quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Coimbra Genomics aposta na medicina personalizada com parcerias em cinco países

- Público

Empresa portuguesa inventou software que dá informação relevante para consultas médicas com base na genética do doente. Parcerias com Alemanha, Brasil, Estónia, Israel e Portugal são alavanca para chegar aos mercados internacionais.
 
O físico Bruno Soares é o director-executivo da empresa com sede em Cantanhede
O uso da informação genética de cada doente para o diagnóstico e o tratamento das doenças passou a ser uma possibilidade real desde que se concluiu a sequenciação do genoma humano, em 2003. Agora, a empresa portuguesa Coimbra Genomics assinou parcerias com instituições de cinco países para pôr em prática esta ideia. Como? Usando um software que analisa a sequência genética de cada doente e dá informação sobre a sua susceptibilidade para certas doenças e medicamentos.
 
O software, chamado Elsie, é uma plataforma informática que só pode ser usada no contexto clínico, necessitando da autorização do médico e do doente. “É uma ferramenta de suporte à decisão clínica”, explica ao PÚBLICO Bruno Soares, director-executivo da Coimbra Genomics, que está integrada no cluster de empresas do Biocant – Centro de Inovação em Biotecnologia, que fica em Cantanhede.
 
A empresa nasceu em 2013 com o investimento das empresas Critical Ventures e Portugal Ventures. O conselho de administração inclui o físico Carlos Fiolhais, o director do Biocant, Carlos Faro, e Gonçalo Quadros, director da empresa Critical Software. Nos últimos dois anos e meio, a empresa gastou 1,1 milhões de euros na construção do Elsie (um dos nomes da famosa cientista inglesa Rosalind Elsie Franklin, que contribuiu para a descoberta da estrutura da molécula de ADN, em 1953), explorando o complexo mundo da genómica e extraindo a informação que pode ser relevante para a medicina.
 
O anúncio de hoje é o passo seguinte. A empresa fez parcerias com hospitais na Alemanha, no Brasil, em Israel e em Portugal, e integra ainda um estudo-piloto na Estónia. Desta forma, irá testar a tecnologia com os médicos, para depois ser comercializada. “Temos a intenção de entrar em operação comercial já no primeiro semestre de 2016”, antecipa Bruno Soares, que é doutorado em física.
 
Colesterol e dores musculares
A informação em bruto obtida na descodificação do genoma é a sequência das “letras” que compõem a longa molécula de ADN. Uma parte importante destas letras não codifica nenhum dos cerca de 20.000 genes da espécie humana. E para muitos destes genes não se conhece, pelo menos por agora, importância para a saúde. Além disso, em muitos casos, a susceptibilidade a uma doença depende de vários genes. Tudo isto dificulta a possibilidade de se tirar conclusões médicas a partir da informação genética.
 
Para já, a equipa de seis pessoas da Coimbra Genomics (que inclui doutorados em genética, biologia bioinformática e informática) reuniu 30 perguntas – em áreas como a cardiologia, neurologia, pneumologia, gastroenterologia, hematologia, oftalmologia, reumatologia, medicina interna, pediatria e a geriatria –, a que o Elsie dá resposta. “O médico terá de fazer perguntas específicas. Não pode fazer perguntas abertas”, diz o empresário.
 
Uma das perguntas é sobre as estatinas, os medicamentos contra o colesterol. Há uma parte da população que reage mal a estas moléculas, devido à sua genética, e tem problemas musculares. Se um doente tiver o seu genoma sequenciado, o software Elsie poderá aceder a essa informação e indicar imediatamente se corre algum risco de usar as estatinas.
 
“Para perguntas mais complexas sobre doenças, o relatório só é entregue no dia seguinte”, acrescenta Bruno Soares. “O Elsie olha para o código genético do doente e produz um relatório que diz que, em certos estudos, um doente com uma determinada variação genética tem tais características.”
 
Caberá ao médico interpretar a informação. A empresa pretende que o relatório seja de fácil leitura. Desta forma, o médico não terá de estar a par do último gene que a ciência associou a cada doença, defende Bruno Soares. Esse será o trabalho da Coimbra Genomics, que terá de se manter actualizada. É esta aposta que permitirá fazer crescer o potencial do software. Bruno Soares antecipa que o Elsie poderá responder a “milhares de perguntas daqui a cinco anos”.
 
Para a pergunta ser realizada, o médico terá de aceder ao software com uma password e, tanto ele como o doente, terão de introduzir no computador uma “chave física”, para já será uma pen digital. Deste modo, nem o médico poderá conhecer a informação genética de um doente às escondidas, nem o doente poderá saber se tem alguma predisposição para doenças fora de um contexto clínico.
 
Por cada pergunta que o médico faça ao Elsie, o doente terá de pagar “algumas dezenas de euros”, diz Bruno Soares – o valor ainda não foi definido.
 
As parcerias vão servir como “demonstrações do sistema”: na Alemanha, a empresa vai introduzir o software na clínica “Preventicum”, em Essen, e na Ruppiner Kliniken, na região de Berlim-Brandeburgo; no Brasil, será no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo; em Israel, no Centro Médico Rambam, em Haifa; e em Portugal, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
 
Só os doentes que têm o genoma sequenciado é que poderão tirar proveito deste serviço, o que dependerá do dinheiro que cada um tem. Bruno Soares argumenta que a sequenciação do genoma é cada vez mais barata, e lembra que em Portugal o Sistema Nacional de Saúde já participa neste exame em casos particulares.
 
A Estónia tem o objectivo de sequenciar o genoma de 20% da sua população, para se colocar na dianteira da investigação na genómica. É neste contexto que a Coimbra Genomics integra o estudo-piloto Iniciativa de Medicina Personalizada da Estónia.
 
Desta forma, a empresa quer mostrar ao mercado internacional que tem “algo muito útil, seguro e inovador”, defende Bruno Soares: “Espero um crescimento muito rápido na fase posterior.”

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