quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Nobel da Física para inventores de métodos de observação directa do estranho mundo quântico

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público, em 09/10/2012
"Um francês e um norte-americano receberam o Prémio Nobel da Física de 2012 pelo seu trabalho na área da óptica quântica, anunciou esta terça-feira a Real Academia das Ciências sueca.
O anúncio foi feito por Staffan Normark, secrtário permanente da Real Academia Sueca das Ciências
Serge Haroche e David Wineland, diz o comité Nobel, "inventaram e desenvolveram independentemente métodos pioneiros que permitem medir e manipular partículas individuais, preservando a sua natureza quântica, de maneiras anteriormente consideradas inalcançáveis”. Assim fazendo, “abriram a porta a uma nova era da experimentação em física quântica”.

No mundo microscópico das partículas – sejam elas de matéria ou de luz –, as leis físicas que regem o comportamento dos objectos do nosso dia-a-dia macroscópico não se aplicam. A teoria que descreve esse mundo – a física quântica – prevê a ocorrência de eventos contra-intuitivos e confere misteriosas propriedades às partículas que o habitam. Por exemplo, uma partícula pode encontrar-se em dois estados de energia diferentes ao mesmo tempo, num fenómeno dito de “sobreposição quântica” – e existe também uma certa incerteza quanto à localização das partículas a cada instante.

Para dificultar ainda mais as coisas, acontece que essas propriedades quânticas são extremamente sensíveis a qualquer interacção com o mundo exterior e que desaparecem mal alguém as tenta observar. Por essa razão, antes dos trabalhos de Haroche e Wineland – ambos nascidos em 1944, o primeiro em Casablanca, Marrocos, o segundo em Milwaukee, EUA –, os físicos quânticos viam-se reduzidos a imaginar, em “experiências de pensamento”, os fenómenos associados a este bizarro contexto, onde até a luz é feita de partículas individuais (os fotões). Não era possível observar directamente – e ainda menos medir ou controlar – os fenómenos quânticos.

Nos seus respectivos laboratórios – Haroche na École Normale Supérieure e no Collège de France, em Paris, e Wineland na Universidade do Colorado, em Boulder – as respectivas equipas por eles lideradas encontraram formas de “aprisionar”, firme mas delicadamente, as partículas quânticas para, a seguir, estudá-las sem destruir os seus estranhos comportamentos.

A técnica da equipa norte-americana consistiu em manter iões (átomos com carga eléctrica) presos dentro de “armadilhas quânticas” graças a uma série de campos eléctricos. A armadilha era mais precisamente um pequeno espaço onde reinava o vácuo e onde a temperatura ambiente era extremamente baixa, para evitar ao máximo as interacções com o exterior. A partir daí, utilizando lasers, os cientistas conseguiram colocar os iões numa sobreposição de estados quânticos – em dois níveis de energia diferentes ao mesmo tempo – e observar o fenómeno.

A equipa francesa abordou o problema de uma forma diferente, quase que oposta. Aprisionando fotões dentro de uma pequena cavidade limitada por dois espelhos, conseguiram que eles viajassem vezes sem conta entre os espelhos durante um décimo de segundo, antes de desaparecerem. E durante esse tempo de confinamento do fotão – que do ponto de vista quântico é quase uma eternidade e durante o qual o fotão percorria dezenas de milhares de quilómetros (quase o equivalente de uma volta à Terra!) –, introduziam na cavidade, um a um, certos átomos particularmente gigantescos. Ao saírem da cavidade, os átomos tinham ou não encontrado um fotão – e isso podia ser determinado medindo as alterações do estado quântico do átomo. Tornava-se assim possível estudar um fotão isolado de tudo o resto sem o destruir.

Uma das aplicações possíveis dos métodos inventados pelos laureados poderá ser o chamado computador quântico, um tipo de computador muito mais rápido do que os actuais, baseado na física quântica. Outra poderão ser relógios ópticos, mais de cem vezes mais precisos do que os mais precisos relógios atómicos actuais."

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