Doença tornou-se mais comum com o aparecimento da sida.
Representação da estrutura da proteína do vírus (a vermelho) ligada a uma molécula de ADN (a azul) |
O sarcoma de Kaposi passou de um cancro da pele raro, aparecendo em homens mais idosos, e afectando em especial algumas zonas do globo, para uma doença mais espalhada quando a sida surgiu. Este cancro é provocado por um vírus da família do herpes, e fica facilmente latente no genoma das células humanas. Cientistas portugueses e norte-americanos conseguiram revelar, usando cristalografia de raios-X, a proteína que obriga o vírus a manter-se integrado no genoma das células humanas e a ficar latente nas células.
Os resultados foram agora publicados na revista de acesso livre Public Library of Science Pathogens.
Um momento culturalmente marcante na história da sida, provocada pelo VIH, foi o filme Filadélfia, protagonizado por Tom Hanks, que interpreta Andrew Beckett, um advogado homossexual com sida, vítima de preconceito, que é despedido do seu trabalho. Um dos momentos mais impressionantes do filme, que se estreou em 1993, foi quando Andrew Beckett despe a camisa em pleno tribunal para demonstrar que tem várias manchas no corpo, o sarcoma de Kaposi. Estes tumores são facilmente identificáveis.
Foi na década de 1990 que se descobriu que estes sarcomas são provocados pela actuação do “vírus de herpes associado ao sarcoma de Kaposi”, como é o seu nome, ou apenas HHV-8, um vírus diferente dos mais conhecidos vírus herpes. Até ao aparecimento da sida, este sarcoma era associado a populações mais limitadas, e não surgia de uma forma tão violenta.
Com o VIH e o surgimento de uma população que, de repente, perde a resposta imunitária, os efeitos do HHV-8, que está disseminado na população, apareceram em força. Numa pessoa sem imunidade, o vírus torna-se mais reactivo e provoca mutações nas células do tecido linfático. O tumor forma vasos sanguíneos e o sangue acaba por dar um tom roxo às manchas.
A equipa liderada por Colin McVey, do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB), que pertence à Universidade Nova de Lisboa e que está em Oeiras, foi analisar a proteína LANA, associada ao estado de dormência deste vírus. O HHV-8 nem sempre está activo, muitas vezes o ADN deste vírus fica integrado no ADN das células humanas. Por algum motivo, pode voltar a tornar-se activo, provocando uma nova infecção. Mas para se manter inactivo, necessita de ser controlado e é isto que a LANA faz.
A LANA é a proteína viral mais produzida durante esta fase de inactivação do HHV-8. A proteína prende-se, no núcleo da célula humana, ao ADN viral e ao material genético humano, impedindo que várias partículas do vírus sejam produzidas. Foi este aspecto da estrutura da proteína que a equipa do ITQB, que inclui ainda cientistas do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa e da faculdade de Medicina de Harvard, nos EUA, conseguiu estudar mais aprofundadamente, ao revelar como é essa estrutura.
Os investigadores usaram a técnica da cristalografia de raios-X para fotografar a proteína equivalente de um vírus semelhante que ataca os ratinhos. Desta forma, conseguiram desenhar as formas tridimensionais da proteína.
“Só resolvendo a estrutura [da proteína] é que fomos capazes de descobrir as duas faces da LANA”, diz Colin McVey, em comunicado. “Uma face liga-se ao ADN viral e a outra liga-se ao cromossoma do hospedeiro”, diz. A equipa também descobriu que quando há mutações a impedir a ligação entre a proteína e o ADN viral, o vírus é incapaz de se manter dormente. Estes aspectos da fisiologia do vírus são importantes para continuar a estudar a patogenicidade do HHV-8, concluem os autores no artigo.
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