O legado genético que os neandertais deixaram aos humanos modernos é
mais substancial do que se pensava, mas concentra-se em regiões
específicas do nosso genoma, influenciando-o ainda hoje características
da nossa pele, o nosso risco perante certas doenças e até alguns
comportamentos.
Os neandertais, primos euroasiáticos dos humanos modernos, extinguiram-se há quase 30 mil anos |
Já se sabia, com base na sequenciação da totalidade do ADN de um
neandertal que viveu há 50 mil anos, obtida em 2013, que os humanos
modernos e os neandertais se cruzaram e produziram descendência,
provavelmente há 40 mil a 80 mil anos, pouco de pois da chegada da nossa
espécie à Europa vinda de África. De facto, entre 1% e 3% do genoma das
pessoas actuais não originárias de África provêm dos neandertais, esses
nossos primos que surgiram na Europa e Ásia há uns 400 mil e se
extinguiram há 28 mil anos. Mas na realidade, a contribuição genética
total dos neandertais para o ADN das populações europeias e asiáticas
actuais poderá ter bastante mais do que isso – próxima de 20% –, afirmam
cientistas norte-americanos num artigo publicado na revista Science com data de sexta-feira.
"Os 2% do vosso ADN de
neandertal poderão ser diferentes dos meus 2% de ADN de neandertal e
situar-se em partes diferentes do genoma”, diz o co-autor Joshua Akey,
da Universidade de Washington em Seattle (EUA), citado pela agência
noticiosa Reuters. E tudo junto, “isso dá uma proporção substancial de
genoma de neandertal”. Para obter os seus resultados, Akey e o seu colega Benjamin Vernot analisaram os genomas de 379 europeus e 286 asiáticos.
Tanto
estes dois cientistas como uma outra equipa – liderada por David Reich,
da Universidade de Harvard (EUA) e na qual se inclui Svante Pääbo, do
Instituto Max Planck de Leipzig (Alemanha), co-autor da sequenciação do
referido genoma de neandertal – chegaram ainda à conclusão de que o ADN
proveniente dos neandertais não se encontra uniformemente distribuído
dentro do genoma dos humanos modernos. E ambos os estudos – o da segunda
equipa foi publicado esta quinta-feira na revista Nature –
também concluem que aquele antigo contributo se concentra, em
particular, nos genes dos humanos modernos que influenciam as
características da pele e do cabelo.
Os cientistas especulam aliás
que esses genes, ligados à produção de queratina, proteína fibrosa que
confere resistência à pele, ao cabelo e às unhas, terão sido benéficos
para a nossa espécie em termos de adaptação a latitudes mais nórdicas.
“É tentador pensar que os neandertais já estavam adaptados a um ambiente
não africano e que transmitiram essa vantagem genética aos humanos
modernos”, diz Reich, citado pela agência noticiosa AFP.
A equipa
de Reich, que analisou as variantes genéticas de 846 pessoas de origem
não africana, de 176 pessoas de África subsariana e do neandertal
fóssil, aponta também para uma herança vinda dos neandertais ao nível de
genes que afectam o risco dos não africanos perante a diabetes de tipo
2, a doença de Crohn, o lupus ou a cirrose biliar – e até... a
capacidade de deixar de fumar, escrevem os autores.
Porém, as
áreas do genoma humano moderno desprovidas de ADN de neandertais foram
“as mais entusiasmantes”, salienta Sriram Sankararaman, co-autor do
estudo na Nature, em comunicado da universidade Harvard,
“porque sugerem que a introdução de alguns genes de neandertal terá sido
prejudicial para os antepassados dos não africanos modernos e que essas
mutações foram posteriormente removidas pela acção da selecção
natural”.
Estes cientistas mostraram que as regiões com menor
contributo genético dos neandertais concentram-se em genes
principalmente activos nos testículos e no cromossoma X, um dos dois
cromossomas sexuais humanos, e têm a ver com a chamada infertilidade dos
híbridos (por exemplo da mula, cruzamento de cavalo e burro). “Isso
sugere que quando os nossos antepassados se cruzaram e se misturaram com
os neandertais, as duas espécies estavam no limiar da incompatibilidade
biológica”, diz Reich no mesmo comunicado. Ora, naquela altura, estas
duas populações tinham evoluído separadamente durante meio milhão de
anos. “É fascinante que este tipo de problemas tenha surgido num período
de tempo tão curto”, acrescenta Reich.
Erik Trinkaus, da
Universidade Washington em St Louis (EUA), um dos grandes especialistas
mundiais dos primeiros humanos, que não participou nos estudos, diz
contudo, citado pela Reuters, que a estimativa agora obtida da proporção
de ADN de neandertal que perdura na nossa espécie deve ser considerada
com prudência, uma vez que, até aqui, apenas foi possível extrair
material genético de meia dúzia de fósseis de neandertais – uma amostra
demasiado pequena para ter grandes certezas.
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