sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

(Re)descubra a dieta mediterrânica

Texto escrito por  Pedro F. Pina, com entrevista a Ana Carolina Soares, nutricionista, em 23/08/2013.
É considerada uma das dietas mais saudáveis do mundo. E Portugal sempre foi um dos seus principais representantes. Mas com a industrialização e a globalização, acabámos por trocar uma salada temperada com azeite, por um cheeseburguer gorduroso. Mas a dieta mediterrânica não desapareceu. Redescubra-a aqui.
(Re)descubra a dieta mediterrânica
  A dieta mediterrânica refere-se a um conjunto de tradições alimentares de países ao longo da bacia do mediterrânico, como Espanha, Itália e Grécia. Portugal, embora não seja banhado por este mar, inclui-se nesta lista pela proximidade de factores como o clima, a cultura, a geografia e a agricultura. Na verdade muitos nutricionistas defendem mesmo o uso do plural – dietas mediterrânicas – para se ter em conta as pequenas adaptações feitas por cada país ao longo do Mar Mediterrânico. Mas existem, na prática, imensos pontos em comum. E a verdade é que por cá há muito que temos todos os "ingredientes" que compõem esta dieta.

Uma dieta de excelência

Entre diversas características, destaca-se na dieta mediterrânica o uso de azeite como principal gordura, ao invés de manteigas e margarinas. Pães e cereais, peixe, carnes brancas frango ou perú e um consumo muito moderado de carnes vermelhos e de produtos lácteos são outras características, tal como a utilização de condimentos que dão sabor à comida, ao invés de um uso abusivo de sal.

Mas esta dieta contempla também uma quantidade generosa de frutos, vegetais e frutos secos e ainda um consumo moderado de vinho tinto, um antioxidante natural, que ajuda também a evitar a coagulação do sangue. O facto de os alimentos serem frequentemente cozidos ou grelhados, ao invés de fritos, é outra das principais características, que ajudam a manter esta dieta saudável.

Ana Carolina Soares, nutricionista, especifica que esta dieta se associa preferencialmente à prevenção de doenças cardiovasculares, pela qualidade do tipo de gorduras, como é o caso do azeite, "uma gordura moninsaturada", mas também nos peixes "onde vamos buscar gorduras de qualidade, principalmente ácidos gordos essenciais e ómega 3".
Esta combinação resulta num regime que consegue ser bastante rico em fibras, gorduras monoinsaturadas (que ajudam a reduzir o chamado "mau" colesterol), mas também em proteínas de origem vegetal, hidratos de carbono, vitaminas e minerais. Por outro lado é um regime bastante moderado no que concerne a proteínas animais e gorduras saturadas. É por todas estas razões que a dieta mediterrânica se consagrou como uma dieta ótima na prevenção de doenças cardiovasculares e até em cancros que podem ser potenciados por uma má dieta.

Mas acima de tudo a dieta mediterrânica destaca-se pelos seus pratos saborosos, aromáticos, imaginativos e até bastante coloridos. Mas se é um regalo tanto para a vista como para o paladar, e praticamente todos os alimentos que a compõem estarem à nossa disposição sem necessidade de o país os importar, por que razão acabámos por nos afastar de hábitos que, segundo a nutricionista Paula Veloso, num artigo não por acaso intitulado "a dieta mais saudável do mundo", terá já cerca de três mil anos de prática?

Novos hábitos

Ana Carolina Soares explica-nos, no entanto, que esta dieta perdeu o seu peso entre os portugueses. "Já não nos alimentamos tanto por produtos à base do mar, em termos de fontes proteicas, como é o caso do peixe, muito menos de frutas". Mesmo o consumo de chocolates e doces, que "aqui há uns anos não estariam tão disseminados", terá contribuído, diz-nos. Mas haverá atualmente um padrão alimentar dos portugueses?

Sobre esta questão a nutricionista responde-nos que "neste momento temos um bocadinho de tudo, é difícil definir um padrão". A verdade é que "perdemos realmente estes hábitos e esta cultura enraizada". Surgindo no seu lugar surgiu uma cada vez maior oferta de comida prensada. E uma das principais razões terá que ver com o facto de no, lugar de hábitos que estavam enraizados, não ter surgido uma maior educação para a nutrição
Ana Carolina Soares, quando questionada sobre o que se poderia fazer para contrariar este retrocesso, vai um pouco mais longe, sugerindo que "faria sentido nas escolas haver mais acompanhamento o nível da nutrição". Mas esta responsabilidade não pode cingir-se às escolas. E um dos desafios para os nutricionistas, num país onde os níveis de obesidade juvenil estão mais altos do que nunca, é que "muitas vezes não se consegue corrigir os hábitos de uma criança sem corrigir também os hábitos dos pais", adianta a nutricionista.

Espanha chegou mesmo a sugerir que esta dieta fosse considerada Património Cultural Não Material da Humanidade – um reconhecimento que há não muito tempo foi dado ao nosso Fado –, pedindo inclusive aos países membros da União Europeia que apoiassem este projeto. Apesar de tudo, a unanimidade que existe em torno desta dieta acaba muitas vezes por esbarrar contra os obstáculos do quotidiano.

As rotinas que nos tiram tempo livre, a facilidade de escolher uma refeição rápida, pré-cozinhada, e a perda de uma certa cultura gastronómica em detrimento de um certo facilitismo, acabaram por fazer com que esta dieta perdesse a sua força entre nós. Mas o desafio não é assim tão impossível quanto possa parecer à primeira vista. Basta pensar que o paladar humano é capaz de saber apreciar uma quantidade de saberes incrível, que vai muito além da dicotomia entre doces e salgados.

Num país com vinho, azeite e produtos hortícolas de qualidade, e que ainda para mais se encontra perante o desafio de uma crise socioeconómica, não seria má ideia apostar numa alimentação que, além de ser saudável, é também muito nossa. É tudo uma questão de vontade.

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