos catastróficos no receptor”, refere Ana França, do Instituto Português do Sangue e da Transplantação, que coordena um grupo de trabalho para preparar a lei nacional da transplantação. “Nunca poderemos ter uma atitude diferente das recomendações da Comissão Europeia. Não quer dizer que, com a evolução do conhecimento, estes dadores não possam ser utilizados em situações especiais.”
 
Fernando Macário, que integra aquele grupo de trabalho, tem uma opinião diferente das orientações europeias e considera limitadora a actual legislação portuguesa. “É extremamente restritiva. É preferível um doente ter um órgão destes do que não ter nenhum.”

Os desafios atuais

Texto publicado na rubrica Saúde da Sapo

Para se chegar a esta fase no tratamento da infeção pelo VIH, «muitos passos foram dados desde o aparecimento da terapia combinada», ressalva.
 
«Ao longo dos últimos anos, desenvolveram-se novos fármacos, mais potentes e menos tóxicos que permitiram reduzir o número de comprimidos administrados e assim facilitar aos doentes o cumprimento rigoroso do tratamento». Ainda assim, «reduzir o nível de toxicidade dos medicamentos» continua a ser uma preocupação fundamental para os investigadores.
  
«Estamos a trabalhar para desenvolver novos fármacos menos tóxicos, para diminuir os efeitos secundários que afetam os doentes», conta Ricardo Camacho.
 
Segundo o investigador, «há medicamentos que provocam, por exemplo, o aumento dos níveis de colesterol e interferem na função cardiovascular, outros que afetam a função renal, provocando deficiências nos rins e outros que são tóxicos para o fígado e podem significar alguma degradação da função hepática».
 
Retardar o envelhecimento precoce que decorre da infeção pelo VIH é outro objetivo, pois «o indivíduo infetado, mesmo tratado com a terapêutica correta, envelhece mais rapidamente do que um indivíduo não infetado».
 
O futuro no combate ao VIH
A personalização da terapêutica é o próximo passo a dar. «A terapêutica é definida de acordo com o estado clínico de cada paciente, mas no futuro, acredito que as medicações sejam cada vez mais individualizadas», afirma Ricardo Camacho.
 
«Já há testes laboratoriais que permitem dizer se um medicamento vai ser tóxico ou não, de acordo com o genoma do doente, ou se vai ser eficaz, de acordo com o genoma do vírus, e brevemente, vão chegar novas tecnologias que permitem uma análise ainda mais pormenorizada que nos vai permitir determinar uma terapêutica quase ideal para o doente», conclui o especialista.


Texto: Sofia Cardoso com Ricardo Camacho (responsável pelo Laboratório de Biologia Molecular no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental)

O controverso começo

Texto publicado na rubrica Saúde da Sapo

A melhor altura para iniciar o tratamento é «muito variável», refere o especialista, pois « a infeção pelo VIH evolui a velocidades diferentes».
 
De acordo com o GAT, na maioria dos casos começa-se o tratamento quatro ou cinco anos após a infeção, mas cerca de um terço dos infetados pode permanecer sem sintomas durante dez anos e sem tratamento.
 
Para decidir qual a melhor altura para iniciar o tratamento, os clínicos recorrem à contagem dos linfócitos CD4.
 
«Até há bem pouco tempo, recomendava-se que o tratamento se iniciasse quando o número das células CD4 atingisse os 350 células/mm3. Hoje, há novas guidelines que propõem que a terapêutica se inicie quando as CD4 atingirem os 500 células/mm3», adianta Ricardo Camacho.
 
Os pilares do sucesso
Se se utilizar o tratamento para o VIH na altura certa e de forma correcta, pode-se permanecer bem durante muito tempo. Para isso, «é essencial um diagnóstico precoce», alerta o especialista, explicando que «quanto mais tarde é diagnosticada a doença menor é a eficácia da terapêutica e a recuperação do sistema imunitário não será tão boa».
 
Durante os tratamentos é também importante que a medicação seja rigorosamente cumprida. «Ao parar a medicação, o doente arrisca-se a que o vírus desenvolva resistência aos fármacos e, apesar de atualmente existirem mais alternativas para tratar a infeção, cumprir a terapêutica à risca continua a ser um passo fundamental», sublinha.