quarta-feira, 27 de novembro de 2013

As doenças tratáveis com recurso à fitoterapia e as plantas mais usadas

Texto publicado na rubrica Saúde da Sapo
 
A fitoterapia tem-se revelado benéfica na prevenção e no tratamento de uma série de doenças. Quais são as mais comuns e quais as plantas que acabam por ser mais usadas em cada uma delas?

É difícil responder a essa pergunta de modo tão genérico e tão simplista.
 
Na China, a utilização da fitoterapia é tão generalizada que podemos dizer que ela constitui a principal linha de tratamento médico, independentemente de estarmos a falar da medicina chinesa ou da convencional, sendo que as duas estão muito integradas.
 
Praticamente não existem problemas que não sejam tratados com fitoterapia. Mais uma vez, mais importante do que as plantas em si, são as fórmulas que as combinam. Mas podemos falar de algumas das principais plantas medicinais, daquelas que entram em inúmeras fórmulas, e sobretudo que são frequentemente recomendadas como simples (usadas sozinhas), geralmente como prevenção, um dos aspetos mais importantes da medicina chinesa. O ginseng, por exemplo, é uma das plantas mais usadas como tónico.
 
O fungo fu ling (poria) é muito utilizado em inúmeras fórmulas, e em particular para tratamento de problemas metabólicos ou ligados ao colesterol e à gordura, entre outros. Talvez uma das mais conhecidas plantas seja a da huang (ruibarbo), usada numa variedade grande de problemas gastro-intestinais e que entra em centenas de fórmulas. Mas existem literalmente milhares de plantas e fórmulas usadas na medicina chinesa. A principal exigência para a utilização das fórmulas da fitoterapia chinesa é a existência de um diagnóstico correto de acordo com a medicina chinesa.

Se o diagnóstico for correto, é certo que existe uma ou mais fórmulas que poderão ser receitadas e que os resultados serão bons no tratamento de quase todas as patologias. Isso é ainda mais verdade se a fitoterapia vier em complemento de tratamentos de acupuntura, já que muitos estudos apontam para que a combinação destes dois métodos de tratamento seja o ideal. Mas a fitoterapia chinesa é uma das mais antigas e mais vastas tradições médicas do mundo e possui fórmulas utilizáveis para praticamente todas as patologias.

Todas as pessoas podem recorrer à fitoterapia ou existem grupos de indivíduos a quem este método não é recomendado?


Esta é outra pergunta difícil de responder de um modo abstrato. Todas as pessoas podem recorrer à fitoterapia mas nem todas as fórmulas serão indicadas para todos os pacientes, e sobretudo, para todas as alturas. Por mais segura que seja, a fitoterapia possui algumas contraindicações, dependendo das plantas e fórmulas a usar. Existem plantas que não são indicadas para pacientes que tenham hipertensão, por exemplo, ou plantas que podem ser usadas com segurança em quase todas as pessoas, mas que não podem ser usadas por grávidas.

Assim, uma fórmula que aumenta a energia geral e seja muito tónica não deve ser receitada a pacientes que já estejam em estado ansioso, tal como fórmulas que aumentem o fluxo ou a força do sangue podem ter efeitos adversos em grávidas. Mais uma vez, o diagnóstico correto é talvez a coisa mais importante, e o médico que receita ser bom conhecedor das plantas. Mas duma maneira geral, e não entrando em situações específicas.

A fitoterapia é indicada para todas as pessoas e todas as idades, sendo aliás de enorme segurança, quase não se conhecendo casos de reações graves à utilização da farmacopeia chinesa. Devemos lembrar que mesmo em casos em que uma fórmula possa conter uma planta com alguma toxicidade (como, por exemplo, o acónito), a própria fórmula vai incluir plantas que vão reduzir esse risco.

As vantagens das terapêuticas anti-retrovirais

Texto publicado na rubrica Saúde da Sapo.
O recurso a terapêuticas anti-retrovirais continua a ser a prática mais comum. Tem a desvantagem de ser mais cara. Mas, se não pensarmos na parte económica, que vantagens tem em relação à medicina tradicional chinesa e à fitoterapia?
As terapêuticas anti-retrovirais têm a sua eficácia comprovada mas, dada a sua vertente invasiva, acabam por nem sempre ser bem toleradas por algumas pessoas que vivem diariamente com HIV.
 
Os anti-retrovirais são medicamentos complexos, com grande potencial de reações adversas, algumas delas muito graves.
 
Existem muitos pacientes para quem os riscos de tomar estes medicamentos podem ser maiores do que os seus potenciais benefícios e, nesses casos, a utilização da medicina tradicional chinesa é uma boa solução. E claro que a medicina chinesa deveria ser considerada como uma das principais terapias na gestão dos efeitos secundários dos anti-retrovirais, no caso de pacientes que necessitem mesmo de os tomar. Aliás, esta máxima aplica-se a todos os tratamentos invasivos com efeitos adversos.
 
No Centro de Terapias Chinesas, temos muita experiência em ajudar pacientes que estão a combater cancros com radioterapia ou quimioterapia, a tratar os efeitos secundários dessas terapias muito agressivas. Existem muitas fórmulas que podem ser usadas em complemento dos tratamentos contra a SIDA, e que podem ajudar imenso a melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Estas fórmulas da fitoterapia chinesa são receitadas por um especialista tendo em conta o próprio paciente, os sintomas que ele sente e as maneiras como a doença se está a manifestar com ele.

Provavelmente a fórmula mais típica e imediatamente útil para um paciente com SIDA seria shen qi da bu, que é uma combinação de astragalus e de dang shen, obtida a partir da raiz de codonopsis, uma planta da família do ginseng e que é muito usada em substituição deste por causa do seu preço mais baixo, que é receitada como um tónico geral para o corpo todo e sistema imunitário, bem como um tónico em todos os casos de problemas e fraquezas do sangue. Mas, dependendo dos sintomas, existem muitas outras fórmulas.

Por exemplo, a fórmula xiao huo luo é muito indicada quando o paciente sente dores musculares ou nas articulações. Esta fórmula contém seis plantas, das quais a mais importante será provavelmente a morus alba, um arbusto da família da amoreira, mas sempre em ação sinergística com todas as outras. A SIDA causa também frequentemente problemas ao nível respiratório e propicia inúmeras infeções oportunistas por esta via. Nestes casos é especialmente indicada uma fórmula antiga, a yu ping feng, que é receitada muitas vezes para combater infeções respiratórias mas, sobretudo, como prevenção, para tonificar o sistema imunitário e preparar o corpo contra ataques externos.

Esta fórmula também tem como um dos seus principais ingredientes a planta astragalus, em conjunção com outras cinco plantas. Esta fórmula, pelo seu preço e segurança, foi a fórmula básica que as autoridades chinesas recomendaram à população como preventivo de infeções respiratórias durante a crise da chamada gripe das aves (SARS, em inglês, a síndrome respiratória aguda grave), que causava uma pneumonia atípica.

A planta que condiciona o avanço da SIDA

Texto publicado na rubrica Saúde da Sapo

Os novos avanços da fitoterapia chinesa na preventivo e no tratamento da doença

 
A astragalus é utilizada pela medicina tradicional chinesa há milhares de anos. Sozinha ou combinada com outras plantas, reforça a imunidade do organismo, incluindo cancro, diabetes, anemias e hepatites.

Nos últimos anos, no entanto, são os seus benefícios no condicionamento da evolução da SIDA em portadores de HIV que têm merecido elogios de membros da comunidade médica e científica internacional.

Em entrevista à Prevenir, Wenqian Chen, médica especialista em medicina tradicional chinesa no Centro de Terapias Chinesas, em Lisboa, explica como atua esta planta, que também tem propriedades anti-bacterianas e
anti-inflamatórias. Esta não é, no entanto, a única espécie botânica usada pela fitoterapia chinesa. Descubra outras plantas que podem fazer verdadeiros milagres pela sua saúde.

De um modo mais técnico e pormenorizado, como é que a fitoterapia, nomeadamente a astragalus, condiciona o avanço da SIDA em portadores de HIV?

 
Geralmente os telómeros (cromossomas das células) são longos o suficiente para se dividirem muitas vezes sem problemas pois, quando estão a combater infeções, as células podem ativar uma enzima chamada telomerase, que impede que os telómeros se encurtem. O problema é que, quando lidamos com um vírus que não pode ser eliminado do corpo, como o HIV, as células não conseguem manter as suas telomerases ligadas e os telómeros ficam sucessivamente mais curtos.

 
No entanto, num estudo divulgado pelo Centro de Terapias Chinesas, os pesquisadores usaram um composto químico chamado TAT, originalmente identificado nas plantas utilizadas na medicina tradicional chinesa, nomeadamente a astragalus, chamada huang qi em chinês, que provou melhorar a atividade da telmerase noutros tipos de células. Eles testaram o TAT2 de diversas formas.

 
Primeiro, expuseram as células-T CD8 de pessoas infetadas com HIV ao TAT2 e descobriram que o composto não retarda apenas o encurtamento dos telómeros, mas também melhora a produção de fatores solúveis da célula chamadas quemoquinas e citoquinas, que outros estudos já comprovaram ter a capacidade para inibir a replicação do HIV. Outros estudos com a astragalus em pessoas com outras infeções virais têm demonstrado um aumento nas células imunes.

 
A astragalus é a única espécie botânica usada em fitoterapia a garantir esses resultados ou existem outras?

A astragalus, usada atualmente para tratar a hepatite B e outras infeções virais, foi uma das primeiras ervas a ser identificada como tratamento potencialmente útil para o HIV, apesar de existirem bastantes outras plantas da medicina tradicional chinesa, cujos efeitos já foram estudados e comprovados positivamente no combate aos sintomas do HIV e, no seu retardamento. Na China, por exemplo, a astragalus é utilizada em combinações que tratam de supressão da célula imunológica após quimioterapia.

Na verdade, a maior parte da informação clínica sobre os efeitos desta planta é proveniente de estudos em que são utilizadas outras ervas, as célebres fórmulas. A fitoterapia chinesa não se esgota na utilização dos chamados simples, isto é, no tratamento com a utilização de uma única planta. Antes pelo contrário, os simples são o nível menos importante da fitoterapia chinesa, que se especializa sobretudo na criação de fórmulas.

Esta possui uma teoria muito desenvolvida da combinação de plantas entre elas, chegando ao ponto de adaptar estas fórmulas a cada paciente individualmente. A ideia nestas fórmulas passa também por garantir que umas plantas contrabalançam os efeitos menos positivos das outras, ou potenciam os efeitos positivos de outras de modo sinergístico.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Reprodução europeia de leopardos-da-pérsia tem coordenador no zoo de Lisboa

Texto de Vera Novais publicado pelo jornal Público em 18/11/2013
José Dias Ferreira foi convidado para coordenar o programa de reprodução de subespécie em perigo de extinção
O leopardo-da-pérsia está em perigo de extinção
Desde os anos de 1990, o Jardim Zoológico de Lisboa tem trabalhado na educação do público, no aumento do bem-estar animal e na conservação das espécies e do meio ambiente. A nomeação de José Dias Ferreira, curador de mamíferos do zoo de Lisboa, para coordenador do programa europeu de reprodução dos leopardos-da-pérsia vem reconhecer o trabalho desenvolvido na conservação desta subespécie.
 
Muitas espécies existentes nos parques zoológicos estão em risco de extinção na natureza. Para manter as populações viáveis dentro de cada um desses parques, existem equipas de especialistas a investigar a melhor forma de gerir as espécies sob cuidados humanos. Quando o risco de extinção é muito elevado, estabelece-se um Programa Europeu de Espécies Ameaçadas (EEP), que implica a gestão das populações de uma determinada espécie mediante reprodução controlada (com selecção de parceiros), aliada a uma campanha de conservação no terreno.
 
O sucesso do zoo de Lisboa com a reprodução do leopardo-da-pérsia (Panthera pardus saxicolor) fez com que se tornasse parceiro de um projecto russo de reintrodução desta subespécie, que consiste na reprodução dos animais no Parque Nacional de Sóchi, na Rússia, com posterior reintrodução das crias nas montanhas do Cáucaso. O casal de leopardos-da-pérsia que o zoo de Lisboa cedeu tinha gerado oito crias no zoo, e desde que chegou à Rússia, em Julho deste ano, já teve mais duas – as primeiras a nascer no Cáucaso nos últimos 50 anos.
 
O zoo de Lisboa foi o primeiro parque zoológico a transferir um casal de leopardos-da-pérsia para a Rússia. Além de coordenar o EEP, vai agora integrar um grupo de cinco especialistas que darão apoio técnico neste processo de reintrodução. Foi ainda convidado a dar formação no maneio destes animais aos técnicos do centro de reprodução de Sóchi.
 
Os EEP são promovidos pela Associação Europeia de Zoos e Aquários (EAZA, na sigla em inglês) junto dos seus associados. O zoo de Lisboa colabora em 64 EEP, sendo ainda coordenador do EEP do saguim-imperador. Colabora e coordena também alguns studbooks europeus e internacionais: livros de registos de dados que aglutinam toda a informação genealógica, veterinária e de transferências entre parques zoológicos das espécies ameaçadas contempladas, mas num grau menos intensivo que o do EEP. Entre os studbooks que o Jardim Zoológico de Lisboa coordena estão o da tartaruga-espinhosa e o da impala-de-face-negra.

Nem com uma memória fora de série somos imunes às falsas memórias

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 20/11/2013
Os mecanismos responsáveis pela distorção da memória poderão ser inerentes à forma, relativamente maleável e falível, como o nosso cérebro regista os acontecimentos da nossa vida.
 

Adicionar legendaAs memórias inscritas nos nossos neurónios são o resultado de processos maleáveis e falíveis
Cientistas norte-americanos submeteram a testes que geram falsas memórias um grupo de pessoas cujas capacidades mnemónicas são tão extraordinárias que conseguem lembrar-se, décadas mais tarde, de ínfimos pormenores da sua vida passada. E constataram que, ao contrário do que se poderia pensar, essas pessoas são muito — e por vezes até mais — susceptíveis de se convencerem, erradamente, de ter visto ou ouvido algo que nunca viram nem ouviram. Os resultados deste estudo foram publicados na edição desta semana da revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
 
Elizabeth Loftus — pioneira do estudo das falsas memórias — e colegas, da Universidade da Califórnia (EUA), recrutaram 38 voluntários com dotes de memória normais e 20 dotados de “hipertimésia” ou “memória autobiográfica altamente superior” (HSAM, na sigla em inglês).
 
A hipertimésia, descrita pela primeira vez em 2006, faz com que estas pessoas consigam lembrar-se de pormenores dos eventos de cada dia da sua vida desde que eram crianças, incluindo a data e o dia da semana em que aconteceram. “No que respeita a pormenores verificáveis, as pessoas com HSAM acertam 97% das vezes”, escrevem os cientistas. “Conseguem lembrar-se melhor do que aconteceu num dado dia, há dez anos, do que a maior parte [de nós] se lembra do que aconteceu há um mês.”
 
A hipertimésia é diferente dos outros tipos de memórias superiores, explicam ainda os cientistas. Em particular, as pessoas com HSAM não têm capacidades excepcionais de aprendizagem. O que as distingue é apenas a sua espectacular memória “autobiográfica” — ou seja, a precisão e a exactidão com que se lembram de tudo o que lhes aconteceu na vida.
 
Miragens mentais
Seja como for, a descoberta da hipertimésia levou os especialistas a perguntar se as pessoas com HSAM seriam ou não imunes às falsas memórias. E foi isso que a equipa quis agora testar. “De certa forma”, escrevem os autores, “esta capacidade parece contradizer o que se sabe acerca dos processos reconstrutivos, falíveis e maleáveis, subjacentes à memória das pessoas com capacidades mnemónicas normais”.
 
Para fazer o estudo, a equipa realizou, juntos dos 58 participantes com e sem hipertimésia, vários testes que estimulam a produção de falsas memórias. Um deles consiste em enunciar listas de palavras relacionadas entre si — poderiam ser “cama”, “repouso”, “cansado”, “ressonar”, etc. — e em pedir mais tarde aos participantes para se lembrarem do maior número possível de palavras ouvidas. Acontece então que uma palavra como “sono” surge tão frequentemente nas respostas como as diversas palavras da lista... embora nunca tenha sido enunciada durante o teste. Isto porque a ideia de sono está implícita em todas as palavras que os participantes ouviram.
 
Num outro teste, o “gerador” de falsas memórias consistiu em apresentar uma série de imagens, seguida, algum tempo depois, de frases faladas que confundem a memória dos participantes e os levam a acreditar que viram a imagem de um objecto que apenas foi referido oralmente.
 
Um terceiro teste ainda consistiu em sugerir aos voluntários que um dado acontecimento fora filmado — neste caso, o preciso instante em que o voo 93 da United Airlines se esmagou no solo da Pensilvânia, a 11 de Setembro de 2001. Embora esse momento trágico dos ataques da Al-Qaeda nunca tenha, na realidade, sido registado em vídeo (as primeiras imagens filmadas foram dos destroços do avião, já a arder no chão), a mera sugestão de que o foi é suficiente para as pessoas ficarem convencidas de ter visto um vídeo inexistente.
 
Somos todos falíveis
Conclusão da equipa de Loftus: a extraordinária memória dos participantes com hipertimésia não é de todo imune às distorções. Não foram detectadas, em nenhuns dos testes, diferenças significativas entre a taxa de falsas memórias evocadas pelas pessoas com uma memória normal e a taxa de falsas memórias evocadas pelas pessoas com HSAM. Mais ainda: no segundo teste (o das imagens fixas), os voluntários dotados das mais poderosas hipertimésias tiveram mesmo tendência a inventar mais falsas memórias do que os participantes com hipertimésias menos pronunciadas.
 
“Seja qual for a origem da sua capacidade excepcional em termos de memória autobiográfica, ela não impede [as pessoas com HSAM] de sofrer distorções da memória”, notam os cientistas. O seu estudo, acrescentam, “sugere que os mecanismos de reconstituição da memória que produzem distorções (...) são fundamentais e generalizados nos seres humanos”.
 
A confirmarem-se, estes resultados poderão ter importantes implicações, nomeadamente na área da justiça, onde a contaminação da memória das testemunhas já teve graves consequências no passado, alertam os cientistas.

Uma infecção complexa

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 20/11/2013
O Plasmodium falciparum é a espécie de parasita da malária mais mortífero para os humanos. O seu ciclo de vida passa por vários estádios em dois hospedeiros diferentes.
Mosquitos que são vectores do parasita da malária
A malária mata entre 655.000 e 1,2 milhões de pessoas por ano, a maioria em África e no Sudeste asiático. Muitas mais adoecem, depois de serem picadas pelas fêmeas de mosquitos anófeles.
 
Os sintomas da malária são intensos: febres altas, dores de cabeça, mal-estar geral. Há medicamentos que tratam a doença, mas o parasita transmitido pelos mosquitos foi ganhando resistências a muitos e hoje os cientistas procuram novos químicos. A vacina é uma arma ainda mais difícil de fabricar, devido à complexidade do ciclo biológico do parasita.
 
Quando o parasita (o Plasmodium falciparum é o mais mortal) entra na corrente sanguínea, dirige-se para o fígado. Aqui, cada parasita atravessa umas quantas células (hepatócitos) até se alojar numa delas e multiplicar-se. Passados alguns dias, libertaram-se milhares de parasitas, mais pequenos, que invadem o sangue. O passo seguinte é a infecção dos glóbulos vermelhos: o parasita entra nestas células, alimenta-se da hemoglobina e multiplica-se de novo em menos de 20 células.
 
Três dias depois, milhares de glóbulos vermelhos explodem, libertando parasitas. Em menos de um minuto, estes invadem outros glóbulos vermelhos e o ciclo repete-se. É nas explosões sincronizadas destas células que os sintomas da doença se tornam agudos.
 
O ciclo continua até alguns parasitas começarem a evoluir para estádios sexuais. Se forem sugados por outro anófeles, acabam aí de se diferenciar em macho e fêmea, dando-se a fecundação enquanto estão no mosquito. E o ciclo recomeça.

Portugueses estão a desenvolver uma vacina contra a malária

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 20/11/2013
Financiamento de 902 mil euros da Fundação Gates irá permitir a equipa internacional, liderada por laboratório português, continuar a testar uma potencial vacina com parasita transgénico, que já deu resultados preliminares positivos.
 
Plasmodium berghei transgénico, a proteína circunsporozoito do parasita humano está a azul
Miguel Prudêncio, líder de uma equipa no Instituto de Medicina Molecular

Plasmodium berghei (com membrana a vermelho), que causa a malária nos roedores, a multiplicar-se dentro de uma célula de fígado humana (a verde) com o núcleo azul
Uma vacina contra a malária está a ser concebida por portugueses desde 2010. Na altura, Miguel Prudêncio, investigador e líder de uma equipa no Instituto de Medicina Molecular (IMM), em Lisboa, recebeu 100 mil dólares da Fundação Bill & Melinda Gates depois de concorrer a um financiamento de Fase I do programa Grand Challenges Explorations. Agora, passados três anos, o investigador volta a ser premiado pela fundação, desta vez com 902 mil euros, para continuar o projecto. Se tudo correr bem, daqui a dois anos começarão os primeiros ensaios clínicos em humanos para testar uma candidata a vacina, cuja ideia nasceu em Portugal.
 
O conceito de Miguel Prudêncio é simples. É preciso um parasita da malária de roedores, que não causa a doença em humanos, mas interage o suficiente com o sistema imunitário para provocar a imunização. Depois, é preciso inserir um gene do parasita humano no parasita de roedores, para criar uma imunização dirigida à malária humana. A ideia funcionou. O novo financiamento da fase II vai servir agora para fazer as últimas experiências preliminares, desenvolver um método de produção in vitro do parasita de roedores e vai ajudar a fazer a aplicação do pedido para a realização de ensaios em humanos na Holanda. Miguel Prudêncio está esperançoso, mas o investigador sabe que ainda há muitos desafios para ultrapassar, ou não fosse esta uma doença muito complexa.
 
O parasita da malária começa por se multiplicar no fígado e vai depois para o sangue, onde causa os sintomas. A única vacina que funcionou até hoje, testada na década de 1970, utilizou parasitas atenuados por radiação, que entravam nas células do fígado, mas não conseguiam multiplicar-se. Esta técnica foi aplicada a militares norte-americanos, que tinham de ser picados pelos mosquitos, um método impossível de ser massificado, mas que resultava. Os soldados quando eram depois infectados pelo Plasmodium falciparum – a espécie de parasita que causa a malária mais violenta – não ficavam doentes.
 
Sabe-se hoje que a fase no fígado provoca a activação do sistema imunitário do hospedeiro humano. A proteína circunsporozoito, que durante este estádio do parasita preenche a sua membrana externa, é a principal responsável pela imunização. Infelizmente, durante a infecção natural da doença, há algo que impede o desenvolvimento da imunidade observada nos militares americanos. “Pensa-se que durante a fase da doença no sangue haja algo que destrua o processo de imunidade, que foi desenvolvido durante a fase do fígado”, diz Miguel Prudêncio ao PÚBLICO. É mais um dos mistérios da malária.
 
Nas últimas décadas, foram feitas várias tentativas para produzir uma vacina. A de Manuel Elkin Patarroyo, um patologista colombiano, muito referida na década de 1990, revelou-se ineficaz. Ao todo, 27 vacinas chegaram aos ensaios clínicos em humanos. A RTS, S/AS01, da GlaxoSmithKline, que utiliza parte da proteína circunsporozoito para provocar a imunidade, está na fase III (estudos comparativos para demonstrar a segurança, eficácia e benefício terapêutico). Mas os resultados não são animadores, a vacina dá imunidade a menos de metade das pessoas. O projecto de Miguel Prudêncio será um de muitos que ainda estão na fase prévia de experimentação no laboratório.
 
A ideia, que nasceu quando o investigador ainda estava na equipa de Maria Mota, especialista em malária do IMM, também envolvida no desenvolvimento desta vacina, tem muitas semelhanças com a experiência da década de 1970. No fundo, o objectivo é ter um parasita que penetre o fígado, provoque uma imunização no hospedeiro, mas que não cause a infecção no sangue. O parasita usado agora chama-se "Plasmodium berghei", causa malária em roedores, e foi alterado geneticamente para causar imunidade contra o Plasmodium falciparum – ganhou o gene que comanda o fabrico da proteína circunsporozoito do parasita humano.
 
As experiências laboratoriais dos últimos anos, feitas em grande parte por António Mendes, investigador da equipa de Miguel Prudêncio, serviram para provar que o sistema funciona, pelo menos em laboratório. Os investigadores começaram por mostrar que o Plasmodium berghei infecta tanto células do fígado (hepatócitos) como minifígados humanos (aglomerados de hepatócitos gerados in vitro). Depois, a equipa demonstrou que os parasitas entravam no fígado "humanizado" de ratinhos, que tinham uma grande percentagem de células humanas.
 
De seguida, utilizando ratinhos transgénicos que produzem sangue humano, verificaram que os parasitas já não conseguiam multiplicar-se neste sangue. “O parasita infecta hepatócitos humanos, mas não consegue completar o ciclo nos glóbulos vermelhos humanos”, explica Miguel Prudêncio.
 
Finalmente, a equipa analisou a capacidade deste parasita transgénico provocar imunidade. Os cientistas infectaram ratinhos normais com o Plasmodium berghei transgénico. Quando esta aplicação foi repetida cinco vezes, verificou-se que no soro destes ratinhos havia suficientes anticorpos que reagiam contra o Plasmodium falciparum. Num sistema in vitro, estes anticorpos bloqueavam a acção destes parasitas, impedindo-os de infectar hepatócitos humanos. A equipa encontrou também linfócitos, células do sistema imunitário, que reagiam ao parasita humano. Segundo Miguel Prudêncio, para uma vacina ser eficaz, é necessário que produza estes dois tipos de resposta de imunidade.
 
Os resultados convenceram a Fundação Bill & Melinda Gates. Parte das experiências, todas coordenadas pela equipa portuguesa, foram também realizadas em Espanha, nos Estados Unidos e na Holanda. Agora, grande parte dos próximos passos será feita na Holanda.
 
Ensaios com macacos
Haverá ensaios com macacos rhesus no Centro de Investigação Biomédico de Primatas, em Rijswijk. As experiências vão utilizar mais de uma dezena de animais para tentar repetir os resultados em ratinhos. Nos próximos 18 meses, Miguel Prudêncio quer apresentar os documentos ao Comité Central sobre Investigação de Pessoas, a entidade holandesa que aprova os ensaios em humanos, que depois serão feitos na Universidade Radboud, em Nijmegen, na Holanda. É necessário reunir a informação das experiências e ter um projecto consolidado para provar que os ensaios em humanos fazem sentido. Serão necessários pelo menos 15 voluntários para estes testes.
 
“Queríamos fazer os ensaios em Portugal”, diz Miguel Prudêncio. “Mas não há precedentes deste tipo de ensaios cá e a fundação já conhece esta universidade, tem confiança e diz que assim será mais rápido.”
 
Por cá, vão ser feitos mais alguns ensaios pré-clínicos e irá ser aprimorada uma técnica para criar o Plasmodium berghei in vitro, sem necessitar dos mosquitos. Só nesta espécie é que se demonstrou que a técnica é possível, o que facilitaria muito, no futuro, a produção de uma vacina. A equipa está em contacto com a cientista que desenvolveu a técnica. É um “grande desafio”, diz-nos Miguel Prudêncio, que garante que a produção de uma vacina demorará bem mais de dez anos – se tudo correr bem. “Temos todas as razões para acreditar que os resultados experimentais vão ser os que estamos à espera.”

15 alimentos que rejuvenescem

Texto: Madalena Alçada Baptista
Revisão científica: Dr. Tiago Osório de Barros (nutricionista no Espaço Qualidade e Saúde, em Lisboa) publicado na sessão de Saúde da Sapo.
Sabia que o chocolate preto é um deles? Descubra os outros!
 
De acordo com os dados mais recentes da Organização Mundial de Saúde (OMS), 5,3 milhões de mortes poderiam ser evitadas anualmente através da alimentação, e nada mais.
O segredo da eterna juventude encontra-se na nossa despensa.
Basta modificarmos os nossos hábitos para vivermos mais anos e em melhores condições de saúde e bem-estar. Tome nota.
Neste artigo vamos falar-lhe de alimentos que, apesar de não evitarem a morte, prolongam a vida! Na verdade, e segundo os especialistas da área de nutrição, é possível prevenir uma série de problemas com base numa alimentação correcta e equilibrada, entre eles, o cancro, problemas de ossos, de visão...
Vegetais, fruta, peixe e até chocolate! São alguns dos alimentos que, para além de a manterem saudável, lhe dão anos de vida. Saiba, um a um, quais os alimentos que a mantêm jovem por dentro e por fora!
 
1. Kiwi
Originário da China, contém ácido propeolítico, que melhora a circulação e a ajuda a combater o chamado mau colesterol (LDL). Possui uma enzima chamada actidina, que ajuda a digerir as proteínas.
O seu conteúdo elevado de vitamina C ajuda a prevenir constipações. A vitamina C é um antioxidante que elimina os radicais livres e desempenha um papel fundamental no combate ao envellhecimento. Contém uma quantidade considerável de fibra, potássio, ferro, fósforo, cálcio, magnésio e crómio, que têm um papel muito importante na prevenção de doenças cardíacas.

2. Abacate
Tem 10 vitaminas, entre elas, a vitamina E e o ácido fólico (B9), e glutatião, um derivado proteico com acção antioxidante (combate a degeneração celular).
Contém 10 ácidos gordos, dos quais cinco são mono e poli-insaturados, com destaque para o ómega-9, ómega-7, ómega-6 e ómega-3, sendo este último protector contra o cancro.
Também contém sitosterol, que previne a acumulação de colesterol. Possui, para além disso, aminoácidos essenciais (arginina, fenilalanina, lisina...), fundamentais ao normal funcionamento do organismo.
3. Tomate
Para além de estar bem provido de vitaminas, minerais e flavonóides, contém licopeno, um dos antioxidantes mais poderosos, que lhe dá a cor vermelha e tem "um papel antioxidante activo na degenerescência celular que conduz ao envelhecimento", explica o nutricionista Tiago Osório de Barros.
Fortalece as paredes celulares, depura o organismo de substâncias tóxicas e aumenta as defesas.
Previne o aparecimento de doenças do coração e dos seus vasos sanguíneos, é benéfico para a visão e melhora a saúde do sistema nervoso.

4. Presunto
O presunto protege o coração e reduz o colesterol, desde que não seja excessivamente gordo nem demasiado salgado.
Os seus ácidos gordos monoinsaturados e o ácido oleico previnem as doenças cardiovasculares. Tem cerca de 40% de proteínas, pelo que pode substituir a carne nas refeições, sendo importante na formação da massa muscular.
Tem vitamina E, um potente antioxidante. Também é rico em cobre (essencial para os ossos e cartilagens), ferro e fósforo.
 
5. Brócolos
O zinco que contêm favorece a função da próstata e a qualidade do esperma. Muito ricos em luteína, reduzem ligeiramente os efeitos da degenerescência macular da idade (DMI).
São ideiais para grávidas, convalescentes, pessoas anémicas, etc... por causa do elevado aporte de ácido fólico e ferro.
Actuam como fitoestrogénios na menopausa (tal como a soja).

6. Espinafres
Têm provitamina A e vitaminas C e E, todas elas antioxidantes. São uma fonte inesgotável de vitaminas do grupo B, como folatos, B2, B6, B3 e B1, que possuem uma acção anti-envelhecimento pelo seu papel como co-factores enzimáticos.
Relativamente ao seu conteúdo mineral, os espinafres são ricos em ferro, magnésio, potássio, sódio, fósforo e iodo. Para além das vitaminas, são ricos noutras substâncias antioxidantes como o glutatião, os ácidos ferúlico, o cafeico e o beta-cumárico e carotenóides.
 
7. Soja
Contém vitaminas A e E, e três do grupo B (B1, B2 e B5). A vitamina ajuda a conservar os epitélios celulares, que revestem as superfícies do corpo e dos órgãos. A vitamina E tem um efeito antioxidante, combatendo os radicais livres.
Possui mais minerais do que qualquer outra leguminosa, sobretudo potássio e fósforo. A relação cálcio-fósforo é essencial para uma boa estrutura óssea. O potássio tem uma importante acção a nível muscular.
Ajuda a prevenir alguns tipos de cancro, sobretudo na mulher após a menopausa. Alivia os sintomas da menopausa.

8. Frutos secos
Contêm proteínas (entre 14% e 19%), vitaminas do grupo B, aminoácidos, minerais, ácidos gordos poliinsaturados (nozes), ácidos gordos monoinsaturados e fibra.
Segundo Tiago Osório de Barros, "as proteínas são imprescindíveis na preservação e formação das estruturas musculares". As amêndoas, as nozes e as avelãs são as que têm melhores propriedades antioxidantes por causa da sua maior concentração em vitaminas.
 
9. Chocolate preto
Tem uma grande actividade antioxidante graças aos seus flavonóides, combatendo os sinais do envelhecimento.
Beneficia a dilatação das artérias e o aumento do seu diâmetro. Para além disso, diminui a rigidez aórtica em cerca de 7%. Actua como um antiplaquetário eficaz, prevenindo a formação de trombos.
Estimula as funções cerebrais graças à fenetilamina, um alcalóide que actua como neurotransmissor cerebral.

10. Alho
Tem propriedades anti-sépticas, antifúngicas e antimicrobianas, melhorando a resposta a vírus e bactérias e fungos.
Tem propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes, contribuindo para reduzir o envelhecimento e a degeneração celular, que está na origem de alguns tipos de cancro.
Ajuda a reduzir os níveis elevados de pressão arterial. Reduz o chamado mau colesterol (LDL), aumenta o colesterol bom e previne problemas de disfunção eréctil no homem.
 
11. Azeite virgem (e azeitonas)
Tem um alto teor de ácido oleico, uma gordura monoinsaturada rica em vitaminas A, D, K e, especialmente, em E, que actuam como antioxidantes.
Reduz o risco de doenças cardiovasculares e controla a tensão arterial. Favorece a absorção de cálcio, fósforo, magnésio e zinco, tendo por isso um papel importante ao nível da formação e manutenção de ossos fortes e saudáveis.
 
12. Peixe azul
Prolonga a vida das nossas artérias graças aos seus ácidos poli-insaturados (sobretudo o ómega-3), muito benéficos para o sistema cardiovascular. É rico em minerais e vitaminas, tendo, portanto, uma boa acção antioxidante.
Tem único senão. As espécies provenientes de águas poluídas (sobretudo as que andam menos á superfície) contém mercúrio, um metal pesado que se for ingerido de forma crónica é prejudicial para o organismo.
O mais recomendável é ingerir peixe entre quatro a cinco vezes por semana e variar o mais possível as espécies: cavala, sardinhas, salmão, atum, truta, anchovas, arenque...
 
13. Chá verde
Esta bebida é apreciada há mais de 5.000 anos nas culturas orientais. É rica em polifenóis, bioflavonóides e vitaminas A, C e E, o que a torna num elixir antioxidante e anticancerígeno.
Reforça o sistema imunitário, protegendo o organismo de bactérias e vírus prejudiciais. Ajuda a reduzir a gordura corporal e previne as doenças cardíacas. Regula o nível de colesterol.
 
14. Mel
Os seus minerais são assimilados directamente e contribuem para a manutenção do esqueleto (cálcio) e para a regeneração do sangue (ferro).
Tem um alto poder nutritivo, pelo que é um substituto ideal do açúcar industrial ou refinado. As suas enzimas facilitam a boa assimilação de outros alimentos.
É um bom remédio contra a fadiga, pois fornece hidratos de carbono de absorção rápida e facilita a reposição das reservas gastas.
 
15. Cebola
É uma boa fonte de fibra, vitaminas e minerais, essenciais para o bom funcionamento do organismo. É rica em compostos enxofrados, que fazem parte do seu óleo essencial e que actuam sobre as vias respiratórias, melhorando a expectoração.
Para além das vitaminas C e E, contém flavonóides, entre os quais se destacam as antocianinas e a quercetina, todos eles compostos antioxidantes.


O tabagismo, a mãe e o bebé

Texto: J. Gorjão Clara (coordenador do centro de investigação do Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva) publicado na sessão de Saúde da Sapo.
Os riscos de fumar durante a gravidez para a mãe e para o bebé.
 
Nos últimos 30 anos assistiu-se a uma mudança de hábitos nas mulheres. Até aos anos 60, fumar, era em comportamento quase exclusivo do homem. Algumas décadas antes era pouco aceite, socialmente, que uma senhora fumasse.

A partir da década de 70 os homens começaram a fumar menos e as mulheres passaram a fumar mais. Como seria de esperar a incidência de algumas doenças aumentou nas mulheres, como o cancro do pulmão.

Mas o facto de a mulher jovem fumar criou um outro problema que transcende a fumadora. Refiro-me à mulher que fuma durante a gravidez. De facto fumar não faz só mal à futura mãe, tornando-a mais propensa à bronquite crónica, à sinusite, à dispepsia obrigando-a a tomar remédios potencialmente perigosos para o desenvolvimento do feto e reduzindo a sua capacidade física que deve manter-se alta durante toda a gravidez e em particular no esforço do parto.

A nicotina do sangue da mãe passa ao seu bebé e vai provocar-lhe alterações conhecidas. Quando a mãe está a fumar o coração do bebé bate mais depressa e o sangue que o alimenta e lhe conduz o oxigénio, leva alcatrão, monóxido de carbono e menos oxigénio. Não se sabe ainda a totalidade dos efeitos que estes factos provocarão no desenvolvimento psico-motor da criança e na suscetibilidade futura para determinado tipo de limitações ou de doenças.

O que se sabe com segurança é que as mães fumadoras têm maior risco de ver precocemente interrompida a sua gravidez ou de terem um parto antes do termo. Sabe-se também que os bebés das fumadoras nascem com menos peso e que se atrasam no crescimento, se a mãe fumar durante o período de aleitamento. É conhecido que algumas doenças alérgicas são mais frequentes nos filhos das mulheres que fumam durante a gravidez, com o eczema alérgico.

Também o tabaco parece ser responsável por problemas de comportamento nos 3 primeiros anos de desenvolvimento da criança (agressividade, oposição, agitação). A mensagem desta crónica não será só «não fume pela sua saúde», mas também por quem lhe é mais querido, o seu futuro bebé.

Voando com as libélulas de Portugal

Texto de Vera Novais publicado pelo jornal Público em 18/11/2013
Investiga sinistros a tempo inteiro e insectos nas horas vagas. Ernestino Maravalhas anda atrás das libélulas há mais de 30 anos e agora publica o primeiro guia de campo português para este grupo.
Macho da libélula Aeshna mixta em repouso, com as asas abertas. Esta espécie observa-se em voo sobretudo no Outono
São libélulas ou libelinhas? Muitas pessoas acreditam que a diferença está no tamanho, com as libélulas maiores do que as libelinhas. É verdade que as libélulas têm um aspecto mais robusto e as libelinhas são mais delgadas. Mas o maior destes insectos voadores é, na realidade, a libelinha Megaloprepus caerulatus, com 12 centímetros de uma asa à outra. No livro As Libélulas de Portugal, Ernestino Maravalhas e Albano Soares revelam este e outros aspectos das libélulas e libelinhas.
 
Em caso de dúvida, chame-se libélulas a todas elas, que não estará errado, porque libélulas também é o nome comum do grupo — a ordem Odonata. E se a origem do nome libélula ou libelinha é incerta, Odonata vem do grego e diz respeito à estrutura bocal dotada de dentes. As mandíbulas destes predadores vorazes têm sobretudo quitina (açúcar complexo), tal como o exosqueleto dos insectos, e, quando serrilhadas, têm o aspecto de dentes afiados.
 
Mandíbulas dilacerantes e asas enormes fizeram com que estes animais de voos graciosos fossem temidos pelo homem. Reflexo disso é o conjunto de outros nomes comuns atribuídos às libélulas: tira-olhos, cavalinho-das-bruxas, dragões-voadores ou balanças-do-diabo.
 
Se ainda hoje tememos as libélulas, com uma envergadura de asas de 1,8 a 12 centímetros, o que pensaríamos se nos tivéssemos cruzado com a Meganeura monyi, com 75 centímetros de envergadura? Foi o maior insecto voador de todos os tempos, há 300 milhões de anos, antes mesmo de existirem dinossauros.
 
A este gigante do mundo dos insectos chamou-se Meganeura porque tinha nervuras muito distintas nas asas, que até ficaram conservadas no registo fóssil. “As asas da ordem Odonata são estruturas membranosas muito delgadas e reforçadas por inúmeras nervuras”, lê-se no guia. As nervuras têm assim função de conferir resistência à membrana alar.
 
O formato das quatro asas é uma das principais diferenças entre os dois grupos dos Odonata: nas libélulas, da subordem Anisoptera, o par de asas anterior (mais perto da cabeça) tem uma forma diferente do par posterior; nas libelinhas, da subordem Zygoptera, os dois pares de asas são semelhantes. Observar o formato alar, durante o voo destes animais que podem bater as asas mais de 50 vezes por minuto, pode ser complicado. Mas não em repouso, porque os insectos das duas subordens têm comportamentos distintos: as libélulas mantêm as asas abertas e as libelinhas fecham-nas sobre o corpo.
 
No livro As Libélulas de Portugal, um guia de campo, são também indicadas as diferenças nos olhos, nos segmentos do abdómen ou nas estruturas reprodutoras, que permitem identificar a espécie no terreno. Apresentam-se microfotografias para todos os pormenores relevantes.
 
Cada uma destas imagens de pormenor é composta pelo empilhamento digital de várias fotografias (um dos casos chega às 150) tiradas com diferentes profundidades de campo, para permitir focar o maior número de detalhes possível em cada plano. “É a primeira vez que esta técnica de stacking é utilizada num guia de entomologia [ciência que estuda os insectos]”, sublinha Ernestino Maravalhas, autor destas fotografias.
 
Fotografias iniciais no lixo
Quando, no final de 2011, este entomólogo de 53 anos descobriu a técnica de empilhamento digital, deitou fora todas as fotografias que até então tinha tirado aos exemplares de colecções museológicas. “Parece um absurdo.” Conta que, em relação às novas fotos, demorou um dia inteiro a empilhar 50 só para ter uma boa imagem da cabeça de uma libélula.
 
Outro traço importante destes animais, cujos dois pares de asas se podem mover de modo independente e com um ritmo tão elevado, é a forte musculatura torácica, mais evidente nas poderosas libélulas do que nas delicadas libelinhas. Regra geral, as libelinhas não se afastam muito dos locais onde nasceram, enquanto as libélulas podem voar 100 quilómetros, indica Ernestino Maravalhas.
 
Algumas espécies de libélulas que têm aparecido em Portugal são migradoras, vindas de África para a Europa, devido ao aumento das temperaturas no continente europeu. Uma das recordistas da migração, que também vive em Portugal, é a Anax ephippiger, do grupo das libélulas maiores, e pode ir até à Islândia.
 
Já as libelinhas, provavelmente não aguentariam a travessia do estreito de Gibraltar, afirma Ernestino Maravalhas. O que torna ainda mais impressionante a existência, nos Açores, de uma espécie de libelinha — a Ischnura hastata — que só é conhecida no continente americano. Não se sabe quando ou como esta população terá chegado às ilhas açorianas, nem tão pouco como terá desenvolvido um dos seus aspectos mais distintivos — a reprodução por partenogénese. Exclusivamente composta por fêmeas, a sua descendência açoriana é originada sem haver fecundação, ou seja, as filhas são clones das progenitoras. É o único caso conhecido de partenogénese em libélulas e libelinhas.
 
No país, há 65 espécies
No total das ilhas portuguesas, conhecem-se somente sete espécies, entre elas a Sympetrum nigrifemur, exclusiva da Madeira (e das Canárias). O número aumenta para 65 espécies presentes em Portugal continental, sendo metade das espécies na Europa (130). São apenas uma pequena parte das 6500 a nível mundial, porque este grupo concentra-se preferencialmente nas regiões tropicais.
 
Esta distribuição justifica-se porque estes insectos necessitam de calor, para aquecer o corpo e se poderem movimentar, e também porque adultos e larvas têm mais facilidade em encontrar e apanhar as presas durante os meses mais quentes. Necessitam ainda de água, onde a maioria das espécies deposita os ovos e onde as larvas se desenvolvem.
 
A dependência da água torna estas espécies vulneráveis tanto à destruição do habitat (devido por exemplo a represas nos rios, poluição aquática ou seca dos pontos de água), como à introdução de espécies exóticas, como a gambúsia ou o lagostim-vermelho-do-luisiana que predam as larvas. “É provável que o aquecimento global agrave o impacto e a extensão destas ameaças. Este é um dos maiores perigos presentes e futuros para sobrevivência das libélulas”, alerta o relatório Estatuto de Conservação e Distribuição das Libélulas na Bacia do Mediterrâneo, da União Internacional para a Conservação da Natureza.
 
Para Patrícia Garcia Pereira, especialista em borboletas, o afastamento dos portugueses em relação à natureza compromete a sua conservação, pelo que incentiva, no prefácio do guia, “qualquer pessoa interessada” a utilizá-lo: “A prática de observar, identificar, registar e partilhar dados faunísticos, agora acessível a todos, é essencial para o aumento do conhecimento sobre a nossa diversidade.”
 
Limitado às libélulas que aparecem em Portugal, o guia tem um mapa para cada espécie com a zona do país onde pode ser observada, a indicação do habitat preferido e a altura do ano em que é provável ver os adultos em voo. Os mapas foram criados com a colaboração de várias pessoas, que através das redes sociais indicavam onde tinham visto os insectos. Depois, os dois autores do livro deslocavam-se ao local para confirmar as informações: Ernestino Maravalhas registava os dados (cartografia, habitat...), enquanto Albano Soares se ocupava das fotos de campo.
 
Interessava a Ernestino Maravalhas que no guia houvesse informação rigorosa cientificamente, mas que ao mesmo tempo fosse fácil de usar por todos. “As imagens são em tamanho natural para que seja mais fácil para observadores amadores. Queria um guia acessível mesmo para as crianças.” Conta como o seu neto, na altura com dez anos, o acompanhava nalgumas saídas de campo, e como foi capaz de encontrar algumas espécies difíceis de localizar.
 
A linguagem simples, as fotografias e ilustrações de pormenor, os gráficos e a apresentação bilingue (português e inglês) tornam este guia utilizável por muitas pessoas. Está a ser vendido fora do país, pela distribuidora dinamarquesa Apollo Booksellers. Em Portugal, não está nas livrarias, mas pode ser comprado no site Naturfun, ou através de instituições que apoiaram a publicação. O preço de editor é 20 euros.
 
“Este livro vem preencher uma lacuna”, frisa Ernestino Maravalhas. “Não há guias dedicados exclusivamente à fauna e flora portuguesas. E os guias europeus têm muitas espécies que nunca veremos por cá.” Enquanto proprietário e editor da Booky Publishers, que lançou este livro, quer publicar mais guias de campo de espécies nativas.
 
“O guia de campo As Libélulas de Portugal contém informação científica original e constitui um salto qualitativo no conhecimento”, afirma Patrícia Garcia Pereira, acrescentando que os insectos são o grupo com maior diversidade em qualquer ecossistema terrestre e os pilares do seu bom funcionamento.
 
“Gosto do trabalho de campo, de contar, registar e identificar”, revela Ernestino Maravalhas. “Gosto muito da biogeografia, de perceber até onde vão as espécies e porquê.” Os seis anos de trabalho de campo intensivo para concretizar esta obra actualizaram a cartografia das libélulas e os autores prepararam-se para publicar os resultados em revistas científicas. “A Macromia splendens [libélula protegida pela legislação portuguesa e comunitária] era considerada rara, mas agora que se conhece melhor o seu habitat pode ver-se muitas vezes.”
 
Devido à falta de verbas, ainda há muitos desertos de informação, zonas mal estudadas, como a bacia do rio Sorraia, refere o investigador. “Ainda não estamos a trabalhar com modelos de probabilidade de ocorrência, mas vamos fazê-lo.” Desta forma, os cientistas prevêem que espécies poderão estar em cada local e fazer uma gestão do trabalho de campo, evitando ir a zonas que não têm as espécies que querem estudar.
 
Ernestino Maravalhas, que reside no concelho da Maia, é profissional de seguros a tempo inteiro e investigador nas horas vagas. Diz que tem muitas ideias e trabalhos em mãos para desenvolver nos próximos anos. O grande sonho, que alimenta pouco a pouco, é fazer uma cartografia completa dos pontos de água em Portugal, desde rios até charcos temporários e lagos: “Tenho uma predilecção por meios aquáticos.” Daí também a paixão pelas libélulas, que estuda desde 1982, quando começou a trabalhar com o médico Serafim da Silva Aguiar, outro amante deste grupo.
 
Sabe que não tem tempo para investigar todos os grupos de animais que mereciam ter um guia, mas enquanto editor gostaria de publicar livros de outros autores. Por agora, dedica-se à continuação do seu primeiro livro, As Borboletas de Portugal, de 2003, com três novos volumes. O próximo, a sair em 2015, será sobre as 1050 espécies de borboletas nocturnas do país.
 

Revelada a estrutura da proteína que mantém adormecido o vírus do sarcoma de Kaposi

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 18/11/2013
Doença tornou-se mais comum com o aparecimento da sida.
Representação da estrutura da proteína do vírus (a vermelho) ligada a uma molécula de ADN (a azul)
O sarcoma de Kaposi passou de um cancro da pele raro, aparecendo em homens mais idosos, e afectando em especial algumas zonas do globo, para uma doença mais espalhada quando a sida surgiu. Este cancro é provocado por um vírus da família do herpes, e fica facilmente latente no genoma das células humanas. Cientistas portugueses e norte-americanos conseguiram revelar, usando cristalografia de raios-X, a proteína que obriga o vírus a manter-se integrado no genoma das células humanas e a ficar latente nas células.
 
Os resultados foram agora publicados na revista de acesso livre Public Library of Science Pathogens.
Um momento culturalmente marcante na história da sida, provocada pelo VIH, foi o filme Filadélfia, protagonizado por Tom Hanks, que interpreta Andrew Beckett, um advogado homossexual com sida, vítima de preconceito, que é despedido do seu trabalho. Um dos momentos mais impressionantes do filme, que se estreou em 1993, foi quando Andrew Beckett despe a camisa em pleno tribunal para demonstrar que tem várias manchas no corpo, o sarcoma de Kaposi. Estes tumores são facilmente identificáveis.
 
Foi na década de 1990 que se descobriu que estes sarcomas são provocados pela actuação do “vírus de herpes associado ao sarcoma de Kaposi”, como é o seu nome, ou apenas HHV-8, um vírus diferente dos mais conhecidos vírus herpes. Até ao aparecimento da sida, este sarcoma era associado a populações mais limitadas, e não surgia de uma forma tão violenta.
 
Com o VIH e o surgimento de uma população que, de repente, perde a resposta imunitária, os efeitos do HHV-8, que está disseminado na população, apareceram em força. Numa pessoa sem imunidade, o vírus torna-se mais reactivo e provoca mutações nas células do tecido linfático. O tumor forma vasos sanguíneos e o sangue acaba por dar um tom roxo às manchas.
 
A equipa liderada por Colin McVey, do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB), que pertence à Universidade Nova de Lisboa e que está em Oeiras, foi analisar a proteína LANA, associada ao estado de dormência deste vírus. O HHV-8 nem sempre está activo, muitas vezes o ADN deste vírus fica integrado no ADN das células humanas. Por algum motivo, pode voltar a tornar-se activo, provocando uma nova infecção. Mas para se manter inactivo, necessita de ser controlado e é isto que a LANA faz.
 
A LANA é a proteína viral mais produzida durante esta fase de inactivação do HHV-8. A proteína prende-se, no núcleo da célula humana, ao ADN viral e ao material genético humano, impedindo que várias partículas do vírus sejam produzidas. Foi este aspecto da estrutura da proteína que a equipa do ITQB, que inclui ainda cientistas do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa e da faculdade de Medicina de Harvard, nos EUA, conseguiu estudar mais aprofundadamente, ao revelar como é essa estrutura.
 
Os investigadores usaram a técnica da cristalografia de raios-X para fotografar a proteína equivalente de um vírus semelhante que ataca os ratinhos. Desta forma, conseguiram desenhar as formas tridimensionais da proteína.
 
“Só resolvendo a estrutura [da proteína] é que fomos capazes de descobrir as duas faces da LANA”, diz Colin McVey, em comunicado. “Uma face liga-se ao ADN viral e a outra liga-se ao cromossoma do hospedeiro”, diz. A equipa também descobriu que quando há mutações a impedir a ligação entre a proteína e o ADN viral, o vírus é incapaz de se manter dormente. Estes aspectos da fisiologia do vírus são importantes para continuar a estudar a patogenicidade do HHV-8, concluem os autores no artigo.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Alterações climáticas podem mudar os peixes à mesa dos portugueses

Artigo publicado pelo jornal Público em 13/11/2013
Com o aumento da temperatura da água do mar, chegarão às costas portuguesas menos tamboril, raia, abrótea, badejo, faneca ou solha. E mais carapau, sargo, besugo ou dourada.
O carapau é um dos peixes que pode chegar mais às águas portuguesas no futuro
As alterações climáticas poderão obrigar os portugueses a mudar hábitos de consumo de peixe, com menos tamboril ou solha e mais carapau ou dourada, indica um estudo do Centro de Oceanografia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve.
 
De acordo com o estudo, há uma “alteração significativa” do tipo de peixe para venda que chega ao país e que “parece estar associada às alterações climáticas”.

Célia Teixeira, investigadora do Centro de Oceanografia, disse que, em anos mais quentes, diminuíram as chegadas de espécies de peixe das águas mais frias, que tendem a deslocar-se mais para norte. Pela mesma lógica, as espécies subtropicais tropicais também tenderão a subir o oceano Atlântico. Portugal fica numa zona de transição, onde há peixes de afinidade temperada e de afinidade subtropical-tropical.

O estudo analisou dados de desembarques comerciais (de peixe), entre 1927 e 2012 e concluiu que estão a diminuir os desembarques de peixes das águas temperadas e a aumentar as espécies das águas subtropicais tropicais.

“Tendo em conta que os cenários climáticos prevêem um aumento da temperatura, espera-se que os desembarques das espécies subtropicais tropicais venham a aumentar e, por isso, essas espécies possam vir a ser mais frequentes na costa portuguesa, estando assim disponíveis para os consumidores”, conclui o estudo divulgado esta terça-feira em comunicado de imprensa.

Com o aumento da temperatura da água do mar, os portugueses terão portanto menos raia, abrótea, badejo, faneca ou solha, entre outros peixes. Mas, em compensação, terão mais carapau, sargo, besugo ou dourada, entre outros.

Célia Teixeira admitiu ainda que, no futuro, à mesa dos portugueses possam começar a chegar outras espécies de peixe que, até agora, não são pescados na costa.

Ervas aromáticas: um toque de saúde à refeição

Escrito por  Pedro F. Pina, com entrevistas a Fernanda Botelho, Maria João Sousa e Luís Alves.
 
Ervas aromáticas: um toque de saúde à refeição

Vêm em diferentes formas, cores, sabores e cheiros. E geralmente têm também diferentes benefícios para nós. Ainda assim, muitas delas têm um benefício em comum: podem substituir o sal, sem nos deixar um gosto insosso. Saiba mais sobre ervas aromáticas. E veja também o que temos a ganhar com plantas medicinais.

Em primeiro lugar, o que são ervas aromáticas? Resumidamente: as ervas aromáticas são normalmente retiradas das folhas de uma variedade de plantas. Se forem armazenadas convenientemente, retêm o seu sabor e propriedades durante largos períodos de tempo.

Fernanda Botelho é autora de livros como As Plantas e a Saúde - Guia Prático de Remédios Caseiros. As ervas aromáticas são uma das suas paixões, tendo já lecionado workshops sobre o tema. Diz-nos a autora que "as plantas aromáticas, tal como tudo o resto que ingerimos, vão repercutir-se na nossa saúde". E isto verifica-se de duas maneiras: como são plantas que podemos utilizar na culinária, ajudam a reduzir o consumo de sal, mas ao consumi-las estamos também a beneficiar dos seus componentes terapêuticos.

Existem muitas plantas diferentes e algumas delas são bem conhecidas do nosso paladar, embora muitas vezes não saibamos em pormenor que outros benefícios "escondem". Fernanda Botelho e Maria João Sousa, diretora do curso de fitofarmácia, plantas aromáticas e medicinais), ajudam-nos a perceber melhor, com alguns exemplos concretos, o que está aqui em causa.

O tomilho, por exemplo, é um bom antissético e antifúngico, expetorante, carminativo (que combate os gases intestinais), tornando-o também um auxiliar digestivo. O alecrim é excelente para tratar problemas de circulação, é bom para a memória e para a concentração. A salsa é muito rica em sais minerais, incluindo ferro e vitaminas, podendo ser uma boa ajuda ao em casos de fraqueza e anemia, além de ser também diurética. Mas existem mais exemplos a ter em conta.

A salva, por exemplo, é recomendada para auxiliar em alguns dos efeitos relacionados com a menopausa, como é o caso dos afrontamentos e suores noturnos; ajuda ainda a baixar os níveis de colesterol, além de ser recomendada em gargarejos para infeções da boca e da garganta. A segurelha, para além da sua tradicional utilização na sopa de feijão-verde, tem propriedades digestivas. Os coentros são uma boa fonte de cálcio e são digestivos e carminativos, sobretudo as sementes. Estas sementes, explica-nos Maria João Sousa, "têm propriedades diuréticas, hipoglicémicas, combatendo também o reumatismo e as nevralgias articulares".

Além das ervas acima mencionadas, Maria João Sousa destaca ainda a alfarroba, que pode ser usada como laxante, o lúpulo, conhecido como ingrediente da cerveja, mas que é também um aromatizante, com as suas flores a terem também efeitos relaxantes diuréticos e a alfazema, que "tem um óleo essencial responsável pelo seu aroma, e que pode ser usado como antisséptico, sedativo e analgésico".

Por uma questão de saúde

Alguns estudos sugerem que é possível reduzir até cerca de 30 por cento o consumo de sal, sem que tal se repercuta no nosso paladar. Que é como quem diz: o nosso paladar até pode ser atento, mas não é inflexível. Além do mais é possível "educá-lo". A chamada dieta mediterrânica, tantas vezes elogiada por especialistas em nutrição, não se destaca apenas pelo uso do azeite como gordura (mais saudável do que a manteiga ou a margarina, por exemplo). As ervas aromáticas, presentes na diversificada gastronomia nacional, são outro dos seus trunfos. E um que deve ser defendido, como a própria Direção-Geral de Saúde referiu na sua "Estratégia Nacional para a Redução do Consumo de Sal na Alimentação em Portugal".

O nosso país demonstra já há alguns anos níveis altos de incidência de hipertensão – estima-se que o número se aproxime dos dois milhões de hipertensos. O principal culpado? O excesso de sal. O tal que, dependendo do prato, alguma salsa, louro, orégãos ou simples cominhos podem substituir.

Luís Alves é o responsável pel'O Cantinho das Aromáticas. Apaixonado por botânica, chegou a trabalhar no frondoso Jardim de Serralves. Em 2002, juntamente com um amigo, decidiu arrendar parte da Quinta do Paço, em Vila Nova de Gaia, dar inicio a um projeto de produção de plantas aromáticas.

Hoje em dia têm três hectares dedicados a produção inteiramente biológica e já exportam para países como a França e a Suiça além de terem uma loja online, um sinal de que a aposta correu bem – e que há cada vez mais interessados neste tipo de produtos. Plantas, fungos e animais circulam livremente nos prados, assegurando uma fonte de matéria orgânica, essencial para esta forma de agricultura. Além de realçar a questão ambiental – todo o negócio mantém um espírito "amigo do ambiente" –, Luís Alves orgulha-se de o seu trabalho diário contribuir também para um futuro "mais saudável e mais civilizado".

Das ervas aromáticas às plantas medicinais

Desde há muito que o ser humano percebeu que a natureza tem propriedades que contribuem para a nossa saúde. E isto vai além dos exemplos acima referidos, que dizem respeito à culinária. Falemos também de plantas medicinais.

Maria João Sousa explica-nos que "as plantas têm o que se chama metabolismo primário, que é responsável pela sua sobrevivência e é basicamente igual para todas, mas depois têm também o metabolismo secundário, que é o responsável pela produção de compostos diferentes que variam de planta para planta e cujos resultados podem ser a produção dos tais compostos bioativos, com ação a nível da saúde humana".

Nem todas as plantas têm efeitos terapêuticos. E mesmo as que têm não estão isentas de cuidados. "É óbvio que [as plantas medicinais] também apresentam contraindicações e muitas delas são tóxicas e são apenas utilizadas por exemplo em homeopatia, em doses muitíssimo reduzidas". Mas não é razão alguma para alarme.

Maria João Sousa alerta que "em pequenas doses, os biocompostos podem ser fármacos eficientes, mas em doses um pouco superiores podem ser venenos potentes". Há ressalvas a fazer: situações como a gravidez, tratar-se de crianças e bebés, ou pessoas com doenças como a diabetes, problemas cardiovasculares ou outras, "onde a ingestão frequente de determinadas plantas medicinais pode ter efeitos nefastos", diz-nos.

Mas, em qualquer dos casos, não é razão alguma para alarme. A medicina tradicional chinesa, especificamente uma das suas disciplinas, a fitoterapia, tem usado os princípios ativos de plantas a nosso favor. Mas a verdade é que alguns dos grandes triunfos da própria indústria farmacêutica dependeram (e dependem) de princípios ativos de plantas. A já histórica aspirina, por exemplo, vai buscar a uma planta chamada spiraea ulmária um dos seus principais componentes, o ácido salicílico.

Num mundo industrializado como o nosso, a tecnologia não precisa de ser o que nos afasta da natureza. Pelo contrário, pode ser uma ajuda para conhecermos cada vez melhor o que a natureza coloca à nossa disposição, sejam plantas medicinais, sejam as ervas aromáticas que tão boa companhia podem fazer à mesa.

A couve-galega não gosta da nova forma de reprodução das azedas

Artigo publicado pelo jornal Público em 11/11/2013
Originárias da África do Sul, as azedas estão agora a propagar-se mais rapidamente na Península Ibérica e a sua invasão pode afectar algumas culturas agrícolas. 

Flores da Oxalis pes-caprae, conhecida por azeda ou trevo amarelo
 Investigadores das universidades de Coimbra e de Vigo descobriram uma nova forma de reprodução de uma planta invasora – a Oxalis pes-caprae, vulgarmente conhecida por azeda ou trevo amarelo –, que pode ter impacto nalgumas culturas agrícolas.

A nova forma de reprodução na Península Ibérica da Oxalis pes-caprae “está a influenciar o processo de invasão da espécie, podendo ter efeitos importantes para algumas culturas agrícolas”, anuncia esta segunda-feira a Universidade de Coimbra em comunicado.

As azedas reproduziam-se exclusivamente por bolbos (reprodução assexuada), sendo um clone na área invadida, explica ainda o comunicado. Mas a detecção de uma região onde as plantas se conseguem reproduzir também por semente (reprodução sexuada) – capacidade até agora exclusiva da área de onde a espécie é nativa, a África do Sul – fez com que os cientistas investigassem as causas do fenómeno e o seu impacto no ecossistema, nomeadamente as consequências para o processo de invasão e para as espécies nativas.

Por que razão o novo mecanismo de reprodução da azeda na Península Ibérica pode ser um problema? “Permite cruzamentos com outros indivíduos, o que aumenta a diversidade genética desta espécie nesta área. O aumento da diversidade genética gerada pela nova via de reprodução combina características que podem tornar as plantas mais agressivas e danosas para o ecossistema”, referem João Loureiro e Sílvia Castro, investigadores do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, citados no comunicado.

“Verificaram-se igualmente alterações profundas no processo propagação, que passou a ser mais rápido, fácil e muito mais agressivo. O impacto na reprodução das plantas nativas das áreas invadidas é também enorme, podendo comprometer a reprodução de algumas espécies e afectar a dinâmica das populações naturais”, acrescentam os dois investigadores.

O estudo dá informações para se compreender melhor como funciona esta espécie, o que pode ajudar a desenvolver medidas de controlo e erradicação da planta. “Isto assume particular importância uma vez que a Oxalis se propaga preferencialmente em zonas agrícolas, sendo necessários mais estudos para avaliar o impacto no sucesso de culturas. Os resultados obtidos até agora revelam que, dependendo das plantas nativas, o impacto pode ser positivo ou negativo”, refere o comunicado. “Por exemplo, na couve-galega foi verificado um impacto negativo.”

Atum viajou 6370 quilómetros e bateu recorde de distância percorrida


Texto de Vera Novais publicado pelo jornal Público em 12/11/2013.

Marcado por um pescador em colaboração com investigadores, viajou a maior distância até agora registada para um atum.

Marcação de um atum
Quando foi capturada em Outubro de 2006, ao largo da província de Guipúscoa, no País Basco, a albacora – um atum de barbatana dorsal amarela –, de um ano de idade, ainda não estava destinada a morrer. Ao invés, recebeu uma etiqueta, numa campanha de marcação de peixes promovida pela AZTI-Tecnalia, um centro de investigação basco, e foi devolvida ao mar. Seis anos e meio depois, e mais de 6300 quilómetros percorridos, a albacora foi encontrada ao largo da Venezuela, garantindo-lhe o recorde da maior distância percorrida por um atum, segundo os dados da Comissão Internacional para a Conservação dos Atuns Atlânticos (ICCAT, na sigla inglesa).

As campanhas de marcação promovidas pelo País Basco desde 2001 têm contado com a participação quer de pescadores profissionais e desportivos quer de investigadores. Desde que a AZTI-Tecnalia, que desenvolve investigação marinha e alimentar, se envolveu nestas campanhas, foram marcados milhares de exemplares de atum, entre albacoras, atuns-rabilho, atuns-patudo e gaiados.

Os pescadores, como Fernando Zapirain, que marcou esta albacora a bordo da sua embarcação Kutxi Kutxi, recebem formação sobre como manusear os peixes durante a marcação. Ao ser capturada ao largo da Venezuela, por um pescador da embarcação Black Marlin, torna-se o registo mais a sul na sua área de reprodução no Atlântico Norte. O exemplar foi entregue ao Instituto de Oceanografia da Venezuela, para que integrasse a base de dados central do ICCAT.

A albacora (Thunnus alalunga) é um atum que vive em alto mar, preferindo profundidades que rondam os 300 metros. São encontradas em todas as águas tropicais e temperadas, sendo conhecidas por percorrerem largas distâncias e por atingirem velocidades de 80 quilómetros por hora. Muitas vezes deslocam-se em grandes cardumes predadores, que podem chegar aos 30 quilómetros de largura, com outras espécies de atum.

Os 6370 quilómetros percorridos, em linha recta, por esta albacora, entre o País Basco e a Venezuela, destronam o anterior recordista, um atum-rabilho marcado na mesma zona. Este percorreu 6170 quilómetros (também em linha recta) e foi recapturado ao largo dos Estados Unidos, numa latitude equivalente à do ponto de origem. Nos últimos seis anos e meio, a albacora agora recapturada cresceu dos 50 para os 100 centímetros e passou dos 2,5 para os 21,8 quilogramas.

As marcas, contendo um código e o contacto da AZTI-Tecnalia, pretendem contribuir para a obtenção de informação relativa aos movimentos e migrações, stocks de peixe, crescimento, tamanho da população e fisiologia, permitindo às entidades reguladoras gerir as cotas de pesca para as várias espécies de atum, antes que entrem em perigo de extinção.
 


sábado, 9 de novembro de 2013

Como um único dente revela a existência do maior ornitorrinco do mundo

Texto de Vera Novais publicado pelo jornal Público em 08/11/2013
Descoberta na Austrália contraria ideias anteriores sobre a árvore evolutiva das espécies deste mamífero.
 
O primeiro dente molar do novo ornitorrinco

Reconstituição de como seria o maior ornitorrinco
 
O envio de um exemplar de ornitorrinco da Austrália para o Reino Unido em 1798 suscitou muitas dúvidas nos cientistas acerca da veracidade do espécime. Parecia-lhes uma montagem de um bico de pato num corpo semelhante ao de um castor. Apesar de a classificação do ornitorrinco como um mamífero já não causar dúvidas científicas, os seus hábitos actuais e os seus antepassados extintos continuam a despertar o interesse dos cientistas, como aconteceu com a descoberta do fóssil do maior ornitorrinco do mundo.
 
O Ornithorhynchus anatinus é a única espécie de ornitorrinco ainda viva. As características quase antagónicas deste grupo – corpo coberto de pêlo, reprodução por ovos, alimentação das crias com leite mas sem mamilos, bico semelhante ao de uma ave, e esporões que produzem veneno nas patas traseiras dos machos – têm fascinado os cientistas desde que foi descoberto.
 
De facto, a descodificação do genoma do Ornithorhynchus anatinus revelou que este animal australiano apresenta genes parecidos com os de outros mamíferos, mas também com os de répteis e de aves.
 
Descrita na revista Journal of Vertebrate Paleontology, a nova espécie de ornitorrinco Obdurodon tharalkooschild foi encontrada na jazida de Riversleigh (Austrália). Tem cinco a 15 milhões de anos e poderá ter coexistido com a espécie Obdurodon dicksoni, mostrando que a família dos ornitorrincos não tem um único ramo, como inicialmente se pensava. Assim, a sua árvore evolutiva teve pelo menos uma ramificação e terá sido a partir da linhagem do Obdurodon dicksoni que surgiram aos ornitorrincos actuais.
 
“A descoberta desta nova espécie foi surpreendente para nós, porque o registo fóssil sugeria que a árvore evolutiva dos ornitorrincos era relativamente linear”, afirma Michael Archer, da Universidade da Nova Gales do Sul, na Austrália, citado num comunicado de imprensa.
 
Esta nova espécie foi descrita com base num único dente. Mesmo assim, a equipa considerou que este fóssil era suficiente para revelar aspectos importantes deste animal. Por um lado, tinha dentes, tal como as outras duas espécies conhecidas do género Obdurodon (o O. dicksoni e o O. insignis), ao contrário dos ornitorrincos modernos. Por outro lado, teria um metro de comprimento, o dobro dos actuais ornitorrincos.
O ornitorrinco mais antigo é sul-americano
Todos os fósseis de ornitorrincos encontrados anteriormente indicavam que o tamanho destes animais e dos seus dentes teriam vindo a diminuir desde o Monotrematum sudamericanum, um ornitorrinco sul-americano, com 61 milhões de anos, o mais antigo que se conhece. Actualmente, os dentes são apenas vestigiais.
 
Além disso, as características dos molares de todos os ornitorrincos conhecidos até agora eram semelhantes, o que indicava uma linha evolutiva única, sem ramificações. Agora, a nova espécie, que é mais recente e maior do que o Monotrematum sudamericanum, vem baralhar a árvore evolutiva, tendo em conta as características únicas do seu molar.
 
Tal como os restantes ornitorrincos, o Obdurodon tharalkooschil” seria principalmente aquático, refere Suzanne Hand, também da Universidade da Nova Gales do Sul. “Provavelmente, alimentava-se não só de lagostins e de outros crustáceos de água doce, mas também de pequenos vertebrados como peixes pulmonados, rãs e tartarugas, que foram encontrados na mesma jazida.” Esta alimentação é evidenciada pelo tipo de dente encontrado, mais adequado para esmagar do que para cortar as presas.
 
O nome escolhido para esta espécie – tharalkooschild – baseia-se numa história aborígene sobre a origem do ornitorrinco. Tharalkoo era uma jovem pata desobediente. Apesar dos avisos dos seus pais, nadou rio abaixo e foi apanhada por Bigoon, um macho de ratazana-de-água. Tharalkoo conseguiu escapar e voltar para juntos dos seus pais, mas do seu ovo, em vez de nascer um patinho fofo, surgiu uma quimera com bico, pêlo, membranas digitais nas patas traseiras e patas dianteiras como as dos ratos. Nascia assim o primeiro ornitorrinco.