quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Álcool, tabaco e obesidade alimentam subida crescente de casos de cancro

Artigo publicado pelo jornal Público no Dia Mundial da Luta Contra o Cancro.
 Peritos da Organização Mundial de Saúde defendem que a única solução é a prevenção, sugerindo a criação de um imposto para bebidas açucaradas.


O número de casos de cancros no mundo poderá subir 70% nos próximos 20 anos, alertou esta segunda-feira a Organização Mundial de Saúde (OMS) no Relatório Mundial sobre Cancro 2014. Os peritos dizem que a forma de travar a epidemia não passa apenas pela cura, mas sobretudo pela prevenção, e propõem, por exemplo, a criação de um impostos especial para bebidas açucaradas. Entre as causas da subida estão o consumo de álcool, de açúcar e a obesidade, cita o jornal britânico The Guardian.

Por ano, prevê-se que surjam no mundo cerca de 25 milhões de novos casos de cancro. Metade destes podem ser prevenidos, já que estão ligados a estilos de vida, refere o documento produzido pela Agência Internacional para a Pesquisa em Cancro, uma unidade da OMS especializada na patologia. Não é realista travar a subida pensando apenas nas formas de curar a doença, defendem os seus autores, notando que é essencial o enfoque na prevenção. Até para os países mais ricos o fardo vai tornar-se insustentável em termos de custos, refere o documento, citado pelo The Guardian.

Mas a doença está cada vez mais presente também em países mais pobres, onde os cancros mais frequentes têm origem em infecções, como é o caso do cancro do colo do útero, muito prevalecente nestes países, onde não existe rastreio e muito menos acesso à vacina.

Nos países mais ricos, os cancros que estão a aumentar estão sobretudo ligados a estilos de vida, associados “ao uso crescente do tabaco, consumo de álcool, ingestão de alimentos transformados e falta de exercício físico”, escreve na introdução ao relatório Margaret Chan, directora da OMS.

Prevenção e detecção precoce
Christopher Wild, director da Agência Internacional para a Pesquisa em Cancro e um dos autores do documento, disse que, apesar dos avanços no lado da cura, “o problema não se resolve apenas deste lado. É preciso mais prevenção e a detecção precoce é essencial.”

Bernard Stewart, investigador da University of New South Wales e outro dos autores, apelou à discussão de medidas como a criação de um imposto especial para as bebidas açucaradas, como uma possível forma de fazer diminuir cancros que têm origem na obesidade e na falta de exercício físico.

Em relação ao álcool, lembrou que o seu consumo esteve na origem de 337,400 milhões de mortes no mundo em 2010, sobretudo entre homens. A maioria são mortes por cancro do fígado, mas o álcool também aumenta o risco de cancro da boca, esófago, intestino, pâncreas, mama e outros. “A sua rotulagem, os locais onde é comercializado e os preços de venda ao público devem ser questões a debater”, disse Stewart. Propõe também a criação de um imposto para bebidas açucaradas. O relatório refere que todos os esforços para reduzir a percentagem de refrigerantes que têm adição de açúcar deviam ser prioritários.

Temos os neandertais na pele, afirmam cientistas

Artigo de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 30/01/2014.
 O legado genético que os neandertais deixaram aos humanos modernos é mais substancial do que se pensava, mas concentra-se em regiões específicas do nosso genoma, influenciando-o ainda hoje características da nossa pele, o nosso risco perante certas doenças e até alguns comportamentos.

Os neandertais, primos euroasiáticos dos humanos modernos, extinguiram-se há quase 30 mil anos
 Já se sabia, com base na sequenciação da totalidade do ADN de um neandertal que viveu há 50 mil anos, obtida em 2013, que os humanos modernos e os neandertais se cruzaram e produziram descendência, provavelmente há 40 mil a 80 mil anos, pouco de pois da chegada da nossa espécie à Europa vinda de África. De facto, entre 1% e 3% do genoma das pessoas actuais não originárias de África provêm dos neandertais, esses nossos primos que surgiram na Europa e Ásia há uns 400 mil e se extinguiram há 28 mil anos. Mas na realidade, a contribuição genética total dos neandertais para o ADN das populações europeias e asiáticas actuais poderá ter bastante mais do que isso – próxima de 20% –, afirmam cientistas norte-americanos num artigo publicado na revista Science com data de sexta-feira.

"Os 2% do vosso ADN de neandertal poderão ser diferentes dos meus 2% de ADN de neandertal e situar-se em partes diferentes do genoma”, diz o co-autor Joshua Akey, da Universidade de Washington em Seattle (EUA), citado pela agência noticiosa Reuters. E tudo junto, “isso dá uma proporção substancial de genoma de neandertal”. Para obter os seus resultados, Akey e o seu colega Benjamin Vernot analisaram os genomas de 379 europeus e 286 asiáticos.

Tanto estes dois cientistas como uma outra equipa – liderada por David Reich, da Universidade de Harvard (EUA) e na qual se inclui Svante Pääbo, do Instituto Max Planck de Leipzig (Alemanha), co-autor da sequenciação do referido genoma de neandertal – chegaram ainda à conclusão de que o ADN proveniente dos neandertais não se encontra uniformemente distribuído dentro do genoma dos humanos modernos. E ambos os estudos – o da segunda equipa foi publicado esta quinta-feira na revista Nature – também concluem que aquele antigo contributo se concentra, em particular, nos genes dos humanos modernos que influenciam as características da pele e do cabelo.

Os cientistas especulam aliás que esses genes, ligados à produção de queratina, proteína fibrosa que confere resistência à pele, ao cabelo e às unhas, terão sido benéficos para a nossa espécie em termos de adaptação a latitudes mais nórdicas. “É tentador pensar que os neandertais já estavam adaptados a um ambiente não africano e que transmitiram essa vantagem genética aos humanos modernos”, diz Reich, citado pela agência noticiosa AFP.

A equipa de Reich, que analisou as variantes genéticas de 846 pessoas de origem não africana, de 176 pessoas de África subsariana e do neandertal fóssil, aponta também para uma herança vinda dos neandertais ao nível de genes que afectam o risco dos não africanos perante a diabetes de tipo 2, a doença de Crohn, o lupus ou a cirrose biliar – e até... a capacidade de deixar de fumar, escrevem os autores.

Porém, as áreas do genoma humano moderno desprovidas de ADN de neandertais foram “as mais entusiasmantes”, salienta Sriram Sankararaman, co-autor do estudo na Nature, em comunicado da universidade Harvard, “porque sugerem que a introdução de alguns genes de neandertal terá sido prejudicial para os antepassados dos não africanos modernos e que essas mutações foram posteriormente removidas pela acção da selecção natural”.

Estes cientistas mostraram que as regiões com menor contributo genético dos neandertais concentram-se em genes principalmente activos nos testículos e no cromossoma X, um dos dois cromossomas sexuais humanos, e têm a ver com a chamada infertilidade dos híbridos (por exemplo da mula, cruzamento de cavalo e burro). “Isso sugere que quando os nossos antepassados se cruzaram e se misturaram com os neandertais, as duas espécies estavam no limiar da incompatibilidade biológica”, diz Reich no mesmo comunicado. Ora, naquela altura, estas duas populações tinham evoluído separadamente durante meio milhão de anos. “É fascinante que este tipo de problemas tenha surgido num período de tempo tão curto”, acrescenta Reich.

Erik Trinkaus, da Universidade Washington em St Louis (EUA), um dos grandes especialistas mundiais dos primeiros humanos, que não participou nos estudos, diz contudo, citado pela Reuters, que a estimativa agora obtida da proporção de ADN de neandertal que perdura na nossa espécie deve ser considerada com prudência, uma vez que, até aqui, apenas foi possível extrair material genético de meia dúzia de fósseis de neandertais – uma amostra demasiado pequena para ter grandes certezas.

Há 7000 anos, um caçador-recolector europeu tinha tez escura e olhos azuis

Artigo de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 27/01/2014.
Resultados de análise genética revelam pormenores sobre mudanças da fisiologia humana associadas à agricultura — e também sobre a evolução da pigmentação dos nossos antepassados europeus.


O crânio do caçador-recolector europeu cujo ADN foi agora sequenciado.     

Reconstituição artística da cabeça do homem de La Braña


O esqueleto tal como foi descoberto em 2006  


Etapas da reconstitução artística da cabeça
 Uma equipa internacional de cientistas acaba de obter o primeiro genoma completo de um caçador-recolector europeu. Os resultados, publicados online pela revista Nature no domingo ao fim da tarde, trouxeram com eles várias surpresas.

Restos fósseis bem conservados de dois caçadores-recolectores que viveram há cerca de 7000 anos foram descobertos, em 2006, na gruta de La Braña-Arintero, nos Montes Cantábricos (noroeste de Espanha). E Carles Lalueza-Fox, do Instituto de Biologia Evolutiva em Barcelona, e colegas conseguiram extrair ADN de um dente de um deles.

Trata-se portanto do genoma de um europeu do Mesolítico – há 5000 a 10.000 anos, entre o Paleolítico e o Neolítico –, altura da introdução progressiva da agricultura e da criação de animais, a partir do Médio-Oriente, no continente europeu. Ou seja, de um europeu que ainda tinha um estilo de vida “ancestral”.

Ora, os especialistas pensam que a mudança radical de estilo de vida, de caçador-recolector para agricultor, terá levado a alterações no genoma humano, em particular associadas a dieta e à imunidade. Do lado alimentar, porque foi preciso que aqueles primeiros agricultores conseguissem digerir o leite produzido pelos rebanhos e o amido das plantas cultivadas; do lado imunitário, para serem capazes de vencer novas doenças, vindas dos animais domésticos.

Porém, até agora, dada a escassez de dados, sabia-se bastante pouco acerca desta “transição crucial”, escrevem os cientistas no seu artigo. O genoma do homem de La Braña contribui para colmatar esta lacuna – e, a se confirmarem os resultados noutros genomas antigos, poderá pôr em causa uma parte dessas especulações.

Do ponto de vista digestivo, a análise genética agora realizada sugere que, de facto, aquele caçador-recolector tinha provavelmente uma intolerância à lactose e dificuldades em digerir coisas como batatas ou cereais, “corroborando a hipótese de que estas capacidades evoluíram mais tarde na transição para a agricultura”, escrevem ainda os autores.

Porém, no que respeita à resistência ao micróbios, o genoma sequenciado revelou algo inesperado: o facto de certas mutações associadas à resistência às doenças já terem estado presentes naquele nosso longínquo antepassado. O que “sugere que a transição para o Neolítico não terá sido o motor de todos os casos de inovação adaptativa ao nível dos genes da imunidade que hoje observamos nos europeus modernos”, lê-se ainda na Nature.

As surpresas não se ficaram por aí: ao que tudo indica, aquele caçador-recolector de La Braña tinha a pele escura como os africanos, o cabelo igualmente escuro e os olhos… azuis. “Aquele indivíduo possuía versões africanas dos genes que, nos europeus actuais, determinam a pigmentação clara da pele – o que indica que tinha a pele escura, embora não saibamos o tom exacto”, diz Lalueza-Fox em comunicado do Conselho Superior da Investigação Científica (CSIC) espanhol. E acrescenta que outra surpresa, ainda maior, foi “constatar que [o homem de La Braña] possuía as variantes genéticas que hoje produzem olhos azuis nos europeus, o que resulta num fenótipo [aspecto físico] único”, que aliás já não existe nas população europeias contemporâneas.

Este último resultado parece virar do avesso o que se pensava sobre a evolução da pigmentação dos europeus após a sua chegada a Europa, vindos de África. “Até agora, considerava-se que a cor de pele clara tinha evoluído bastante cedo na Europa, no Paleolítico superior, associada à fraca radiação ultravioleta nas latitudes mais elevadas”, disse Lalueza-Fox à agência noticiosa AFP. “Ora, claramente, esse não é o caso. Essa evolução aconteceu muito mais tarde, provavelmente no Neolítico – e poderá ter a ver com as mudanças de regime alimentar, nomeadamente a diminuição dos níveis de vitamina D na dieta dos agricultores em relação à dos caçadores-recolectores.”

O trabalho não acaba aqui. “Para confirmar se os traços genómicos deste homem de La Braña podem ou não ser estendidos a outras populações do Mesolítico, serão precisas mais análises de genomas antigos da Europa Central e do Norte”, concluem os cientistas. E também a análise do ADN do outro esqueleto humano encontrado no mesmo local. “A nossa intenção é tentar recuperar o genoma do segundo indivíduo, que não se encontra tão bem preservado como o primeiro, de forma a obtermos mais dados sobre as características genéticas destes primeiros europeus”, diz o co-autor Iñigo Olalde.

Dados obtidos por cientistas portugueses sobre cancro da mama transformados em jogo de smartphone

Artigo de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 04/02/2014.
Espera-se que os jogadores do novo jogo, desenvolvido no Reino Unido, contribuam activamente para acelerar a identificação de genes responsáveis pelo cancro da mama.

O novo jogo permite descobrir anomalias genéticas nos tumores malignos da mama
Chama-se Play to Cure: Genes in Space, é um jogo para smartphones e foi lançado esta terça-feira, anunciou em comunicado a Cancer Research UK (entidade britânica sem fins lucrativos que promove o estudo do cancro). Quem jogar estará, na realidade, a detectar visualmente mutações associadas ao cancro da mama.

Por detrás deste divertimento de tipo shoot’em up espacial está uma massa de dados genéticos recolhidos pelas equipas de dois cientistas portugueses: Carlos Caldas, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), e Samuel Aparício, da Agência do Cancro da Columbia Britânica em Vancôver, Canadá. Estes investigadores estão há vários anos a construir o “mapa” do cancro da mama para determinar os padrões de mutações e as melhores terapias para combater a doença de forma personalizada.

O objectivo assumido do novo jogo consiste em recolher a maior quantidade possível de uma substância, chamada “elemento alfa”, presente no espaço. Para isso, é preciso atravessar, a bordo de uma nave espacial, as zonas onde essa substância apresenta a maior densidade visual, evitando diversos obstáculos pelo caminho.

Ora, como essas zonas representam regiões do genoma de tumores malignos da mama nas quais existem repetições anormais ou supressões anormais de trechos inteiros de ADN, ao detectarmos as alterações de densidade, estamos a indicar, com o percurso da nossa nave espacial, as alterações genéticas mais relevantes. “É precisamente por marcar as zonas mais densas que se está a 'ler' os dados moleculares”, disse Carlos Caldas ao PÚBLICO.

Os estudos das características moleculares dos tumores produzem quantidades colossais de dados, alguns dos quais só podem ser analisados de forma visual, o que levaria anos a um cientista isolado, explica ainda o comunicado. Mas se as suas anomalias forem assinaladas desta forma por milhares de pessoas em todo o mundo, o processo será substancialmente acelerado.

Como vão impedir os erros dos jogadores menos dextros? “Não há qualquer problema”, responde-nos Carlos Caldas. “É precisamente aí que reside a força do crowdsourcing [o facto de solicitar ajuda a um grande número de pessoas]. “Alguns vão-se enganar, mas a soma de todos os resultados será provavelmente melhor do que obteríamos com um computador. Portanto, basta jogar!”

A versão para Apple do jogo pode ser descarregada aqui e a versão para Android aqui. O jogo é gratuito. Pode ser jogado offline, com os dados e os resultados a serem transferidos mais tarde, nos dois sentidos, quando o smartphone se encontrar online.

Dez grandes laboratórios farmacêuticos unem-se nos EUA contra a diabetes e Alzheimer

Artigo publicado pelo jornal Público em 04/02/2014.
 Acordo de 170 milhões de euros envolveu ainda os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos.

Acordo inclui partilha de cientistas e bases de dados

Dez grandes laboratórios farmacêuticos a nível mundial, incluindo os rivais norte-americanos Merck e Pfizer e o francês Sanofi, decidiram associar-se com os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos para desenvolver novos tratamentos contra a diabetes de tipo 2 e a doença de Alzheimer – anunciaram esta terça-feira os Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês), em comunicado de imprensa.

Estimada em cerca de 230 milhões de dólares (cerca de 170 milhões de euros) durante cinco anos, esta parceria também inclui doenças imunitárias, como a artrite reumatóide e a lúpus. Os restantes laboratórios que entraram na parceria são os norte-americanos Bristol-Myers Squibb, Biogen Idec, Johnson & Johnson, Lilly e AbbVie, o britânico GlaxoSmithKline e o japonês Takeda. Estão ainda envolvidas uma série de organizações não lucrativas.

Os dez laboratórios farmacêuticos e os NIH, encarregados da investigação biomédica nos Estados Unidos, vão partilhar cientistas e as suas respectivas bases de dados. Objectivo: identificar biomarcadores importantes para desenvolver novas terapias.

“Precisamos de unir as nossas forças para compreender melhor o puzzle complexo destas doenças e acelerar a nossa capacidade de dar novos medicamentos aos doentes”, disse o médico Elias Zerhouni, coordenador da investigação e desenvolvimento na Sanofi.

Segundo o acordo, os laboratórios envolvidos comprometem-se a não desenvolverem os seus próprios medicamentos a partir das descobertas obtidas no quadro deste projecto antes de serem tornados públicos.

Vacinação contra vírus do cancro do colo do útero fez desaparecer lesões pré-cancerosas

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 04/02/2014

A vacinação contra o vírus do papiloma humano, principal responsável pelo cancro do colo do útero, parecia não servir para tratar lesões pré-cancerosas já instaladas. Cientistas mostraram agora que não é bem assim.

Células HeLa, derivadas do cancro do colo do útero da norte-americana Henrietta Lacks, hoje utilizadas nos laboratórios de todo o mundo
 Os resultados preliminares de um pequeno ensaio clínico mostram que, nalgumas mulheres com lesões pré-cancerosas do colo do útero, um tratamento à base de vacinas experimentais contra o vírus do papiloma humano – o HPV, responsável pela grande maioria destes cancros – consegue desencadear uma resposta imunitária capaz de fazer regredir totalmente as lesões.

Os autores do estudo, que publicaram os seus resultados na última edição da revista Science Translational Medicine, esperam que a vacinação terapêutica venha um dia a substituir o actual tratamento deste tipo de lesões, que consiste na sua remoção cirúrgica de forma a impedir que evoluam para uma forma maligna.

Actualmente, as vacinas comercializadas contra o HPV destinam-se a prevenir a infecção do organismo humano por este vírus sexualmente transmissível, nomeadamente nos jovens que ainda não iniciaram a sua vida sexual activa. Porém, essas vacinas não funcionam como tratamento nas pessoas que já foram infectadas quando, através de um esfregaço vaginal de rotina, lhes é detectada uma lesão pré-cancerosa.

Até aqui, foram testadas diversas vacinas experimentais destinadas a tratar as lesões pré-cancerosas já instaladas, mas sem resultados convincentes. Em particular, os especialistas não conseguiram detectar, no sangue das pessoas vacinadas, alterações do sistema imunitário que indicassem sequer que o seu organismo estava a ser estimulado a lutar contra o vírus.

Mas agora, no seu ensaio clínico, em vez de se limitar a analisar o sangue, Cornelia Trimble, da Universidade Johns Hopkins (EUA), e colegas optaram por ir ver, mesmo no interior do tecido lesionado, se a vacinação estaria a surtir algum efeito “escondido”. E descobriram pela primeira vez que algo de significativo estava de facto a acontecer.

Os cientistas vacinaram 12 mulheres que apresentavam lesões pré-cancerosas, ditas "de alto grau", do colo do útero. Todas essas lesões estavam associadas à estirpe do vírus HPV16 – que juntamente com a estirpe HPV18, causa a grande maioria dos cancros do colo do útero.

Diga-se de passagem que as lesões pré-cancerosas de grau inferior podem desaparecer espontaneamente, sem cirurgia – e basta, numa primeira fase, vigiá-las. Mas 30% a 50% das lesões de alto grau dão origem a cancros invasivos – e como não há maneira prever quais o irão fazer, é preciso removê-las em todos os casos.

Três injecções
A equipa utilizou duas vacinas. Uma delas, feita à base de moléculas de ADN, provoca a produção pelo organismo de uma proteína específica do vírus HPV16 presente na superfície das células pré-cancerosas – incitando assim, em princípio, o sistema imunitário das participantes a reconhecer essas células como “inimigas”. A outra vacina, feita à base de um vírus vivo, mas não infeccioso, é capaz de detectar e matar as células pré-cancerosas que apresentam à sua superfície quer a já referida proteína do HPV16, quer uma outra, proveniente do HPV18.

Ao longo de oito semanas, a primeira vacina foi utilizada duas vezes (logo no início e a meio do tratamento), enquanto a segunda vacina foi administrada uma única vez no fim. Um grupo de seis participantes recebeu uma dose alta desta segunda vacina, enquanto outros dois grupos, de três participantes cada, receberam doses diferentes mas mais fracas, escrevem os cientistas. Sete semanas a seguir à terceira injecção (com a segunda vacina), todas as lesões foram removidas cirurgicamente e analisadas.

Os cientistas constataram, em primeiro lugar, que em cinco das mulheres – três das seis vacinadas com a dose mais alta da segunda vacina e uma em cada um dos dois grupos tratados com doses inferiores – as lesões tinham desaparecido. E ainda que as mulheres vacinadas a quem fora removido tecido lesionado após essas 15 semanas apresentavam, no interior das lesões, um significativo aumento dos níveis de linfócitos CD8 – as células “assassinas” do sistema imunitário.

Pelo contrário, nas amostras de sangue, também colhidas junto de todas as participantes, essa alteração não foi detectada com a mesma intensidade. Outros indicadores da activação do sistema imunitário também foram observados nas células do colo do útero de três das mulheres vacinadas. Até hoje, nenhuma das mulheres (a primeira foi vacinada em 2008 e a última em 2012) tornou a desenvolver lesões.

“Encontrámos alterações notáveis do sistema imunitário dentro das lesões, que não eram tão óbvias no sangue das doentes”, diz Trimble, citada em comunicado da Universidade Johns Hopkins.

Os cientistas tencionam recrutar mais uma vintena de voluntárias para testar uma combinação das duas vacinas com um creme aplicado directamente nas lesões, destinado a reforçar localmente a resposta imunitária