sábado, 30 de março de 2013

Futura terapia quer aproveitar os açúcares anormais do cancro da mama

Texto de Teresa Firmino publicado pelo jornal Público em 27/03/2013.
"Em 30% dos cancros da mama existe um açúcar atípico à superfície das células, que uma equipa portuguesa pretende usar para fazer uma molécula terapêutica.

Campanha de 2005 de prevenção do cancro da mama, na escadaria da Assembleia da República
E se os açúcares anormais à superfície das células do cancro da mama pudessem ser aproveitados para desenvolver um tratamento contra a doença? É isso que a equipa de Paula Videira, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, se propõe levar por diante com um projecto que esta quarta-feira à tarde é premiado com 25 mil euros.
 
O Prémio de Mérito Científico Santander Totta/UNL, que distingue projectos que envolvam várias unidades científicas da Universidade Nova, vai na sexta edição. Desta vez, a equipa de Paula Videira, de 40 anos, inclui investigadores da sua faculdade (José Ramalho), do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (Carlos Novo) e da Faculdade de Ciências e Tecnologia (Angelina Sá Palma e Ana Luísa Carvalho).
 
A equipa não partiu do zero, mas de conhecimento já existente. No caso da mama e de outros cancros, como o gástrico e da bexiga, sabe-se há cerca de uma década que as células cancerosas têm uma característica muito própria: à sua superfície encontra-se um tipo de açúcares que é muito diferente dos que existem nas células normais. Esses açúcares são os glicanos, por isso o mecanismo que conduz à sua produção anormal chama-se “glicosilação aberrante”. “Todas as células têm proteínas na superfície que estão glicosiladas. Nas células tumorais, muitas coisas são aberrantes e uma delas é a glicosilação”, explica Paula Videira, que faz investigação em imunologia e glicobiologia.
 
“Se pensarmos que as células interagem umas com as outras, temos esta floresta alterada que também altera a maneira como as células comunicam umas com as outras. O sistema imunitário é muito sensível a isso. A partir do momento em que há células com glicosilação aberrante, elas também vão ser reconhecidas de maneira diferente pelo sistema imunitário, que pode ser para melhor ou pior.”
 
No caso da mama, nas fases iniciais do cancro ocorre a produção de um tipo de glicano designado por “sialil-Tn” e que, geralmente, está associado a um mau prognóstico. “Trinta por cento dos cancros da mama têm sialil-Tn.”
 
O que a equipa de Paula Videira já descobriu é que as células cancerosas que produzem o sialil-Tn parecem conseguir enganar as células do sistema imunitário, evitando ser destruídas pelas nossas defesas. Estes açúcares parecem assim promover a progressão do cancro. “Descobrimos – isso está em vias de publicação – que as células que expressam sialil-Tn, nomeadamente as células do cancro da mama, têm um efeito imunossupressor. O sistema imunitário tem mais dificuldade em eliminar este tipo de células.”

Dois anos até ter uma molécula
Agora, Paula Videira e colegas propõem-se construir anticorpos, moléculas geralmente produzidas pelo sistema imunitário contra um determinado agressor através do reconhecimento de alguma das suas especificidades, que combatam especificamente as células cancerosas. Como? Através de engenharia genética, tencionam fabricar um só anticorpo que reúna duas funções: por um lado, que essa nova molécula seja capaz de identificar e de se ligar às células cancerosas utilizando o sialil-Tn, por outro lado, que active o sistema imunitário para as ir destruir.
 
A investigadora diz que já têm duas moléculas e que vão agora juntá-las numa só, acrescentando que nesta parceria também entra a Biotecnol, empresa de biotecnologia com sede em New Brunswick (New Jersey, Estados Unidos) e o centro de investigação em Oeiras. Depois, será preciso caracterizar o anticorpo que vier a ser desenvolvido e realizar testes, tanto em células como em ratinhos. “Penso que vamos conseguir fazer isto rapidamente. Prevejo que demoraremos cerca de dois anos até termos uma molécula segura, que consiga ter o efeito que esperamos”, antevê Paula Videira.
 
Mas se nas células de outros tipos de cancro existe o sialil-Tn, a futura molécula não poderá também ser usada como tratamento desses cancros? “Achamos que, um dia, poderá também ser utilizada para outros tipos de cancro”, responde a investigadora.
 
Por ora, o alvo é o cancro da mama, que em Portugal é o segundo tipo de cancro mais comum nas mulheres (a seguir ao da pele), sendo detectados por ano, segundo as estatísticas mais recentes, cerca de 4500 novos casos e causando a morte a 1500 mulheres. “Para já, não vai substituir as terapias actuais, vai complementá-las. Se calhar no início será uma terapia alternativa adjuvante das convencionais, para eventualmente poder reduzir as doses terapêuticas e até haver menos efeitos secundários.”
 
Se tudo correr bem, essa molécula ainda terá de passar por todas as fases de ensaios em humanos, que testam desde a segurança até à eficácia, até chegar às mulheres com este tipo de cancro da mama. Se isso acontecer, então os açúcares atípicos que parecem trazer vantagens às células cancerosas serão aproveitados numa terapia que se virará contra elas."

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