sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Terra tem funcionado como "esponja", atrasando a subida do nível das águas

 AFP - Sapo 24 - 12/02/2016
Com o degelo das calotas polares devido às alterações climáticas, uma Terra cada vez mais quente e ressequida vai absorvendo parte desta água no seu interior, o que tem atrasado a subida do nível do mar. As conclusões são dum grupo de especialistas da Nasa.
 
As medições de satélite da Nasa, durante a última década, mostraram pela primeira vez que os continentes da Terra têm absorvido e armazenado mais 3,2 gigatoneladas de água nos solos, lagos e aquíferos subterrâneos, conclui um estudo publicado na revista Science. Este armazenamento abrandou temporariamente a subida do nível do mar em cerca de 20%, pode ler-se no estudo.
 
"Sempre achámos que a dependência crescente de água subterrânea para irrigação e consumo resultava numa transferência de água da terra para o oceano", afirmou J.T. Reager do Jet Propulsion Laboratory da Nasa, principal autor do trabalho. "O que não tinhamos percebido até agora é que, ao longo da última década, as mudanças no ciclo global da água mais do que compensaram as perdas que ocorreram com o bombeamento de águas subterrâneas, levando a Terra a agir como uma esponja, pelo menos temporariamente", explicou.
 
O ciclo global da água inclui a evaporação de água dos ocenaos, a sua precipitação sob a forma de chuva ou neve e o seu regresso aos oceanos, através dos rios. Não se sabia, até agora, qual o efeito que este armazenamento tinha no aumento do nível da água do mar, já que não há instrumentos terrestres que possam medir estas mudanças em todo o planeta. Os dados mais recentes vieram dos satélites da Nasa, lançados em 2002, conhecidos como Gravity Recovery and Climate Experiment (GRACE). As medições foram feitas no período entre 2002 e 2014.
 
O "aumento de água sobre a Terra foi distribuído globalmente, mas, se considerado em conjunto, equivale ao volume do Lago Huron, o sétimo maior lago do mundo", segundo os investigadores da Nasa. Famiglietti, um dos cientistas, salienta também que este é o primeiro estudo a observar padrões globais de mudança no armazenamento de água nos solos, com as regiões húmidas a ficarem ainda mais húmidas e as regiões secas a ficarem ainda mais secas.
 
Os investigadores acreditam que os resultados vão ajudar os cientistas a calcular melhor as mudanças do nível do mar nos próximos anos. "Estes resultados vão levar a um refinamento das projecções do nível da água do mar, a nível global, como os relatórios apresentados no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que reconhecem a importância das mudanças provocadas pelo clima na hidrologia, mas que não conseguiram incluir qualquer estimativa fiável da sua contribuição para as alterações no nível do mar", disse o autor Jay Famiglietti, professor da Universidade da Califórnia. "Mas vamos precisar de um registo de dados muito mais extenso para compreender plenamente a causa destes padrões e se eles vão persistir", concluiu.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Einstein tinha razão. Ondas gravitacionais detectadas pela primeira vez

11 Fev, 2016 - 15:34 • Ricardo Vieira com Reuters
Descoberta abre a porta a uma nova maneira de observar o cosmos e pode ajudar a compreender alguns dos enigmas do Universo.
 
É um dia histórico para a ciência: as ondas gravitacionais previstas por Albert Einstein há um século, em 1916, foram detectadas, foi anunciado esta quinta-feira, em Washington. A descoberta abre a porta para uma nova maneira de observar o cosmos e pode ajudar a compreender alguns dos enigmas do Universo.
 
Cientistas do Instituto de Tecnologia da Califórnia, do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT, na sigla inglesa) e do LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) revelaram, em conferência de imprensa, ter registado um sinal correspondente a ondas gravitacionais.
 
Estas ondas foram emitidas na sequência da colisão de dois buracos negros, um com 36 vezes a massa do Sol, o outro com 29.
 
Os dois buracos negros foram localizados a 1.3 mil milhões de anos-luz do planeta Terra. O fenómeno pode ser comparado, a uma outra escala, com as pequenas ondas formadas pela queda de uma pedra num lago. Só que, neste caso, as ondas não se propagam na água, mas através do Universo à velocidade da luz.
A hipótese avançada há 100 anos pelo físico Albert Einstein foi agora confirmada graças a dois detectores de lasers gigantes, instalados no Louisiana e em Washington, nos Estados Unidos.
 
Ondas gravitacionais fazem "Whoop"
As primeiras ondas gravitacionais foram detectadas no dia 14 de Setembro do ano passado, mas só agora foram reveladas ao mundo.
 
Os dois detectores de lasers do LIGO trabalham em conjunto na busca das ondas gravitacionais. São capazes de detectar pequeníssimas vibrações provocadas pela passagem das ondas gravitacionais pela Terra.
 
Depois de registarem os sinais, os cientistas converteram-nos em ondas rádio. O que permite ouvir o som da colisão dos dois buracos negros e “observar o Universo de uma nova maneira", anunciaram os cientistas.
“Nós conseguimos, realmente, ouvi-los chocar. Captámos o sinal que chega à Terra, conseguimos passá-lo para uma coluna e podemos ouvir estes buracos negros a fazer: ‘Whoop’”, explica Matthew Evans, físico do MIT.
 
Em entrevista à agência Reuters, a astrofísica Nergis Mavalvala, do MIT, considera que "estamos a assistir à descoberta de uma nova ferramenta para fazer astronomia". A Humanidade conseguiu "ligar um novo sentido". Já conseguia ver e agora também consegue ouvir, sublinha a astrofísica.
 
Albert Einstein propôs a existência de ondas gravitacionais, em 1916, na sequência da sua visionária e famosa Teoria da Relatividade, que apresentava a gravidade como uma distorção do espaço e tempo desencadeada pela presença de matéria.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

O Cancro do Pâncreas

Germano de Sousa // Saúde e Medicina // Médicos
 
Apenas em cerca de 15% dos casos pode ser removido por cirurgia.
 
Em Portugal, o Cancro do Pâncreas é responsável por 4% das mortes. O cancro é um crescimento descontrolado de células anormais que formam tumores e invadem os tecidos, existindo a hipótese de se disseminarem por todo o corpo (metástases).
No que respeita aos tumores pancreáticos, 95% desenvolvem-se nos ductos pancreáticos, frequentemente a partir das células que expelem as enzimas, por sua vez excretadas pelo pâncreas exócrino. Os tumores pancreáticos endócrinos são detetados mais cedo que os exócrinos, uma vez que podem produzir sintomas causados pela excreção de quantidades excessivas de hormonas. Geralmente, os tumores endócrinos são mais raros e menos agressivos que os tumores exócrinos.
Causas e Sintomas
Os fatores de risco que podem estar na origem de desenvolvimento de Cancro do Pâncreas são a Pancreatite Crónica, exposição a algumas substâncias industriais e a possibilidade do indivíduo ser fumador.
Em 95% dos casos de pacientes com Cancro do Pâncreas, os cancros são adenocarcinomas, desenvolvendo-se assim nos tecidos exócrinos. O diagnóstico torna-se difícil, pois nos estádios iniciais existem sintomas comuns a outras doenças, como dor, náuseas, perda de apetite e, algumas vezes, icterícia. Como o Pâncreas é um órgão profundo, os tumores não são observados ao exame físico e, quando os sintomas ocorrem, já estão bastante desenvolvidos. Por esta razão, o Cancro do Pâncreas é a quarta causa mais comum de morte por cancro, principalmente porque em cerca de 90% dos casos já se disseminou para fora do órgão quando é diagnosticado.
Exames
Não existem exames laboratoriais específicos para a deteção precoce do Cancro do Pâncreas. O diagnóstico da doença é geralmente efetuado com o tumor já num estádio avançado, através de exames de imagem e biópsias. No entanto, existem alguns exames laboratoriais que podem apresentar resultados anormais e que podem despoletar a hipótese de presença da doença, mas que não são específicos para o seu diagnóstico, nomeadamente:
Amilase – A sua presença no sangue está em geral aumentada em doentes com Cancro do Pâncreas;
CA 19-9 - Marcador tumoral usado para detetar a presença de diversos tumores abdominais, em especial o Cancro do Pâncreas, embora um valor aumentado possa surgir em situações benignas;
CEA (antígeno carcinoembrionário) - Marcador tumoral útil para monitoração da doença;
Teste de Função Hepática - Grupo de exames utilizados para avaliar doentes com suspeita de doença hepática, incluindo a medição da dosagem de bilirrubina e enzimas hepáticas no sangue;
Outros exames como a gordura fecal, Tripsina, Tripsinogénio, Amilase e Lipase podem ser solicitados para avaliar a função do pâncreas e a necessidade de tratamento com enzimas pancreáticas.
Tratamento
Como o Cancro do Pâncreas, na maioria dos casos, está já num estádio avançado quando é diagnosticado, apenas em cerca de 15% dos casos pode ser removido por cirurgia. O procedimento mais utilizado pelos médicos passa por retirar parte do estômago, da vesícula, dos ductos cístico e biliar comum, da cabeça do pâncreas e do duodeno. Após a cirurgia, o doente realiza sessões de radioterapia e quimioterapia para retardar a evolução de tumores inoperáveis.
Por Germano de Sousa

Os marcadores tumorais como indicadores de malignidade

Germano de Sousa // Saúde e Medicina // Germano de Sousa, Médico Especialista em Patologia Clínica
 
Nos pacientes com cancro, verifica-se um crescimento autónomo do tecido devido à ação de um carcinogénio, que pode ser de natureza física, química ou biológica. As células neoplásicas tumorais podem ser, em quantidade elevada, proteínas que são usadas em laboratório como marcadores tumorais.
 
Um marcador tumoral é uma substância usada como indicador de malignidade, que passa de células neoplásicas ao sangue, urina e tecidos biológicos. Existem diversos marcadores tumorais, cada um indicativo de um processo patológico diferente e são usados em Oncologia para detetar a presença de um cancro e respetivo volume e estádio, bem como detetar recidivas e avaliam e monitorizam a terapêutica.
Um marcador tumoral ideal deverá ser específico do respetivo tumor, libertado proporcionalmente ao volume do tecido tumoral, detetável num estádio precoce da doença e doseável com fiabilidade. No entanto, como não existe em substância ideal, o valor diagnóstico de um marcador tumoral depende da sua especificidade e sensibilidade.
O marcador será tanto mais específico quanto mais baixa for a probabilidade de fornecer um resultado falso positivo e tanto mais sensível, quanto maior for a probabilidade de fornecer resultados positivos nos casos confirmados de tumor.
Do ponto de vista bioquímico, os marcadores tumorais são geralmente proteínas ligadas a hidratos de carbono ou a lípidos, que se comportam como antigénios. Um antigénio é uma substância estranha ao organismo e reconhecida pelo sistema imunitário para ser destruída. Os antigénios libertados no sangue por alguns cancros são detetados mediante análises ao sangue por técnicas laboratoriais que utilizam anticorpos que reconhecem especificamente os antigénios tumorais originando um eventual alerta da existência de tumor.
As análises clínicas ajudam a determinar se o tratamento de um cancro é eficaz. Se o marcador tumoral desaparece do sangue, a terapêutica provavelmente foi eficaz. Se o marcador desaparece e mais tarde reaparece, o cancro possivelmente reapareceu.
Principais marcadores tumorais considerados em oncologia:
  • Antigénio Carcino-Embrionário (CEA) – Carcinoma Colorrectal e Cancro da Mama
  • Alpha-Fetoproteína (AFP) – Carcinoma Hepatocelular
  • Antigénio Hidrocarbonado (CA 19-9) – Carcinoma Pancreático
  • Antigénio 125 (CA 125) – Carcinoma do Ovário
  • CYFRA 21-1 – Carcinoma Brônquico
  • CA 72-4 – Carcinoma Gástrico
  • PSA – Carcinoma Prostático
Todos estes marcadores podem estar elevados em doenças benignas. Por isso apenas são utilizados como método de despiste em população de risco.
 
Por Germano de Sousa, Médico Especialista em Patologia Clínica

Arrancou a segunda época de reintrodução do lince ibérico

Julien Vergé _ Público

Três Linces ibéricos, duas fêmeas e um macho, foram libertados hoje na Herdade das Romeiras, no concelho de Mértola, como parte da segunda época de reintrodução da espécie em Portugal.
O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas quer enviar para a natureza mais seis linces ibéricos até final de Março
A protecção do lince ibérico avançou ontem para uma nova fase. Com o início da segunda época do projecto Recuperação da Distribuição Histórica do Lince Ibérico (Lynx pardinus) em Espanha e Portugal foram introduzidos três novos espécimes na Herdade das Romeiras, no concelho de Mértola.
Localizado em São João dos Caldeireiros, este habitat vai receber duas fêmeas, Myrtilis e Mirandilla e um macho, Monfragüe. As fêmeas serão postas, num primeiro momento, num cercado de adaptação de forma a garantir uma devolução sustentável à natureza. Ambas nascidas em 2014, a primeira vem do Centro Nacional de Reprodução de Lince Ibérico em Cativeiro de Silves, ao passo que a segunda vem do Centro de Reprodução em Cativeiro La Olivilla, em Espanha.
 
Monfragüe, o único macho a ser reintroduzido nesta primeira fase da nova época, também nasceu no centro espanhol em 2014. Para ele, a reintrodução na natureza será feita de forma directa.
 
O nome destes três linces foi escolhido pela população de Mértola, tal como já tinha acontecido no ano passado com Liberdade e Luso, dois linces que se encontram agora estabilizados no concelho.
 
Segundo Sofia Castel-Branco, membro da direcção do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), estes três linces são os primeiros de um grupo de nove a serem introduzidos na natureza nesta segunda época, seis fêmeas e três machos. Esta reinserção dos animais irá decorrer até ao final do próximo mês de Março.
 
Antes de libertar os restantes animais na natureza, as equipas de protecção e tratamento do centro de Silves vão submetê-los a uma série de testes de segurança e de adaptação, de forma a minimizar o risco de a experiência ter efeitos negativos ou inesperados, assegura a vogal do ICNF.
 
A introdução destes três espécimes alarga assim o número de linces ibéricos portugueses de nove para 12, aos quais se juntam também dois linces espanhóis. Durante a primeira fase em Portugal, que se iniciou em Dezembro de 2014, foram introduzidos dez animais, mas a fêmea Kayakweru morreu envenenada no passado dia 12 de Março.
 
Os linces soltos em território nacional encontram-se actualmente adaptados ao novo meio e estão bem instalados naquela área, segundo Sofia Castel-Branco. Está previsto continuar a inserir entre oito a dez linces por ano, até haver um número sustentável de exemplares desta espécie em liberdade.
 
Em risco, mas menos
O lince ibérico, ou Lynx pardinus, é um pequeno felino que possui cerca de um metro de comprimento, com cor castanha e geralmente pintalgado, que tem como outras características um focinho farfalhudo e orelhas com pêlos compridos nas extremidades. A sua presa de caça predilecta são os mamíferos da ordem Lagomorpha — herbívoros como coelhos e lebres.
 
Estima-se que este animal terá surgido há cerca de 1,8 milhões de anos, segundo um estudo publicado em Novembro na revista científica Quaternary Science Reviews. Essa antiguidade foi revelada depois de ter sido estudado um crânio encontrado em 2003 na gruta Avenc Martel, nos arredores de Barcelona, em Espanha. Estima-se que a idade do crânio em questão ronde os 1,6 milhões de anos, mais 500 mil anos do que se julgava ser a idade desta espécie.
 
O lince ibérico difere em vários aspectos do seu antepassado. As diferenças começam no tamanho, já que os animais que podemos encontrar agora tanto em Portugal como em Espanha são mais pequenos do que o antecessor. Outra grande diferença passa por possuir dentes pré-molares significativamente maiores, resultado de uma adaptação à dieta de coelhos e lebres.
 
Apesar do estatuto de predador, este felino encontrou-se recentemente em perigo de extinção devido a uma série de factores como a caça, a fragmentação do habitat e as doenças que afectaram as populações de coelhos. A confluência destes factores atingiu o lince ibérico de tal forma que sobraram apenas duas pequenas populações, localizadas nas regiões andaluzas de serra Morena e Doñana, no Sul de Espanha.
 
Tendo chegado a cerca de 5000 indivíduos em 1950, a espécie atingiu o mínimo durante o ano de 2001, com apenas 52 indivíduos em idade de reprodução. Por isso, a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN em inglês) colocou o lince ibérico na lista vermelha como uma espécie em “perigo crítico de extinção” em 2002. Foi assim que se activaram os primeiros movimentos para a protecção e salvaguarda do felino mais ameaçado do mundo. Entre 2002 e 2012, estes movimentos tiveram o devido efeito, ajudando a triplicar o número de linces existentes.
 
A protecção da espécie intensificou-se também com o fortalecimento da acção dos cinco centros de reprodução em cativeiro da península ibérica, com quatro em Espanha e um português, o de Silves, que existe desde 2009. O resultado desse fortalecimento foi o programa de colaboração entre os centros, que se desenvolveu agora para esta operação de devolução dos linces ao seu habitat natural. O lince ibérico manteve-se na categoria de perigo crítico de extinção até Junho do ano 2015, altura em que regressou ao estatuto menos grave de “em perigo” – apesar de continuar a ter um nome pouco animador é, em termos concretos, menos preocupante.
Texto editado por Victor Ferreira

Açores passam a ter 17 áreas marinhas protegidas

Lusa - Público

Cientistas anunciam a existência de mais leões na Etiópia

AFP - Público

Descoberta considerada importante numa altura em que a população destes felinos em África caiu drasticamente.
O famoso leão da Abissínia
Cientistas confirmaram pela primeira vez a existência de leões numa região remota do Noroeste da Etiópia, uma descoberta feliz num contexto de declínio alarmante da população de leões no continente africano.
 
A presença de leões foi comprovada no Parque Nacional de Alatash, no Noroeste da Etiópia, junto à fronteira com o Sudão, numa missão científica dirigida por Hans Bauer, anunciou nesta segunda-feira a fundação Born Free, especializada na protecção da fauna.
 
A equipa de Hans Bauer comprovou igualmente a existência de leões do lado sudanês, no parque de Dinder, e estima que nos dois parques haja entre 100 e 200 leões.
 
“Os leões estão claramente presentes no Parque Nacional de Alatash e no parque de Diner. A presença de leões só agora foi confirmada em reuniões a nível nacional e internacional”, diz Hans Bauer, citado no comunicado da Born Free.
 
Além de numerosas pegadas, a presença de leões foi confirmada pelos cientistas graças a imagens capturadas por câmaras com sensores de movimento, que foram espalhadas pelo parque etíope.
 
“Numa altura em que o número de leões tem descido drasticamente no continente africano, esta descoberta é muito importante”, congratula-se a fundação Born Free.
 
Dos cerca de 20 mil leões que existem em África, quase metade corre o risco de desaparecer daqui a 20 anos, segundo um estudo publicado em Outubro do ano passado pela revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
 
Os investigadores estimam que em meados do século XX existiam dez vezes mais leões – cerca de 200 mil.
 
A Etiópia abriga, por outro lado, cerca de mil leões da Abissínia, reconhecíveis pela juba preta.
 
Cantado por Bob Marley e Serge Gainsbourg em referência ao “leão de Judá”, o imperador Haïlé Sélassié, o leão da Abissínia simboliza a dinastia dos reis na Etiópia.

Reino Unido autoriza edição genética de embriões humanos para investigação

  _Público
(actualizado às )

Experiências só serão feitas até ao sétimo dia de desenvolvimento do embrião. Investigação pretende compreender fenómenos como a infertilidade ou os abortos espontâneos
Embrião humano nos primeiros dias de desenvolvimento
O Reino Unido autorizou a edição genética de embriões humanos para a investigação científica, foi anunciado nesta segunda-feira. As experiências só serão feitas durante os primeiros sete dias de desenvolvimento dos embriões e está proibida a sua implantação no útero de mulheres. Os cientistas querem fazer estas experiências para compreender o desenvolvimento embrionário, assim como a razão da ocorrência dos abortos espontâneos.
 
Para a edição do ADN, vai ser utilizada a técnica recente de engenharia genética conhecida por Crispr-Cas9. Esta técnica utiliza uma espécie de tesoura molecular que permite aos cientistas cortar regiões específicas do ADN. A Cas9 é uma enzima que existe na bactéria “Streptococcus pyogenes”. Para a edição genética, os cientistas acoplam à Cas9 um bocadinho de ARN (molécula semelhante ao ADN) que tem a sequência certa para se ligar a uma porção específica da molécula de ADN.
 
Desta forma, o pedaço de ARN “cola-se” ao ADN que os cientistas escolheram, e a enzima Cas9 faz o trabalho de cortar esse pedaço de ADN. Deste modo, é possível cortar pedaços de genes responsáveis por mutações que provocam doenças. É possível substituir ainda esses pedaços por outros pedaços de ADN normal.
 
A técnica não tinha sido aprovada no Reino Unido para a investigação em embriões humanos, embora já tenha sido utilizada em animais. A especialista de células estaminais Kathy Niakan, do Instituto Francis Crick, em Londres, pediu em Setembro autorização à Autoridade de Fertilização e Embriologia Humana (HFEA, na sigla em inglês), que regula estas questões no Reino Unido, para realizar estas experiências.
 
Agora, a HFEA autorizou-as. “Aprovámos o pedido da doutora Kathy Niakan do Instituto Francis Crick”, anunciou a entidade britânica, citada pela agência noticiosa AFP.
 
Ao sétimo dia após a fertilização, o embrião humano já se dividiu em cerca de 250 células. Nesta altura, o embrião chama-se blastocisto. Numa gravidez normal, as células da blastocisto vão dar origem ao bebé e às estruturas de apoio: parte da placenta, o saco vitelino e o saco amniótico. É por estes dias que o blastocisto fixa-se à parede do útero. Mas nem todos os ovócitos fertilizados vão até ao final da gravidez. Em dois terços dos casos ocorrem abortos espontâneos.
 
“Queremos compreender quais são os genes necessários para que um embrião humano se desenvolva e dê origem a um bebé saudável”, disse há dias Kathy Niakan, citada pela BBC online. “Este conhecimento é muito importante porque os abortos espontâneos e a infertilidade são extremamente comuns, mas não se percebe muito bem por que é que acontecem.”
 
A investigadora vai começar por estudar o gene Oct4, que acredita ser crucial nos primeiros estádios do desenvolvimento embrionário, explica por sua vez a agência noticiosa Reuters.
 
Os embriões usados para a investigação pelo instituto serão de casais que fizeram tratamentos de fertilização in vitro e que ficaram com embriões que já não serão utilizados, explica o Instituto Francis Crick em comunicado. A doação será feita com consentimento informado. No entanto, o projecto só arranca daqui a alguns meses, já que “precisa agora de obter a aprovação ética”, lê-se no comunicado do instituto.
 
Mas há quem receie que esta técnica de “corta e cola” de genes e a autorização deste tipo de investigação científica venham a dar origem a bebés “feitos à medida”. “Este é o primeiro passo para a legalização de bebés geneticamente modificados”, disse David King, citado pela Reuters, reagindo à autorização dada pela HFEA. David King é o director do grupo activista britânico Alerta Genética Humana.
 
Ao alterar-se o ADN de embriões humanos, altera-se o ADN de todas as células futuras daquele embrião, incluindo das futuras células sexuais, afectando para sempre aquela linha de descendência.
   
Esta questão foi levantada em Abril de 2015, quando pela primeira vez no mundo uma equipa de investigadores chineses anunciou ter utilizado precisamente a Crispr-Cas9 para alterar em embriões humanos um gene chamado HBB, cujas mutações provocam uma doença do sangue potencialmente mortal. Estas alterações foram realizadas em embriões inviáveis porque tinham sido fecundados por dois espermatozóides, possuindo um número anormal de cromossomas. Os embriões provinham de uma clínica de fertilidade e iriam ser descartados.
 
No entanto, a nova técnica e as suas potencialidades acabaram por ser discutidas no início de Dezembro último, na Cimeira Internacional sobre a Edição do Genoma Humano, em Washington, Estados Unidos, onde se concluiu que seria irresponsável, pelo menos para já, a manipulação genética de embriões, ovócitos ou espermatozóides para gerar bebés. Mas, na cimeira, os cientistas defenderam o uso da técnica para fins de investigação.
 
Num dos últimos passos científicos importantes em que a Crispr-Cas9 foi utilizada, mostrou-se que é possível apagar, em ratinhos, a mutação genética que provoca um tipo de distrofia muscular. Este tipo de uso da técnica como terapia genética aplicada a tecidos específicos – neste caso os músculos – é visto com muito menos desconfiança a nível ético.
   
O Reino Unido é o primeiro país em que a questão ética foi primeiro discutida por uma entidade reguladora destas questões e foi aprovada – o que não aconteceu na China. “Estou encantado com a aprovação pela HFEA do pedido da Dra. Niakan”, comentou Paul Nurse, director do Instituto Francis Crick, citado pela BBC online. “A proposta de investigação da Dra. Niakan é importante para compreender o desenvolvimento saudável de embriões humanos e vai aumentar o nosso conhecimento sobre as taxas de sucesso da fertilização in vitro.”
 

Coimbra Genomics aposta na medicina personalizada com parcerias em cinco países

- Público

Empresa portuguesa inventou software que dá informação relevante para consultas médicas com base na genética do doente. Parcerias com Alemanha, Brasil, Estónia, Israel e Portugal são alavanca para chegar aos mercados internacionais.
 
O físico Bruno Soares é o director-executivo da empresa com sede em Cantanhede
O uso da informação genética de cada doente para o diagnóstico e o tratamento das doenças passou a ser uma possibilidade real desde que se concluiu a sequenciação do genoma humano, em 2003. Agora, a empresa portuguesa Coimbra Genomics assinou parcerias com instituições de cinco países para pôr em prática esta ideia. Como? Usando um software que analisa a sequência genética de cada doente e dá informação sobre a sua susceptibilidade para certas doenças e medicamentos.
 
O software, chamado Elsie, é uma plataforma informática que só pode ser usada no contexto clínico, necessitando da autorização do médico e do doente. “É uma ferramenta de suporte à decisão clínica”, explica ao PÚBLICO Bruno Soares, director-executivo da Coimbra Genomics, que está integrada no cluster de empresas do Biocant – Centro de Inovação em Biotecnologia, que fica em Cantanhede.
 
A empresa nasceu em 2013 com o investimento das empresas Critical Ventures e Portugal Ventures. O conselho de administração inclui o físico Carlos Fiolhais, o director do Biocant, Carlos Faro, e Gonçalo Quadros, director da empresa Critical Software. Nos últimos dois anos e meio, a empresa gastou 1,1 milhões de euros na construção do Elsie (um dos nomes da famosa cientista inglesa Rosalind Elsie Franklin, que contribuiu para a descoberta da estrutura da molécula de ADN, em 1953), explorando o complexo mundo da genómica e extraindo a informação que pode ser relevante para a medicina.
 
O anúncio de hoje é o passo seguinte. A empresa fez parcerias com hospitais na Alemanha, no Brasil, em Israel e em Portugal, e integra ainda um estudo-piloto na Estónia. Desta forma, irá testar a tecnologia com os médicos, para depois ser comercializada. “Temos a intenção de entrar em operação comercial já no primeiro semestre de 2016”, antecipa Bruno Soares, que é doutorado em física.
 
Colesterol e dores musculares
A informação em bruto obtida na descodificação do genoma é a sequência das “letras” que compõem a longa molécula de ADN. Uma parte importante destas letras não codifica nenhum dos cerca de 20.000 genes da espécie humana. E para muitos destes genes não se conhece, pelo menos por agora, importância para a saúde. Além disso, em muitos casos, a susceptibilidade a uma doença depende de vários genes. Tudo isto dificulta a possibilidade de se tirar conclusões médicas a partir da informação genética.
 
Para já, a equipa de seis pessoas da Coimbra Genomics (que inclui doutorados em genética, biologia bioinformática e informática) reuniu 30 perguntas – em áreas como a cardiologia, neurologia, pneumologia, gastroenterologia, hematologia, oftalmologia, reumatologia, medicina interna, pediatria e a geriatria –, a que o Elsie dá resposta. “O médico terá de fazer perguntas específicas. Não pode fazer perguntas abertas”, diz o empresário.
 
Uma das perguntas é sobre as estatinas, os medicamentos contra o colesterol. Há uma parte da população que reage mal a estas moléculas, devido à sua genética, e tem problemas musculares. Se um doente tiver o seu genoma sequenciado, o software Elsie poderá aceder a essa informação e indicar imediatamente se corre algum risco de usar as estatinas.
 
“Para perguntas mais complexas sobre doenças, o relatório só é entregue no dia seguinte”, acrescenta Bruno Soares. “O Elsie olha para o código genético do doente e produz um relatório que diz que, em certos estudos, um doente com uma determinada variação genética tem tais características.”
 
Caberá ao médico interpretar a informação. A empresa pretende que o relatório seja de fácil leitura. Desta forma, o médico não terá de estar a par do último gene que a ciência associou a cada doença, defende Bruno Soares. Esse será o trabalho da Coimbra Genomics, que terá de se manter actualizada. É esta aposta que permitirá fazer crescer o potencial do software. Bruno Soares antecipa que o Elsie poderá responder a “milhares de perguntas daqui a cinco anos”.
 
Para a pergunta ser realizada, o médico terá de aceder ao software com uma password e, tanto ele como o doente, terão de introduzir no computador uma “chave física”, para já será uma pen digital. Deste modo, nem o médico poderá conhecer a informação genética de um doente às escondidas, nem o doente poderá saber se tem alguma predisposição para doenças fora de um contexto clínico.
 
Por cada pergunta que o médico faça ao Elsie, o doente terá de pagar “algumas dezenas de euros”, diz Bruno Soares – o valor ainda não foi definido.
 
As parcerias vão servir como “demonstrações do sistema”: na Alemanha, a empresa vai introduzir o software na clínica “Preventicum”, em Essen, e na Ruppiner Kliniken, na região de Berlim-Brandeburgo; no Brasil, será no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo; em Israel, no Centro Médico Rambam, em Haifa; e em Portugal, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
 
Só os doentes que têm o genoma sequenciado é que poderão tirar proveito deste serviço, o que dependerá do dinheiro que cada um tem. Bruno Soares argumenta que a sequenciação do genoma é cada vez mais barata, e lembra que em Portugal o Sistema Nacional de Saúde já participa neste exame em casos particulares.
 
A Estónia tem o objectivo de sequenciar o genoma de 20% da sua população, para se colocar na dianteira da investigação na genómica. É neste contexto que a Coimbra Genomics integra o estudo-piloto Iniciativa de Medicina Personalizada da Estónia.
 
Desta forma, a empresa quer mostrar ao mercado internacional que tem “algo muito útil, seguro e inovador”, defende Bruno Soares: “Espero um crescimento muito rápido na fase posterior.”

Investigador do I3S recebe 1,5 milhões de euros para estudar pâncreas

Lusa e

José Bessa tem-se dedicado ao estudo do pâncreas.
José Bessa olha para um peixe-zebra
O Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S), da Universidade do Porto, anunciou esta terça-feira que o seu investigador José Bessa foi contemplado com um financiamento de 1,5 milhões de euros para estudar o desenvolvimento e o funcionamento do pâncreas, nomeadamente a diabetes.
 
Este dinheiro foi atribuído pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC, na sigla em inglês), numa ronda de negociações que fecha de vez a lista de contemplados em 2015 com estes financiamentos.
 
Assim, relativo ao ano passado, houve financiamento do ERC para um total de dez investigadores portugueses ou a trabalhar em Portugal: além de José Bessa, os outros contemplados foram Cláudio Franco, Vanessa Alexandra Morais e Edgar Gomes (os três do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa), Noam Shemesh e Rui Costa (ambos da Fundação Champalimaud), Helder Maiato (também do I3S), Mónica Bettencourt-Dias (do Instituto Gulbenkian de Ciência, em Oeiras), Marina Costa Lobo (do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa) e António Jacinto (da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa).
 
“Este financiamento vai ser excelente porque podemos de facto ter recursos para comprar toda a tecnologia de ponta para desenvolver este projecto de investigação, contratar pessoas e constituir uma equipa para desenvolver este projecto complexo”, afirma agora José Bessa.
 
O trabalho que o investigador está a desenvolver e que irá aprofundar nos próximos cinco anos visa “compreender melhor como é que modificações do nosso genoma podem contribuir para um determinado risco de desenvolvimento desta doença [a diabetes]”, disse José Bessa à agência Lusa. “Podemos, se calhar, melhorar a nossa capacidade de prever o risco associado ao desenvolvimento da doença. No caso de uma pessoa que tem risco demasiado elevado, pode ficar sob vigilância e tomar as devidas precauções em termos de tipo de vida.”
 
No seu projecto, os cientistas do I3S irão utilizar um modelo animal, o peixe-zebra, com pâncreas muito semelhante ao dos humanos. E irão introduzir mutações no genoma não codificante (parte do ADN que não comanda o fabrico de proteínas e que, portanto, não é expressada), para ver se conseguem originar algo semelhante à diabetes de tipo 2. “Queremos decifrar o código do DNA que não contém genes e compreender como é que modificações subtis nesse código podem contribuir para o aumento de risco de algumas doenças, em particular a diabetes”, explica o investigador.
 
O objectivo é compreender “o reguloma do pâncreas”, ou seja, as regiões do genoma que, no seu conjunto, regulam a formação e funcionamento desse órgão. “Sabe-se que durante a diferenciação de qualquer órgão há um conjunto de genes que são expressos e outros silenciados, e que essa expressão é crucial para o correto desenvolvimento e funcionamento dos órgãos. ‘Ligar’ e ‘desligar’ genes, no sítio certo e no momento certo, depende de zonas regulatórias espalhadas pelo genoma dos seres vivos. Erros nessas zonas regulatórias, ou nos reguladores que sobre ela agem, estão na base de várias doenças que conhecemos. É o caso da diabetes”, explica um comunicado do I3S.
 
“Sem este tipo de financiamentos mais avultados, ou com financiamentos mais limitados, os passos que se dão no conhecimento são também limitados”, considera o I3S no comunicado. “Em áreas científicas muito competitivas, como é o estudo da diabetes, haverá sempre alguém, noutro país, em condições para dar passos de gigante. Por isso, a ciência portuguesa está, mais uma vez, de parabéns ao conseguir angariar as condições para competir a nível mundial.”

O cromossoma Y poderá ser inútil para a reprodução masculina

- Público

Sabe-se que este pequeno bocado de ADN é importante para a saúde dos homens. Mas, pelo menos no ratinho, parece ser totalmente redundante em termos reprodutivos.
Um dos ratinhos machos sem cromossoma Y
O cromossoma Y é a quintessência do género masculino. Só os machos o possuem e inclui genes muito importantes para a reprodução. Mas agora, uma equipa de cientistas dos EUA e de França acaba de obter, no ratinho, resultados que parecem pôr seriamente em causa esta função fundamental do cromossoma Y – pelo menos quando se utilizam técnicas de reprodução assistida.
 
Os seus resultados, que foram publicados esta quinta-feira na revista Science, mostram que é possível restaurar a fertilidade de ratinhos machos totalmente desprovidos de cromossoma Y – e portanto supostamente inférteis – graças a outros genes, situados noutros cromossomas.
 
Mais precisamente, bastaram dois “sucedâneos” de genes do cromossoma Y para obter espermatozóides que a seguir permitiram a esses ratinhos estéreis, sem Y, ter filhotes. Segundo os autores do trabalho, os resultados poderão ter, no futuro, implicações na luta contra a infertilidade masculina.
 
Ambos os ratinhos e os humanos possuem dois cromossomas sexuais (no seu conjunto de 23 pares de cromossomas): as fêmeas são XX e os machos XY.
 
Com apenas umas centenas de genes, o cromossoma Y é hoje diminuto em comparação com o X, mas isso nem sempre foi assim. Nos longínquos antepassados dos mamíferos, o X e o Y eram em tudo semelhantes, formando um verdadeiro “par”, tal como os outros 22 pares de cromossomas humanos ainda o fazem.
 
Mas a dada altura, há dezenas de milhões de anos, o cromossoma Y começou a encolher drasticamente, tendo perdido, até hoje, 97% dos seus genes iniciais.
 
Esta aparente fragilidade levou aliás alguns especialistas a argumentar que o cromossoma Y tinha os dias contados. Contudo, vários estudos têm vindo a mostrar claramente que o cromossoma Y está cá para ficar.
 
Porquê? Em particular, porque é vital para a própria sobrevivência do organismo masculino e não apenas para a sua reprodução.
 
Assim, há uns anos, a equipa de David Page, do Instituto Whitehead (EUA), mostrara que, na sua versão actual, o Y só reteve 19 genes dos 600 que partilhava ancestralmente com o X – 19 genes que possuem portanto duas cópias no ADN dos homens – uma no X e uma no Y. Para Page, isto sugeria que esses genes eram particularmente importantes para os homens e que, como na ausência dessa duplicação alguma coisa não correria bem, foi por isso que a evolução se encarregou de os preservar no diminuto cromossoma Y ao longo de dezenas de milhões de anos.
 
Em 2014, essa tese foi confirmada pela equipa de Page e outros, que num artigo na revista Nature concluíam não só que esses 19 genes subsistem no Y há 25 milhões de anos (o contrário da fragilidade), como também que uma boa parte deles são activados em diversos tecidos do corpo para além do aparelho reprodutor masculino. Ou seja: sem o Y, os homens seriam provavelmente inviáveis – e a espécie humana ameaçada de extinção iminente.
 
Dois genes para a fertilidade
Entretanto, a equipa de Monika Ward, da Universidade do Havai (EUA) – a autora principal do artigo agora publicado na Science – tinha por seu lado andado a estudar qual seria a versão “minimalista” do cromossoma Y que garantiria, em certas condições, a fertilidade de ratinhos machos. E estes cientistas mostravam, em 2013 e também na Science, que era possível, com técnicas de reprodução medicamente assistida, gerar descendência a partir de ratinhos machos com apenas dois genes activos no cromossoma Y. Os dois genes indispensáveis chamam-se Sry, que é responsável pela formação dos testículos; e Eif2s3y, que é essencial às primeiras fases da produção de espermatozóides.
 
“Quer isso dizer que a maior parte do cromossoma Y não é necessário para a reprodução?”, interrogara-se na altura Monika Ward. E respondera. "No estado actual dos nossos avanços tecnológicos na reprodução assistida, quer.”
 
Se isto já era em si uma declaração contundente, agora os mesmos investigadores, com a colaboração de um colega da Universidade de Aix-Marselha (França) foram mais longe: mostraram que, mesmo na ausência desses dois genes do Y, ainda é possível garantir a fertilidade dos ratinhos machos.
 
Magia? De forma alguma: basta agir directamente, por um lado, sobre um gene-alvo de Sry, chamado Sox9, que se encontra no cromossoma 11 destes animais; e, por outro, sobre o homólogo do gene Eif2s3y, chamado Eif2s3x – que está presente no cromossoma X dos ratinhos machos (é um dos tais 19 genes acima referidos). Mais precisamente: reproduzindo artificialmente a acção normal do Sry sobre o o Sox9 e utilizando o Eif2s3x para compensar a falta do Eif2s3y, mostraram que o cromossoma Y dos ratinhos podia literalmente ser substituído!
 
Para realizar as experiências, os cientistas começaram por criar ratinhos machos com três particularidades, obtidas por engenharia genética: uma total ausência de cromossoma Y; um gene Sox9 activado; e um gene Eif2s3x (do cromossoma X) sobreactivado. “O facto de aumentar assim a dose desse gene do X [Eif2s3x ] para além do que é normal quando ele e o seu homologo do Y estão presentes”, explica a Universidade do Havai em comunicado, “fez com que Eif2s3x passasse a desempenhar a função de Eif2s3y na iniciação da espermatogénese”.
 
Estes ratinhos, lê-se no mesmo comunicado, desenvolveram então testículos que continham “espermatídeos redondos”, ou seja, espermatozóides imaturos (uma vez que só a primeira fase do seu desenvolvimento fora induzida pelo gene Sox9). A seguir, colheram estas células germinais masculinas e utilizaram-nas, graças a uma técnica de fertilização in vitro chamada ROSI (round spermatid injection), para fecundar ovócitos colhidos em ratinhos fêmeas. Por último, os embriões obtidos foram implantados no útero de “mães de substituição” e daí nasceram ratinhos. “Dos 11 embriões implantados, dez resultaram numa gravidez e nasceram nove ratinhos”, escrevem os autores no seu artigo.
 
Estas crias, derivadas portanto de machos sem cromossoma Y, eram saudáveis e tiveram um tempo de vida normal. E mais: não só as filhas destes ratinhos sem Y eram férteis, sem haver necessidade de recorrer a qualquer técnica artificial para se reproduzirem, como também o eram os netos dos ratinhos sem Y nascidos do cruzamento das suas filhas com ratinhos machos XY normais, explica ainda o comunicado. Por outro lado, graças à técnica ROSI, os cientistas também produziram três gerações consecutivas de machos sem Y. “Mostrámos assim que, no ratinho, o contributo do cromossoma Y não é necessário”, diz Monika Ward, citada no mesmo documento. “É uma boa notícia, uma vez que sugere que existem estratégias alternativas, dentro do genoma, capazes de entrar em acção em determinadas circunstâncias.”
 
A técnica ROSI ainda é considerada experimental no ser humano, devido a questões de segurança e outras dificuldades técnicas, mas os autores esperam que o seu trabalho incite os especialistas a reconsiderar a utilidade da técnica para resolver problemas de infertilidade masculina.
 
Uma pergunta impunha-se: poderia isto implicar também que um dia, graças a técnicas deste tipo, um casal de mulheres – ou até uma mulher sozinha – poderia vir a gerar descendência sem qualquer intervenção masculina? “O nosso estudo foi feito no ratinho”, respondeu-nos Monika Ward. “Embora ainda não tenhamos mostrado que duas fêmeas podem gerar descendência juntas, é teoricamente possível que a combinação da nossa abordagem transgénica com avanços recentes na área das células estaminais poderia permitir a um ratinho fêmea produzir espermatozóides – e até a uma única fêmea produzir esperma e ovócitos. No entanto, no ser humano, a situação é mais complicada e, no estado actual do conhecimento, não podemos afirmar que seria possível, [em particular] devido às diferenças de conteúdo genético entre os cromossomas Y de ratinho e humanos."
 
A cientista acrescenta que, de qualquer maneira, “a ser possível, envolveria extensas manipulações genéticas para conseguir fornecer as doses certas dos genes essenciais do cromossoma X”, tal como agora foi feito no ratinho sobreactivando o gene Eif2s3x. “Ora, por enquanto, nem sequer sabemos quais poderão ser esses genes essenciais no ser humano.”