Durante a evolução, o esmalte dos dentes surgiu primeiro na pele
dos peixes primitivos, foi passando para a região do crânio e finalmente
acabou a ser produzido nos dentes, como acontece nos vertebrados
terrestres.
O aparato que produz o esmalte, foi originalmente usado para protecção dos peixes primitivos |
O esmalte dentário é o tecido mais rijo que os humanos produzem.
Feito quase totalmente à base de fosfato de cálcio, que se deposita numa
matriz orgânica, este é o material que reveste os dentes, cobrindo a
dentina. Apesar de ser perfeito para mastigar os alimentos, as suas
origens poderão ser surpreendentes. De acordo com um novo estudo, este
tecido e o aparato genético necessário para o produzir têm mais de 400
milhões de anos. O esmalte dentário surgiu nos peixes, só que não
revestia os dentes daqueles animais, aparecia antes na sua pele.
Ao longo
de milhões de anos, este tecido foi revestindo a cabeça dos peixes e
finalmente passou também a cobrir os dentes, sugere um artigo publicado
ontem na Nature. Hoje, anfíbios, répteis e mamíferos têm
esmalte dentário, mas não apresentam qualquer vestígio da produção de
esmalte na pele, mostrando que o uso do aparato genético para a produção
deste tecido alterou-se completamente.
Nos
humanos, os primeiros dentes de leite começam a formar-se ainda durante
a gestação, às 14 semanas. A deposição do esmalte dentário é feita numa
matriz proteica constituída por amelogenina, enamelina e amelina. Estas
três proteínas são produzidas por células chamadas ameloblastos e
formam uma matriz que vai sendo substituída depois por cristais de
fosfato de cálcio.
Certos peixes têm na pele estruturas rijas com uma composição semelhante à dos dentes dos vertebrados. O famoso celacanto
é um desses casos. Este fóssil vivo é importante para esta história. O
celacanto descende de uma linhagem com 400 milhões. Nessa altura, os
celacantos eram próximos do antepassado dos tetrápodes (o animal que
saiu da água há cerca de 375 milhões de anos e colonizou os continentes
dando origem aos vertebrados terrestres). Tal como os tetrápodes, os
celacantos têm esmalte nos dentes.
Só que assumia-se que o esmalte dos dentes e a estrutura rija no corpo do celacanto tinham surgido e evoluído separadamente.
“Nos
humanos, o esmalte só se encontra nos dentes, e é muito importante para
a sua função, por isso é natural assumir-se que evoluiu aí”, explica o
paleontólogo Per Erik Ahlberg, da Universidade de Uppsala, na Suécia, e
um dos autores do artigo, citado pela agência Reuters. A descoberta
agora feita “é importante porque é inesperada”, diz o cientista. A
equipa partiu da genética e da paleontologia para tentar desvendar a
origem do esmalte.
Os investigadores foram analisar o genoma do Lepisosteus oculatus, um peixe que pertence aos actinopterígeos — um dos mais importantes grupos de peixes, distante dos celacantos. O Lepisosteus oculatus
é considerado um peixe primitivo dentro dos actinopterígeos. Não tem
esmalte nos dentes, mas tem na pele do corpo e na cabeça o tecido que se
assemelha ao esmalte. Os peixes actinopterígeos mais modernos, como o
peixe-zebra, já não tem essa substância.
A equipa foi analisar no Lepisosteus oculatus
os genes equivalentes aos genes nos humanos que dão as instruções para a
produção da matriz proteica, onde se deposita o esmalte. Descobriram
que estes genes estavam activos na pele do peixe, e que aquela
substância era, de facto, semelhante ao esmalte. O que mostra uma
relação evolutiva.
Depois,
os investigadores foram olhar para o passado, analisando as escamas de
fósseis de duas espécies de peixes que viveram durante o período
silúrico, o Andreolepis (de há 425 milhões de anos, encontrado na Suécia) e o Psarolepis
(de há 418 milhões de anos, descoberto na China). O primeiro tinha uma
fina camada de esmalte nas escamas do corpo, mas não tinha na cabeça nem
nos dentes. O segundo tinha esmalte nas escamas do corpo e na cabeça,
mas também não tinha esmalte nos dentes.
“O Psarolepis e o Andreolepis
estão entre os mais antigos peixes ósseos [o grande grupo de peixes que
é diferente dos cartilagíneos, como os tubarões e as raias que não
produzem esmalte]”, explica Per Erik Ahlberg, citado num comunicado da
sua universidade. “Por isso, acreditamos que a falta de esmalte nos
dentes é devido a serem primitivos. Parece que o esmalte originou-se na
pele e só depois colonizou os dentes.”
A
partir deste conjunto de dados, os cientistas propuseram uma hipótese
sobre o surgimento e a evolução do esmalte. Primeiro o tecido surgiu nas
escamas do corpo, como mostra o Andreolepis, depois passou para o crânio, o Psarolepis é o exemplo desta fase, e finalmente o tecido avançou até aos dentes, veja-se o celacanto.
De
alguma forma, na evolução dos tetrápodes, o esmalte deixou de ser
produzido na pele mantendo-se apenas nos dentes. Já na evolução dos
actinopterígeos, o esmalte nunca chegou a surgir nos dentes e foi
desaparecendo da pele dos peixes mais modernos deste grupo.
Olhando
para o passado, o uso do esmalte mostra como a evolução é dinâmica. Com
características que se perdem ou que ganham novas funções. Como diz
Qingming Qu, outro autor do estudo: “Apesar deste tecido nos nossos
dentes ser usado para morder ou rasgar, originalmente foi usado como um
tecido de protecção, como nos peixes primitivos.”
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