sábado, 26 de janeiro de 2013

Especialistas retomam investigação com vírus mutantes da gripe das aves

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 24/01/2013

A gripe das aves não é transmissível entre humanos, apenas das aves para os humanos. Mas nada garante que não venha a sê-lo um dia
"Em carta hoje divulgada pelas revistas Nature e Science, 40 cientistas decretam o fim de uma auto-imposta moratória nos países que já autorizam as pesquisas, mas que ainda não incluem o maior financiador: os EUA
A 26 de Janeiro de 2012, um grupo internacional de especialistas de gripe das aves tinha decidido impor a si próprio a suspensão do estudo das mutações do vírus H5N1 da gripe das aves que o poderiam tornar transmissível pelos espirros entre seres humanos. Hoje, numa carta enviada às revistas Nature e Science, os mesmos 40 signatários declaram que tencionam retomá-las.

A moratória fora decidida na sequência das críticas levantadas por uma parte da comunidade científica na altura da publicação, naquelas mesmas revistas, de dois artigos - respectivamente da autoria de Ron Fouchier, do Centro Médico Erasmus (Holanda), e de Yoshihiro Kawaoka, da Universidade do Wisconsin (EUA) - sobre as questões de segurança ligadas ao facto de criar, em laboratório, vírus H5N1 mutantes adaptados ao contágio por via aérea entre mamíferos, tal como uma vulgar gripe sazonal. Na altura, a ênfase foi posta na ameaça bioterrorista, mas actualmente as preocupações estão mais viradas para os riscos de eventuais "fugas" acidentais de tais vírus.

Inicialmente prevista para durar dois meses, a moratória acabaria por se prolongar por um ano, para "explicar ao público os benefícios para a saúde destes trabalho, descrever as medidas que permitem minimizar os riscos e dar tempo aos países para rever as suas políticas", nomeadamente de biossegurança, lê-se na carta agora publicada (acessível em http://www.sciencemag.org/site/special/h5n1/). Os defensores destas investigações têm argumentado que conhecer o número mínimo de mutações que tornariam o H5N1 numa nova praga humana global deverá permitir não só desenvolver vacinas, mas criar sistemas de alerta, caso essa combinação de mutações surja naturalmente.

Os mesmos signatários de 2012 - Fouchier, Kawaoka e um elenco de estrelas mundiais da gripe das aves - assinam, portanto, esta nova carta, considerando que essas metas foram atingidas. E que, na medida em que uma série de países já redefiniu as suas normas de biossegurança e aprovou as pesquisas nessas condições, é urgente retomá-las. Apesar de os EUA, o maior financiador mundial na área através dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), não ter ainda dado a sua resposta e não se saber quanto é que ela poderá ainda demorar.

"Por que é que os outros países deveriam esperar pelos Estados Unidos?", disse ontem Fouchier, durante uma conferência de imprensa telefónica internacional organizada pela Science, salientando, aliás, que combinações de duas mutações por eles identificadas antes da moratória já foram detectadas em H5N1 no Egipto.

Interrogado pelo PÚBLICO sobre quais os países que já responderam afirmativamente - ou que estarão em vias de o fazer -, o investigador disse serem basicamente os países onde se localizam os laboratórios dos signatários: Alemanha, Canadá, China, EUA, Holanda, Itália, Japão, Reino Unido e Rússia. "Não tenho uma lista dos países", declarou, "mas a Holanda, Canadá e, em princípio, todos os países da União Europeia já deram a sua aprovação". O Japão, salientou, pelo seu lado, Kawaoka, ainda não o fez.

Todavia, reconheceram estes cientistas, os níveis de biossegurança exigidos aos laboratórios para evitar fugas ou a contaminação dos que neles trabalham não estão harmonizadas a nível mundial. Mas esperam que a Organização Mundial da Saúde venha a agir nesse sentido.

O debate está, contudo, longe de estar encerrado. Muitos cientistas continuam a criticar a realização destas investigações - e subsistem dúvidas inclusivamente entre os signatários da nova carta. Ilaria Capua, do Instituto Zooprofiláctico Experimental de Pádua (Itália), admite na Nature os seus receios ao jornalista Declan Butler. Não com o punhado de laboratórios com altos padrões de segurança actualmente envolvidos, mas "com o risco de proliferação deste tipo de investigação a mais longo prazo".

Concretamente, onde é que as pesquisas poderão ser retomadas nas próximas semanas? Fora dos EUA e sem fundos dos NIH. O que por enquanto exclui totalmente a equipa de Kawaoka e parcialmente a de Fouchier."

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