Foi publicada a sequência completa do genoma da cenoura. E para
que é que isto serve? O trabalho encontrou algumas pistas que, segundo
os cientistas, podem ser úteis para melhorar as colheitas e a qualidade
do produto.
Toda a gente sabe (e já está
cientificamente comprovado) que faz bem aos olhos. Nos últimos anos
foram também divulgados artigos científicos que a associam à melhoria da
qualidade do esperma ou à prevenção de cancro do pulmão. Agora, um
grupo de investigadores norte-americanos apresenta o genoma completo da
cenoura. Os investigadores acreditam que a informação que conseguiram
reunir sobre a evolução e as características da cenoura pode ajudar a
melhorar as colheitas e a qualidade nutricional deste produto. Foi
identificado um gene que regula a acumulação de beta-carotenos, um
precursor da vitamina A, e agora sabe-se há quantos milhões de anos as
cenouras se separaram das uvas, do kiwi ou do tomate. O que continua por
esclarecer é a nossa preferência pela versão cor de laranja, já que as
primeiras cenouras eram amarelas ou roxas.
Primeiro, alguns
números: os 21 investigadores que representam uma dúzia de instituições
norte-americanas, e que assinam o artigo publicado esta semana na Nature Genetics, identificaram 32.113 genes no ADN da cenoura (Daucus carota),
sendo 10.530 genes únicos desta espécie. O que quer dizer que esta raiz
tuberosa tem mais dez mil genes do que os humanos – que, segundo os
cálculos mais recentes, têm cerca de 20 mil genes. Os genes são
instruções de fabrico de proteínas. Mas o que os cientistas têm vindo a
concluir é que não só uma questão de número de genes, a forma como o
resto do ADN os regula também é importante.
O comunicado da Nature nota
que, até à data, esta será uma das mais completas sequenciações de
genoma de uma planta hortícola e que o trabalho fornece informações
importantes sobre a origem da cenoura, a cor distintiva e o valor
nutricional.
Em declarações ao PÚBLICO, Philipp Simon, um dos
autores do artigo que integra o Departamento de Horticultura da
Universidade de Wisconsin-Madison (EUA) e da Unidade de Investigação de
Culturas Vegetais do Departamento de Agricultura dos EUA, esclarece que
um dos importantes resultados do trabalho foi a “descoberta de um gene
que condiciona a acumulação de pigmentos carotenóides nas raízes da
cenoura”, adiantando: “Este é um dos dois genes responsáveis pela
conversão de cenoura branca (tipo selvagem ancestral) em laranja.”
Os
investigadores acreditam que a descoberta deste gene responsável pela
elevada e invulgar acumulação de beta-caroteno na raiz da cenoura (o
DCAR-032551) pode ser útil para os produtores de cenouras que queiram
melhorar a qualidade do produto mas também para outras culturas.
“A
versão do gene que resulta na acumulação de pigmento ocorre apenas nas
cenouras amarelas e cor de laranja escuro, não em cenouras brancas que
têm uma versão diferente do mesmo gene. Ainda não sabemos se podemos
aplicar esse conhecimento noutras culturas além das cenouras.
Acreditamos que pode ser possível, mas só o saberemos quando nós ou
outros laboratórios o tentarmos”, acrescenta Philipp Simon.
Além da análise do ADN da Daucus carota, os cientistas
também compararam o material genético de 35 espécies e subespécies
desta raiz para perceber os padrões da sua domesticação. As cenouras
fazem parte da mesma classe de plantas da alface e do aipo, cujos
genomas ainda não foram publicados, lembram os autores do artigo. O
trabalho refere ainda que as primeiras cenouras domesticadas eram
amarelas (por causa da luteína) e roxas (por causa da antocianina)
surgiram há 1100 anos na Ásia Central. As tradicionais cenouras cor de laranja só seriam reportadas na Europa por volta do século XVI.
Mas,
no final da história, foi a versão laranja que conquistou os
consumidores. A pigmentação laranja resulta de uma elevada concentração
de alfa e de beta-caroteno que, como já se disse aqui, é o mesmo que
dizer que é uma poderosa fonte de vitamina A. “O
valor nutricional de cenouras alaranjadas é muito alto, pois eles são
uma rica fonte de vitamina A. As cenoura roxas e amarelas também contêm
nutrientes importantes, mas não são tão cruciais para a saúde humana
como os pigmentos laranja”, sublinha o investigador. Mas no século XVI não se sabia disso, avisa Philipp Simon: “É
seguro afirmar que em 1500 não havia conhecimento do valor nutricional
de quaisquer cenouras. A vitamina A ainda não tinha sido descoberta e os
sintomas de deficiência desta vitamina só foram descritos no início de
1900".
O dilema com ou sem casca
Então se não foi
por uma questão de valor, talvez tenha sido uma questão estética? “Como
outras mudanças nas culturas agrícolas ao longo do tempo, a mudança
aconteceu quando os primeiros produtores de cenouras seleccionaram essas
cores. Não há registos escritos que expliquem como é que a cenoura se
tornou popular na Ásia Central, há apenas alguns sobre as cores da
cenoura. Há também alguns relatos sobre cenouras europeias, mas não o
suficiente para entender o que motivou a mudança. Talvez uma simples
preferência do consumidor”, arrisca o investigador.
Uma coisa é
certa, assegura Philipp Simon, “o sabor e a produtividade agrícola não
são de todo influenciados pela cor, de modo que não são uma explicação
para a preferência para as cenouras alaranjadas”. Em resumo:
“Simplesmente, não sabemos porquê.”
Seja por que motivo for, a
versão cor de laranja ganhou nos mercados. A cenoura é considerada a
cultura mais importante da família das Apiaceae, onde se encontra ainda outros vegetais e ervas como a salsa, os coentros, a erva-doce ou o aipo. A
versão roxa ou amarela ainda existe mas não se encontra nos
supermercados, reservando-se para ocasiões especiais como, por exemplo,
a Feira do Pau Roxo que se realiza em Castro Verde.
Mostrando
que o resultado deste projecto não se resume à descoberta de um gene
importante, Philipp Simon adianta ainda que este projecto também garante
“uma melhor compreensão da evolução das plantas”. O investigador
lembra, por exemplo, que ainda não foram sequenciados os genomas do
aipo, do alface e do girassol que fazem parte do mesmo grupo da cenoura.
O trabalho dos investigadores também incluiu uma comparação deste
genoma com os de outras plantas conseguindo determinar quando é que as
cenouras se separaram do ponto de vista evolutivo das uvas, do kiwi e do
tomate. “A cenoura divergiu da uva há cerca de 113 milhões de anos, do
kiwi há 101 milhões de anos e da batata e do tomate há 90,5 milhões de
anos. Com a sequenciação do genoma da cenoura, a evolução deste grupo de
plantas fica mais clara”, conclui Philipp Simon.
Uma das imagens que serve para ilustrar o artigo científico publicado esta semana na Nature Genetics
é uma imagem do um campo de cenouras em Portugal. Porém, é pura
coincidência ou, mais uma vez, uma simples questão de estética. “As
cenouras portuguesas não foram utilizadas para este estudo. As imagens
foram incluídas para mostrar algumas cenouras selvagens e porque pensei
que a foto era atraente”, esclarece Philipp Simon.
A tradicional cenoura cor de laranja está por todo o lado. No
artigo, a equipa de investigadores começa por notar que, segundo as
estatísticas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura (FAO, na sigla em inglês), a produção mundial desta raiz
quadruplicou entre 1976 e 2013. Em Portugal, segundo os dados mais
recentes fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística ao PÚBLICO, a
área de cultivo da cenoura aumentou de 1848 hectares em 2013 para 2158
em 2015. Só a couve-repolho e a abóbora parecem ocupar mais espaço no
país no que toca a culturas hortícolas. Quanto à produção, de 77.159
toneladas em 2013 ultrapassámos as 104 mil toneladas em 2014 para nos
situarmos nas 97.494 em 2015. Nenhuma outra cultura “pesa” mais na lista
deste tipo de produtos, que inclui, entre outros, nabos, cebolas,
melão, melancia, couves e tomate.
Para uma pessoa,100 gramas de
cenoura é o suficiente para garantir a totalidade da dose diária
recomendada de vitamina A. E, ao contrário do que acontece com outros
vegetais, não se perde nada em cozer a cenoura. “Uma vez que os
carotenos da cenoura (pró-vitamina A) são lipossolúveis (solúveis em
gordura), não se perdem na água da cozedura. Por isso, não há grande
problema em cozinhá-la”, refere ao PÚBLICO o nutricionista Pedro
Carvalho. “Perde um pouco de vitamina C, mas a cenoura não é
particularmente rica nesta vitamina. Até pode ser interessante
cozinhá-la, uma vez que a ruptura das suas membranas celulares, por
acção do calor e destruição mecânica (puré ou sopa passada), consegue
tornar os carotenos mais biodisponíveis, ou seja, melhor absorvidos”,
acrescenta o docente no Instiuto Superior da Maia.
Pedro Carvalho
sugere ainda que a cenoura cozida seja acompanhada por alguma gordura
(como o azeite). Sobre o grande dilema de “com casca ou sem casca”, o
nutricionista tem uma resposta que pode desiludir. É que na verdade
parece que tanto faz. “Não existem dados que permitam confirmar se a
casca da cenoura terá um valor nutricional superior ao da polpa, mas até
pela sua similitude ao nível da cor e da textura presume-se que o seu
teor em vitamina A e fitoquímicos seja semelhante, por isso não parece
haver um desperdício adicional quando se rejeita a casca.”
E, para já, quanto a cenouras, depois de genes, produção, consumo e dicas nutricionais, estamos conversados. Bom apetite.
Sem comentários:
Enviar um comentário