domingo, 23 de dezembro de 2012

Bloco oceânico pode desabar e provocar tsunami

Texto de Graciosa Silva - DN Ciência, 21/12/2012.
"Cientistas australianos identificaram junto à Grande Barreira de Coral um enorme bloco oceânico que poderá entrar em colapso e alertaram que se isso acontecer poderá provocar um tsunami devastador para o nordeste do país.

O bloco, de um quilómetro cúbico, conhecido como o bloco Noggin, é o remanescentes de um deslizamento de terra que ocorreu no fundo do mar e está atualmente pousado nos limites da plataforma continental, explicou a emissora ABC.
 
Robin Beaman, geólogo marinho da Universidade de James Cook disse à ABC que o bloco está numa primeira fase de desprendimento da Grande Barreira de Coral, muito embora o processo decorra ainda de forma lenta.
 
Mas, acrescentou, se o bloco se libertar rapidamente em consequência, por exemplo, de um terramoto, poderia provocar um tsunami com capacidade de numa hora atingir a costa leste da Austrália.
 
Esta catástrofe é pouco provável, "mas deve considerar-se que pode acontecer. Não se sabe que momento pode um bloco deste tipo entrar em colapso, só se pode dizer que eventualmente irá suceder", acrescentou o geólogo.

Libelinha tem 'atenção seletiva' tal como os humanos

Texto de Rute Martins, editado por Ricardo Simões Ferreira, 20 dezembro 2012.
"Cientistas australianos descobriram que as libelinhas têm a mesma 'atenção seletiva' encontrada nos humanos e noutros primatas, permitindo-lhes ultrapassar distrações e serem eficientes perdadores.
 
É o primeiro invertebrado com uma 'atenção seletiva', segundo os cientistas, o que lhes permite ser mais eficientes quando caçam as suas presas, nomeadamente pequenos insetos voadores.
Isto porque esta capacidade permite que a libelinha selecione apenas um alvo, mesmo que existam mais presas potenciais em seu redor. O cérebro do animal filtra as restantes presas e fconcentra-se apenas na vítima selecionada.
Segundo o Daily Mail, a técnica permite que a libelinha seja bem sucedida 97% das vezes.
Steven Wiederman da Universidade de Adelaide, na Austrália, ajudou a liderar a pesquisa e afirmou que a "atenção seletiva é fundamental na capacidade dos humanos selecionarem e responderem a um estímulo sensorial na presença de distrações".
A equipa de Wiederman identificou células nervosas no cérebro da libelinha, responsáveis por utilizar a atenção seletiva. Os últimos resultados científicos podem ser encontrados no Current Biology Journal.
Para David O'Carroll, co-autor e também da Universidade australiana, "o mais excitante é que esta é a primeira demonstração direta de algo semelhante à atenção seletiva nos humanos, demonstrada ao nível de um único neurónio num invertebrado".
O'Carroll adicionou ainda que a descoberta pode ser utilizada como modelo de visão robótica e pode interessar a neurocientistas e engenheiros."

O mais pequeno radar do mundo

Artigo publicado pelo jornal Público em 22/12/2012.
"Acabou de ser criado o mais pequeno radar do mundo. É do tamanho de uma unha e pode calcular a distância de um objecto até três metros de distância.
O radar representado pela equipa que o desenvolveu
Porque o tamanho às vezes importa, acabou de ser criado o mais pequeno radar do mundo. Mede oito por oito milímetros, mais ou menos o tamanho de uma unha, é capaz de calcular a distância de um objecto até três metros de distância e tem um custo de produção quase tão pequeno como ele. Se for fabricado em larga escala, cada um destes radares poderá custar aproximadamente um euro.
As possíveis aplicações para este pequeno sistema de radar, compactado num “chip” de silício, são mais do que muitas. Para além de poder ser usado para determinar distâncias até três metros, com um erro de menos de um milímetro, ou detectar objectos em movimento e calcular a sua velocidade, o mini-radar poderá ainda ser utilizado nos automóveis, no controlo dos sistemas automáticos das portas, nos telemóveis e até pela indústria da robótica.

Financiado pela Comissão Europeia (CE), o projecto de desenvolvimento do radar teve um orçamento de três milhões de euros e foi coordenado por Christoph Scheytt, do instituto IHP de Frankfurt, na Alemanha. Mas o trabalho não se ficou pela Alemanha. O desenvolvimento e a construção do radar resultaram de uma parceria de nove instituições académicas e industriais da Europa e do Canadá.

“Tanto quanto sei, este sistema de radar completo é o mais pequeno do mundo”, diz Christoph Scheytt, num comunicado da CE. O radar funciona em frequências acima dos 100 GHz e há outros assim: “Mas este tem o mais alto nível de integração alguma vez feito em silício.”

Pelo facto de ser tão pequeno, o radar trouxe alguns problemas aos cientistas. Um deles foi a antena, que devia ser pequena e fina, o que nem sempre é possível, dependendo da frequência que se pretende. “Em áreas tão pequenas, o tamanho importa e muito”, diz Christoph Scheytt. “A maior motivação para usarmos altas frequências em vez das baixas é que estas permitem que as antenas sejam mais pequenas.”

Agora que o aparelho está pronto a funcionar, o lado comercial do projecto está em desenvolvimento. Por exemplo, a Bosh da Alemanha, um dos parceiros do projecto, é uma das empresas que já estão a testar a forma de incorporar o radar nos seus processos industriais."

E se a mão humana também tiver evoluído para bater?

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 22/12/2012.
"Uma equipa de investigadores foi estudar a anatomia do punho e a sua funcionalidade no combate para tentar responder a questão.
A mão dos chimapanzés não consegue fazer um punho
Quando chega a altura de lutar, os primatas como os chimpanzés costumam abrir a mão para bater. O homem cerra os dedos e a sua derradeira ferramenta de destreza que utiliza no dia-a-dia transforma-se numa arma. Uma equipa de investigadores foi estudar a anatomia do punho e a sua funcionalidade no combate para tentar responder a uma questão: Será que a mão também evoluiu para bater? A resposta parece ser afirmativa, defendem os cientistas que publicaram os resultados agora na revista Journal of Experimental Biology.
 
"O papel que a agressão teve durante a nossa evolução não foi suficientemente tido em conta”, diz David Carrier da Universidade de Utah, Estados Unidos, líder do estudo. “Há pessoas que não gostam desta ideia, mas é evidente que os grandes símios são um grupo relativamente agressivo, quando comparados com outros mamíferos, com imensas lutas e violência, e isso inclui-nos”, sugere, num comunicado. “Somos os filhos pródigos em relação à violência.”
 
Para compreender melhor esta questão, os cientistas foram analisar a força de um soco e a anatomia da mão. Pediram a dez homens, com idades entre os 22 e os 50 anos e com experiência em artes marciais, para darem socos com o punho fechado e baterem com a mão aberta num saco de boxe.
 
O saco media a força da estalada e do soco. Os cientistas descobriram que a força máxima exercida pelos dois métodos era semelhante. No entanto, a área que o soco exerce a força é um terço da área de uma chapada com a palma aberta. Por isso a força exercida durante um soco naquela área era entre 1,7 e três vezes maior em relação à chapada. “Como há uma pressão maior quando se bate com o punho, é provável que se cause um dano maior” nos tecidos, nos ossos, nos olhos ou nos dentes, explica Carrier.
 
As experiências seguintes avaliaram a anatomia do punho. Um chimpanzé tem um polegar mais curto do que o homem e os outros quatro dedos são mais compridos do que os nossos. Quando tenta fechar a sua mão, como os humanos fazem, o chimpanzé fica com a mão numa forma de donut. Nos humanos, o punho é uma estrutura muito compacta, em que o polegar dá suporte ao indicador e ao dedo do meio.
 
Os cientistas tentaram avaliar se esta forma, com o apoio do polegar, protegia o resto da mão quando dava socos. A experiência mediu a rigidez dos nós dos dedos, quando a força é transferida dos dedos para o polegar. Para isso, pediram a outros dez homens para darem socos com o punho completamente fechado e com o punho sem o apoio do polegar. Os resultados mostraram que quando o polegar apoia os dedos, a rigidez dos nós dos dedos quadruplica e a força transmitida pelos durante o soco duplica.
 
Os autores defendem que a mão poderia ter evoluído para formas diferentes e que algumas estariam adaptadas só para o manusear e outras formas funcionariam bem só para lutar. “No entanto, é possível que só haja uma proporção esquelética correcta que permita as duas funções”, escrevem no artigo.
 
E notam aqui um paradoxo: “[A mão] é indiscutivelmente a nossa arma anatómica mais importante, usada para ameaçar, bater e em algumas situações matar para resolver um conflito. No entanto, é também a parte do nosso sistema muscular e esquelético que produz e utiliza utensílios delicados, toca instrumentos musicais, produz arte, transmite intenções e emoções complexas, e nutre. Em última análise, o significado evolutivo da mão humana talvez se deva à sua capacidade impressionante de cumprir duas funções aparentemente incompatíveis, mas intrinsecamente humanas.”
 
Para Carrier, olhar para uma evolução humana adaptada à agressão e à violência é, ainda, um tabu. “Há muita resistência para pensar que, a certos níveis, os humanos são por natureza animais violentos. Acho que seria melhor se encarássemos esta ideia de que temos emoções fortes e que, algumas vezes, elas levam-nos a comportamentos violentos. Se tivermos isto em conta somos capazes de prevenir melhor a violência no futuro”, defende, citado pela BBC News."

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

E 136 anos depois, o mapa-múndi das espécies animais foi actualizado

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 21/12/2012.
"O mapa utilizado até aqui para estudar a biodiversidade dos vertebrados à face da Terra datava de 1876. Desde ontem, há um novo mapa, que integra a árvore genética das espécies.
O mapa moderno dos vertebrados
Uma equipa internacional de investigadores, entre os quais um especialista português de biodiversidade, combinou os dados evolutivos e geográficos - coligidos ao longo de 20 anos sobre 21.037 espécies de vertebrados - e produziu um mapa "moderno" da distribuição geográfica de todos os mamíferos não-marinhos, dos anfíbios e das aves actualmente conhecidos.
 
O novo mapa, apresentado ontem ao fim da tarde na edição online da revista Science, actualiza e "corrige" o mapa utilizado até aqui pelos especialistas como base para os estudos da biodiversidade animal no nosso planeta. Um mapa que data de... 1876 e cujo autor foi o naturalista britânico Alfred Russel Wallace, co-descobridor, independentemente de Charles Darwin, da teoria da selecção natural das espécies.
 
Os autores da actualização confirmaram agora, no novo mapa, que existem muitas semelhanças com o mapa do século XIX. Mas, graças à massa de informação genética hoje disponível, revelaram também diferenças que podem ser essenciais para a concepção de futuros programas de conservação das espécies.
 
"Wallace era um naturalista extraordinário", disse ao PÚBLICO Miguel Araújo, professor da cátedra de Biodiversidade Rui Nabeiro do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) na Universidade de Évora - e co-autor do trabalho. "Viajou pelo mundo inteiro e verificou que, em cada região, existiam espécies diferentes, de aspecto diferente."
 
Porém, Wallace apenas dispunha de informação sobre um número limitado de espécies, na maioria mamíferos, que tinha visto no terreno durante as suas viagens ou cuja existência conhecia através de amigos e colegas. Ora, essa situação é hoje radicalmente diferente: "Nos últimos anos, tem-se estado a reconstruir os mapas biogeográficos dos mamíferos, dos anfíbios e das aves", explica Miguel Araújo. "Toda esta informação [sobre a distribuição das espécies] é muito recente."
 
E por outro lado, Wallace também "não tinha a árvore da vida, embora ela já estivesse, de forma qualitativa, por trás da sua classificação", salienta o cientista. "Nós tivemos agora em conta as filogenias todas", incluindo uma nova árvore genética das aves, que a equipa publica online juntamente com o seu artigo.
 
Os reinos e a linha de Wallace
Com base nas suas observações, Wallace, considerado o "pai" da biogeografia, tinha dividido o mundo em seis grandes "reinos". O novo mapa vem acrescentar cinco novos reinos, que podem ainda ser subdivididos em 20 regiões mais pequenas. "Os reinos fornecem uma informação muito prática, muito clara, da origem evolutiva comum das espécies", diz ainda Miguel Araújo. Porém, conforme o tipo de aplicação, pode ser precisa a distribuição mais fina em regiões.
 
Novidades? "Wallace pensava que Madagáscar estava ligada à África", refere o cientista, "mas segundo nós é um reino perfeitamente independente". E mais: "A origem evolutiva de Madagáscar é mais próxima da Índia do que da África." O resultado bate certo com o que se sabe da tectónica das placas: Madagáscar separou-se da Índia e não de África.
 
Outra diferença em relação ao velho mapa é o facto de o Norte de África unir-se agora num único reino com a Península Arábica (num conjunto designado reino saro-arábico), quando até aqui estava incluído no reino paleárctico, que engloba a Eurásia. Também foi possível distinguir, a sul do paleárctico, um reino sino-japonês. E quanto à Nova Zelândia, passou a pertencer ao mesmo reino que a Austrália, o que não era o caso até aqui. Ao mesmo tempo, o reino australiano original ficou partido em dois: australiano e oceânico (este último incluindo a Nova Guiné e as ilhas do Pacífico).
 
"Madagáscar é um caso especial", explica ainda o cientista. "Se tivéssemos de atribuir medalhas, a de ouro iria para a Austrália, que é a região mais individualizada do planeta e a que tem a fauna mais diferente; a de prata iria para Madagáscar e a de bronze para a América Latina, que permaneceu muito isolada e longe dos grandes fluxos de migração."
 
As novas características biogeográficas agora reveladas deverão ter implicações importantes ao nível dos programas de conservação das espécies. "Se Madagáscar estivesse ligada à África, a sua prioridade em termos de conservação seria menor", exemplifica Miguel Araújo. Mas com uma fauna única no mundo, trata-se de algo "mais universal" e a sua prioridade no panorama da biodiversidade passa logo para outro patamar.
 
Uma outra questão que o novo mapa poderá agora vir resolver diz respeito àquilo que hoje é conhecido como "linha de Wallace" - um obstáculo à dispersão das espécies animais que, segundo teorizou aquele naturalista, marcaria uma separação entre as faunas do seu reino oriental (que inclui o subcontinente indiano e o Sudeste asiático) e o da Austrália. Wallace colocara essa fronteira natural no estreito de Macáçar, entre Bornéu e a ilha indonésia de Celebes. "Tem havido um grande debate sobre onde passa a linha", diz Miguel Araújo, acrescentando terem agora confirmado que está essencialmente muito perto da localização atribuída por Wallace.
 
Será que os especialistas de biodiversidade vão já passar a utilizar o novo mapa? Para Miguel Araújo, não há dúvidas de que, a partir de agora, "o mapa de Wallace está desactualizado". O novo mapa será, entretanto, colocado à disposição da comunidade internacional, em particular através do Google Earth."

Algarve recria "arca de Noé" das árvores de fruto

Texto de Idálio Revez publicado pelo jornal Público em 16/12/2012.
"Direcção regional de Agricultura desenvolve projecto que revela cheiros e sabores da fruta de outros tempos.
Já foram identificadas 86 variedades de amendoeiras
Cabrita Vieira é o que se pode chamar um agricultor que "sabe da poda". No meio do campo, a enxertar, move-se como um cirurgião no bloco operatório. "A ferramenta (faca de dois cortes paralelos) fui eu que a fiz", afirma. Da operação resultam alfarrobeiras que, ao fim de três ou quatro anos, dão fruto.
 
O agricultor/viveirista é um dos elementos que estão a colaborar com a direcção regional de Agricultura para criar uma espécie de "arca de Noé" do Algarve - um campo experimental onde se recolhem as espécies tradicionais, em vias de extinção, procurando assegurar a sua manutenção futura. Só no que respeita a figueiras, já foram contabilizadas 92 variedades. Amendoeiras foram 86 e alfarrobeiras 41.
 
A recolha e a selecção, desenvolvidas por uma equipa de sete agrónomos, começaram há cerca de um ano, prevendo-se que o programa termine em 2015. Um trabalho "notável" é como o agricultor António Neto o classifica, a pensar na preservação e multiplicação das centenas de espécies que estavam em risco de se perderem.
 
De uma ponta à outra da região, os engenheiros agrónomos do Ministério da Agricultua procuram encontrar árvores que sirvam de amostra. João Costa, um dos membros da equipa, fala com entusiasmo do "fascínio" de um projecto que tem por objectivo contribuir para "deixar para as gerações futuras um património vegetal, criado e aperfeiçoado ao longo dos séculos".
 
Os pêros de Monchique
A analogia com a "arca de Noé" é incontornável. "Os pêros (maçãs pequenas) de Monchique, durante a Feira de Faro, perfumavam as ruas da cidade", recorda. Esta e outras raridades, salienta, "estão a ser recuperadas, destacando-se da massificação da fruta que chega de todo mundo, sem cheiro nem sabor".
 
O Centro de Experimentação Agrária de Tavira, com a área de 36 hectares, junta a experiência à investigação científica. No mesmo sentido, na Universidade do Algarve, Anabela Romano dirige uma equipa que desenvolve, ao nível biotecnológico, um trabalho sobre a propagação vegetativa in vitro. "Nem todos os enxertadores têm a mesma precisão na mão", nota. Por isso é necessário criar um método que garanta a "uniformidade genética" das variedades tradicionais.
 
O que aconteceu desde há décadas com a flora algarvia não é diferente do que se passou um pouco por todo o país - campos desertos e árvores abandonadas. Mas há agora um novo olhar para uma região que "plantou" à beira-mar vivendas e apartamentos, onde dantes existiam alfarrobeiras, figueiras e amendoeiras.
 
Numa zona perto do Algoz (Armação de Pêra), Cabrita Vieira dedica-se ao cultivo das alfarrobeiras depois de ter trabalhado em citrinos durante décadas. De resto, é a ele que os engenheiros da direcção regional recorrem para fazer os enxertos desta espécie. "Aliás, até já fui a Marrocos, num programa de cooperação entre os ministérios da Agricultura dos dois países, ensinar a enxertar", acrescenta. Próximo de Albufeira, António Neto observa as figueiras e amendoeiras, em fase de hibernação, sublinhando os gestos das mãos com palavras de lamento. "Portugal importa figo da Turquia, e nós temos aqui fruta tão boa", observa. Virando-se para Norte, aponta para a montanha pedregosa e comenta: "Plantaram-se pomares de citrinos, com subsídios, e o pomar de sequeiro, em terrenos de boa qualidade, ficou abandonado".
 
Junto de uma amendoeira, aparentemente igual a tantas outras, descreve as características da árvore. "Foi ela a mãe que deu uma das variedades que estão em Tavira, a ser estudadas", gaba-se.
 
As variedades, explica João Costa, "costumavam receber o nome da localidade ou do agricultor que as descobriu". Esta, por exemplo, passou a ser conhecida como a variedade "Paderne". E assim, de enxerto em enxerto (ou estacaria, no caso da figueira), reconstrói-se o património genético de uma região que, mercê do clima, passou também a produzir frutas tropicais, deixando esquecidas as romãzeiras, nespereiras e figueiras.
 
Alfarrobas no Alentejo
O agrónomo salienta, no entanto, que as coisas estão a mudar. "Temos uma nova geração de agricultores, virados para as culturas tradicionais, e há novos pomares muito interessantes." Cabrita Vieira, por seu lado, acrescenta que a procura de alfarrobeiras, que antigamente se concentrava no Algarve, chega agora também do Alentejo. Ao todo, afirma, já vendeu cerca de 15 mil para Mértola, Vidigueira, Aljustrel.
 
A variedade que recomenda, de entre as quatro dezenas que tem no viveiro, é a "cavi" [Cabrita Vieira], uma espécie que diz ter resultado de "mais de cinco" experiências que fez. Sobre as suas características, diz ser "equilibrada no tamanho e proporção do número de sementes". Apesar das múltiplas aplicações do fruto - os alemães, por exemplo, fazem um sucedâneo de cacau a partir da polpa -, a mais frequente em Portugal consiste na sua utilização no fabrico de rações para animais."

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Carvão vai ser tão usado como o petróleo em 2017

Texto de Ricardo Garcia publicado pelo jornal Público em 18/12/2012.
Agência Internacional de Energia diz que consumo continuará a subir, sobretudo na China e na Índia, no meio de uma profunda transformação no mercado energético.
 
O carvão – o mais poluente dos combustíveis fósseis – vai praticamente igualar o petróleo como a principal fonte mundial de energia dentro de cinco anos.
China é o maior consumidor e importador mundial de carvão
De acordo com um relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), o consumo de carvão, que cresceu 4,3% entre 2010 e 2011, continuará a subir a um ritmo de 2,6% ao ano até 2017. O aumento virá sobretudo dos países em desenvolvimento – especialmente da China e da Índia. E mesmo que se preveja uma queda nos países em desenvolvimento, o saldo positivo porá o carvão lado a lado com o petróleo como fonte energética de eleição.

O cenário de médio prazo da AIE para o carvão traça um mercado em profunda mudança. Os Estados Unidos precisam cada vez menos de carvão, devido à exploração crescente de gás de xisto – uma forma não-convencional de gás natural, que está a revolucionar o panorama energético norte-americano. Enquanto o gás substitui o carvão nos EUA, na Europa a tendência está a ser contrária – com a importação dos excedentes norte-americanos a preços que caíram cerca de 35% entre 2011 e 2012.

Ainda assim, o aumento do consumo previsto na Europa é pequeno – 0,4% por ano até 2017 – e nos países da OCDE em geral, o que se antecipa é uma queda de 0,7% por ano.

Do outro lado do mundo, o carvão continua a ser o motor energético do crescimento das economias emergentes. A China já ultrapassou o Japão como o maior importador mundial de carvão. Em 2014, mais da metade do carvão consumido no mundo estará a ser utilizada nas centrais térmicas e fábricas chinesas.

Na Índia também se prevê um crescimento acelerado, com o país a ultrapassar os Estados Unidos com segundo maior consumidor de carvão dentro de cinco anos.

Na prática, até 2017 estarão a ser queimadas 1200 milhões de toneladas a mais de carvão por ano em todo o mundo, em comparação com os dias de hoje. Em cerca de uma década, segundo a AIE, o carvão já será a principal fonte mundial de energia – a despeito dos seus potenciais danos ambientais, em especial as emissões de CO2.

Dois travões ao carvão não estão neste momento a funcionar. O mercado de carbono está em baixo – em especial, o Comércio Europeu de Licenças de Emissão, com preços do CO2 que desestimulam esforços para a redução das emissões. E o uso da tecnologia de captura e sequestro de carbono, que permitiria recolher o CO2 nas chaminés e enterrá-lo no subsolo, não está a avançar.

Sem isso, segundo a AIE, apenas a competição pelo preço – como está a acontecer nos Estados Unidos – pode limitar o uso do carvão, em favor de outras fontes de energia menos poluentes, como o gás natural ou outras alternativas. “A Europa, a China e outras regiões deveriam tomar nota disto”, diz a directora executiva da AIE, Maria van der Hoeven, num comunicado.

O mundo vai acabar, mas não será a 21 de Dezembro de 2012

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 20/12/2012.
"Impactos de meteoritos, actividade solar alta, a colisão de um planeta-fantasma ou uma mega-erupção. A pseudociência está a dar gás a uma falsa profecia maia e o medo das pessoas é alimentado pela falta de cultura científica, dizem os astrónomos.
Já se tentou prever o fim do mundo centenas de vezes
Chegará o dia em que o Sol vai inchar e transformar-se numa gigante vermelha. Quando isso acontecer, daqui a mais de cinco mil milhões de anos, Mercúrio será engolido, depois Vénus e finalmente a Terra. Mas a vida já terá desaparecido do nosso planeta. A evolução natural de estrelas como o Sol é brilhar cada vez mais. E dentro de mil milhões de anos a temperatura à superfície da Terra será demasiado alta para haver água no estado líquido. Esta não é assim uma preocupação imediata, mas muitas pessoas pensam que o fim do mundo está iminente. Uma falsa profecia maia fantasia que esse dia será já esta sexta-feira – 21 de Dezembro de 2012.
"Esta ideia do fim do mundo começou a transparecer no ano passado, através de informações pedidas ao Observatório de Astronomia de Lisboa", lembra ao PÚBLICO Rui Agostinho, director do observatório, astrónomo e professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. "Havia perguntas sobre se o mundo ia mesmo acabar. Havia outras pessoas que nos enviavam textos e mostravam estar muito preocupadas com o fim do mundo."

Segundo Rui Agostinho, estas preocupações provinham de uma minoria de pessoas. Mas o astrónomo acrescenta que nas escolas houve também professores que contaram que alguns alunos partilharam as mesmas inquietações. Este medo tão inusitado e revelador de tanto desconhecimento fez com que o observatório organizasse palestras que agregou no ciclo Sessão Apocalíptica.

Amanhã às 21h30 será dada a palestra final: Maias 2012: O fim dos tempos? A palestra já tem as reservas esgotadas, mas quem quiser pode vê-la em directo na Internet, através do site do observatório. O orador será o próprio Rui Agostinho, que irá desmontar esta fantasia que cresceu e se transformou numa mistura de má narrativa histórica, pseudociência e muita superstição. Acabou, porém, por fomentar muitos medos.

O anúncio do fim do mundo é quase tão velho como a humanidade. Houve centenas de previsões ao longo dos séculos, muitas em tempos terríveis, como durante a epidemia da peste negra na Idade Média, na Europa. O século XXI não mudou de registo. Um deles foi o suposto buraco negro que o LHC (o grande acelerador de partículas do Laboratório Europeu de Partículas, ou CERN) iria desencadear, quando começasse a trabalhar em 2008.

A humanidade já esteve para desaparecer muitas vezes, segundo as profecias. A próxima é sempre a derradeira, pelo menos até esse momento ficar para trás.

"O mundo é muitas vezes visto como um sítio terrível, cheio de opressões, injustiças e com a ameaça da morte", disse Lorenzo DiTommaso, um investigador e especialista em catastrofismo. "A visão apocalíptica dá uma resposta poderosa: o mundo é tão mau que não pode ser restaurado. Por isso é varrido."

DiTommaso, que pertence ao Departamento de Teologia da Universidade de Concordia, no Quebeque, Canadá, defende que religiões como o judaísmo, o cristianismo ou o islão profetizaram o apocalipse. Essa tradição escapista, de vingança contra o mal e de um bem redentor após o fim de tudo, continua bem viva.

"Mais e mais pessoas olham para o mundo através de uma visão apocalíptica. Uma das razões é que as coisas parecem irreparavelmente estragadas: o ambiente, a economia, o sistema político. No seu âmago, é uma resposta simples para problemas complexos. E é uma resposta adolescente, já que coloca no exterior de nós as responsabilidades da resolução dos problemas."

Na profecia de amanhã, a única culpa dos maias é terem inventado um calendário que funciona como o contador de quilómetros dos carros, que, quando chega ao fim, volta ao início. Os maias foram uma das mais importantes civilizações da América Central. Esta civilização tinha várias formas de contar o tempo, para determinar a sementeira e colheita do milho, para assinalar o ano solar e outra para longos períodos de tempo. Este último calendário assinalava os dias utilizando um contador com cinco casas, num sistema não decimal e que ia até aos 8000 anos. Depois, o contador seria obrigado a voltar ao início.

Segundo a profecia, o fim da contagem no calendário – e do mundo – seria no dia 21. Os arqueólogos pensam que esta contagem terá começado a 5 de Setembro de 3114 a.C. – basta fazer as contas para perceber que entre as datas só passaram 5126 anos. Outros argumentam que os maias falavam numa renovação do mundo a cada 5200 anos, em que um incêndio de enormes proporções e depois chuvas intensas iriam dizimar o mundo inteiro. E a humanidade recomeçaria a partir do zero.

A previsão apocalíptica começou a ganhar forma na década de 1960. Actualmente, tem recebido força com a ajuda de justificações pseudocientíficas: esta sexta-feira o fim do mundo será causado por tempestades solares fortíssimas, devido ao pico da actividade do Sol, apesar de os astrónomos dizerem que nada se passa de anormal; outros dizem que um asteróide ou um planeta-fantasma vai colidir com a Terra, mas que ninguém ainda observou no céu.

Outras hipóteses: inundações planetárias, megavulcanismo, sismos, alinhamento galáctico, uma alteração da energia do Universo.

"A apropriação dos termos da ciência é fundamental para dar credibilidade à ideia", desmistifica Rui Agostinho. "Se alguém dissesse que a grande banana cósmica vai afectar o planeta, ninguém acreditaria." Um dos grandes problemas é a falta de literacia científica para desconstruir estas ideias e questionar racionalmente estes argumentos pseudocientíficos. "A ciência é uma linguagem críptica, é preciso aprendê-la e não é fácil", sublinha o astrónomo, que na palestra irá rebater, uma por uma, todas as causas "científicas" do fim do mundo.

José Augusto Matos, astrónomo da Universidade de Aveiro, já deu uma conferência sobre este fim do mundo. "Referi que estas profecias não podem ser levadas a sério. O futuro não está escrito em lado nenhum. Não há nenhum pensador ou astrólogo que possa dizer que vai acontecer uma dada coisa." Para José Augusto Matos, "estas ideias acabam por ter algum sucesso devido à ignorância das pessoas, há muita falta de cultura científica".

Mas uma coisa será certa: o fim da Terra irá irremediavelmente acontecer. Se até lá nada de cataclísmico ocorrer, o destino do nosso planeta estará intimamente ligado com a morte do Sol, daqui a muitos milhões de anos. Talvez nessa altura isso não seja um problema para a humanidade, que poderá já ter colonizado outro planeta e nem se lembrar que um dia existiu a Terra."

Sequenciado o genoma de uma única célula

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 20/12/2012.
"Detectar as diferenças genéticas entre duas células individuais tem aplicações que vão do estudo do cancro às ciências forenses, passando pela evolução.
Sequenciar o ADN a partir de uma única cópia desta molécula é agora possível
Cada uma das nossas células contém apenas uns milionésimos de milionésimos de gramas de ADN, uma quantidade tão diminuta que não parece possível extrair daí qualquer informação genética sem arriscar contaminações externas ou falsos resultados. E no entanto, graças a uma nova técnica de amplificação do ADN, uma equipa de investigadores norte-americanos e chineses conseguiu agora sequenciar sem erros o genoma de uma única célula.
 
Mais: foi possível detectar diferenças genéticas muito subtis – tais como mutações pontuais – entre diversas células de um mesmo tumor canceroso, bem como entre espermatozóides provenientes do mesmo homem. Os resultados são publicados esta sexta-feira em dois artigos na revista Science.
 
Foi a equipa de Chengang Zong, na Universidade de Harvard (EUA), que desenvolveu a nova técnica, designada MALBAC (acrónimo de multiple annealing and looping based amplification cycles). Até aqui, os métodos utilizados para obter, para fins de sequenciação, muitas cópias (o termo técnico é “amplificar”) de uma amostra de material genético – recolhido, por exemplo, na cena de um crime – amplificavam desigualmente as diversas regiões da molécula de ADN. Portanto, quando a amostra inicial de material biológico era demasiado pequena, não permitiam sequenciar a totalidade do genoma (por não conseguirem gerar um número de cópias suficientes de aquelas regiões mais "renitentes"). A nova técnica contorna esta limitação, escrevem os cientistas, e permite amplificar uniformemente 93% do genoma.
 
A equipa também pôs o seu método à prova. Para isso, amplificaram e sequenciaram, separadamente, o ADN de três células do mesmo cancro e mostraram que conseguiam detectar não apenas mutações pontuais, como também variações no número de repetições de certos segmentos genéticos, específicas de cada uma dessas células.
 
No segundo artigo, a mesma equipa, em colaboração com investigadores da Universidade de Pequim, na China, também sequenciou os genomas de 99 espermatozóides do mesmo indivíduo, tendo conseguido detectar diferenças entre eles decorrentes das recombinações genéticas que ocorrem durante a meiose. A meiose, que é a forma de divisão celular que leva à formação dos espermatozóides, constitui uma fonte de diversidade genética na descendência de cada um de nós.
 
As potenciais aplicações da técnica vão da medicina ao estudo da evolução e dos testes de diagnóstico pré-natal até à análise genética de amostras forenses, lê-se ainda nos artigos da Science. Mais geralmente, como as variações que se verificam no ADN entre células descendentes de uma mesma célula “são as forças motoras de processos biológicos como a evolução ou a cancerização”, o facto de estas variações se tornarem detectáveis abre a porta, entre outros, a estudos “da instabilidade do genoma e da infertilidade masculina”."

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

As sondas gémeas chocaram (como previsto) contra uma montanha da Lua

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 18/12/2012.
"Cumprida a missão de mapeamento gravitacional da Lua, as sondas Ebb e Flow da NASA auto-destruíram-se.
O último voo das sondas acabou no fim da trajectória assinalada nesta imagem
Tudo correu como previsto. Às 22h38 da noite desta segunda-feira (hora de Lisboa), a poucos segundos de intervalo uma da outra, duas sondas lunares gémeas da agência espacial norte-americana NASA embateram numa montanha, perto do pólo norte da Lua, à uma velocidade de 6000 quilómetros por hora.
 
As sondas, baptizadas Ebb e Flow, integravam a missão GRAIL (Gravity Recovery and Interior Laboratory) e tinham sido lançadas em Setembro de 2011 pela NASA. Estavam, desde Janeiro deste ano, a realizar o mapeamento mais preciso de sempre do campo gravitacional de um objecto celeste. E, como foi anunciado na semana passada, produziram o mapa mais detalhado de sempre da crosta lunar, revelando algumas particularidades surpreendentes do interior do nosso satélite natural.
 
Os dados recolhidos pelas sondas ainda estão a ser analisados e prometem imagens mais finas nos próximos meses. O estudo da estrutura interna da Lua deverá permitir perceber melhor a formação e a evolução dos planetas rochosos do sistema solar, como a Terra ou Marte.
 
As sondas, que se encontravam inicialmente em órbita a 55 quilómetros de altitude, tinham descido para os 22 quilómetros no fim do Verão. E, na passada sexta-feira, começaram a aproximar-se cada vez mais da superfície, numa autêntica missão-suicida programada.
 
A razão para estas manobras radicais é simples: “A NASA queria descartar qualquer hipótese de as nossas gémeas acabarem por se estatelar perto do locais históricos da exploração lunar, como os locais de aterragem das missões Apolo ou das sondas russas Luna”, disse em comunicado David Lehman, principal responsável pela missão GRAIL.
 
As sondas iriam forçosamente cair na Lua devido à baixa altitude e ao baixo nível de combustível. Mas antes da manobra – que consistiu, nas últimas horas da operação, em accionar os motores para as colocar na posição certa –, elas tinham, segundo os cálculos efectuados, “sete chances num milhão de cair [num desses locais]”. A seguir à operação, “essa probabilidade caiu para zero”, salienta o mesmo responsável.
 
A NASA anunciou que o local da colisão foi baptizado "Sítio de Impacto Sally K. Ride", em homenagem à primeira mulher astronauta norte-americana, que também integrava a equipa da missão GRAIL e que morreu no passado mês de Julho."

Identificadas barreiras misteriosas à viagem das lapas pelo mar

Texto de Nicolau ferreira publicado pelo jornal Público em 18/12/2012.
"Do oceano Atlântico até ao mar Mediterrâneo, as populações de lapas têm diferenças genéticas que revelam a existência de barreiras invisíveis à sua migração. Conclusões de uma equipa de cientistas portugueses
As lapas ficam agarradas às rochas na fase adulta, mas quando são larvas viajam durante semanas no mar, ao sabor das correntes
Há uma falsa ideia quando se pensa na imobilidade das lapas. Estes gastrópodes, uma iguaria em Portugal, raspam algas microscópicas nas rochas e movem-se apenas alguns metros durante a vida para se alimentarem. Mas nas primeiras semanas de vida são larvas e estão à deriva no mar. Até se agarrarem às rochas, são levadas pelas correntes. Por isso, são um bom objecto de estudo para compreender como as espécies marinhas se propagam. Uma equipa da Universidade do Porto estudou as características genéticas de populações de duas espécies de lapas na costa ibérica e na costa mediterrânica, até Itália. Resultado: há três barreiras de natureza misteriosa que estão a impedir a troca de genes entre as populações.
 
AAs lapas estudadas pela equipa do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio) da Universidade do Porto foram a Patella rustica e a Patella ulyssiponensis. Estes gastrópodes lançam grandes quantidades de espermatozóides e óvulos no mar e deixam que a natureza se encarregue do resto. Após a fecundação, desenvolve-se uma larva microscópica que fica à mercê das correntes.
 
As lapas fixam-se nas rochas na zona entre marés. No passado, as duas espécies estudadas colonizaram a costa do Mediterrâneo e estão presentes desde o Nordeste Atlântico até à Mauritânia, em África. Não se sabe ao certo quantos quilómetros é que uma larva pode percorrer. Mas foi graças a esta primeira fase da vida das lapas - a fase larvar dura no máximo um mês - que elas conseguiram chegar às Canárias, à Madeira e ainda aos Açores, onde são muito exploradas para a alimentação.
 
"Estas duas espécies são as que têm a distribuição mais alargada nesta região, o que permite estudar o fluxo genético e as suas migrações, quer no Atlântico, quer no Mediterrâneo", explica ao PÚBLICO Alexandra Sá Pinto, a primeira autora de um artigo na revista PLoS ONE, no qual se identificam as barreiras que condicionam as andanças das lapas.
 
A bióloga, de 34 anos, fez este estudo durante o doutoramento que terminou em 2008, mas só agora publicou estes dados. Segundo a cientista, conhece-se muito mal as migrações da fauna marinha, ao contrário, por exemplo, das aves, em que as rotas de migração e os locais de nidificação são bem conhecidos. "É importante percebermos de onde vem o organismo que estamos a explorar. Uma lapa que vive na praia do Homem do Leme [no Porto] pode vir de um local muito longínquo."
 
A equipa recolheu lapas em 18 locais, entre Biarritz (na costa atlântica no Sul de França) e Peschici (no Sul da costa leste de Itália), bem como em Agadir, em Marrocos. Ambas as espécies só estavam presentes em parte dos locais.
 
Com o material genético dos indivíduos recolhidos, os investigadores sequenciaram um pequeno número de regiões do ADN. Por fim, compararam esse ADN entre as populações de cada uma das espécies para verificar se havia troca genética entre elas ao longo da costa mediterrânica e atlântica. Deste modo, é possível testar se as larvas das lapas têm estado a migrar livremente pelo mar ou se, pelo contrário, há alguma coisa a impedir essa propagação marinha.
 
Os resultados mostram que em cada espécie há populações que não têm trocado material genético com outras populações. "Determinámos três grandes barreiras que delimitam quatro áreas entre as quais o fluxo [genético e de indivíduos] é relativamente restrito. Se as lapas do Atlântico se extinguirem, não podemos contar com as lapas do Mediterrâneo para colonizar o Atlântico", explica Alexandra Sá Pinto.
 
As três barreiras ficam em locais diferentes e parecem ter o mesmo efeito de isolamento nas populações das duas espécies. A primeira é no Sul de Itália e separa as lapas entre o Leste e o Oeste do Mediterrâneo. A segunda, a que já era conhecida, chama-se frente de Almería-Orán e fica no Mediterrâneo, logo a seguir ao estreito de Gibraltar: estabelece uma barreira entre as águas do Mediterrâneo e as do Atlântico. A terceira deverá situar-se no mar de Alborán, entre Espanha e a costa de Marrocos: trava a migração de lapas entre a costa da Península Ibérica e a costa atlântica de Marrocos.
 
Já se sabia que a frente de Almería-Orán impedia a migração de outros animais. Esta barreira pode dever-se ao contacto entre as águas frias oceânicas, de baixa salinidade, e águas mais salinas e quentes do Mediterrâneo. Para as larvas das duas espécies, a equipa pensa que isto poderá ser insuperável.
 
Quanto às causas das outras duas barreiras, elas permanecem um mistério. Podem ter causas físicas ou químicas. Mas pode até dar-se o caso de as lapas conseguirem atravessar essas barreiras, mas não estarem adaptadas ao novo habitat e não sobreviverem. "Ao longo do tempo, estas populações foram-se diferenciando."
 
Para Alexandra Sá Pinto, as quatro regiões isoladas que agora foram identificadas devem ser pensadas como unidades independentes na gestão deste recurso marinho."

O homem (na verdade, a mulher) das Flores já tem um rosto

Texto de Teresa Firmino publicado pelo jornal Público em 17/12/2012.
"Espécie que viveu até há 12 mil anos, numa ilha da Indonésia, era tão pequena que os cientistas chamaram hobbits aos seus membros. Afinal, as criaturas imaginadas por Tolkien em O Senhor dos Anéis até existiram
Na reconstrução facial do Homo floresiensis, a antropóloga Susan Hayes foi moldando a espessura dos músculos e da gordura sobre o crânio de uma mulher com 18 mil anos
Não é propriamente o que se chamaria uma mulher bonita, mas as suas feições eram, sem dúvida, distintivas. Palavras da antropóloga australiana Susan Hayes, depois de ter revelado ao mundo como era o rosto de uma mulher que viveu há 18 mil anos na ilha indonésia das Flores, naquela que é a primeira reconstrução facial de uma pessoa desta espécie de humanos.
 
A história da descoberta desta espécie, com quase uma década, lançou muita confusão na árvore evolutiva humana, já de si complexa. Em Agosto de 2003, uma equipa de cientistas australianos e indonésios encontrou o fóssil de uma mulher, incluindo o crânio, na gruta de Liang Bua. No ano seguinte, na revista Nature, a equipa anunciava a descoberta e defendia tratar-se de uma nova espécie de humanos. E eis que começava a controvérsia: antes de mais, porque até essa altura estávamos convencidos de que há muito mais tempo éramos os únicos humanos que restavam no planeta.
 
Na viagem evolutiva dos humanos, os neandertais eram até aí considerados os nossos últimos companheiros. Desapareceram há cerca de 28 mil anos, tendo a Península Ibérica como último refúgio, depois de terem vivido por toda a Europa.
 
Mas o fóssil da mulher com 18 mil anos, o primeiro exemplar descoberto, serviu de referência para identificar a nova espécie. O Homo floresiensis, ou homem das Flores, teria surgido há cerca de 95 mil anos e a sua existência ter-se-ia prolongado até há 12 mil anos, quando desapareceu e, aí sim, nos deixou sozinhos, como espécie humana, na Terra.
 
Como a mulher já era adulta, isso mostrava que aqueles humanos teriam apenas um metro de altura e 25 quilos. Por serem tão pequenos, os cientistas pensaram nas criaturas minúsculas do mundo imaginado por J. R. R. Tolkien em O Hobbit e na trilogia O Senhor dos Anéis, a ponto de considerarem chamar-lhe Homo hobbitus, em vez de Homo floresiensis.
 
Além da sua coexistência tardia com a nossa espécie, o Homo sapiens, os hobbits reais das Flores eram polémicos precisamente devido ao crânio muito pequeno. Isso implicava uma capacidade craniana de apenas 380 centímetros cúbicos, idêntica à dos chimpanzés.
 
Uma aproximação
Seriam então uma espécie nova ou apenas indivíduos doentes da nossa própria espécie? Referindo-se a esta última hipótese, houve cientistas que avançaram que o homem das Flores sofria de microcefalia, uma patologia caracterizada por um crânio e um cérebro muito pequenos e deficiências mentais. Outra hipótese considerava os hobbits como Homo sapiens pigmeus, pois ainda hoje vivem nas Flores populações de baixa estatura.
 
Mas, para a equipa que escavou e estudou os fósseis do Homo floresiensis, coordenada pelo arqueólogo Mike Morwood, da Universidade de Nova Inglaterra, na Austrália, uma das provas de que era uma espécie distinta estava na ausência de queixo. Só a nossa espécie tem queixo.
 
Vários estudos têm reforçado a tese de que o homem das Flores era uma espécie distinta, baseando-se, por exemplo, na comparação da forma do seu cérebro com o de indivíduos microcéfalos e saudáveis da nossa espécie e ainda na análise dos ossos do pulso. O seu lugar na árvore evolutiva e que relação tinha connosco é que continuam por determinar.
 
Só que, até agora, nunca tínhamos visto uma reconstrução da cara do homem das Flores – ou melhor, da mulher das Flores –, porque só o primeiro exemplar descoberto tem o crânio completo, embora tenham entretanto sido encontrados fragmentos de vários indivíduos.
 
Especialista em reconstrução facial, Susan Hayes, da Universidade de Wollongong, na Austrália, deu agora um rosto à mulher das Flores, moldando músculos e gordura sobre uma réplica do crânio. Assim, a cara foi ganhando "carne" e o resultado foi divulgado numa conferência de Arqueologia na Universidade de Wollongong, numa altura em que, por todo o mundo, também se tem estreado o filme O Hobbit: Uma Viagem Inesperada.
 
Maçãs do rosto proeminentes e um nariz largo são algumas surpresas, refere um comunicado da universidade australiana. Perante o resultado, Susan Hayes reconheceu então que a mulher não seria uma beldade. "Não diríamos que era bonita, mas era seguramente distintiva."
 
Como é que a antropóloga sabia que espessura de tecidos moles pôr no rosto dos hobbits, uma vez que não existem dados específicos para essa população desaparecida? Susan Hayes responde ao PÚBLICO que usou dados existentes para a população mundial com as espessuras médias dos tecidos moles: "São aplicáveis a todas as populações e baseiam-se num grande conjunto de dados, por isso são muito fidedignas. Para o Homo floresiensis, usei um subconjunto destes dados, uma vez que o crânio dela é muito pequeno."
 
E o que traz de novo a reconstrução do rosto desta mulher? Traz algumas provas sobre a aparência de outros humanos, diz Susan Hayes. "Mas, tal como toda a ciência, os resultados do trabalho baseiam-se no que sabemos hoje sobre o crânio, sobre a sua relação com os tecidos moles e a população em questão. Como todo o meu trabalho, é sempre uma aproximação."
 
Num comentário ao trabalho, Darren Curnoe, da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, disse que o rosto é mais moderno do que esperava. "Os ossos parecem-se um pouco como os dos pré-humanos que viveram há dois ou três milhões de anos, mas, com esta reconstrução, vê-se como são surpreendentemente modernos", disse o especialista em evolução humana. "É interessante ver uma nova abordagem baseada na ciência forense, que pode melhorar a compreensão de como era o aspecto do Homo floresiensis. Até agora, vimos interpretações artísticas, muito bonitas, mas esta dá-nos uma visão mais científica e rigorosa do aspecto do hobbit." "

Nova técnica fornecerá imagens 3D da absorção pelo cérebro das radiações do telemóvel

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 18/12/2012.
"Afinal, o uso regular e prolongado do telemóvel é ou não uma ameaça para a saúde pública? A nova técnica pode permitir obter respostas em breve.
A radiação emitida pelos telemóveis é absorvida pelos tecidos cerebrais
Segundo dados da CTIA, associação internacional dos industriais das telecomunicações sem fios, os seis mil milhões de seres humanos que possuem um telemóvel usam-no , em média, meia hora por dia, com a duração média das chamadas a rondar os três minutos. Receia-se que as doses de radiações electromagnéticas emitidas pelos telemóveis, a que os nossos neurónios ficam assim expostos, façam aumentar o risco de tumores malignos do cérebro. Aliás, a Organização Mundial da Saúde já alertou para esse potencial efeito cancerígeno do nosso gadget preferido. Mas até hoje, os resultados dos estudos realizados para determinar se eles representam ou não um real perigo não têm sido conclusivos.
 
As radiofrequências emitidas pelos telemóveis são absorvidas pelo cérebro e convertidas em calor. E agora, David Gultekin e Lothar Moeller – respectivamente do Centro de Estudo do Cancro Memorial Sloan-Kettering de Nova Iorque e dos Laboratórios Bell (New Jersey) – desenvolveram um método não invasivo que recorre à técnica de ressonância magnética. Mais precisamente, o novo dispositivo permite mapear em 3D, ao vivo e em directo e com grande precisão espacial e temporal, a temperatura dos tecidos cerebrais. Os resultados são publicados esta segunda-feira na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences.
 
A obtenção deste tipo de imagens colocava à partida um problema técnico: os fortes campos magnéticos gerados pelas máquinas de ressonância magnética proíbem a introdução de telemóveis (como de qualquer objecto metálico) dentro da máquina. Para contornar o obstáculo, os cientistas desenvolveram um sistema à base de uma antena. E, segundo escrevem no seu artigo, o dispositivo mostra“ao mesmo tempo seguro e conforme às normas de medição das taxas de absorção específica [de radiação electromagnética não ionizante]” – para além de não perturbar em nada ou quase nada a qualidade das imagens obtidas.
 
O seu trabalho sugere, concluem, que poderá ser possível afinar a técnica para conseguir determinar o aquecimento dos tecidos cerebrais vivos durante o uso do telemóvel. E conseguir, finalmente, avaliar os efeitos dos telemóveis sobre a nossa saúde quando andamos constantemente com eles encostados à cabeça."

Nanopartícula contra cancro da mama criada em Coimbra tem patente nos EUA

Texto da agência Lusa, 17/12/2012.
"A patente para uma nanopartícula de nova geração destinada ao tratamento do cancro da mama, desenvolvida por investigadores portugueses, foi concedida nos Estados Unidos, anunciou esta segunda-feira a Universidade de Coimbra.
A nova partícula destina-se ao combate do cancro da mama, mas a equipa pensa poder aplicá-la a outros tipos de cancro
Criada por especialistas do Centro de Neurociências e Biologia Celular e da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, a nova nanopartícula teve ainda no seu desenvolvimento a colaboração do Instituto Português de Oncologia de Coimbra, da Faculdade de Farmácia de Lisboa e da Faculdade de Medicina do Porto e dispõe de um apoio de meio milhão de euros, concedidos no âmbito do Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN).
 
A nanopartícula “previne os efeitos secundários associados à quimioterapia” e, simultaneamente, “aumenta a eficácia terapêutica” do tratamento, sublinhou à agência Lusa João Nuno Moreira, investigador envolvido no projecto. Além de “matar as células cancerosas”, a nanopartícula para o tratamento do cancro da mama também aniquila “os vasos sanguíneos que alimentam o tumor, evitando reincidências”.
 
A nanopartícula é revestida por um polímero que a torna invisível ao sistema de defesa do organismo e, na extremidade desse polímero, possui uma espécie de “chave” que permite abrir apenas as “portas” das células cancerosas e das células que revestem os vasos sanguíneos tumorais, explicou João Nuno Moreira.
 
Ao entrar no interior dessas células, o que acontece? “A nanopartícula liberta o conteúdo como se fosse uma granada – disponibilizando uma grande quantidade de fármaco num curto período de tempo – e que, além de matar as células cancerosas, destrói também os vasos sanguíneos do tumor”, salientou ainda o investigador.
 
Os testes já realizados em animais com cancro da mama humano demonstram que a nanopartícula cumpriu a sua missão: “Percorreu todo o organismo até atingir o tumor e matou as células responsáveis sem provocar toxicidade nos restantes órgãos.”
 
João Nuno Moreira, outro dos investigadores responsáveis pelo projecto, pensa ser possível iniciar os testes clínicos do novo produto dentro de três anos e o medicamento chegar ao mercado quatro anos depois.
 
Perspectivando o alargamento desta biotecnologia a outros tipos de cancro e a sua colocação no mercado, os investigadores criaram uma spin-off – a Treat U, incubada no Biocant - Centro de Inovação em Biotecnologia, em Cantanhede."

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Reino Unido dá luz verde a técnica polémica de exploração de gás

Texto de Ricardo Garcia publicado pelo jornal Público em 13/12/2012
"Governo britânico autoriza retoma do fracking - a injecção de químicos e água sob pressão a grandes profundidades - depois de concluir que o risco sísmico pode ser controlado.
Protestos no princípio de Dezembro em Londres: riscos ambientais 
O Governo britânico deu luz verde à exploração de gás de xisto através de uma técnica temida por poder contaminar a água, o ar e provocar sismos – a fragmentação hidráulica, ou fracking, no termo em inglês.
 
A técnica envolve a injecção de água e químicos sob pressão a grandes profundidades, de modo a fracturar camadas de rocha onde o gás natural está aprisionado. Com isso, é possível o acesso a novas reservas de combustíveis fósseis.
 
Dois pequenos sismos ocorridos durante prospecções na região de Lancashire tinham, porém, levado à suspensão da única operação do género em curso no Reino Unido, em Maio de 2011.
 
Na sequência de vários estudos feitos desde então, o Governo decidiu esta quinta-feira autorizar a retomada das explorações com a técnica fracking, sujeitas a controlos sobre a actividade sísmica.
 
“A minha decisão baseia-se em provas. Surge após um detalhado estudo da mais recente investigação científica e o aconselhamento dos maiores especialistas nesta matéria”, justifica o secretário britânico de Energia e Alterações Climáticas, Edward Davey, citado num comunicado do Governo.
 
Depois dos pequenos sismos ocorridos em Lancashire, o Governo encomendou estudos e realizou uma consulta pública, concluindo que “o risco sísmico associado aofracking pode ser eficazmente gerido com controlos”.
 
Uma avaliação realizada pela Real Sociedade – a principal agremiação científica do Reino Unido – juntamente com a Real Academia de Engenharia concluiu, em Junho passado, que a técnica representa um risco sísmico baixo. O parecer, no entanto, alerta para a necessidade de uma “monitorização robusta” e de regulamentação própria.
 
A técnica tem sido contestada pelos receios não só de sismos, como de contaminação da água subterrânea. A libertação de metano para a atmosfera também preocupa, dado que se trata de um gás que contribui para o aquecimento global. O Governo britânico encomendou, agora, um estudo sobre este potencial efeito.
 
Quanto aos sismos, serão introduzidas várias medidas preventivas, como a avaliação prévia do seu risco e da existência de falhas, a monitorização antes, durante e depois da operação, e um sistema de alerta que interrompa os trabalhos se houver algum sinal de alarme.
 
“O gás de xisto representa uma promissora nova fonte de energia para o Reino Unido”, afirma Edward Davey. “Pode contribuir significativamente para a nossa segurança energética, reduzindo a nossa dependência do gás importado, à medida em que caminhamos para uma economia de baixo carbono”, completa.
 
A exploração de gás e de petróleo aprisionado em determinadas formações rochosas, como o xisto, promete transformar o mercado da energia nos próximos anos. Na América do Norte, a sua exploração tem subido em flecha, o que provocou uma queda substancial nos preços do gás natural.
 
A Agência Internacional de Energia prevê que, graças ao que chama de “revolução não-convencional” na exploração dos combustíveis fósseis, os Estados Unidos tornem-se o maior produtor de petróleo entre 2020 e 2030, ultrapassando a Arábia Saudita. Até há alguns anos, a produção de petróleo no país estava a cair, fruto do esgotamento das reservas convencionais. Agora, as novas reservas já são responsáveis por 3,2 milhões de barris de petróleo por dia."

Numa floresta do Panamá, há 25 mil espécies de artrópodes

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 14/12/2012
"Trabalho inédito avaliou a biodiversidade numa dada área de floresta tropical à procura de escaravelhos, abelhas, formigas e outros artrópodes.
O escaravelho Megasoma elephas vive no solo, por baixo da folhagem, na floresta de San Lorenzo
Ao contrário dos mamíferos, dos répteis ou das aves, o número de espécies de artrópodes que vivem nas florestas tropicais é uma grande incógnita. Os biólogos diziam que eram muito mais do que as que existem nas florestas temperadas e têm sido feitas várias estimativas. Mas nunca, até agora, se tinha realizado uma amostragem intensiva numa floresta tropical das espécies deste grupo animal.
 
Um consórcio de cientistas foi para uma floresta de Panamá, à procura de artrópodes de todos o tipo. Recolheu em dois anos 129.494 exemplares de 6144 espécies diferentes e estimou que, nos 6000 hectares dessa floresta, existiam 25 mil artrópodes, segundo relatou a equipa nesta sexta-feira na revista Science.
 
O trabalho de campo, em 2003 e 2004, foi na floresta de San Lorenzo. Os 102 cientistas envolvidos no estudo, liderados por Yves Basset, coordenador da Iniciativa Artrópode do Instituto Smithsonian de Investigação Tropical do Panamá, passaram os oito anos seguintes a analisar os exemplares recolhidos e a catalogar as suas espécies. Esta informação serviu ainda para analisar a biodiversidade da floresta.
 
“Desenvolvemos vários tipos de métodos para recolher diferentes subtipos de artrópodes que poderíamos encontrar na floresta”, explicou Basset em declarações num podcast da Science. “Aplicámos estes métodos desde o solo até à parte superior das copas florestais.”
 
Ao todo, usaram 14 métodos diferentes em cada sítio de amostragem no Panamá. Puseram técnicos a subir às árvores, foram à procura de nichos ecológicos, utilizaram balões de ar para alcançar os estratos mais altos da copa das árvores. Tentaram apanhar borboletas, moscas, escaravelhos, abelhas, formigas, insectos herbívoros, carnívoros, parasitas. Repetiram esta amostragem em mais 12 locais, em várias épocas do ano para ter a certeza de que apanhavam as várias fases de metamorfose das espécies.
 
A equipa utilizou depois modelos de biodiversidade para extrapolar o número de espécies que existem naquela floresta. Estimaram que há ali 25 mil espécies de artrópodes. O número de espécies novas para a ciência ainda não foi revelado, mas, segundo a estimativa da equipa, em grupos como os dos escaravelhos as espécies novas podem chegar aos 60 a 70%.
 
A equipa concluiu ainda que cerca de 60% desta biodiversidade pode ser encontrada em apenas um quilómetro quadrado de floresta, o que facilita este tipo de investigação noutros locais do mundo. Além disso, há uma relação estreita entre o número de artrópodes e de outros grupos de seres vivos: por cada espécie de planta vascular, ave ou mamífero existe respectivamente 20, 83 e 312 espécies de artrópodes.
 
Estas relações ecológicas podem ajudar a determinar o número de espécies noutras florestas tropicais. “As 25 mil espécies estimadas indicam que há um grande número de genes de artrópodes. A tragédia é que estas florestas tropicais estão a desparecer muito rapidamente, por isso podemos perder todos estes genes antes de sabermos o que fazer com eles e se podem ser úteis à humanidade”, defende Yves Basset numa entrevista aos jornalistas proporcionada pela Science."

População mundial ganhou mais de dez anos de esperança de vida desde 1970

Texto da agência Lusa, 13/12/2012
"Portugal é dos poucos países que, em 40 anos, registaram melhores progressos na mortalidade de crianças até aos cinco anos e de jovens e adultos, entre os 15 e os 49 anos.
O estudo tem dados sobre a população de 187 países
A população mundial ganhou mais de dez anos de esperança de vida desde 1970, mas as diferenças entre os países com melhores e piores resultados praticamente não mudou, conclui um relatório publicado hoje na revista The Lancet. Em Portugal, entre 1990 e 2010, refere ainda o estudo, a esperança de vida passou de 70,7 anos para 77,8 anos nos homens e, nas mulheres, esse salto foi dos 76,3 para os 82,3.
 
Intitulado Peso Global das Doenças 2010, o estudo é descrito pela revista como o maior esforço de sistematização para descrever a distribuição global e as causas de uma variedade de doenças, lesões e factores de risco para a saúde.
 
Recolhidos ao longo de cinco anos por 486 cientistas de 302 instituições em 50 países, os dados relativos a 187 países são agora publicados na primeira tripla edição da Lancet totalmente dedicada a um só estudo, que inclui sete artigos científicos e diversos comentários, incluindo da directora-geral da Organização Mundial de Saúde, Margaret Chan, e do presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim.
 
Entre as conclusões, o estudo revela que a esperança de vida dos homens aumentou 11,1 anos entre 1970 e 2010, passado de 56,4 para 67,5. Nas mulheres, a esperança de vida aumentou ainda mais – 12,1 anos ou 19,8% –, passando de 61,2 anos em 1970 para 73,3 anos em 2010.
 
No entanto, acrescenta o estudo, as diferenças entre os países com maiores e menores esperanças de vida mantiveram-se muito semelhantes desde 1970, mesmo quando se retiram acontecimentos dramáticos como o genocídio do Ruanda em 1994.
 
Em 2010, as mulheres japonesas eram as que tinham maior esperança de vida (85,9 anos), enquanto para os homens a Islândia era o país com melhores resultados (80 anos). No extremo oposto, o Haiti tinha a mais baixa esperança de vida em ambos os géneros (32,5 nos homens e 43,6 nas mulheres), sobretudo devido ao sismo de Janeiro de 2010.
 
Além disso, alguns países contrariaram a tendência e registaram quedas substanciais da esperança de vida. Na África subsariana como um todo, a esperança de vida nos homens diminuiu 1,3 anos entre 1970 e 2010, enquanto nas mulheres caiu 0,9 anos, declínios atribuídos à epidemia do vírus da sida.
 
Por outro lado, o estudo revela que, à medida que a esperança de vida aumenta e o mundo vai envelhecendo, as doenças infecciosas e problemas infantis relacionados com a malnutrição – em tempos as principais causas de morte – vão sendo substituídos (com excepção da África subsariana) por doenças crónicas, lesões e doenças mentais.
 
“Essencialmente, o que nos faz doentes não é necessariamente o que nos mata. Enquanto o mundo fez um excelente trabalho a combater doenças fatais – especialmente doenças infecciosas –, vivemos agora com mais problemas de saúde que causam muita dor, afectam a nossa mobilidade e nos impedem de ver, ouvir e pensar claramente”, escreve a Lancet em comunicado.
 
Dados sobre Portugal
Portugal é um dos poucos países que registaram, em 40 anos, melhores progressos na mortalidade de crianças até aos cinco anos e de jovens e adultos entre os 15 e os 49 anos, revela o estudo. Portugal, a par de Cuba, Maldivas, Sérvia e Bósnia-Herzegovina, registou os melhores progressos na mortalidade das crianças.
 
O estudo indica também que Portugal foi um dos países com melhores resultados na mortalidade de jovens e adultos, superando Noruega, Espanha e Austrália.
 
Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam que os óbitos em crianças até aos cinco anos baixaram em Portugal 97,3%, dos 12.357 em 1970 para os 326 em 2010. Quanto às mortes em jovens adultos dos 15 aos 49 anos, desceram 28,7%, das 8.517 em 1970 para as 6.069 em 2010, de acordo com o INE.

Quanto à esperança de vida dos portugueses, entre 1990 e 2010, passou de 70,7 anos para 77,8 anos nos homens e, nas mulheres, dos 76,3 para os 82,3.
 
Outra conclusão do estudo internacional é que, enquanto o peso da malnutrição foi reduzido em dois terços, a alimentação desequilibrada e a falta de exercício físico estão a contribuir para um aumento das taxas de obesidade e outros factores de risco, como a hipertensão, representando já 10% do peso das doenças.
 
O estudo conclui também que, embora se registe uma enorme redução da taxa de mortalidade infantil – que caiu mais do que alguma vez se tinha estimado – há um aumento de 44% no número de mortos entre os 15 e os 49 anos entre 1970 e 2010, sobretudo devido ao aumento da violência e ao desafio do VIH/sida, que matou 1,5 milhões pessoas por ano.
 
Resultado de um projecto liderado pelo Institute for Health Metrics and Evaluation da Universidade de Washington, este estudo visa fornecer uma nova plataforma para avaliar os maiores desafios mundiais na área da saúde e formas de os abordar."

Há pelo menos 7500 anos que andamos a fabricar queijo

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 13/12/2012
"Pela primeira vez, foram obtidas provas indiscutíveis de que populações pré-históricas europeias tratavam o leite para separar o soro do coalho
Um coador de queijo moderno, de plástico (à esquerda), e um do início do século XX em França, de cerámica esmaltada
Peter Bogucki, da Universidade de Princeton (EUA), defende há cerca de 30 anos que uma série de 34 fragmentos de objectos de barro, curiosamente crivados de pequenos buracos, que foram descobertos em escavações arqueológicas na Polónia, eram utilizados pelos nossos antepassados pré-históricos para coar o leite e fabricar queijo.
 
Mas foi só agora, graças a uma análise química dos ácidos gordos embebidos e preservados nestes fragmentos de cerâmica (que não eram esmaltados), que Bogucki conseguiu confirmar a sua hipótese para além da dúvida. O trabalho, realizado juntamente com investigadores da Universidade de Bristol (Reino Unido), da Academia de Ciências polaca e também da Universidade de Gdansk e do Museu de Arqueologia e Etnografia de Lodz (Polónia), é publicado esta quinta-feira na revista Nature.
 
Os fragmentos pareciam provir de objectos muito semelhantes aos coadores de queijo actuais, mas também poderiam ter sido utilizados para outros fins, tais como “separar a carne do caldo de cozedura ou o mel do favo”, faz notar Mélanie Salque, co-autora, de Bristol, em comunicado da sua universidade. Por isso, acrescenta, “decidimos testar a hipótese do fabrico de queijo analisando [quimicamente] os lípidos presos na estrutura cerâmica dos coadores”. Os fragmentos já tinham sido datados e sabia-se que remontavam ao sexto milénio antes da era cristã.
 
Conclusão: os lípidos são efectivamente de origem láctea, o que aponta claramente para o facto de os objectos em causa terem sido utilizados para separar o coalho do leite do soro do leite. O queijo terá tido pelo menos duas vantagens em relação ao leite: era mais fácil de preservar e mais facilmente digerível do que o leite.
 
“A presença de resíduos lácteos nos coadores (parecidos com os coadores de queijo modernos)”, explica ainda a cientista, constitui a mais antiga prova directa do fabrico de queijo.” Até agora, as pistas eram sobretudo iconográficas – e datavam de vários milénios mais tarde. Por outro lado, explica o comunicado, embora resíduos de leite tivessem sido detectados noutros locais mais antigos, nomeadamente na Anatólia e na Líbia, e provassem que há uns 8000 anos os humanos já consumiam leite, até agora não tinha sido possível saber se o leite era ou não transformado para obter queijo.
 
“Estes resultados fornecem provas do consumo de produtos com baixo teor de lactose”, diz, por seu lado, Bogucki. “A confecção de queijo permitia reduzir o conteúdo em lactose do leite – e, como sabemos, naquela altura a maior parte dos seres humanos tinha uma intolerância à lactose.” Portanto, fabricar queijo “era uma maneira particularmente eficiente de explorar os benefícios nutricionais do leite sem ficar doente por causa da lactose”, acrescenta."

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

As sondas Ebb e Flow espreitaram por baixo da superfície da Lua e eis o que viram...

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 07/12/2012.
"Duas sondas da NASA, em órbita em redor da Lua desde o início do ano, criaram um mapa detalhado da crosta lunar e fizeram algumas descobertas surpreendentes.
O novo mapa da Lua mostra que a superfície foi muito mais "castigada" por impactos do que se imaginava
A superfície lunar parece feita de queijo gruyère (ou de Stilton, como argumentariam Wallace e Gromit). E isso mascara as características da crosta subjacente, ocultando as fases mais precoces da formação da Lua. Mas agora, graças a duas sondas chamadas Ebb e Flow ("fluxo" e "refluxo", ou ainda "cheia" e "vaza"), que utilizam uma técnica muito simples, mas ao mesmo tempo muito poderosa, foi possível levantar o véu e espreitar o interior da Lua como nunca tinha sido feito.
As sondas, cuja missão foi baptizada GRAIL (Gravity Recovery and Interior Laboratory), foram lançadas em Setembro de 2011 pela agência espacial norte-americana NASA e têm estado a orbitar a Lua, uma à frente da outra e a uma distância muito precisa uma da outra.

Como é que conseguem cartografar o interior da Lua? “Quando a primeira (Flow) passa por cima de uma formação rochosa particularmente maciça, o ligeiro aumento da atracção gravitacional [da Lua] que isso ocasiona empurra-a para a frente, distanciando-a da segunda (Ebb)”, explica, na Science desta sexta-feira, o jornalista Richard Kerr num texto que acompanha a publicação de três artigos que descrevem os resultados obtidos nos primeiros meses da missão.

Foram essas oscilações da distância entre as sondas, que elas foram medindo com grande precisão entre os meses de Março e Maio, que permitiram à equipa de Maria Zuber, geofísica do Massachusetts Institute of Technology, criar as belas imagens que constituem o “mapa gravitacional” da crosta da Lua.

A operação já se revelou fértil em surpresas acerca da juventude do nosso satélite natural. Uma delas é que, ao longo dos primeiros mil milhões de anos de vida da Lua, a sua crosta foi muito mais fustigada por asteróides e outros projécteis espaciais do que se pensava e que os impactos deixaram “fracturas que vão de finíssimas fissuras a falhas que poderão atingir dezenas de quilómetros de profundidade e penetrar mesmo no manto”, lê-se ainda na Science. Esta descoberta permite pensar que o mesmo processo de fracturação também poderá ter tido lugar nos planetas vizinhos – e em particular em Marte, "onde a água, que no início era abundante, poderá ter-se infiltrado, fornecendo muitas rochas molhadas e quentes” e criando assim condições propícias ao aparecimento da vida.

“Já se sabia que os planetas tinham sido fustigados por impactos, mas ninguém imaginava que a crosta da Lua tivesse sido tão atingida”, diz Maria Zuber, citada pelo diário britânico Guardian. “Isto foi uma grande surpresa, que vai fazer muita gente questionar-se sobre o seu significado para a evolução planetária.”

Outra novidade dos resultados publicados na Science é que, ao contrário de estimativas anteriores, que apontavam para a crosta lunar ter uma espessura de 50 a 60 quilómetros, ela parece ser muito mais fina (35 a 40 quilómetros) e a sua parte superior mais porosa do que previsto. Ainda outra é que a crosta é atravessada por cerca de 20 gigantescos lençóis de magma arrefecido, cuja densidade é maior do que a do resto – e cuja formação poderá remontar aos primórdios da história da Lua.

As duas sondas, que se encontravam inicialmente a 55 quilómetros de altitude, desceram para os 22 quilómetros no fim do Verão, o que promete imagens mais detalhadas daqui a uns meses, escreve ainda Kerr. Nas próximas semanas, aproximar-se-ão ainda mais perigosamente da superfície, acabando por se estatelar na Lua quando o combustível dos seus foguetões de controlo de altitude se esgotar."

Clima: os avisos e a inacção

Texto de Filipe Duarte Santos publicado pelo jornal Público em 12/12/2012.
"Como explicar a inacção resultante das negociações das Nações Unidas sobre o clima e em particular os magros resultados da COP 18 em Doha?
 
Há todos os anos um ritual curioso, patético e aparentemente absurdo. Algures numa grande cidade realiza-se a Conferência das Partes (COP) da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, criada na Cimeira da Terra, realizada no Rio em 1992.
 
As últimas cidades beneficiadas pela invasão de uma multidão de delegados nacionais, políticos, jornalistas, membros de ONG e cientistas foram Copenhaga, Cancun, Durban e, este ano, Doha, no Qatar, país que tem o recorde das emissões de gases com efeito de estufa per capita (55 toneladas de CO2 equivalente por ano e por pessoa em 2005).
 
A COP 15 de Copenhaga gerou uma grande expectativa e esperança, mas os resultados finais foram esqueléticos. Desde então o clima nas COP mudou muito, mas o ritual continua num mundo em acelerada transformação social, financeira e económica.
 
Mas há outra transformação no sistema terrestre e em particular num dos seus subsistemas, o sistema climático, que está também a acelerar. As duas transformações, uma nos sistemas humanos, outra nos sistemas naturais, estão perigosamente ligadas por relações de causa e efeito em ambos os sentidos.
 
Entretanto os cientistas vão procurando fazer o seu trabalho de análise do sistema climático, do clima futuro e dos impactos das alterações climáticas antropogénicas nos vários sectores socioeconómicos e sistemas biofísicos. Recentemente, em Novembro, foram publicados dois artigos e um relatório que penso serem importantes para compreender melhor a nossa situação actual e futura.
 
Comecemos por aquele que diz respeito ao oceano e às regiões costeiras, onde vive cerca de 40 % da população mundial a menos de 100km do mar, ou seja, cerca de 2900 milhões de pessoas. O nível médio do mar subiu mais de 20 cm desde os tempos pré-industriais até 2009. Qual a razão desta subida? A mais importante actualmente é a dilatação térmica da camada superficial dos oceanos que estão a aquecer devido ao aumento da temperatura média global da atmosfera. A segunda razão é o degelo dos glaciares das montanhas e a terceira, a mais preocupante e mais difícil de estudar, é a fusão dos campos de gelo na Gronelândia e na Antárctica.
 
Esta terceira componente foi analisada, utilizando novas tecnologias de observação, por 47 cientistas de 26 centros de investigação e publicada na Science em 30 de Novembro. A conclusão principal é que o degelo das calotes polares entre 1992 e 2011 contribuiu 11,1 mm para a elevação do nível médio do mar, o que corresponde a cerca de 1/5 da subida total. Actualmente derretem em média num ano 344 mil milhões de toneladas de gelo, 76% na Gronelândia. O ritmo de fusão dos campos de gelo polares está a acelerar, sendo actualmente três vezes superior ao da década de 1990. Isto significa que é cada vez mais provável termos um aumento do nível médio do mar no fim do século próximo de um metro.
 
Mas o problema não fica por 2100! O nível médio do mar continuará a subir aceleradamente se não conseguirmos reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Todos estes avisos são especialmente importantes para Portugal, onde o risco de erosão, perda de terreno e inundação se irá agravar com a subida acelerada do nível médio do mar.
 
O segundo artigo analisa os efeitos fisiológicos da seca em 226 espécies de árvores em 81 locais através do globo com diferentes tipos de floresta, envolveu 25 centros de investigação, e foi publicado na Nature em 21 de Novembro. As árvores de todo o mundo transportam diariamente milhares de milhões de litros de água do solo para a atmosfera por meio de um sistema vascular muito complexo e sensível às condições climáticas. O artigo conclui que a maioria das espécies de árvores observadas está com o seu sistema hidráulico perto do limite de segurança, o que as torna muito vulneráveis às situações de seca.
 
Este resultado é importante por ser muito provável que a temperatura e as secas aumentem à escala global com as alterações climáticas. Para as árvores e para o sistema terrestre as consequências de secas mais prolongadas e temperaturas mais altas são potencialmente dramáticas. As florestas tenderiam a passar de sumidouros para emissores de CO2 e as perdas de biodiversidade seriam muito elevadas. Também neste caso estamos perante um sério aviso para Portugal, dada a vulnerabilidade das nossas florestas às secas, às temperaturas mais elevadas e aos fogos.
 
O terceiro estudo é um relatório do Banco Mundial intitulado “Turn down the heat. Why a 4ºC warmer world must be avoided”, publicado também em Novembro. Com o actual ritmo de emissões para a atmosfera vamos ultrapassar 2ºC de aumento da temperatura média global, e chegar próximo dos 4ºC. O relatório faz uma análise detalhada das consequências desse aumento em vários sectores socioeconómicos e conclui que os impactos seriam muito gravosos, especialmente para os países menos desenvolvidos.
 
O conhecimento existe, os decisores políticos e o público em geral estão melhor informados e avisados. Como explicar então a inacção resultante das negociações das Nações Unidas sobre o clima e em particular os magros resultados da COP 18 em Doha?
 
Os delegados e os membros de Governo que participam nas reuniões não desempenham prioritariamente o papel de evitar uma interferência antropogénica perigosa sobre o sistema climático, nem de defender as gerações futuras, aquelas que irão sofrer mais as consequências desastrosas daquela interferência. Defendem em primeiro lugar os interesses nacionais dos países que representam e que obedecem a preocupações e agendas de curto prazo, agravadas pela actual crise financeira e económica de origem ocidental, mas que tende a globalizar-se.
 
Será necessário primeiro reconhecer que pertencemos a uma sociedade global sujeita a riscos globais, na qual a solidariedade activa entre todos deve ser prioritária."