sexta-feira, 23 de agosto de 2013

O sexo pode ficar indefinido no BI?

Texto de Teresa Firmino e São José Almeida publicado pelo jornal Público em 21/08/2013.

O sexo a atribuir a alguém nem sempre é claro. Algumas pessoas têm características biológicas de homem e mulher, encontrando-se numa situação de intersexo. Esta discussão ganha visibilidade com a Alemanha a permitir, a partir de Novembro, que uma criança seja registada civilmente sem um sexo definido à nascença: há uma terceira opção, que deixa o sexo em branco


A determinação do sexo com que se nasce pode parecer uma questão simples, que seria facilmente resolvida com um exame visual aos genitais externos (pénis, vulva e vagina) e, se isso não fosse esclarecedor, certamente que os testes genéticos permitiriam sempre encontrar uma resposta clara. Só que a fronteira biológica entre um homem e uma mulher pode ser ambígua, a começar nos genitais externos e a acabar nos cromossomas e genes.

Tendo especificamente em conta a visível ambiguidade genital com que nascem algumas pessoas, a Alemanha permitirá, a partir de Novembro, que o registo civil de uma criança inclua uma terceira opção, a de sexo indefinido, com o sexo civil a ficar assim em branco, o que exigirá, segundo a ministra da Justiça alemã, Sabine Leutheusser-Schnarrenberger, uma reforma na emissão dos documentos de identificação alemães. Alguns juristas sugerem mesmo que, nesse caso, em substituição das letras M e F, se utilize o X.

Mais tarde, depois de uma série de estudos cromossómicos, genéticos, hormonais e anatómicos, entre outros, essa pessoa em situação de intersexo poderá ver-lhe atribuído um sexo civil definido. A Alemanha tornar-se-á o primeiro país da Europa — onde se estima que uma em cada 5000 crianças nasça com sexo indefinido — a dar esta opção aos seus cidadãos, que já existe na Austrália e na Nova Zelândia, onde o terceiro tipo sexual pode ser indicado em documentos como o passaporte.

Estes países reconhecem que nem tudo se esgota num sistema de dois sexos. Que, além do sexo masculino e feminino, há pessoas intersexuais, com características masculinas e femininas, como os hermafroditas e os pseudo-hermafroditas (num hermafrodita há simultaneamente tecido ovárico e testicular, enquanto um pseudo-hermafrodita só tem ou testículos ou ovários e os genitais externos são do outro sexo).

Devido à complexidade que o sexo de uma pessoa pode ter, Jorge Sequeiros, director do Centro de Genética Preditiva e Preventiva do Instituto de Biologia Molecular e Celular da Universidade do Porto, aplaude a iniciativa alemã. “É uma excelente ideia a adoptar em Portugal. Falo nisso aos meus alunos há muito tempo. As situações de ambiguidade genital externa são raras, mas têm uma frequência que não é tão baixa como se julga. Muitas vezes são escondidas”, refere o geneticista. “Há a necessidade de fazer estudos muito demorados, que habitualmente não são compatíveis com os prazos legais do registo civil. Nessas situações, é preferível os pais não registarem a criança e pagarem a multa do que fazer um registo com um nome que implica um sexo civil, que dita um sexo educacional.”

Até porque a ambiguidade dos genitais externos é geralmente uma manifestação de discrepâncias entre os diversos “conceitos de sexo”, como lhes chama Jorge Sequeiros, existentes numa pessoa. Pode haver contradições entre o sexo genital de alguém e o seu sexo gonádico (testículos e ovários), o seu sexo cromossómico, genético e hormonal. Para que, entre possíveis discrepâncias nos vários conceitos de sexo, uma pessoa siga o caminho que mais se adeque a ela, através de tratamentos cirúrgicos e hormonais, é necessário fazer os estudos aprofundados mencionados por Jorge Sequeiros. “Os estudos servem para fazer uma atribuição do sexo civil tendo em atenção o que será o sexo mais provável sentido pela própria pessoa — o sexo psicológico —, que virá a seguir mais tarde.”

Jorge Sequeiros não se está a referir à orientação sexual nem à transexualidade. Neste último caso, uma pessoa até pode ter todos os níveis de sexo bem definidos entre si e sentir que quer ser do sexo oposto.

 
Mulheres XY e homens XX
As discrepâncias entre os diferentes níveis de sexo têm sido particularmente publicitadas no mundo do atletismo. É que foi aí que começaram as verificações de sexo, obrigatórias no início dos anos 1960, pela Federação Internacional de Atletismo e pelo Comité Olímpico Internacional, para evitar que homens se disfarçassem de mulheres nas provas femininas de atletismo, uma vez que, em princípio, teriam mais vantagens competitivas.

Inicialmente, as mulheres desfilavam nuas à frente de médicos. No fim daquela década, as averiguações passaram a servir-se da genética. Geralmente, os cromossomas sexuais humanos — o 23.º par — são compostos por XY nos homens e por XX nas mulheres. Supostamente, a simples identificação dos cromossomas XX ou XY deveria dar uma resposta clara. Seguindo à risca estas regras, só as atletas com dois cromossomas X seriam consideradas mulheres.

Porém, a realidade revelou-se tudo menos a preto e branco, e os organismos internacionais de desporto acabaram por pôr fi m, na década de 1990, às averiguações do sexo obrigatórias, abandonando a ideia de que há uma fronteira bem definida entre um homem e uma mulher.

O que separa os homens das mulheres não se resume a um Y. Há mulheres que são XY — como é o caso famoso da barreirista espanhola María José Martínez Patiño (ver “Não se é mum homem só por ter o cromossoma Y”, PÚBLICO de 30/08/2009).

Em 1985, com 24 anos, Patiño foi impedida de competir nos Jogos Universitários Mundiais no Japão. “O Gabinete Central de Controlo da Feminilidade descobriu nela um cromossoma Y. A atleta foi desconsiderada na imprensa, perdeu a bolsa desportiva e foi desqualificada”, relata o geneticista britânico Steve Jones no seu livro Y — A Descendência do Homem (Gradiva). “Perdi amigos, o meu namorado, a esperança e a energia”, contou a atleta, em 2005, na revista The Lancet.

Tal como Patiño, certas mulheres XY podem herdar uma deficiência nos receptores da testosterona, a porta de entrada desta hormona sexual masculina nas células. “Algumas não mostram qualquer sinal claro de anormalidade e vivem como mulheres, não cientes do seu estado ambíguo”, conta Steve Jones no livro.

Conforme o tipo de deficiências na fechadura da testosterona e de outras hormonas sexuais masculinas (androgénios), assim a via para a masculinização de uma pessoa pode ficar bloqueada completa ou parcialmente. “Tais enganos podem não causar mais do que uma ligeira perda de masculinização, mas podem também levar ao nascimento de um bebé, à primeira vista, do sexo feminino”, refere ainda Steve Jones.

Esta situação é conhecida pela síndrome da insensibilidade androgénica, ou síndrome do testículo feminizante. É como se os tecidos que deveriam sofrer uma virilização, pela recepção de hormonas masculinas, fossem cegos à sua presença. Na forma completa desta síndrome, a pessoa tem um Y e genes masculinizantes como o SRY, que geralmente se encontra naquele cromossoma e que é importante para que se desenvolvam os testículos (onde se produz a testosterona, que origina maior massa muscular). Os testículos começaram a desenvolver-se no interior do abdómen, como costuma acontecer, só que não desceram até à posição normal nas bolsas escrotais: ficaram dentro do abdómen, dos grandes lábios vaginais ou das virilhas. E não há escroto. Mas os genitais externos são de mulher, tal como as características sexuais secundárias, como o desenvolvimento mamário, a distribuição da gordura, a ausência de pêlos. Há uma feminização completa.

Olhando para as camadas biológicas desta pessoa, ela é um homem do ponto de vista genético, cromossómico, hormonal e das gónadas (testículos, no caso). Mas é mulher do ponto de vista genital, das características sexuais secundárias e, por isto, civil.

Se a síndrome do testículo feminizante for incompleta, então pode haver uma ambiguidade nos genitais  externos: por exemplo, um clítoris muito desenvolvido ou um pénis pouco desenvolvido, a que é difícil chamar uma coisa ou outra; ou uma estrutura a que não pode chamar-se escroto ou grandes lábios vaginais.

Completa ou incompleta, com esta síndrome é-se pseudo-hermafrodita. Aliás, veio a revelar-se que a atleta sul-africana Caster Semenya — que em 2009 pôs o mundo a discutir a questão das pessoas intersexuais, ao alcançar resultados fulgurantes — é pseudo-hermafrodita. Não tem ovários nem útero, mas atrás da vagina tinha testículos ocultos.

Mencionando outra situação, também há homens XX — ou seja, sem Y. A introdução do gene SRY noutro cromossoma, devido a um erro, origina um homem que é XX. Do ponto de vista dos cromossomas são mulheres, mas a nível genético, hormonal e dos genitais são homens.

A propósito do caso de Caster Semenya, em 2009, Jorge Sequeiros resumia assim os vários conceitos de sexos: “Há um sexo genético, o que quer dizer que há genes masculinizantes e feminizantes. Estes genes determinam o sexo gonádico — as gónadas, que vão evoluir no sentido de testículos ou ovários, e produzem hormonas masculinas e femininas, o que determina o sexo hormonal. E o sexo hormonal determina o desenvolvimento dos genitais internos e externos, que por sua vez vão determinar o sexo civil. Pode haver interferências, que fazem com que haja contradições entre os vários níveis de sexo.”

O resultado é uma pessoa intersexual. Tanto quanto Jorge Sequeiros se lembra, esta questão não foi discutida no Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, órgão consultivo do qual é membro.

 
“Irá fazer-se”
Em Portugal, uma possibilidade legal idêntica à da Alemanha não começou sequer a ser discutida, mas “é um caminho que tem de se fazer e irá fazer-se”, afirmou ao PÚBLICO José Soeiro, dirigente do BE que esteve ligado à elaboração e aprovação da lei da mudança de identidade de género. Sublinhando que a legislação alemã se dirige a intersexuais e no momento do nascimento, José Soeiro frisou que “é um reconhecimento legal de uma realidade que existe, mas que não tem ainda moldura legal, pelo que é sempre um acto positivo”. O dirigente do BE salientou ainda que esta legislação é importante, até porque abre a porta ao “repensar das práticas médicas actuais” e pode levar a “mudar a prática actual em que existe sobre este assunto um problemático poder discricionário dos médicos que intervêm e operam as crianças à nascença”.

Igualmente Miguel Vale de Almeida, que como deputado independente eleito pelo PS esteve na origem da lei da identidade de género, se congratula com a possibilidade de esta medida vir a ser adoptada num país europeu. Falando como antropólogo, Miguel Vale de Almeida, que é professor do ISCTE, destaca que “há duas coisas nesta lei que são óbvias”. A primeira é que “irá acabar com as operações feitas compulsivamente à nascença de definição de sexo masculino ou feminino que dão bronca mais tarde”. A segunda consequência é que “deixa em aberto a identidade de sexo, deixa aberto o neutro de sexo, que pode ser definido depois. Mas pode deixar também a identidade de género para quem a queira definir mais tarde”.

Desenvolvendo esta segunda questão, Vale de Almeida diz que a primeira variante “é simples porque tem lado médico”, a segunda, a de “deixar em aberto para a pessoa optar mais tarde sobre a sua identidade, é mais complexa porque coloca questões ideológicas sobre as concepções de género”. E conclui: “Andamos há demasiado tempo com o binarismo entre feminino e masculino, que é autolimitativo, é altura de começar a resolver isso.”

Extracto de planta medicinal é mais cancerígeno do que o tabaco

Artigo publicado pelo jornal Público em 08/08/2013.
Se toma ervas medicinais, sabe exactamente o que contêm esses produtos? As aristolóquias, plantas trepadeiras que até há alguns anos eram usadas como ervas medicinais, têm uma substância que causa cancro nos rins.
Aristolochia baetica, uma das várias espécies de aristolóquias
O ácido aristolóquico, extracto de plantas medicinais que há muitos séculos têm sido usadas na China para tratar a artrite reumatóide e outras inflamações, é mais cancerígeno do que o tabaco. Neste caso, provoca cancro do trato urinário, alertam dois estudos publicados nesta quarta-feira na revista Science Translational Medicine.
 
Este ácido presente em diversas espécies de aristolóquias já é bem conhecido pelos efeitos nocivos que provoca nos rins, podendo provocar tanto a falência destes órgãos como cancro. A Food and Drug Administration (FDA), a agência responsável pelos medicamentos nos Estados Unidos, lançou o primeiro alerta sobre o potencial cancerígeno destas plantas em 2001. E a Organização Mundial da Saúde já classificou o ácido aristolóquico como cancerígeno.
 
Por estas razões, a sua utilização como erva medicinal passou a ser proibida na Europa e nos Estados Unidos em 2001 e, em 2003, na Ásia, em países como o Japão e Taiwan. Apesar das proibições e alertas, esta erva ainda pode ser comprada através da Internet.
 
Os cientistas sabem há alguns anos que o ácido aristolóquico provoca mutações genéticas, que podem conduzir ao cancro no trato urinário. Os seus efeitos tóxicos e carcinogénicos tornaram-se evidentes na década de 1990, quando a administração de Aristolochia fangchi a 1800 mulheres na Bélgica, como tratamento para reduzir o peso, resultou em mais de 100 casos de falências renais.
 
Entretanto, nos Balcãs descobriu-se que as aristolóquias – que cresciam espontaneamente nos campos, contaminando depois os alimentos à base de trigo – eram um carcinogéneo ambiental, provocando cancro do trato urinário. Percebeu-se que misturados nos grãos de trigo iam também sementes de Aristolochia clematitis. Ficava assim esclarecida a origem de uma misteriosa doença conhecida por nefropatia endémica dos Balcãs, descrita nos anos de 1950 e que afectava apenas os habitantes das comunidades rurais na bacia do Danúbio.
 
Estudos mais recentes em Taiwan vasculharam uma base de dados sobre prescrições. Resultado: entre 1997 e 2003, a cerca de um terço da população foi receitado algum produto com Aristolochia, género que inclui várias espécies desta planta trepadeira.Taiwan tem, aliás, a taxa mais alta no mundo de novos casos por ano de cancro do trato urinário superior.
 
Fígado também afectado
Mas até agora ignorava-se a amplitude das mutações genéticas que o ácido aristolóquico é capaz de provocar. Margaret Hoang, do Hospital Johns Hopkins, e colegas sequenciaram o genoma de cancros dos rins de 19 doentes de Taiwan que estiveram expostos ao ácido aristolóquico e de outros sete doentes com cancro renal que nunca estiveram expostos a esta substância.
 
Desta forma, os cientistas puderam identificar especificamente as mutações genéticas desencadeadas neste cancro – concluindo que o ácido aristolóquico é responsável, em média, por 753 mutações em cada cancro analisado. Como comparação, os sete doentes que não tinham estado em contacto com o ácido aristolóquico apresentavam 91 mutações, em média.
 
A equipa de Margaret Hoang concluiu que este nível elevado de mutações é mais importante do que aquele que se encontra no melanoma, um cancro da pele provocado pela radiação ultravioleta, e no cancro dos pulmões provocado pelo tabaco.
 
A equipa de Song Ling Poon, do Centro Nacional do Cancro de Singapura, que sequenciou o genoma de cancros dos rins de nove doentes, também encontrou uma taxa elevada de mutações genéticas. Tal como a outra equipa, Song Ling Poon e os colegas consideram que essa taxa de mutações excede as do cancro dos pulmões associadas ao tabaco e as do melanoma associadas à radiação ultravioleta.
 
Além disso, as duas equipas identificaram exactamente a “assinatura molecular” deixada pelo ácido aristolóquico na molécula de ADN: ou seja, os danos que esta substância provoca no nosso património genético. Foi, aliás, através dessa assinatura que a equipa de Song Ling Poon também pôde concluir que o ácido aristolóquico provoca cancro do fígado. Isto porque, ao estudar o cancro do fígado de 93 doentes, encontrou essa mesma mutação genética provocada pelo ácido aristolóquico em 11.

Sexo oral e cancro: estudo mostra novas provas

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 15/08/2013
Estudo analisa evolução dos casos de cancro na faringe e na base da língua, e a sua relação com o vírus do papiloma humano.
Michael Douglas foi infectado pelo HPV e teve cancro da garganta
Os cancros na região da base da língua e da faringe causados pelo vírus do papiloma humano (HPV, sigla em inglês) são poucos, mas já foram menos. Um estudo no Canadá, que analisou 160 pessoas que tiveram este tipo de cancros entre 1993 e 2011, mostra que o HPV passou a ser a causa mais importante para o desenvolvimento destes tumores, superior ao tabaco ou ao álcool. O estudo foi agora publicado na revista Current Oncology.
 
Ainda em Junho, o actor Michael Douglas deu voz ao problema no mundo inteiro, quando admitiu que o cancro da garganta que teve foi causado pela infecção do HPV durante a prática de sexo oral. O seu caso parece fazer parte de uma tendência que atinge vários países e que este artigo vem corroborar.
 
A equipa do Instituto de Investigação para o Cancro do Ontário, no Canadá, utilizou a base de dados de patologias do Centro de Ciências de Saúde de Londres, também no Ontário, para aceder às biópsias feitas em 160 doentes que tiveram cancro na base da língua, na garganta e nas amígdalas. Depois, a equipa procurou nas amostras a presença do HPV 16 e do HPV 18 - duas das estirpes do vírus que mais provocam o aparecimento de cancro.
 
Os cientistas não identificaram nenhum caso de HPV 18. Mas o HPV 16 foi detectado na biópsia de 91 doentes, o que representa 57% da população estudada. A maioria dos casos era de homens com menos de 60 anos que não fumavam. Até há uns anos, os cancros desta zona do corpo surgiam maioritariamente na população consumidora de tabaco e álcool, mas isso está agora a mudar.
 
Os cientistas dividiram os 160 doentes em três grupos: os que foram diagnosticados entre 1993 e 1999, entre 2000 e 2005 e entre 2006 e 2011. A proporção de doentes com HPV foi de 25% no primeiro grupo, passando para 68,3 e 61,76% no segundo e terceiro grupos, mostrando uma maior prevalência do HPV, além de um aumento no número de cancros.
 
A única boa notícia do estudo é que, nos últimos anos, a sobrevivência também tem sido maior. Além disso, os cancros causados pelo HPV mostraram ter, em geral, melhor prognóstico.
 
"Devido às mudanças das práticas sexuais, a frequência das infecções transmitidas tem aumentado constantemente ao longo das últimas décadas", explica o artigo assinado por quase três dezenas de autores, encabeçado por Anthony Nichols, do Instituto de Investigação para o Cancro do Ontário. "O cancro na orofaringe tem estado especificamente ligado a um aumento do número de parceiros de sexo oral, especialmente nos homens", lê-se ainda no artigo.
 
A mudança está representada na transição da década de 1990 para a de 2000, em que a maior parte dos doentes passa de homens com mais de 60 anos, com uma história de vida associada ao consumo de tabaco, para homens com menos de 60 anos que não são fumadores.
 
Esta mudança é um reflexo, por um lado, das fortes campanhas contra o consumo de tabaco das décadas anteriores e, por outro, da primeira geração pós-revolução sexual que foi infectada pelo HPV quando tinha pouco mais de 20 anos. Sabe-se que o vírus demora três a quatro décadas a provocar cancros na garganta.
 
Como fazer a prevenção
Transmitido sexualmente, o HPV reproduz-se nas células da epiderme. É amplamente conhecido por ser um dos principais responsáveis pelo cancro do colo do útero. Existem 200 estirpes deste vírus, mas o HPV 16, o mais frequente em Portugal, e o HPV 18, o mais agressivo de todos, são os principais responsáveis pelo aparecimento dos cancros, que podem também atingir o pénis, a vagina e o ânus.
 
O vírus integra-se no ADN das células hospedeiras e, dessa forma, altera o funcionamento de genes que estão ligados ao controlo da divisão celular. Devido à fisiologia do útero, o HPV causa mais frequentemente cancro nesta zona. Ainda assim, só uma baixa percentagem da população que é infectada pelo HPV 16 é que desenvolverá cancro. Isso relaciona-se com o tempo que o organismo leva a debelar o vírus. Quanto mais tempo demorar, maior é a probabilidade de o vírus se integrar no ADN das células e provocar um cancro.
 
Em Portugal, 70% das mulheres já tiveram contacto com o HPV e 12,7% estima-se que estejam infectadas (não há dados para os homens, por ser mais difícil detectar o vírus). A vacina contra o HPV faz parte do Programa Nacional de Vacinação para as raparigas que fazem 13 anos. É dada numa altura em que a grande maioria das adolescentes nunca teve relações sexuais e, por isso, nunca esteve em contacto com o vírus. As duas vacinas existentes criam imunidade ao HPV 16 e o HPV 18 e evitam, assim, que provoquem cancro no colo do útero e ainda nas outras regiões.
 
Mas no caso do cancro da garganta causado pelo HPV é o sexo masculino que é o mais afectado. No novo estudo, há 75 homens com cancro devido ao HPV e apenas 16 mulheres. "Há uma maior transmissão do HPV da mulher para o homem do que o inverso", diz ao PÚBLICO Nuno Verdasca, justificando a causa desta desproporção.
 
O biólogo responsável pelo Laboratório de HPV e Herpes Genital do Instituto Nacional Doutor Ricardo Jorge, em Lisboa, explica que o vírus se multiplica dentro das células da epiderme. Mas só se liberta lá de dentro quando as células morrem e saem da pele, escamando. Como isso ocorre a um ritmo muito maior na região da vagina do que no pénis, "os homens são mais susceptíveis de serem infectados durante o sexo oral", diz o cientista.
 
Nuno Verdasca concorda que este é mais um argumento para a vacinação se estender aos homens. A Gardasil, uma das marcas de vacinas aplicadas às mulheres, já foi testada em homens até aos 26 anos e teve sucesso. Outra forma de tentar evitar a infecção passa pela prevenção, que "é sempre uma atitude comportamental", lembra o cientista, acrescentando que o preservativo não é 100% eficaz neste caso.
 
Em Portugal, um estudo, de 2013, mostra que 9623 pessoas tiveram cancro na região oral entre 1998 e 2007. Mais de dois terços eram homens, apesar de haver cada vez mais casos em mulheres. Até ao final deste ano, vai iniciar-se o programa nacional de rastreio do cancro oral. Esta é uma forma de o detectar e tratar cedo, quando há mais hipóteses de o vencer

Estafilococo multirresistente saltou das vacas para o homem há 40 anos

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 23/08/2013.
 
Estudo genético verifica que um dos tipos de estafilococos super-resistentes passou dos bovinos para os humanos e que, já em nós, sofreu transformações. Descoberta mostra complexidade desta infecção

A bactéria Staphylococcus aureus (a amarelo) ganhou resistência aos antibióticos rapidamente, logo a seguir ao momento em que começaram a ser usados, na década de 1940
Uma das infecções mais perigosas que se podem apanhar nos hospitais, o estafilococo áureo multirresistente (MRSA, na sigla em inglês), é causada por uma bactéria que adquiriu mudanças que lhe conferem defesas contra a meticilina e a outros antibióticos. Uma das estirpes mais recentes de MRSA, que começa a ser vulgar em países como a Dinamarca, tem origem em gado bovino. Há mais de 40 anos, estas bactérias saltaram das vacas para os humanos, onde depois desenvolveram a resistência que entretanto foi detectada, mostra agora um artigo publicado na revista online e de acesso livre mBio, da Sociedade Americana para a Microbiologia.
 
"Demonstramos aqui que o gado é um reservatório potencial de bactérias patogénicas capazes de atravessar a barreira das espécies, de se adaptarem ao hospedeiro e de se estabelecerem nas populações humanas", escrevem no artigo os cientistas que levaram a cabo o estudo liderado por Ross Fitzgerald, da Universidade de Edimburgo, na Escócia.
 
O Staphylococcus aureus foi identificado na década de 1880. Presente em um quinto da população, a bactéria está normalmente adormecida em zonas do corpo como a pele e o nariz. De vez em quando, pode aproveitar uma ferida para produzir uma infecção que causa um furúnculo ou entrar para as vias respiratórios e provocar uma pneumonia ou ainda chegar mesmo ao sangue, onde há um risco de uma infecção disseminada por vários órgãos. Quando não é tratada, pode matar.
 
A descoberta da penicilina em 1923 e, depois, de outros antibióticos, começou por se revelar uma boa notícia no combate a esta bactéria. Mas, entre 1940 e 1960, o estafilococo foi ganhando uma série de resistências até que, finalmente em 1961, descobriu-se que a bactéria ficou resistente à meticilina.
 
Esta adaptação aconteceu graças ao promíscuo universo das bactérias, em que uma célula bacteriana pode ganhar um pedaço de ADN de outra, o que lhe pode conferir algum tipo de vantagem evolutiva. Este processo chama-se transferência lateral. É uma espécie de processo parecido com os organismos transgénicos, mas que ocorre de uma forma natural e fortuita e que pode ser conveniente, ou não, para a própria bactéria.
 
Neste caso, houve uma bactéria sortuda do Staphylococcus aureus que incorporou no seu único cromossoma um pedaço de ADN estrangeiro de outra bactéria - pensa-se que terá sido de uma espécie que vive em ratos - que continha o gene mecA. Este gene comanda a produção de uma proteína que a torna imune à meticilina e a todo um grande grupo de antibióticos que normalmente impedem as bactérias de produzir a sua parede celular, matando-as.
 
Esse foi o momento zero do MRSA. Desde essa altura, surgiram várias estirpes diferentes que são resistentes à meticilina: todas essas defesas foram adquiridas através de um processo semelhante. "Com a globalização, o grande problema é pode surgir uma bactéria que adquire resistência e ser, já de si, muito patogénica", explica ao PÚBLICO Constança Pomba, veterinária e investigadora da Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa.
 
Primeiro, associadas ao contágio nos hospitais e, depois, em comunidades fechadas como escolas, as várias estirpes de MRSA tornaram-se um verdadeiro problema de saúde.
Parte da resolução desse problema passa por compreender como é que estas bactérias viajam na população humana. Ou como é que saltam de uma espécie animal para outra, já que o Staphylococcus aureus predomina noutras espécies de mamíferos, muitas delas em contacto próximo do homem, como as vacas, os cavalos ou os porcos.
 
No novo trabalho, a equipa de Ross Fitzgerald olhou para um tipo emergente de MRSA que já se espalhou por quatro continentes. E foi analisar amostras de estafilococos presentes em 43 pessoas. Depois, sequenciou o genoma da bactéria em cada amostra para construir uma história desta estirpe emergente.
Os investigadores descobriram que o novo MRSA evoluiu nas vacas e depois passou para os humanos. Essa passagem deu-se em dois saltos distintos. Um terá ocorrido entre 1894 e 1977, e o outro algures entre 1938 e 1966. Na altura que se deu esta passagem, esta estirpe de Staphylococcus aureus ainda não tinha ganho o gene que lhe dá resistência aos antibióticos. Isso aconteceu algum tempo depois, quando já estava no homem.
 
"Eles provaram que estas estirpes vieram dos bovinos, depois ganharam o gene mecA e, mais tarde, mecanismos que permitem ultrapassar o sistema imunitário humano", explica Constança Pomba.
Este é um dado importante: a proporção esmagadora em Portugal de pessoas infectadas com MRSA surge nos hospitais. Neste contexto, as bactérias atacam as pessoas já de si doentes, com o sistema imunitário debilitado, que, de outro modo, conseguiriam controlar o estafilococo. Não é o caso do novo tipo estudado agora, que até causa doença em pessoas saudáveis e que não estão no hospital.
 
Outro dado importante é a forma como a nova estirpe apareceu. Em 2012, outro trabalho sobre a infecção, em que a investigadora portuguesa participou, concluía que numa outra estirpe de MRSA o gene mecA tinha surgido no porco. Através de uma análise genética, compreendeu-se que esta estirpe tinha saltado do homem para o porco. Depois, neste animal, a bactéria adquiriu o gene mecA. E, finalmente, voltou a saltar para o homem.
 
No caso dos bovinos, houve primeiro a passagem da nova estirpe para os humanos e só depois a bactéria ganhou defesas contra os antibióticos. "Temos duas histórias diferentes. Uma no porco, outra na vaca", diz Constança Pomba. Mas porquê? "Se calhar o tipo de sistema produtivo de bovinos e suínos é diferente", sugere a investigadora.
 
Um artigo de fundo, na revista Nature, analisava o risco nos EUA da passagem de estafilococos das explorações suínas para os humanos e o perigo do uso excessivo de antibióticos nestas explorações como promotor do aparecimento de novas estirpes resistentes. Agora, estas descobertas podem trazer mais elementos para este debate. Mas Constança Pomba refere que em Portugal não há razão para alarme: "Em 2008, 13% dos porcos tinha a bactéria MRSA, mas não se conhecem casos de pessoas infectadas por esta via."

Novo tratamento promissor contra a doença de Crohn e a colite ulcerosa

Artigo da LUSA publicado pelo jornal Público em 23/08/2013.
Ensaios clínicos de fase 3 mostram que medicamento é eficaz a diminuir sintomas destas duas doenças.
A doença de Chron e a colite ulcerosa são provocados por uma reacção auto-imune
Um novo tratamento revelou-se promissor contra a doença de Crohn e a colite ulcerosa, inflamações intestinais incapacitantes, indicaram dois ensaios clínicos internacionais divulgados na quarta-feira nos Estados Unidos.
A nova molécula, a vedolizumab do laboratório japonês Takeda, oferece uma nova esperança aos quatro milhões de pessoas que sofrem de uma ou de outra destas doenças auto-imunes, segundo os investigadores que realizaram este estudo clínico publicado na revista New England Journal of Medicine.

Os ensaios clínicos de fase 3 foram realizados em 39 países e contaram com a participação de 3.000 pessoas entre os 18 e os 80 anos, dos quais 1.900 sofriam da doença de Crohn e 1.100 de colite ulcerosa. Os doentes foram tratados durante um ano e os efeitos foram observados após seis semanas.

“Mostraram resultados muito animadores para os pacientes da doença de Crohn e de colite ulcerosa nos quais falham os tratamentos convencionais como os esteróides ou os supressores do sistema imunitário”, explicou William Sandborn, director do centro das doenças intestinais inflamatórias na Universidade da Califórnia, que conduziu o estudo sobre a doença de Crohn.

“Este tratamento altera a abordagem terapêutica destas doenças, pois em muitos doentes, nomeadamente com colite ulcerosa, observámos uma recuperação do intestino que se manteve com a continuação da toma da vedolizumab”, adiantou, citado pela AFP.

O anticorpo tem como alvo as células imunitárias no intestino que libertam proteínas (citocinas) responsáveis pela inflamação, que danifica os tecidos dos intestinos e causa diarreias. Os cientistas sublinham que o tratamento tem menos efeitos secundários que os tratamentos convencionais, que além disso enfraquecem o sistema imunitário.

O laboratório Takeda pediu autorização às agências europeia e norte-americana que regulam o sector dos medicamentos, a EMA e a FDA, respectivamente, para a colocação da vedolizumab no mercado.

Objectos de ferro mais antigos da Terra forjados a partir de meteoritos

Artigo publicado pelo jornal Público em 22/08/2013.
Como caíam do céu, os egípcios antigos atribuíam aos meteoritos propriedades mágicas e religiosas, usando-os para fazer objectos com valor estético e religioso.
 

As contas de ferro de meteoritos estão ao centro, ao lado de outras feitas com ouro e pedras como o lápis-lazúli e a ágata
Os mais antigos objectos de ferro já descobertos – contas de colares encontradas junto a esqueletos num cemitério egípcio com 5000 anos – foram forjados a partir de meteoritos, conclui um estudo publicado na revista Journal of Archaeological Science.
 
A análise profunda das contas, descobertas em 1911 por arqueólogos britânicos no Baixo Egipto, na localidade de El-Gerzeh, a cerca de 70 quilómetros do Cairo, revelou que são compostas por ferro e níquel de origem meteorítica.
 
As nove pequenas contas foram descobertas em sepulturas com 5350 a 5600 anos, milhares de anos antes da Idade do Ferro no Egipto, e faziam parte de colares com outros metais preciosos, como o ouro, ou pedras, como o lápis-lazúli ou a ágata. Encontram-se actualmente no Museu de Petrie do University College de Londres, segundo a agência AFP.
 
A equipa de Thilo Rehren, da Universidade Hamad bin Khalifa, em Doha, no Qatar, analisou as contas através do bombardeamento de neutrões, para ler a “assinatura” atómica de cada um dos elementos que compõem a liga de metal, tendo descoberto um elevado teor de níquel, fósforo, cobalto e germânio, que só existe em quantidades ínfimas nas ligas de ferro terrestres. Os cientistas concluíram assim que o metal usado para fazer as contas nasceu no espaço e chegou à Terra através de um meteorito.
 
Em Maio, uma outra equipa, das universidades Aberta e de Manchester, no Reino Unido, já tinha publicado um artigo, na revista Meteoritics and Planetary Science, sobre contas de ferro encontradas no cemitério de El-Gerzeh e que estão no Museu de Egiptologia da Universidade de Manchester: o resultado apontava para a sua origem extraterrestre. “Os meteoritos têm uma microestrutura e assinatura química únicas, porque arrefecem de forma incrivelmente lenta à medida que viajam pelo espaço. É realmente interessante ver que essa assinatura aparece nos artefactos egípcios”, diz Philip Withers, da Universidade Manchester, citado num comunicado.
 
“Hoje, vemos o ferro sobretudo como um metal prático, meio sem graça. No entanto, para os antigos egípcios era um material raro e bonito, e como caía do céu teria certamente propriedades mágicas e religiosas”, sublinha por sua vez outro elemento desta última equipa, a investigadora Joyce Tyldesley. “Por isso, usavam este metal extraordinário para criar pequenos objectos com significado estético e religioso, que eram tão importantes para eles que decidiam pô-los nas suas sepulturas.”

Estudo suscita controvérsia sobre papel do cobre na doença de Alzheimer

Artigo publicado pelo jornal Público em 20/08/2013.
Acumulação de cobre nos vasos sanguíneos do cérebro faz aumentar proteína associada a este problema de saúde, mostra novo estudo. Cientistas contestam, referindo que mineral combate a doença.
A doença de Alzheimer aparece normalmente numa idade mais tardia
A acumulação de cobre nos vasos sanguíneos contribui para a doença de Alzheimer, conclui um novo estudo. O trabalho, publicado na segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, suscita uma controvérsia sobre o papel deste elemento, já que há outros estudos que mostram que este mineral evita esta doença neurodegenerativa.
 
“Ao longo do tempo, o efeito acumulado do cobre afecta o sistema que remove do cérebro a proteína beta-amilóide”, que é tóxica e tem um papel importante no desenvolvimento do Alzheimer, explica Rashid Deane, autor do estudo e professor de medicina no centro de neurocirurgia médica universitária de Rochester, no estado de Nova Iorque, EUA.
 
“Esta disfunção é um dos factores ambientais que causam a acumulação desta proteína no cérebro, o que forma as placas características da doença de Alzheimer”, adianta o investigador, que fez este trabalho em ratinhos e em células nervosas humanas.
 
Estes resultados são contrários aos dos trabalhos realizados por investigadores britânicos da Universidade de Keele, no Reino Unido, que foram publicados na revista Nature, em Fevereiro. “A quantidade de cobre no cérebro de pessoas idosas e em particular naquelas que têm Alzheimer é menor do que nas pessoas saudáveis”, explicou à AFP Christopher Exley, autor daquele estudo.
 
A esta questão, Rashid Deane respondeu que os dois estudos não se debruçam sobre o mesmo mecanismo e que “o problema é complexo”. O estudo britânico publicado em Fevereiro concluía que o cobre deveria prevenir a doença de Alzheimer, já que no caso dos cérebros das pessoas estudadas, os níveis deste metal eram mais baixos do que o normal. Mas, para Rashid Deane, isso não é conclusivo.
 
Mineral é importante
Já o novo trabalho, adianta Rashid Deane, debruça-se sobre os efeitos da acumulação de cobre – um oxidante forte –, nos vasos sanguíneos do cérebro, ao longo do tempo. Este metal acaba por afectar dois mecanismos importantes: um que previne as toxinas de entrar no cérebro e outro que ajuda a eliminar a proteína beta-amilóide, permitindo que se forme as placas. O cientista lembra que outros estudos mostram que estas placas que se produzem durante a doença de Alzheimer têm altos níveis de cobre.
 

“O trabalho do Dr Deane ajuda a clarificar o papel do cobre como factor maior de toxicidade cerebral que foi identificado juntamente com a doença de Alzheimer”, diz, por sua vez, George J. Brewer, da Universidade de Michigan, em Nova Iorque.
 
O investigador diz ter feito estudos mostrando “uma ligação entre a epidemia da doença de Alzheimer nos países industrializados e a utilização de canalização de cobre”. George J. Brewer sublinha que o cobre vindo da alimentação, que é orgânico, e essencial para a saúde, não provoca nenhum mal no organismo. Pelo contrário, o cobre inorgânico, que está presente na água canalizada, é tóxico.
 
O cobre orgânico é essencial para o sistema nervoso, para o crescimento ósseo e para a secreção hormonal, dizem os investigadores.
 
No trabalho que fez agora, Rashid Deane injectou nos ratinhos, durante três meses, doses de cobre correspondentes às quantidades deste metal que são consumidas pelos humanos quando bebem água da torneira.
 
Os investigadores constataram que o cobre entra rapidamente no sangue e acumula-se nas células que formam a parede de protecção entre os vasos sanguíneos e o cérebro. Estas células constituem um importante sistema de defesa que controla as moléculas que passam do sangue para o cérebro e vice-versa.
A equipa do cientista também observou que este cobre estimula a actividade dos neurónios, aumentando a produção da beta-amilóide, o que é mais um argumento para a influência deste mineral no desencadeamento da doença de Alzheimer.

Publicado catálogo das mutações genéticas na origem dos 30 cancros mais comuns

Texto de Teresa Firmino pubicado pelo jornal Público em 14/08/2013.
Identificados mais de 20 processos mutacionais no ADN que originam o desenvolvimento de cancro.
Mutações na molécula de ADN podem ter resultados catastróficos
O primeiro catálogo abrangente das mutações genéticas que originam os 30 tipos de cancro mais comuns é publicado na revista Nature, na edição em papel desta quinta-feira. A equipa internacional, que inclui os portugueses Carlos Caldas e Samuel Aparício, identificou — mediante o estudo do genoma de cerca de 7000 doentes — mais de 20 processos de mutações no ADN que conduzem ao aparecimento de cancro.
 
Todos os cancros resultam de mutações na molécula de ADN, que dá instruções às células para fabricarem as proteínas de que somos feitos. Essas alterações podem ser substituições nas “letras” (quatro pequenas moléculas) que compõem a molécula de ADN, em forma de dupla hélice, ou inserções de novas “letras” e o apagamento de outras.

Nalguns tipos de cancro sabe-se bem o que causa as mutações, como os químicos no fumo do tabaco ou a radiação ultravioleta, que danificam respectivamente o ADN das células dos pulmões e da pele e que, mais tarde, desembocam em cancro. Mas em muitos outros cancros desconhece-se a origem das mutações.
 
A equipa, liderada por Mike Stratton, director do Wellcome Trust Sanger Institute, no Reino Unido, compilou quase cinco milhões de mutações nos 30 cancros mais vulgares (desde o colorrectal e colo do útero até ao da mama, estômago e próstata) em 7042 doentes. Também sequenciou o ADN normal dos doentes, para se poder estabelecer a origem das mutações. Chegou-se assim a 21 processos distintivos (ou “assinaturas”) de alterações no ADN ligadas ao cancro.
 
“Identificámos a maioria das assinaturas mutacionais que explicam o desenvolvimento genético e a história dos cancros dos doentes”, frisa o primeiro autor do artigo, Ludmil Alexandrov, do Wellcome Trust Sanger Institute, citado num comunicado. “Estamos a começar a compreender os complicados processos biológicos que ocorrem ao longo do tempo e deixam estas assinaturas mutacionais no genoma dos cancros.”
 
Todos os cancros têm duas ou mais assinaturas, o que reflecte, segundo o comunicado, a variedade de processos envolvidos. Mas cancros diferentes têm diferentes processos mutacionais: se são só dois no cancro dos ovários, no do fígado são precisos seis. Algumas mutações existem em diversos cancros (há uma família de enzimas chamada APOBEC que está ligada a mais de metade dos tipos de cancro), enquanto outras são específicas de um único cancro. Em 25 cancros, as alterações genéticas estão ligadas à idade. Além de factores ambientais como o tabaco, outras mutações devem-se a problemas na reparação de danos no ADN.
 
Com este catálogo — com contributo de Samuel Aparício, da Agência do Cancro da Colúmbia Britânica, em Vancôver, no Canadá, e Carlos Caldas, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido —, os cientistas esperam que os tratamentos e a prevenção do cancro sejam cada vez melhores.