sexta-feira, 6 de julho de 2012

Maior acelerador de partículas descobriu bosão de Higgs



Artigo escrito por Ana Gerschenfeld, jornalista do Público, em 05/07/2012
"É mesmo um bosão de Higgs, mas não se sabe se é “o” bosão de Higgs, ou seja, exactamente a partícula subatómica teorizada há cerca de 50 anos para explicar a existência da matéria. Este anúncio faz história.

“Estamos à beira de completar um capítulo da física e no limiar do que poderá ser uma nova era de descobertas”, declarou ontem aos jornalistas o norte-americano Joe Incandela, responsável máximo pela experiência CMS — uma das duas que, utilizando o LHC, o maior acelerador de partículas do mundo, procuram (ou melhor, procuravam até ontem) o já célebre mas fugidio bosão de Higgs.

Incandela acabara de apresentar, numa sala ali ao pé cheia de físicos reunidos no Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN), perto de Genebra, Suíça (onde mora o LHC), os mais recentes resultados da “caça” ao bosão de Higgs montada pela sua equipa ao longo de mais de dois anos.

Com visível emoção, tinha sido o primeiro a anunciar a descoberta, com 99,9999% de certeza, de uma nova partícula com uma massa de cerca de 125 GeV (gigaelectrão-volts) — umas 133 vezes a massa do protão — que, em primeira análise, apresenta o comportamento do bosão de Higgs. O anúncio fora acolhido com aplausos pela plateia, na qual se encontravam quatro dos físicos teóricos que, há cerca de 50 anos, postularam independentemente a existência do bosão de Higgs — incluindo o próprio Peter Higgs, o britânico que deu o seu nome à partícula.

Antes de mais, diga-se que o bosão de Higgs foi teorizado para explicar por que é que a matéria existe. Acontece que o chamado Modelo-Padrão, actualmente a melhor descrição das partículas subatómicas e das forças que as unem, exige que uma partícula confira massa às outras. Sem ela, o universo que hoje observamos, com as suas galáxias, planetas — e nós —,nunca teria surgido.

A sua detecção foi difícil, em particular porque se trata de uma partícula extremamente instável. Apenas criada nas colisões de protões lançados uns contra os outros, a velocidades próximas da da luz, nos aceleradores de partículas (tais como o LHC e, antes dele, o norte-americano Tevatron), o bosão de Higgs desintegra-se para dar origem a uma série de outras partículas — como fotões e quarks.


São essas colisões (500 milhões de milhões delas para obter os actuais resultados, segundo os cálculos de Incandela) que os cientistas da experiências CMS e ATLAS (a outra “caçadora” de Higgs no LHC) têm estado a analisar desde 2010, à procura de sinais de que um bosão de Higgs por aí passou, embora apenas durante uma ínfima fracção de segundo.

Seguiu-se a apresentação dos resultados da experiência ATLAS, pela sua responsável máxima, a italiana Fabiola Gianotti. As duas experiências são independentes — e as equipas até gostam de dizer que competem entre elas para ver quem chega primeiro à meta —, mas ontem a sintonia dos resultados foi perfeita. Gianotti também anunciou a descoberta, com 99,9999% de certeza, de uma nova partícula cuja massa ronda os 126 GeV. Os aplausos redobraram.

Ainda não é possível dizer se este novo bosão é ou não diferente do bosão previsto pelo Modelo-Padrão.“Isto é um bosão”, disse Rolf Heuer, director-geral do CERN, respondendo às perguntas durante a conferência de imprensa. “Podemos dizer que é um bosão de Higgs, mas não podemos dizer que é o’ bosão de Higgs.”

Acontece que, para além do Modelo- Padrão, há outros cenários (mais interessantes) que também prevêem bosões de Higgs. “Ficaria satisfeitíssimo se esta partícula não fosse o bosão de Higgs do Modelo-Padrão” disse Incandela. “Por exemplo, sabemos que existe matéria escura no universo e se esta partícula não fosse exactamente o bosão de Higgs do Modelo-Padrão poderia vir a funcionar como um portal”, dando acesso a novos territórios do conhecimento.

Contudo, a determinação da identidade da nova partícula exige um estudo muito aprofundado das suas propriedades e vai demorar. “É como se tivéssemos acabado de avistar uma pessoa ao longe”, salientou Heuer. “Para sabermos se é o nosso melhor amigo ou o seu gémeo, vamos ter de nos aproximar.

Tornem a perguntar dentro de três a quatro anos.” Diga-se ainda que também seria possível — embora os especialistas não evoquem muito esta hipótese por enquanto — que não se tratasse afinal de um bosão de Higgs, nem “convencional” nem atípico, mas de uma partícula mais exótica, o que levaria ainda mais tempo a desvendar.

O que poderá ser possível confirmar até ao fim do ano é se o bosão de Higgs agora descoberto é uma partícula “escalar”— ou seja, uma partícula “que não gira sobre si própria, por assim dizer”, como explicou ao PÚBLICO o francês Marumi Kado, da equipa da ATLAS (os físicos diriam que o seu spin é igual a zero). Ora, essa é “uma propriedade- chave do mecanismo de Higgs”, salientou, que é o processo através do qual o bosão de Higgs confere massa às outras partículas.

Entretanto, o LHC continua a “cuspir” dados, que batalhões de computadores e cientistas espalhados pelo mundo vão analisando. Fá-lo-á até ao primeiro trimestre de 2013, quando encerrará durante dois anos para manutenção e para permitir quase duplicar a energia de colisão dos protões acelerados no seu túnel circular subterrâneo com 27 quilómetros de perímetro. O encerramento agendado para o fim deste ano, mas Heuer revelou ontem que, devido à descoberta, irá permanecer em funcionamento mais “dois meses e meio a três meses”.

Uma coisa é certa, a partir de agora: esta descoberta histórica está a gerar emoções fortes na cabeça dos físicos. Incandela, por exemplo, declarou ontem, com algum lirismo: “Estamos a começar a olhar para o ‘tecido’ do universo como nunca o tínhamos feito até aqui. Este bosão é algo de muito profundo. Ocupa um lugar diferente, tem uma relação com o estado do universo, encarna de facto a substância das partículas com as quais vivemos.”

 
Kado, físico de 41 anos que há apenas um mês foi nomeado responsável por toda a investigação futura sobre o bosão de Higgs na experiência ATLAS, expressou sentimentos igualmente intensos: “A partir de agora, vejo toda a natureza de forma diferente”, afirmou. “E o bosão de Higgs está no centro de tudo.”"

 

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