quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Será que os australopitecos já conviviam com babuínos modernos?

Fóssil de babuíno encontrado na África do Sul com mais de dois milhões de anos ajuda a compreender a evolução deste primata.

Novo fóssil (à esquerda) atribuído à espécie P. angusticeps (à direita
A 45 quilómetros a noroeste de Joanesburgo fica Malapa, um importante local arqueológico na África do Sul onde se descobriram os fósseis do Australopithecus sediba, uma espécie conhecida em 2009, e que veio introduzir mais complexidade à evolução humana. Este australopiteco tinha perto de dois milhões de anos. Agora, uma equipa de cientistas descobriu no mesmo local o fóssil um pouco mais velho do crânio de um outro primata – um babuíno da espécie já extinta Papio angusticeps. É o primeiro fóssil de primata encontrado ali, além dos do australopiteco, e reforça a ideia de que talvez esses babuínos extintos sejam, na verdade, os primeiros membros de uma espécie de babuínos actuais.

“Os australopitecos e os babuínos coexistiram em termos temporais. Mas é impossível dizer como, quando e se interagiram”, diz ao PÚBLICO Christopher Gilbert, da City University de Nova Iorque, coordenador do trabalho publicado nesta quarta-feira na revista PLOS ONE.

O novo fóssil – que não é mais do que a parte direita do crânio, onde se inclui a região do olho e do maxilar superior, mas não os dentes – terá sido de um babuíno macho que viveu entre há dois e 2,3 milhões de anos. Por ter sido encontrado num local arqueológico em que se conhecem bem as datas dos sedimentos, este crânio ajuda a compreender a evolução dos babuínos, hoje espalhados por toda a África subsariana e pelo Sul da Península Arábica.

“O fóssil parece ser o mais antigo da espécie Papio angusticeps”, diz o especialista em evolução dos primatas, que argumenta que há muitas parecenças entre os fósseis da espécie extinta e o Papio hamadryas, um babuíno que hoje se encontra no Leste de África e na Península Arábica. “O novo fóssil reforça a ideia de que o Papio angusticeps é provavelmente a mesma espécie do Papio hamadryas. Porque quase todas as características anatómicas que ficaram preservadas estão dentro da variação das características dos babuínos modernos.”

Pode parecer estranho que os babuínos de hoje e de há dois milhões de anos sejam praticamente iguais, enquanto a anatomia dos nossos antepassados mudou tanto até nós surgirmos. Mas Christopher Gilbert defende que as pressões evolutivas são diferentes em cada espécie: “Temos de assumir que vários factores nas populações de hominíneos favoreceram uma evolução anatómica relativamente rápida, enquanto outros factores nas populações de babuínos favoreceram a estabilidade anatómica.”

Esmalte surgiu na pele dos peixes há mais de 400 milhões de anos


Durante a evolução, o esmalte dos dentes surgiu primeiro na pele dos peixes primitivos, foi passando para a região do crânio e finalmente acabou a ser produzido nos dentes, como acontece nos vertebrados terrestres.

O aparato que produz o esmalte, foi originalmente usado para protecção dos peixes primitivos
O esmalte dentário é o tecido mais rijo que os humanos produzem. Feito quase totalmente à base de fosfato de cálcio, que se deposita numa matriz orgânica, este é o material que reveste os dentes, cobrindo a dentina. Apesar de ser perfeito para mastigar os alimentos, as suas origens poderão ser surpreendentes. De acordo com um novo estudo, este tecido e o aparato genético necessário para o produzir têm mais de 400 milhões de anos. O esmalte dentário surgiu nos peixes, só que não revestia os dentes daqueles animais, aparecia antes na sua pele.

Ao longo de milhões de anos, este tecido foi revestindo a cabeça dos peixes e finalmente passou também a cobrir os dentes, sugere um artigo publicado ontem na Nature. Hoje, anfíbios, répteis e mamíferos têm esmalte dentário, mas não apresentam qualquer vestígio da produção de esmalte na pele, mostrando que o uso do aparato genético para a produção deste tecido alterou-se completamente.

Nos humanos, os primeiros dentes de leite começam a formar-se ainda durante a gestação, às 14 semanas. A deposição do esmalte dentário é feita numa matriz proteica constituída por amelogenina, enamelina e amelina. Estas três proteínas são produzidas por células chamadas ameloblastos e formam uma matriz que vai sendo substituída depois por cristais de fosfato de cálcio.

Certos peixes têm na pele estruturas rijas com uma composição semelhante à dos dentes dos vertebrados. O famoso celacanto é um desses casos. Este fóssil vivo é importante para esta história. O celacanto descende de uma linhagem com 400 milhões. Nessa altura, os celacantos eram próximos do antepassado dos tetrápodes (o animal que saiu da água há cerca de 375 milhões de anos e colonizou os continentes dando origem aos vertebrados terrestres). Tal como os tetrápodes, os celacantos têm esmalte nos dentes.

Só que assumia-se que o esmalte dos dentes e a estrutura rija no corpo do celacanto tinham surgido e evoluído separadamente.

“Nos humanos, o esmalte só se encontra nos dentes, e é muito importante para a sua função, por isso é natural assumir-se que evoluiu aí”, explica o paleontólogo Per Erik Ahlberg, da Universidade de Uppsala, na Suécia, e um dos autores do artigo, citado pela agência Reuters. A descoberta agora feita “é importante porque é inesperada”, diz o cientista. A equipa partiu da genética e da paleontologia para tentar desvendar a origem do esmalte.

Os investigadores foram analisar o genoma do Lepisosteus oculatus, um peixe que pertence aos actinopterígeos — um dos mais importantes grupos de peixes, distante dos celacantos. O Lepisosteus oculatus é considerado um peixe primitivo dentro dos actinopterígeos. Não tem esmalte nos dentes, mas tem na pele do corpo e na cabeça o tecido que se assemelha ao esmalte. Os peixes actinopterígeos mais modernos, como o peixe-zebra, já não tem essa substância.
A equipa foi analisar no Lepisosteus oculatus os genes equivalentes aos genes nos humanos que dão as instruções para a produção da matriz proteica, onde se deposita o esmalte. Descobriram que estes genes estavam activos na pele do peixe, e que aquela substância era, de facto, semelhante ao esmalte. O que mostra uma relação evolutiva.

Depois, os investigadores foram olhar para o passado, analisando as escamas de fósseis de duas espécies de peixes que viveram durante o período silúrico, o Andreolepis (de há 425 milhões de anos, encontrado na Suécia) e o Psarolepis (de há 418 milhões de anos, descoberto na China). O primeiro tinha uma fina camada de esmalte nas escamas do corpo, mas não tinha na cabeça nem nos dentes. O segundo tinha esmalte nas escamas do corpo e na cabeça, mas também não tinha esmalte nos dentes.

“O Psarolepis e o Andreolepis estão entre os mais antigos peixes ósseos [o grande grupo de peixes que é diferente dos cartilagíneos, como os tubarões e as raias que não produzem esmalte]”, explica Per Erik Ahlberg, citado num comunicado da sua universidade. “Por isso, acreditamos que a falta de esmalte nos dentes é devido a serem primitivos. Parece que o esmalte originou-se na pele e só depois colonizou os dentes.”

A partir deste conjunto de dados, os cientistas propuseram uma hipótese sobre o surgimento e a evolução do esmalte. Primeiro o tecido surgiu nas escamas do corpo, como mostra o Andreolepis, depois passou para o crânio, o Psarolepis é o exemplo desta fase, e finalmente o tecido avançou até aos dentes, veja-se o celacanto.

De alguma forma, na evolução dos tetrápodes, o esmalte deixou de ser produzido na pele mantendo-se apenas nos dentes. Já na evolução dos actinopterígeos, o esmalte nunca chegou a surgir nos dentes e foi desaparecendo da pele dos peixes mais modernos deste grupo.

Olhando para o passado, o uso do esmalte mostra como a evolução é dinâmica. Com características que se perdem ou que ganham novas funções. Como diz Qingming Qu, outro autor do estudo: “Apesar deste tecido nos nossos dentes ser usado para morder ou rasgar, originalmente foi usado como um tecido de protecção, como nos peixes primitivos.”

Mamífero que viveu há 125 milhões de anos já tinha pêlos e espinhos


Fóssil descoberto em Espanha está tão bem conservado que revela com pormenor a pelagem do animal e até dos seus órgãos internos. Um dos cientistas da equipa que o estudou também tem investigado fósseis de mamíferos primitivos encontrados numa antiga mina portuguesa.

Ilustração científica do Spinolestes xenarthrosus


Spinolestes xenarthrosus


Fóssil do Spinolestes xenarthrosus encontrado em Espanha

Pesava 50 a 70 gramas, a cabeça e o corpo mediam 13 centímetros e a cauda outros 11. Vivia no chão, numa zona pantanosa perto de um lago enorme, alimentando-se de insectos e de outros pequenos invertebrados. Eis o Spinolestes xenarthrosus, um mamífero novo para a ciência que viveu há 125 milhões de anos e trouxe revelações sobre o aparecimento dos pêlos e dos espinhos nos mamíferos primitivos e até sobre as suas infecções na pele.

O seu pequeno fóssil, exemplar único, foi descoberto em 2012, na jazida paleontológica de Las Hoyas, no meio de Espanha, a 170 quilómetros a Leste de Madrid e 30 da cidade de Cuenca. Todos os verões, os cientistas vão para lá fazer escavações à procura de fósseis de animais e de plantas que viveram há 125 milhões de anos, no período do Cretácio Inferior, e que ficaram fossilizados nas rochas calcárias.

Naqueles tempos, Las Hoyas não era uma zona seca, como agora. Havia um lago, que chegou a ter 50 quilómetros quadrados. O clima destas terras, então noutras latitudes, era quente como o das regiões subtropicais. Floresciam coníferas e fetos.

As águas do grande lago, pouco profundas, fervilhavam de vida. Celacantos, tubarões, peixes vários. Na orla palustre, havia crocodilos, tartarugas e insectos, como libélulas. Nos bosques à volta do lago, encontravam-se dinossauros, os senhores da Terra de então, como o pequeno Pelicanimimus. E os ares eram dominados pelas aves, entre elas o Iberomesornis, forma intermédia entre os dinossauros e as aves actuais.

Sabe-se que todos eles tinham vivido ali através do que ficou depositado no fundo do lago, nos lodos finos, em excelente estado de conservação por causa da ausência de oxigénio, e que foi depois tapado por mais sedimentos ao longo de milhões de anos. Las Hoyas é hoje um paleolago, ou lago paleontológico. A sua descoberta em 1984 foi por acaso, quando a zona foi arada e as lajes calcárias acabaram por se soltar e ficar à vista. Chegaram a ser ter usos ornamentais, até que alguém reparou nos fósseis que aprisionavam e foi mostrá-las a cientistas da Universidade Autónoma de Madrid (UAM). Tinha-se encontrado uma das jazidas paleontológicas mais importantes da Península Ibérica.

Ora em 2012 os cientistas voltaram para mais uma temporada de escavações, coordenada pela espanhola Angela Buscalioni, da UAM, com as suas picaretas. Há muitos voluntários, e um deles, José Luis Sañudo, deparou-se numa das lajes com o fóssil completo de um pequeno mamífero. Entre tantos fósseis já ali encontrados — como ainda pterossauros, lagartos e salamandras —, aquele era o primeiro de um mamífero.

Angela Buscalioni é especialista em répteis da era Mesozóica (entre há 252 milhões de anos e 65 milhões de anos), por isso decidiu contactar um especialista em mamíferos dessa era, o alemão Thomas Martin. O resultado dessa colaboração é a descrição do Spinolestes xenarthrosus como um género e espécie novos para a ciência na edição desta quinta-feira da revista Nature.

Faz parte dos eutriconodontes, um grupo de mamíferos que viveu entre o Jurássico Médio e o Cretácico Superior. Tinham uma fileira de dentes com três pontas afiadas (cúspides) na zona da bochecha. “Estão totalmente extintos e não têm uma relação próxima com nenhum grupo de mamíferos modernos. Surgiram muito antes dos mamíferos marsupiais e placentários”, explica ao PÚBLICO Thomas Martin, da Universidade de Bona, na Alemanha. “Andavam no chão e os seus representantes mais pequenos, como o Spinolestes, eram insectívoros, ao passo que alguns eutriconodontes grandes eram predadores carnívoros ou necrófagos. O maior mamífero do Mesozóico conhecido, o Repenomamus do Cretácico Inferior, era um eutriconodonte que pesava dez a 15 quilos.”

Em vários sentidos, o fóssil de Las Hoyas é único, frisa o paleontólogo alemão. “É um esqueleto completo de um mamífero que tem as estruturas integumentárias extraordinariamente preservadas: pêlos, espinhos, escamas dérmicas, pavilhão auricular [a orelha] e órgãos internos, como os pulmões e o fígado. Os pêlos estão preservados a nível celular, o que até agora não tínhamos no registo fóssil dos mamíferos do Mesozóico. Esse pormenor de preservação da pelagem é único”, diz o paleontólogo. “Pela primeira vez, esta descoberta dá informação sobre a evolução dos pêlos e espinhos na história evolutiva dos mamíferos do Mesozóico. Fornece provas sobre os primeiros espinhos e escamas. Única é também a preservação de tecido dos pulmões e do fígado.”

Thomas Martin não se cansa de realçar a excepcionalidade deste fóssil. “Há outros mamíferos do Mesozóico até mais velhos (do Jurássico) que têm pêlos preservados, mas ficaram na rocha só como uma camada escura ou uma impressão”, esclarece. “A prova mais antiga de pêlos em mamíferos é, até agora, do Jurássico Médio — por exemplo, do Castorocauda e do Megaconus, do Nordeste da China. Porém, nestes casos o pêlo está preservado só como uma camada escura sem quaisquer detalhes estruturais. Foram descritos pêlos isolados de mamíferos em âmbar do Cretácico, dando alguns detalhes, mas a sua origem é desconhecida.”

Provas directas de pêlos eram, até agora, bastante mais recentes: o tecido fossilizado do fóssil de Las Hoyas “estende o conhecimento directo de microestruturas integumentárias de mamíferos dos 60 milhões até aos 125 milhões de anos”, lê-se no artigo.

De Las Hoyas a Guimarota
O que já revelaram estas estruturas antigas? “O Spinolestes mostra que a diferenciação dos integumentos (diferentes tipos de pêlos, espinhos ou escamas córneas) já tinha ocorrido nos tempos mesozóicos”, diz Thomas Martin. “Uma vez que o Spinolestes não é próximo de nenhum grupo moderno de mamíferos, significa a evolução dos espinhos ocorreu diversas vezes de forma independente na história dos mamíferos, como nos ouriços e no porco-espinho.”

Os espinhos do Spinolestes tinham a sua função. “Na parte de trás das costas, a pelagem era espinhosa, funcionando provavelmente como equipamento de defesa, como nos ratos-espinhosos modernos. Nestes ratos, os espinhos desprendem-se facilmente e se um deles é mordido nas costas o predador fica com a boca cheia de espinhos e rato foge. Os espinhos voltam a crescer e o animal não fica gravemente ferido.”

O Spinolestes também tinha uma coluna vertebral reforçada com articulações adicionais entre as vértebras, o que permite inferir o seu estilo de vida. “Estas articulações davam à coluna vertebral uma força extraordinária. O Spinolestes vivia num ambiente pantanoso, onde procurava insectos e outros animais pequenos na vegetação rasteira, usando a força da coluna para afastar cascas e outros materiais de plantas à procura de larvas”, explica o paleontólogo. “Também tinha patas anteriores [da frente] bastante fortes, que usava para arranhar e escavar.”

Há mais: a localização dos órgãos internos do Spinolestes indica que possuía diafragma, músculo que separa os pulmões (na cavidade torácica) do fígado (na cavidade abdominal). “O diafragma é típico dos mamíferos modernos e um pré-requisito para uma respiração eficaz nos mamíferos. A sua presença no Spinolestes demonstra que já tinha aparecido nos primeiros mamíferos do Cretácico.”

Ao ter mantido conservada a primeira orelha de um mamífero do Mesozóico, este fóssil dá ainda indicações sobre a forma e o tamanho das orelhas dos mamíferos daqueles tempos. E, por fim, sofria de dermatofitose, uma infecção por fungos que afecta a pele e os pêlos, originando zonas circulares sem pelagem, comum nos mamíferos de hoje. “Encontrámos pêlos no Spinolestes parecidos com os pêlos dos mamíferos modernos com este problema. Por isso, inferimos que este tipo de infecção já existia no Cretácico”, relata o investigador, rematando: “Para mim, esta descoberta é extremamente entusiasmante porque tem informações sobre estruturas que consideravamos inacessíveis. É mais uma prova de que os mamíferos do Mesozóico não eram criaturas primitivas parecidas com musaranhos, mas que já eram altamente diversificados.”

Thomas Martin conhece bem os fósseis de mamíferos primitivos descobertos perto de Leiria— na antiga mina da Guimarota, de onde se extraiu um carvão até 1961, quando fechou. Por essa altura, já um outro cientista alemão (Walter Kühne, da Universidade Livre de Berlim) tinha descoberto este tesouro paleontológico. Nos anos 60, 70 e 80, foram-se recolhendo fósseis (de mamíferos, crocodilos, peixes, anfíbios, lagartos, dinossauros, pterossauros, aves primitivas...). Foram sobretudo os seus fósseis de mamíferos do Jurássico Superior, com 150 milhões de anos, que a tornaram conhecida.

Os primeiros mamíferos da Terra tinham aparecido muito antes, há 220 milhões de anos. E os mamíferos da Guimarota contribuíram para conhecer melhor essa história. Por exemplo, saiu de lá, em 1976, o primeiro esqueleto de um mamífero do Jurássico: o Henkelotherium guimarotae, que vivia nos ramos das árvores e comia insectos.

Em 2007, Thomas Martin veio devolver a Portugal, e ao Museu Geológico de Lisboa, parte dos mamíferos da Guimarota que ainda estavam na Alemanha, onde foram preparados e estudados. Actualmente, assegura, quase todo o material da Guimarota já voltou a Portugal. Daí que lhe tivéssemos perguntado se há muitas diferenças entre os mamíferos da Guimarota e o de Las Hoyas. “Não são assim tão diferentes”, responde. “Os mamíferos da Guimarota também tinham pelagem (pelo que sabemos por fósseis contemporâneos da China), embora os pêlos não tivessem ficado preservados.”



Extinção em massa: quem morre e quem sobrevive depende da teia alimentar

 

Estaremos a encaminhar-nos para uma nova extinção em massa da vida na Terra, provocada pelos seres humanos? Para tentar prever o que poderia acontecer – e talvez evitar o pior – é preciso perceber os ecossistemas em termos de quem come o quê, concluem dois cientistas.

Representação artística de Lystrosaurus, antepassado dos mamíferos que sobreviveu à extinção em massa do fim do Pérmico. 
Os especialistas dão-lhe o nome de Grande Morte (Great Dying, na expressão em inglês). Aconteceu num piscar de olhos geológico, há 252 milhões de anos, quando um vasto evento vulcânico na Sibéria cuspiu gases nocivos e uma quantidade de lava suficiente para formar um novo continente do tamanho da Europa.

O ar tornou-se mais quente e mais seco, os incêndios assolaram a paisagem e o oceano tornou-se tóxico. Em poucas dezenas de milhares de anos, perderam-se 90% das espécies marinhas e três quartos da vida terrestre. “Foi devastador”, diz o paleontólogo Peter Roopnarine. “Nunca a vida na Terra esteve tão perto de desaparecer por completo.”

Mas os cientistas ainda têm muitas perguntas acerca do que aconteceu durante a Grande Morte, formalmente conhecida como a extinção em massa do fim do Pérmico. Quais foram as primeiras espécies a desaparecer? Quando é que os ecossistemas colapsaram totalmente? Quem morreu, quem sobreviveu – e porquê?

Roopnarine pensa ter encontrado uma pista: a ideia de que a estabilidade da teia alimentar – essa complexa hierarquia de quem come quem – seria capaz de proteger as espécies quando um desastre acontece. Pelo menos durante algum tempo.

As questões relativas à sobrevivência das espécies tornaram-se mais prementes nos últimos anos, à medida que um número cada vez maior de cientistas tem vindo a acreditar que o planeta poderia estar a encaminhar-se rapidamente para uma outra extinção em massa – desta vez provocada pelos seres humanos.

Se de facto a vida na Terra for levar um outro golpe trágico, a melhor maneira de se preparar parece consistir em saber como se desenrolaram, no passado, situações semelhantes. Esses eventos de extinção em massa representam, como gosta de frisar Roopnarine, “experiências naturais” que põem à prova a capacidade de sobrevivência das espécies.

O único problema é que, no fim do Pérmico, não havia lá ninguém para tirar apontamentos (os polegares oponíveis demorariam 247 milhões de anos a evoluir, e seria preciso esperar mais uns milhões de anos ainda até alguém inventar o papel).

Foi por isso que Roopnarine, o curador de geologia da Academia das Ciências da Califórnia, e o paleobiólogo Kenneth Angielczyk, curador associado do Museu Field de Chicago, reconstruíram eles próprios, minuciosamente, aquela antiga “experiência” utilizando dados fósseis e modelos de computador. Algo que ninguém tinha feito até aqui. Os seus resultados, publicados na revista Science, fornecem alguns indícios sobre como a vida consegue gerir crises de proporções monumentais.

A chave da sobrevivência parece residir nas teias alimentares, as complicadas interacções que todos nós já mapeámos com certeza na escola. Elas ilustram como as espécies de um ecossistema arranjam comida – evitando ao mesmo tempo tornar-se comida para outros. Ora, segundo estes autores, uma teia alimentar estável pode proteger uma comunidade das catástrofes ambientais – e até da perda de algumas espécies.

As melhores teias alimentares são como um prédio bem construído: mesmo que um tijolo se desfaça ou seja removido, a estrutura no seu conjunto permanece sólida. E só quando algo de realmente traumático acontece – quando por exemplo, se perdem demasiadas espécies ou uma espécie-chave desaparece – é que a coisa toda se desmorona.

Olhando para fósseis com 250 milhões de anos de idade, provenientes da bacia do Karoo, na África do Sul – uma região conhecida pelas suas quintas de criação de animais de caça e o seu registo fóssil em excelente estado de conservação – Roopnarine e Angielczyk reconstituíram as teias alimentares do Pérmico anteriores à extinção em massa. Para isso, começaram por fazer um trabalho no terreno naquela vasta e quase desértica zona varrida pelos ventos. E depois, sentados em frente a um computador num laboratório norte-americano, tentaram mapear quem comia o quê naquele antigo mundo.

Numa segunda fase, desmontaram essas teias alimentares e reformularam-nas, obtendo novas configurações, para ver como outras teias alimentares possíveis responderiam a um cataclismo. Um pouco à maneira de alguém que, deitando fora as instruções do kit de montagem de uma secretária, por exemplo, constrói no seu lugar um carrinho de apoio de mesa.

Resultado notável: foi a cadeia alimentar do mundo real que demonstrou ser a combinação possível mais resiliente de espécies que viviam naquela altura. Por outras palavras, foi a partir do manual de instruções da natureza que se construíram os sistemas mais estáveis.

“Parecer ter havido uma manutenção permanente da resiliência”, diz Angielczyk. “Mesmo se algum desastre viesse a atingir algumas espécies, isso não iria afectar as outras.”

E mesmo quando confrontados com a fase inicial da extinção em massa do fim do Pérmico, numa altura em que os pequenos animais já estavam a morrer em grandes quantidades, as teias alimentares permaneceram sólidas. Se o vulcanismo que desencadeou a extinção não tivesse durado tanto tempo (cerca de um milhão de anos), alguma vida poderia ter conseguido escapar incólume à catástrofe.

Só que nem as teias alimentares mais estáveis conseguem resistir a um milhão de anos de secas, fogos florestais, de acidificação dos oceanos e de alterações climáticas descontroladas. E a dada altura, as plantas – que eram o alicerce das teias alimentares do Karoo – começaram a desaparecer. Dos 50 géneros (grupos de espécies) que existiam no Karoo antes do evento, apenas cinco emergiram dessa segunda fase de extinções.

Porém, o mundo que essas espécies viram então surgir era muito menos agradável do que o mundo que tinham deixado para trás. Embora novas espécies tivessem depressa emergido para preencher o vácuo deixado pelos seus extintos predecessores, muitas acabariam rapidamente por morrer.

De facto, essas teias alimentares “reconstituídas” eram muito menos estáveis do que as que tinham perdurado durante o período Pérmico – o que mostra que não bastam umas quantas espécies novas para reconstruir um ecossistema. As interacções tinham primeiro de evoluir e de melhorar. E seriam precisos três a cinco milhões de anos para que a vida na Terra conseguisse novamente assentar, dando origem à idade dos dinossauros.

“O que está a acontecer hoje é diferente da extinção em massa de há 250 milhões de anos”, diz Roopnarine. “Em termos de exploração excessiva de recursos, de alterações climáticas, de perda de habitats e de destruição da natureza, estamos a ir muito para além da experiência vivida por qualquer outra espécie.”

Mas o que sabemos, acrescenta, é que a melhor maneira de prever a sobrevivência dos ecossistemas é olhar para a estabilidade da sua teia alimentar: Quem come quem? Quais são as espécies que asseguram a coesão do conjunto? Quais são as espécies que um ecossistema pode perder sem grande impacto, tal como aconteceu com os pequenos vertebrados das teias alimentares do fim do Pérmico?

Proteger um animal de quem todos gostamos – como o panda-gigante ou o bisonte-americano – poderia revelar-se fútil se não protegermos ao mesmo tempo a comunidade à qual pertencem. “Não se trata apenas de preservar as espécies, trata-se de preservar as suas interacções”, diz Roopnarine. “Mas isso significa que temos de perceber essas interacções.”

Actualmente, as teias alimentares modernas ainda são algo misteriosas, acrescenta. E quando as conseguimos perceber, isso acontece muitas vezes depois de alguma coisa ter corrido mal – como no caso dos recifes de corais das Caraíbas. E então, já é tarde demais para fazer seja o que for.

O registo fóssil dos últimos 20.000 a 30.000 anos – que nos parece uma eternidade, mas representa apenas um instante em termos geológicos – está recheado de esqueletos de espécies extintas por predadores humanos ou pela destruição dos habitats: o mamute-lanudo, o dodó, o dugongo-de-steller. Do ponto de vista da paleontologia, “isto tem certamente o aspecto de algo do tipo extinção em massa”, diz Angielczyk.

Se quisermos ter a certeza de que as espécies existentes vão sobreviver às pressões da vida moderna, temos de perceber o que mantém estáveis as comunidades modernas. E entretanto, “temos de ser muito cautelosos”, alerta Angielczyk. Não sabemos o que é que poderia vir a desencadear a próxima Grande Morte.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Infeções urinárias: um mal feminino?

Escrito por Lara Barbosa e Marisa Menezes, terapeutas de Medicina Chinesa

Embora possam atingir qualquer pessoa em qualquer idade, as infeções urinárias afetam mais as mulheres porque a uretra feminina (canal que liga a vagina à bexiga) tem apenas três centímetros contra 25cm (em média) da masculina. O facto de ser mais curta facilita o acesso das bactérias à bexiga e consequentemente a inflamação da bexiga e/ou nos rins. Conheça as soluções da medicina tradicional chinesa para este problema.
 
Qualquer infeção no nosso organismo demonstra uma diminuição ou fraqueza do sistema imunitário, representando um risco para a saúde e uma maior necessidade de vigilância relativamente aos sinais e aos sintomas que surgem.
A infeção urinária corresponde a um quadro infecioso localizado em qualquer parte do sistema urinário, podendo adquirir diversas designações conforme o local afetado. Assim, se a infeção afeta os rins designa-se pielonefrite, a bexiga (cistite), a uretra e os ureteres (ureterite).
Apesar de uma infeção urinária poder afetar homens e mulheres, são, no entanto, as últimas que são mais propensas a contrai-las pelo facto de a uretra feminina ser menor que a masculina, o que facilita a entrada das bactérias até à bexiga. No entanto, além do tamanho da uretra feminina, há outros aspetos que ajudam a explicar a maior probabilidade de o sexo feminino contrair infeções urinárias. Logo após a menopausa, as infeções urinárias tornam-se, normalmente, mais frequentes pois é uma altura em que o organismo feminino é sujeito a grandes oscilações hormonais e regista-se uma reduzida quantidade de estrogénio.
Embora os homens sejam menos propensos a sofrer de infeções urinárias, destacamos duas situações particularmente importantes e que estão diretamente relacionadas com a existência de infeções no sexo masculino: a existência de pedra no rim e o aumento da próstata.
A importância da prevenção
De acordo com a medicina chinesa, mais importante que tratar uma patologia, é preveni-la. Pretende-se alertar para a importância de detetar precocemente os sinais de alerta de forma a adquirir hábitos e comportamentos que tornem possível manter o organismo são. Quanto mais cedo se detetam os sinais, menos a doença evolui e mais rapidamente se consegue controlar a sua evolução minimizando os riscos para a saúde.
Como principais sinais de alerta destaca-se:
1) aumento da frequência urinária ao longo do dia;
2) alteração da cor da urina (torna-se mais escura);
3) cheiro mais intenso (mau cheiro ou simplesmente cheiro mais intenso que o habitual);
4) numa última fase, surge o ardor ao urinar, podendo ou não ser acompanhado de dor.
O tratamento pela medicina chinesa
A medicina chinesa é uma terapia que engloba a acupuntura, a fitoterapia, a massagem tuina e a dietética chinesa, sendo que o sucesso do tratamento engloba a complementaridade das várias áreas.
Através da medicina chinesa, não só é possível prevenir estas situações, como também tratá-las.
Para a medicina chinesa, o tratamento depende da causa da infeção. De uma forma geral, uma infeção urinária corresponde a uma diminuição das defesas do próprio organismo, acompanhado de uma fraqueza da energia do órgão rim (segundo a medicina chinesa, o órgão rim é a base da vida e nele reside a energia essencial do nosso organismo).
Através da acupuntura, o objetivo é promover e fortalecer as defesas, de modo a melhorar a imunidade e dotar o organismo de mais "armas" e defesas para combater as bactérias responsáveis pela infeção. Um organismo com uma imunidade elevada, mais dificilmente contrai infeções urinárias ou de qualquer outro tipo. A abordagem seguinte consiste em fortalecer o órgão rim e promover a circulação energética e sanguínea do mesmo.
Também a fitoterapia, que consiste em medicamentos realizados com base em plantas, consegue potenciar e reforçar o tratamento iniciado pela acupuntura, ajudando a fortalecer o sistema imunitário e a reforçar o rim.
De acordo com a medicina chinesa, adquire especial importância não só o tratamento pela acupuntura e fitoterapia como também algumas recomendações dietéticas. Assim, logo que se comecem a verificar alguns dos sinais de alerta anteriormente referidos, é importante que se deixem de comer comidas condimentadas, alimentos ácidos e picantes (que, pela sua natureza, vão agredir ainda mais a bexiga e o trato urinário, provocando ardor e dor ao urinar). Também o chá de barbas de milho, pelas suas propriedades antibacterianas e de reforço do sistema imunitário é um forte aliado no tratamento da infeção urinária.

Conselhos úteis na prevenção das infeções urinárias

Pelo facto de a medicina chinesa ser também uma medicina preventiva, considera-se importante deixar algumas recomendações que ajudam a minimizar o risco de contrair infeções urinárias. Apesar de os homens poderem igualmente ter infeções urinárias, é muito menos provável que as tenham, pelo que se recomenda essencialmente ao universo feminino, uma maior precaução para evitar infeções urinárias.
- Beber, entre 1,5L a 2L de água ao longo do dia de modo a eliminar as bactérias existentes;
- Optar por uma alimentação saudável onde seja privilegiado o consumo de frutas e de legumes que fortaleçam o sistema imunitário;
- Evitar alimentos picantes, ácidos e com condimentos fortes;
- Para pessoas que têm tendência a ter infeções urinárias com frequência, recomenda-se que se evite o consumo de bebidas alcoólicas, e sumos de frutos com sabor ácido / acre (como o limão, a lima e o ananás);
- Cuidar da sua higiene íntima, privilegiando hábitos de higiene importantes;
- Ter especial cuidado com as casas de banho públicas, que pela enorme afluência que podem ter (em especial na época balnear), são um perigoso veículo de transmissão de doenças;
- Evitar roupa interior íntima que não seja de algodão, pelo atrito que os restantes tipos de tecido possam provocar no contacto com a pele;
- Limitar o consumo de café a três por dia, no máximo;
- Realizar exames de rotina principalmente análises ao sangue;
- Evitar situações de risco, como relações sexuais desprotegidas, com múltiplos parceiros e sem preservativo.
Lara Barbosa, terapeuta de Medicina Chinesa no Health Club Infante de Sagres, e Marisa Meneses, terapeuta de Medicina Chinesa nos Consultórios Médicos da Casal Ribeiro
 

Aftas: tão pequenas e tão incómodas

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Surgem mesmo em bocas saudáveis, mas incomodam. E muito! Apesar da sua reduzida dimensão, as aftas são dolorosas e têm tendência para reaparecer. A boa notícia é que desaparecem por si só ao fim de alguns dias e que o seu desconforto pode ser aliviado.
 
Provavelmente, é uma das muitas pessoas que conhece bem o desconforto causado pelas aftas. Calcula-se que cerca de 20 cento da população mundial já tenha tido aftas, pequenas lesões (ulcerações aftosas) não contagiosas que surgem na mucosa que reveste a boca e a língua.
 
Qualquer que seja o tamanho, o seu efeito é sempre o mesmo: a sensação de queimadura e ardor que se instala no local onde irão aparecer. Depois desenvolvem-se pequenas lesões com uma aparência característica: têm um tom esbranquiçado ou amarelado – a cor varia de acordo com a fase em que se encontram –, assemelham-se a pequenas crateras e costumam apresentar um contorno avermelhado que denuncia a inflamação.
 
Conhecidas cientificamente como estomatite aftosa, as aftas podem surgir em diferentes tamanhos e de forma isolada, apenas uma localizada, ou em grupos de duas, três ou mais em simultâneo. É a sua quantidade e o seu tamanho que vão tornar esta situação mais ou menos dolorosa.
 
Nélio Veiga, médico dentista, explica-nos que “na maioria dos casos, as úlceras individuais duram cerca de sete a 10 dias, e os episódios de ulceração ocorrem de três a seis vezes por ano, sendo que, em alguns casos, mais ainda”. São mais frequentes na face interna das bochechas, lábios, língua e gengivas, mas também podem estender-se por toda a boca. E, por vezes – embora seja menos comum –, até à garganta.
 
Ter uma afta de vez em quando não é caso para alarme até porque dificilmente evoluem para situações graves, mas quando surgem são dolorosas e qualquer toque com a língua ou alimentos, nomeadamente ácidos, muito quentes, picantes ou salgados, pode provocar dores intensas. Quem esperaria tamanho sofrimento de algo com dimensões tão pequenas?!
 
De facto, como confirma o médico dentista, a dor é o principal sintoma. “Esse incómodo ao toque pode interferir no consumo de comidas e bebidas, no entanto, as formas graves podem ser debilitantes, causando inclusive perda de peso devido à má-nutrição (dificuldade em mastigar e ingerir os alimentos)”, revela. Para além disso, nos casos das aftas maiores (ulceradas), pode ocorrer ainda um processo inflamatório mais extenso, provocando febre e inchaço dos gânglios do pescoço.
 
Nem todas as aftas são iguais
Estas pequenas úlceras não são todas iguais. Dividem-se, essencialmente, em três tipos, de acordo com o seu tamanho e profundidade. O mais comum são as aftas menores (úlceras aftosas menores), responsáveis “por cerca de 80 a 85 por cento de todos os casos”, indica Nélio Veiga. Por norma, possuem menos de 10 milímetros de diâmetro e a sua cura geralmente demora sete a dez dias sem deixar cicatrizes.
 
Já as aftas maiores (úlceras aftosas maiores), têm mais do que um centímetro de diâmetro, são mais profundas e dolorosas do que as menores e representam “cerca de 10 por cento de todos os casos de estomatite aftosa. Uma vez que as lesões são maiores, a cicatrização é mais demorada – cerca de vinte a trinta dias – e pode deixar cicatrizes”, explica o médico dentista.
 
E, por fim, as herpetiformes, semelhantes às lesões provocadas pelo herpes simples mas que, apesar do nome, não têm relação com esta doença. São mais raras do que os outros tipos, podem ocorrer na boca e/ou nos lábios e costumam surgir em grupo.
 
O especialista alerta ainda para a existência de um outro tipo de aftas que nem sempre corresponde ao diagnóstico de estomatite aftosa. Por vezes, há aftas que surgem como efeito secundário à toma de determinados medicamentos ou que “podem estar associadas a doenças sistémicas e mais graves como o caso da doença de Behçet”.
 
De origem incerta
Qualquer pessoa pode ter aftas, mas as mulheres são alvo deste problema com mais frequência do que os homens. Podem ocorrer em qualquer idade, mas geralmente aparecem pela primeira vez entre os 10 e 40 anos. Em algumas famílias são mais frequentes – não se sabe ainda porquê –, mas não são contagiosas.
 
As causas que levam ao seu aparecimento também continuam um mistério para os médicos. Contudo, apesar de se desconhecer o que as provoca, acredita-se que sejam de origem multifatorial, podendo estar associadas à ingestão de certos alimentos (como chocolate, café, amendoins, morangos, queijo), à deficiência de vitamina B12, ácido fólico e ferro, e a alterações no ciclo menstrual. “Alguns estudos indicam que pode haver o surgimento e agravamento das aftas após ingestão de alimentos citrinos (como limão e ananás) e em situações de maior stress da pessoa, pois é frequente que a ulceração se agrave durante os períodos de maior stress (trabalho e exames, no caso dos estudantes, por exemplo) e diminua durante os períodos de férias”, salienta Nélio Veiga.
 
Mastigar alimentos muito duros, morder a língua, ou bochechas, ou o uso incorreto da escova de dentes também pode ser meio caminho andado para que algum tempo depois constate o aparecimento de aftas.
 
Alívio da dor…
O tratamento das aftas baseia-se essencialmente em aliviar a dor, acelerar o processo de cicatrização e reduzir a frequência do seu aparecimento, uma vez que as aftas desaparecem espontaneamente ao fim de poucos dias. “A maioria das pessoas com estomatite aftosa apresenta sintomas menores que não requerem nenhuma terapia específica. A dor geralmente é tolerável com uma simples modificação da dieta durante os episódios de ulceração, como evitar alimentos e bebidas picantes ou ácidos”, reconhece Nélio Veiga.
 
No entanto, para as aftas maiores ou abundantes, poderá ser necessário aplicar anestésicos locais – para alívio a dor –, anti-inflamatórios e corticosteroides, que, na maioria das vezes, são administrados por via local, através de spray, colutórios (líquidos para bochechar) ou gel. Minimizar a agressão na boca através da evicção de alimentos difíceis de mastigar, reduzir o stress e cuidar da higiene dentária com uma escova suave – são outros cuidados a seguir.
 
E se já está a pensar em como pode prevenir o aparecimento destas incómodas lesões, saiba que não existe um tratamento preventivo para o problema. Ainda assim, o médico dentista diz-nos que “a utilização regular de um antisséptico oral (colutórios) para manter as gengivas saudáveis e a realização de uma boa higiene oral diária podem ser benéficos para reduzir a recorrência das lesões aftosas”.
 
Na maioria dos casos as aftas não são motivo para uma consulta médica, contudo, o seu aparecimento frequente pode ser um sinal de algo não está a 100 por cento. Por essa razão, o especialista aconselha que, quando notar o aparecimento destas ulcerações, consulte o seu dentista para obter um diagnóstico mais exato. “Muitas vezes, se uma pessoa tiver o hábito de realizar consultas regulares no médico dentista, este pode ser um assunto a falar na consulta de modo a perceber o que deve fazer quando voltar a surgir uma afta”, sublinha.
 
As aftas podem impedi-lo de comer, causar grande desconforto e dor, mas se tiver os cuidados necessários, é apenas uma questão de paciência e de dar tempo ao tempo.
Fontes:
- Nélio Veiga, médico dentista

Manual para 'sobreviver' à temporada das gripes

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Notícias ao Minuto
No que toca à gripe, mais vale prevenir do que curar. O site El Confidencial reuniu algumas coisas que deve fazer se quer passar o outono e o inverno sem ficar doente.
 
1. Lave bem as mãos. Para evitar a contaminação por vírus e bactérias, uma das melhores medidas a adotar é lavar bem (com água e sabão) e com frequência as mãos.
 
2. Afaste-se das pessoas doentes. Se tem algum familiar ou colega de trabalho que começa a mostrar sinais de estar com gripe, afaste-se dele para tentar reduzir ao máximo o risco de contágio.
 
3. Evite as mudanças bruscas de temperatura. Ao deparar-se com uma mudança de temperatura muito repentina, o corpo tem de trabalhar para colmatar essa diferença fazendo com que as suas defesas caiam, deixando-o mais vulnerável perante um vírus da gripe, por exemplo.
 
4. Não fume. Os fumadores têm mais probabilidades de ficarem com gripe, além disso o tabaco agrava os sintomas. Mesmo que não fume, tente não se expor ao fumo.
 
5. Descanse. Um estudo californiano publicado na revista Sleep concluiu que as pessoas que dormem menos de cinco ou seis horas por noite têm quatro vezes mais probabilidades de apanhar gripe do que os que dormem sete ou mais horas. Por isso, tente dormir o suficiente todas as noites para se manter saudável.
 
6. Beba muita água. A água ajuda a diluir a mucosidade que muitas vezes começa por surgir bem antes dos restantes sintomas de gripe.

Por que é que se tem 'hálito a alho' e como combatê-lo

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Notícias ao Minuto
É comum usar alho para confecionar alimentos ou até mesmo para lhes dar um sabor mais intenso, mas é essa mesma intensidade do alho que provoca um hálito desagradável horas depois de ter sido consumido.
 
Mas, por que é que se tem ‘hálito a alho’? A culpa é de um dos quatro compostos voláteis no alho, o sulfeto de metil-alilo (que trabalha em conjunto com os restantes três: dialil dissulfeto, dissulfeto de metil-alilo e alilo mercaptana).
 
Contudo, o seu odor intenso e sabor persistente apenas acontece quando um dente de alho é partido, o que acontece quase sempre que é usado para confecionar alimentos, lê-se no site About.
 
Embora a cozedura do alho diminua a intensidade do seu sabor – e do seu efeito no hálito – a verdade é que é muito difícil (para não dizer quase impossível) não ficar com ‘hálito a alho’ depois de o consumir, uma vez que assim que o alho é cortado, o sulfeto de metil-alilo é absorvido pela região gastrointestinal e, depois, entra na corrente sanguínea, sendo apenas expelido por alguns órgãos, como os rins, pulmões e pele (daí a dificuldade em tirar o cheiro a alho das mãos depois de o cortar).
Embora não exista uma fórmula ‘cientificamente provada’ que sugira como eliminar o hálito a alho, a ingestão de leite ou de salsa crua pode ajudar a atenuar o cheiro que sai de dentro da boca. A maçã e o espinafre podem também ser boas alternativas.
 
Estes quatro alimentos possuem enzinas que ajudam a aniquilar os compostos voláteis presentes no alho, em especial o que dá origem ao cheiro e ao sabor intenso.

Uma boa dúzia de motivos para comer mais ovos

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Notícias ao Minuto
 
Os ovos são a chave de uma alimentação saudável e equilibrada e um dos principais aliados nutricionais da saúde, sendo uma das fontes de proteína de alta qualidade.
 
O alimento fornece diversos benefícios para a saúde, embora sejam ainda muitas as pessoas que olham com ceticismo para o consumo variado dos ovos.
 
Além de atenuar os efeitos da perda de massa muscular, de fornecer nutrientes fundamenais para o funcionamento do organismo (como as vitaminas A, B2, B12, D e E e os minerais como fósforo, selênio, ferro, iodo e zinco) e de ser uma das melhores fontes de ácido oleico, são doze os principais motivos para se comer mais ovos, lê-se no site ABC.es.
 
Conheça uma boa dúzia de motivos para apostar no ovo:
1. Fortalece os músculos;
2. Ajuda a melhorar a função cerebral e a memória;
3. Ajuda o corpo a produzir a energia necessária;
4. Contribui para manter o bom funcionamento do sistema imunológico;
5. Reduz o risco de doenças coronárias;
6. Ajuda no desenvolvimento saudável do bebê durante a gravidez;
7. Melhora a saúde ocular;
8. Impulsiona a perda de peso;
9. Mantém a aparência saudável;
10. É um dos alimentos mais versáteis;
11. É também fácil e rápido de cozinhar;
12. São uma ótima escolha para qualquer orçamento.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Núcleo interno da Terra formou-se há 1.000 a 1.500 milhões de anos, diz a Nature

  • Tecnologia
  • lusa.sapo.ptLusa - 07/10/2015
  • O núcleo interno da Terra formou-se há 1.000 a 1.500 milhões de anos, defendem cientistas num estudo publicado na revista Nature.
     
    A camada mais profunda do "planeta azul" é uma esfera de ferro sólido, pouco maior do que o planeta-anão Plutão, que está rodeada por um núcleo externo líquido, cuja formação ocorreu há 500 milhões a 2.000 milhões de anos.
     
    Investigadores das universidades de Liverpool (Reino Unido), Helsínquia (Finlândia) e San Diego (Estados Unidos) analisaram dados magnéticos de antigas pedras incandescentes e descobriram que, há 1.000 a 1.500 milhões de anos, se produziu um assinalável aumento da força do campo magnético da Terra.
     
    O aumento do campo magnético é "uma possível indicação" do primeiro aparecimento de ferro sólido no interior da Terra e do momento em que o núcleo interno sólido começou a 'gelar' a partir do arrefecimento da camada mais externa de ferro fundido, segundo o estudo publicado na Nature.
     
    O coordenador do estudo, Andy Biggin, da Universidade de Liverpool, considerou, citado pela agência Efe, que a descoberta "poderá mudar a compreensão do interior da Terra e a sua história".
     
    Os resultados do estudo, adiantou, "sugerem que o núcleo da Terra está a arrefecer mais lentamente do que se pensava, circunstância que tem implicações para todas as ciências terrestres".
     
    Além disso, precisou Biggin, os dados "apontam para uma taxa média de crescimento do núcleo sólido de um milímetro por ano, o que afeta a compreensão do campo magnético terrestre".
     
    O campo magnético da Terra, que atua como um escudo contra a radiação do Sol, é gerado pelo movimento do ferro líquido presente no núcleo exterior, que se situa a três mil quilómetros de profundidade, sob a crosta terrestre. As oscilações acontecem porque o núcleo está a perder calor.
     
    Andy Biggin admite que "o núcleo está a perder calor mais lentamente do que em qualquer outro momento nos últimos 4.500 milhões de anos, e que esse fluxo de energia deverá manter o campo magnético da Terra durante outros mil milhões de anos, ou mais".
     
    O cientista assinalou que esta situação contrasta com a de Marte, "que teve um forte campo magnético no começo da sua história, mas que parece que se extinguiu após 500 milhões de anos".

    Prémio Nobel da Química para "caixa de ferramentas" celular de reparação do ADN

    Ana Gerschenfeld -                 

    Sem a “caixa de ferramentas” que as células possuem para corrigir os erros que vão surgindo no seu ADN, não haveria vida na Terra. Os laureados deste ano fizeram trabalhos pioneiros na área da reparação do genoma.
    O retrato dos três premiados
     
    Um modelo que mostra a estrutura do ADN na conferência de anúncio do Nobel da Química 2015
    O Prémio Nobel da Química 2015 foi atribuído em partes iguais ao sueco Tomas Lindahl, do Instituto Francis Crick (Reino Unido); ao norte-americano Paul Modrich, da Universidade Duke (EUA); e ao turco Aziz Sancar, da Universidade da Carolina do Norte (EUA), pelos seus "estudos mecanísticos da reparação do ADN", anunciou esta quarta-feira em Estocolmo a Real Academia das Ciências Sueca.
     
    Nos anos 1960, pouco mais de uma década depois da descoberta da estrutura do ADN, pensava-se que esta longa molécula, albergada no núcleo de cada uma das células do nosso corpo, era muito estável. Nas divisões celulares, por exemplo, copiava-se a si própria sem falhas. E embora a evolução das espécies exigisse que houvesse algumas mutações pelo caminho, considerava-se que o seu número era bastante limitado de uma geração para a seguinte.
     
    Hoje, sabe-se que a realidade é diametralmente oposta a esta visão das coisas: não só o nosso genoma está sempre a ser agredido e danificado pelos raios ultravioletas (UV) do Sol e por uma pletora de substâncias tóxicas presentes no ambiente, mas o ADN também é, ele próprio, intrinsecamente instável.
     
    Em particular, durante os vários milhões de divisões celulares que decorrem diariamente no nosso corpo, a cópia das “letras” do ADN é um processo sujeito a erros “ortográficos”. E para além disso, milhares de alterações espontâneas do genoma acontecem todos os dias nas nossas células.
     
    “O nosso material genético não se desintegra num total caos químico porque há uma bateria de sistemas moleculares que está constantemente a monitorizar e reparar o ADN”, lê-se num comunicado do comité do Nobel. “O Prémio Nobel da Química 2015 recompensa três cientistas cujos trabalhos pioneiros permitiram mapear em pormenor o funcionamento de alguns destes sistemas ao nível molecular”.
     
    As perguntas que surgiram na cabeça de Tomas Lindahl em finais dos anos 1960 são um bom ponto de partida para relatar estes três percursos científicos paralelos. Durante o pós-doutoramento na Universidade de Princeton (EUA), Lindahl observara que as moléculas de ARN (semelhantes ao ADN) se degradavam facilmente ao serem aquecidas, explica noutro documento o comité do Nobel. Mas então, que dizer do ADN? Seria possível perdurar toda uma vida sem se deteriorar?
     
    Uns anos mais tarde, já a trabalhar no Instituto Karolinska em Estocolmo, Lindahl mostrou que o ADN também se degradava com o tempo, embora mais lentamente que o ARN. A partir daí, tornou-se claro para ele que a nossa própria existência era a prova provada de que as células possuíam mecanismos para preservar o genoma do tal “caos químico” incompatível com a vida.
     
    Utilizando bactérias, Lindahl identificou uma enzima (uma proteína) que removia as moléculas de citosina – uma das quatro bases (ou “letras”) que se encadeiam no ADN – quando elas estavam danificadas. Em 1974, publicou a descoberta deste mecanismo, dito de “reparação por excisão de bases”.
     
    Ao longo de 35 anos, Lindahl descobriu e estudou muitas das proteínas dessa “caixa de ferramentas” celular de reparação do ADN, lê-se ainda no mesmo documento. “Peça a peça, Lindahl construiu uma imagem molecular do funcionamento da reparação por excisão de bases." E em 1996, conseguiu reproduzir, in vitro, o processo correspondente nas células humanas.
     
    Técnico de laboratório
    Entretanto, no início dos anos 1970 na Turquia, Aziz Sancar, um jovem médico, decidiu estudar bioquímica para perceber por que é que as bactérias expostas a doses letais de raios UV recuperavam a saúde, como por magia, quando eram a seguir expostas a luz azul.
     
    Sancar obteve o seu primeiro resultado – a clonagem do gene que comanda o fabrico da fotoliase, a enzima sensível à luz que repara os estragos causados pelos UV – durante o doutoramento numa universidade norte-americana. O trabalho valeu-lhe uma tese, mas quando quis continuar a fazer investigação, defrontou-se com recusas de várias universidades.
     
    Sancar arranjou finalmente emprego como técnico de laboratório na Universidade de Yale – onde havia cientistas a estudar um outro mecanismo celular de reparação (não sensível à luz) dos danos no ADN causado pelos UV.
     
    Participando nessas pesquisas, conseguiu então mostrar, em experiências in vitro, que existia um trio de enzimas capaz de identificar esses estragos feitos pelos UV e de “cortar” a cadeia de ADN que continha o defeito em causa. Tinha assim descoberto um outro mecanismo celular de preservação do ADN, o da “reparação por excisão de nucleótidos” (os nucleótidos são formados pelas bases do ADN acopladas a outras moléculas).
     
    Quando Sancar publicou os seus resultados, em 1983, foi logo convidado a ensinar na Universidade da Carolina do Norte. Continuou a estudar as diversas etapas daquele processo celular e também mostrou que ele existe nas células humanas.
     
    O terceiro laureado, Paul Modrich, descobriu ainda outro mecanismo de reparação do ADN, que intervém para corrigir os erros de cópia do ADN durante a divisão celular.
     
    De cada vez que uma célula se divide em duas células-filhas, tem de criar duas cópias, em princípio idênticas, do seu ADN. Nesse processo, as bases (as “letras” A, T, C e G) das duas novas moléculas em formação não se emparelham ao acaso: um A liga-se sempre a um T e um C a um G. Ou quase sempre: um dos defeitos que podem surgir durante a cópia são precisamente os emparelhamentos incorrectos.
     
    Foi esse mecanismo de “reparação dos desemparelhamentos de bases” que Paul Modrich desvendou, criando para isso, no laboratório, um vírus cujo ADN continha uma série de desemparelhamentos. Também ele descreveu e estudou as enzimas envolvidas no processo, recriando-o in vitro – um trabalho que foi publicado em 1989.
     
    Mas ao contrário dos outros dois mecanismos, ainda não foi esclarecido o funcionamento deste tipo de reparação do ADN no ser humano.
     
    O que acontece quando estes mecanismos não funcionam? O risco de cancro aumenta. Por exemplo, os defeitos congénitos da reparação por excisão de nucleótidos provocam uma doença, a xeroderma pigmentosa, cujas vítimas desenvolvem cancros da pele quando se expõem à luz solar, salienta ainda o já referido documento. E os defeitos da reparação do desemparelhamento de bases fazem aumentar o risco de cancro do cólon hereditário.
     
    “O trabalho dos laureados permitiu perceber a um nível fundamental o funcionamento das células”, conclui o comité do Nobel, “e esse conhecimento poderá ser utilizado para desenvolver novos tratamentos contra o cancro.”

    terça-feira, 6 de outubro de 2015

    Nobel da Medicina recompensa três investigadores por trabalhos sobre parasitas



    Os dois medicamentos descobertos pelos laureados – um vindo do solo japonês e o outro da medicina tradicional chinesa – “revolucionaram o tratamento de algumas das mais devastadoras doenças parasitárias”, segundo o comité do Nobel.
    Urban Lendahl, secretário do comité do Nobel, a anunciar o prémio
     
    Fotografias dos laureados: William Campbell, Satoshi Omura e Tu Youyou
    O prémio Nobel da Medicina de 2015 foi atribuído esta segunda-feira aos investigadores William Campbell e Satoshi Omura "pelas suas descobertas acerca de um tratamento inédito contra as infecções causadas por parasitas nemátodos"; e à cientista Tu Youyou, "pelas suas descobertas acerca de um tratamento inédito contra a malária", anunciou o comité do Nobel no Instituto Karolinska, em Estocolmo (Suécia).
     
    William Campbell nasceu na Irlanda em 1930 e é investigador emérito na Universidade Drew (EUA); Satoshi Omura (nascido em 1933 no Japão), é cidadão japonês e professor emérito na Universidade de Kitasato (Japão). Ambos partilham metade do prémio. A outra metade recompensa a chinesa Tu Youyou (nascida em 1930), da Academia de Medicina Chinesa Tradicional da China. O montante total do prémio é de oito milhões de coroas suecas (mais de 856.000 euros).
     
    Eis alguns números que mostram até que ponto as doenças parasitárias constituem um gravíssimo problema de saúde pública. Por exemplo, estima-se que os chamados parasitas – ou vermes – nemátodos afectam um terço da população mundial, sobretudo na África Subsariana, no Sul da Ásia e nas Américas Central e do Sul. Uma dessas doenças, particularmente incapacitante, é a oncocercose, também chamada “cegueira dos rios”, que provoca uma inflamação crónica da córnea e conduz a perda total da visão. Outra é a filaríase linfática, mais conhecida como elefantíase, que atinge mais de 100 milhões de pessoas e causa inchaços monstruosos e crónicos em diversas partes do corpo.
     
    Também a malária é uma doença parasitária, desta vez causada por parasitas unicelulares que são transmitidos aos seres humanos por mosquitos infectados. Os parasitas invadem os glóbulos vermelhos do sangue, causando febre e, nos casos mais graves, lesões cerebrais e morte. Mais de 3400 milhões de pessoas no mundo estão em risco de contrair a doença, que vitima 450.000 pessoas por ano, sobretudo crianças.
     
    Campbell e Omura descobriram uma nova substância, a avermectina – um derivado da qual, a ivermectina, permitiu reduzir drasticamente a incidência da cegueira dos rios e da elefantíase. “O tratamento tem tido tanto êxito que estas doenças estão à beira da erradicação, o que seria um feito maior da humanidade”, diz o comité do Nobel em comunicado.
     
    Pelo seu lado, Tu Youyou descobriu um outro medicamento, a artemisinina, que tem reduzido de forma substancial as taxas de mortalidade devidas à malária: mais de 20% na população geral e mais de 30% nas crianças, salienta o comunicado.
     
    “Estas duas descobertas deram à humanidade poderosas novas ferramentas para combater estas doenças incapacitantes, que afectam centenas de milhões de pessoas no mundo todos os anos”, lê-se no mesmo documento.
     
    A história das duas descobertas envolve bactérias que vivem enterradas no solo e plantas cujas propriedades terapêuticas estavam também elas “enterradas” em misteriosos e antigos compêndios de medicina tradicional chinesa. E põe assim em evidência o potencial dos compostos presentes na natureza para combater as doenças humanas.
     
    As pesquisas que conduziram ao desenvolvimento da ivermectina partiram de Satoshi Omura, microbiólogo de formação, cuja especialidade era isolar bactérias a partir de amostras de solo. Omura desenvolveu métodos totalmente inéditos para cultivar e estudar bactérias do género Streptomyces, que se sabia produzirem diversas substâncias com qualidades antibacterianas. E isolou uma série de novas estirpes, seleccionando 50 das mais promissoras em termos terapêuticos.
     
    Reza a lenda que Omura, grande adepto de golfe, terá descoberto essas novas estirpes no seu clube de golfe. Numa curta conversa telefónica esta-segunda feira com Adam Smith, da Fundação Nobel – e depois de ter “humildemente” (mas com alegria) aceitado o galardão e quase ter dito que não o merecia – Omura explicou, entre risos, que não foi no relvado do campo de golfe que descobriu aquelas bactérias, mas numa área de floresta que ladeava o terreno.
     
    Seja como for, Campbell adquiriu as culturas bacterianas de Omura e decidiu estudar mais a fundo a sua eficácia. Foi assim que mostrou que uma dessas culturas continha um componente “cuja eficácia contra parasitas dos animais domésticos e de criação era notável”, explica ainda o comunicado Nobel. A seguir, esse composto – a avermectina, que foi entretanto modificada e rebaptizada invermectina – foi testado em seres humanos, mostrando-se capaz de matar as larvas de uma série de parasitas nemátodos.
     
    Basta uma dose anual de ivermectina oral para proteger as pessoas da cegueira dos rios. E desde 1987 que o medicamento, comercializado pelos laboratórios Merck, é distribuído gratuitamente pelo fabricante no mundo inteiro.
     
    Compêndios antigos
    Entretanto, nos anos 1960, a malária costumava ser tratada com quinino, mas o sucesso desse medicamento estava em queda. Foi perante esta situação, relata o comunicado, que Tu Youyou decidiu virar-se para as plantas medicinais utilizadas na medicina tradicional chinesa. Fez um levantamento das ervas medicinais utilizadas para tratar animais infectados pelo parasita da malária e descobriu um composto que parecia interessante: um extracto de Artemisia annua, uma planta autóctone das regiões temperadas da Ásia.
     
    Só que a eficácia desse extracto não era clara. Isso levou a cientista a consultar antigos tratados de literatura médica chinesa. E foi aí que descobriu diversas pistas que lhe permitiram extrair o componente activo daquela planta medicinal, que mais tarde seria baptizado artemisinina. O composto deve a sua alta eficácia contra o parasita da malária, tanto nos animais infectados como nos seres humanos, por matar os parasitas numa fase precoce do seu desenvolvimento, salienta o comunicado. Em combinação com outras terapias anti-malária, é hoje utilizado no mundo inteiro.
     
    “O impacto global [destas] descobertas e o benefício resultante para a humanidade são incomensuráveis”, conclui o comité do Nobel.

    Nobel da Física de 2015 para cientistas que mostraram que os neutrinos têm massa

    Ana Gerschenfeld  - Jornal Público

    Os dois laureados deste ano lideraram duas gigantescas experiências de detecção de neutrinos – as partículas mais esquivas do Universo –, resolvendo um grande enigma da física e mostrando ao mesmo tempo que os neutrinos têm massa.
    O anúncio foi feito na manhã desta terça-feira
     
    Detector de neutrinos Super-Kamiokande, no Japão
    O Prémio Nobel da Física 2015 foi atribuído a dois físicos pela "descoberta das oscilações dos neutrinos, que mostra que os neutrinos possuem uma massa", anunciou esta terça-feira em Estocolmo a Real Academia das Ciências Sueca. Os premiados são o japonês Takaaki Kajita (n.1959), da Universidade de Tóquio (Japão); e o canadiano Arthur McDonald (n.1943), professor emérito da Queen’s University (Canadá).
     
    Os neutrinos estão por todo o lado. Milhões de milhões destas partículas atravessam o nosso corpo a cada segundo sem darmos por elas. De facto, os neutrinos interferem muito raramente com a matéria – e detectá-los é uma árdua tarefa.
     
    Os neutrinos podem ter diversas origens: alguns foram criados no Big Bang, outros surgem de cada vez que uma estrela morre numa grande explosão (ou supernova), outros ainda provêm da interacção das radiações cósmicas com a atmosfera terrestre, de reacções nas centrais nucleares ou de desintegrações radioactivas naturais, explica o comité do Nobel num documento que relata a história dos trabalhos premiados. Mas a maioria dos que chegam à Terra são criados nas reacções nucleares que decorrem no interior do Sol.
     
    Diga-se ainda que o chamado Modelo Padrão da física das partículas (que descreve, ao nível subatómico, o mundo que nos rodeia) estipula que há três tipos de neutrinos. São eles os neutrinos do electrão, os neutrinos do muão e os neutrinos do tau – e cada um tem, segundo essa teoria, uma partícula “parceira” com carga eléctrica (respectivamente, o electrão, o muão e o tau, sendo estas duas últimas mais pesadas que o electrão e com tempos de vida muito curtos).
     
    Cada um por seu lado, em pontos opostos do globo, os dois laureados deste ano lideraram, a partir de finais dos anos 1990, grandes equipas científicas internacionais encarregadas de uma missão que podia parecer quase impossível: detectar os neutrinos que chegavam à Terra para tentar explicar por que é que certas previsões teóricas acerca destas partículas elementares não batiam certo com as observações feitas até lá.
     
    Acontece que, quando os neutrinos foram descobertos, em meados dos anos 1950 (mais de 20 anos depois de a sua existência ter sido proposta), calculou-se quantas dessas partículas eram teoricamente criadas no centro do Sol. Mas a medição experimental revelou um número muito inferior ao da teoria: até dois terços dos neutrinos solares pareciam ter, por assim dizer, desaparecido sem deixar rasto.
     
    Para além da possibilidade de os cálculos teóricos estarem totalmente errados, houve então quem especulasse que os neutrinos não desapareciam, mas “mudavam de identidade” – passavam de um dos três tipos de neutrino para outro –, tornando-se indetectáveis pelos meios disponíveis. E se fosse possível provar que os neutrinos mudavam de tipo ao longo do seu percurso até nós, isso permitiria reconciliar a teoria e a experiência.
     
    Piscinas subterrâneas
    Foi preciso esperar quase até a viragem do milénio para entrarem em funcionamento dois super-detectores de neutrinos. Um deles, o Super-Kamiokande, é um tanque com 50.000 toneladas de água muito pura e 11.000 detectores de luz a toda a volta, construído a 1000 metros de profundidade numa antiga mina de zinco, a 250 quilómetros de Tóquio. O outro, o Observatório de Neutrinos de Sudbury (SNO), é um tanque com mil toneladas de água pesada (variante química da água) rodeado de 9.500 detectores e situado a 2000 metros de profundidade, numa antiga mina de níquel no Ontário (Canadá). Juntas, estas duas experiências permitiriam confirmar a mudança de identidade dos neutrinos, com implicações profundas para a física.
     
    Quando por acaso um neutrino colide com um núcleo atómico ou um electrão nestas grandes massas de água (o que acontece muito raramente), isso gera um clarão de luz azul que pode então ser detectado pelos milhares de “olhos” electrónicos que estão à espreita, dia e noite, em redor destas piscinas subterrâneas.
     
    As duas grandes experiências tinham objectivos diferentes. O do Super-Kamiokande era detectar neutrinos do electrão e neutrinos do muão vindos das interacções dos raios cósmicos com a atmosfera; o do SNO era detectar neutrinos vindos do Sol. E juntas, permitiram mostrar que os neutrinos mudavam efectivamente de tipo no seu percurso até aos detectores.
     
    No caso da experiência no Japão, que começou em 1996, os cientistas constataram que o número de neutrinos do muão detectados variava em função da direcção da qual provinham essas particulas. Mais precisamente, o número de neutrinos do muão detectados que vinha da atmosfera logo por cima da mina era duas vezes maior do que o número vindo do outro lado da Terra (correspondendo, no primeiro caso, a uma viagem de umas dezenas de quilómetros e no segundo, de quase 13.000 quilómetros).
     
    Como esta discrepância não se verificava com os neutrinos do electrão, uma conclusão impôs-se em 1998: os neutrinos do muão que “faltavam” ter-se-iam transformado em neutrinos do tau ao longo do seu percurso. Porém, como os neutrinos do tau não eram detectáveis nesta experiência, faltava “uma peça decisiva ao puzzle” para provar a transformação dos neutrinos, como refere o documento do comité do Nobel.
     
    Essa peça seria acrescentada pelo SNO, que entrou em funcionamento em Maio de 1999. O SNO permitia medir, por um lado, o número de neutrinos do electrão e por outro, o número total de neutrinos (incluindo o do tau). Só que, como o Sol apenas gera neutrinos do electrão e como o SNO tinha sido concebido para detectar especificamente os neutrinos solares, se os neutrinos solares não mudassem de tipo, as duas medições deviam chegar ao mesmo resultado. Não foi isso que aconteceu: ao fim de dois anos, os resultados do SNO mostravam que apenas um terço dos neutrinos do electrão expectáveis tinha sido apanhado pelos detectores; dois terços tinham desaparecido. Já não havia lugar para dúvidas: parte dos neutrinos do electrão tinha mudado de identidade entre o Sol e a Terra.
     
    O resultado trouxe consigo uma outra conclusão espectacular: que os neutrinos devem possuir uma massa, condição sine qua non para essa sua mudança de identidade ser possível. Já agora, a explicação deste “acto de magia” reside na física quântica, mas essa é outra história.
     
    Seja como for, acontece que o já referido Modelo Padrão estipula, pelo contrário, que os neutrinos não têm massa. Portanto, “estas experiências revelaram a primeira fissura aparente no Modelo Padrão”, que até lá tinha resistido “a todos os desafios experimentais”, explica ainda o documento. “Tornou-se assim evidente que o Modelo Padrão não pode ser uma teoria completa do funcionamento dos constituintes fundamentais do Universo.”
     
    O futuro? “Novas descobertas dos segredos bem guardados dos neutrinos irão certamente mudar a nossa compreensão da história, da estrutura e do destino do Universo”, conclui o comité do Nobel.