sexta-feira, 5 de agosto de 2016

A cada minuto sete mil beatas vão parar ao chão. Eles querem dar-lhes novos usos

Margarida David Cardoso
 
Miguel Faria pertence à associação Portugal sem Beatas e fundou a Green Smokers Alliance

Aveia só não chegava. Elas quiseram inventar um novo ingrediente


O projecto começou com a engenheira alimentar Isabel Franco (à direita) e cresceu com a microbióloga Joana Inácio e o gestor José Amorim de Sousa
O novo ingrediente alimentar chama-se Oatvita.
Ainda não tinha acabado a licenciatura na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto e Isabel Franco já fermentava em 2004 a ideia de, um dia, criar uma bebida de aveia simbiótica, com pré e probióticos. O mundo dá muitas voltas e o projecto ganhou parceiros e passou de uma bebida para um ingrediente. Agora, há uma empresa que entrou no mercado em Abril deste ano e que tem um “creme” composto à base de aveia fermentada que é solúvel e pode ser ajustado a várias aplicações, desde gelados a sobremesas, passando por iogurtes ou batidos. O novo ingrediente alimentar chama-se Oatvita.
 
“É um ingrediente alimentar funcional”, explica Isabel Franco, numa pequena sala de uma empresa em Alfena, nos arredores do Porto. Nas traseiras do edifício está uma “fábrica-piloto” e, para já, é ali que se testa e produz o Oatvita. É ali que a ciência se transforma em negócio.
 
Segundo explica a investigadora, este novo ingrediente soma os benefícios que estão associados à aveia – equilíbrio da flora intestinal por causa da fibra, por exemplo –, mas também os que vêm do processo de fabrico. O ingrediente e processo de fabrico, designadamente na parte da fermentação, estão patenteados em Portugal, Rússia, África do Sul, Austrália, China, Japão e México. Na Europa e nos Estados Unidos, a patente está em fase de concessão.
 
“Pegámos numa matéria-prima, que é a aveia, e acrescentámos valor. Estamos a fermentar o cereal com um processo que desenvolvemos e com isso tornámos os minerais biodisponíveis. Normalmente, os minerais estão lá mas não são absorvidos pelo nosso organismo”, explica Isabel Franco. “Por outro lado, esta fermentação permite também melhorar as propriedades sensórias e organolépticas das aplicações finais e, ao mesmo tempo, com os ácidos orgânicos produzidos durante este processo evitamos o uso de conservantes artificiais”, acrescenta a investigadora.
 
Neste momento, os probióticos são usados na fase de fermentação, durante a qual são introduzidas umas macrocápsulas com probióticos (produzidas no local) e que, no final dessa fase, são removidas. Todo o processo de fabrico é o resultado de investigação e é único. Os inovadores métodos usados também permitiram reduzir o tempo que normalmente é exigido para a fermentação e que ali se consegue fazer em menos de três horas.
 
Nas traseiras do armazém nos arredores do Porto está a pequena fábrica que responde às primeiras encomendas de clientes que querem provar e testar este novo ingrediente. Isabel Franco e Joana Inácio, a outra investigadora que faz parte desta aventura, mostram para que servem as máquinas que tratam a aveia, os grandes cilindros prateados, onde vai ficar o equipamento de UHT (ultrapasteurizarão), o pequeno laboratório onde se fabricam as cápsulas de probióticos e a cuba onde se fermenta a aveia. Tudo está parado, em silêncio. “Só produzimos quando temos uma encomenda para responder”, explica Joana Inácio, adiantando que tudo se faz com as seis pessoas que actualmente fazem parte da empresa.

Inovação em cremes e vinho

O ingrediente, garante, é adequado para pessoas que são intolerantes à lactose e ao glúten, contribui para uma sensação de saciedade e tem baixo teor calórico. Por outro lado, não tem qualquer tipo de aditivo artificial. “Todos os produtos resultantes do nosso processo de fermentação, nomeadamente os ácidos orgânicos, funcionam como conservantes naturais”, explica Isabel Franco, que destaca também o facto de este ingrediente poder ser usado como substituto de açúcar e gordura.
 
Porém, uma grande parte do potencial deste “creme” à base de aveia fermentada está nas mãos de quem o usar como ingrediente no seu produto. A verdade é que um cliente que use este ingrediente tem a liberdade de lhe juntar o que quiser, nomeadamente açúcar ou aditivos artificiais. “Não somos um edulcorante. Quando falamos em substituto de açúcar, falamos na capacidade que este ingrediente tem de mascarar a acidez de um produto. E quando falamos da gordura, está relacionado com o facto de este ingrediente ser um agente emulsionante muito bom.” Por exemplo? Uma maionese. “Temos um projecto a correr que é uma maionese free de gordura e explora esta propriedade emulsionante”, refere Isabel Franco.
 
Há outros projectos a correr. Um deles está previsto passar já a meta antes do final deste ano e consiste na introdução de microcápsulas de probióticos neste creme de aveia. “A entrada no mercado faz-se, para já, só como uma base de aveia fermentada. Ainda não temos os probióticos micro-encapsulados introduzidos, mas é um produto que estamos a fazer em laboratório e que pensamos que no final deste ano teremos o primeiro protótipo para apresentar aos clientes”, refere Isabel Franco.
 
Aliás, a ideia é criar aqui a possibilidade de introduzir outros princípios activos que podem “enriquecer” esta matéria-prima, tais como antioxidantes ou vitaminas. “Podemos juntar o que quisermos ou o que o nosso cliente necessitar”, diz. Estes serão os planos a curto médio prazo. Mas, se deixarmos a imaginação à solta, um dia este ingrediente poderá um dia estar num creme de beleza ou, por outro lado, a inovação feita no processo de fermentação e as tecnologias desenvolvidas poderá ser transporta para o mundo da enologia e ser servida num copo de vinho. “Já fizemos trabalhos e testes e vimos que resulta no vinho. Resulta em termos do tempo de fermentação, do risco de contaminação, do inóculo [suspensão de microorganismos de concentração adequada] da levedura do vinho ser muito mais controlado.”
 
Isabel Franco também acredita que no futuro o conhecimento adquirido pode invadir o território de outros cereais e leguminosas. O gérmen de trigo ou a linhaça são apenas alguns dos possíveis alvos.

O negócio

Desde 2004 até agora já passaram 12 anos, a ideia de Isabel Franco, engenheira alimentar, ganhou adeptos e, em 2006, Joana Inácio, microbióloga e que era então uma colega na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto, entrou a bordo. Poucos anos depois, surgiram também parceiros do mundo de negócios, como José Amorim de Sousa, da Porto Bussiness School, e o projecto transformou-se numa empresa, chamada 5ensesinfood. Antes, as investigadoras garantiram o apoio do programa COHiTEC da COTEC Portugal – Associação Empresarial para a Inovação, e o negócio arrancou com um investimento inicial de 1,4 milhões de euros, a que se somou um apoio do QREN, na categoria de inovação e empreendedorismo, de 640 mil euros.
 
O Oatvita entrou no mercado português em Abril, através de uma bebida de aveia, e em simultâneo, numa edição limitada de um batido de morango e aveia que está pronto mas que ainda não tem data marcada para a chegada às prateleiras do supermercado. Quer num caso quer noutro, será impossível o consumidor saber que este produto tem este ingrediente produzido e patenteado por portugueses, já que o rótulo não tem nenhuma referência à empresa ou ao nome Oatvita.
 
“As tendências de mercado em que este ingrediente se posiciona de uma forma natural são várias. Primeiro, a intolerância à lactose: há uma média da população mundial, que oscila entre os 70 e 75%, que será intolerante à lactose. No caso da insensibilidade ao glúten, será cerca de 1% da população. Há a questão do excesso de peso, que é um problema de saúde pública que está em crescimento, e a aveia tem baixas calorias e um efeito saciante e pode ser um bom ingrediente para trabalhar em receitas finais nesta área de alimentos saudáveis e saborosos como os gelados, iogurtes e sobremesas”, enumera José Amorim de Sousa, que espera dentro de quatro anos atingir a capacidade total de produção desta “fábrica-piloto” com quatro mil toneladas por ano e chegar a um volume de negócios de aproximadamente quatro milhões de euros.
 
O Oatvita tem 30 quilocalorias por 100 gramas e isso pode ter um impacto numa receita final de um produto. Um exemplo? “Neste momento estamos a preparar um primeiro ensaio industrial de um gelado light. Um gelado ou sorvete tradicional tem entre 130 e 200 quilocalorias. O objectivo é chegarmos a 86 quilocalorias”, refere José Amorim de Sousa. Por curiosidade, o sabor que será experimentado é de morango.

Portugueses descobrem proteínas que reparam células danificadas

5 Agosto 2016 // Nuno Noronha
Investigadores portugueses identificaram um grupo de proteínas que está na origem da reparação das células, em caso de dano motivado por uma doença como a tuberculose ou uma lesão muscular durante a prática de desporto.
 
"Quando o complexo [proteico] existe, a reparação do dano [na célula] ocorre naturalmente", frisou à Lusa uma das cientistas, Otília Vieira, do Centro de Estudos de Doenças Crónicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.
 
O dano é um 'furo' ou 'poro' causado na membrana da célula por um agente patogénico, como a bactéria da tuberculose. Sem este escudo de proteínas, formado a partir de uma proteína chamada Rab3a, a bactéria da tuberculose que não for tão virulenta, agressiva, e, portanto, não provocar uma infeção tão grave, estando esta mais controlada, torna-se virulenta, de acordo com a investigadora.
 
Nestas circunstâncias, a célula não consegue "tapar o furo", morre e a bactéria escapa-se e atinge células vizinhas, gerando uma "tuberculose fulminante", explica Otília Vieira.
 
Quando o complexo de proteínas está ativo, a célula infetada morre na mesma, mas consegue reparar o dano causado na sua membrana pela bactéria, evitando que esta se propague a outras células. Trata-se, segundo a cientista, de "um complexo importante para o posicionamento dos organelos", uma espécie de compartimentos da célula, que são "responsáveis por 'tapar' o 'poro' da membrana".
 
 
A investigadora esclareceu que os danos na membrana celular, e semelhante mecanismo de reparação, também ocorrem nas células do músculo-esquelético e do cérebro (neurónios).
 
Por isso, a equipa crê que a 'maquinaria' celular na origem da reparação de um dano numa célula, e agora identificada, pode dar pistas para possíveis estudos de novos tratamentos contra a tuberculose ou doenças crónicas.
 
Para o estudo em apreço, publicado na revista Journal of Cell Biology, os cientistas usaram culturas de células humanas, nomeadamente os macrófagos, especialistas na defesa do organismo contra microrganismos como as bactérias.
 
A investigação foi realizada pelo Centro de Estudos de Doenças Crónicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, em colaboração com a Universidade de Coimbra e a Harvard Medical School, nos Estados Unidos.