segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Os tardígrados são tão incríveis que voltaram à vida ao fim de 30 anos congelados

São quase indestrutíveis, resistindo a condições extremas de frio, calor, radiação ou pressão. No seu rol de recordes, inclui-se agora o despertar de alguns ursinhos-de-água após um longo sono gelado e, por isso, os cientistas não resistiram a chamar-lhes Belas Adormecidas.
Descendente de um dos tardígrados descongelados da espécie Acutuncus antarcticus (no seu interior, a verde, vêem-se as algas que comeu)
Descendente de um dos tardígrados descongelados da espécie Acutuncus antarcticus
Descendente de um dos tardígrados descongelados da espécie Acutuncus antarcticus
Tardígrado visto ao microscópio electrónico de varrimento
Tardígrado com ovos no seu interior

Tardígrado da espécie Macrobiotus sapiens no musgo visto ao microscópio electrónico de varrimento (as cores são falsas)
 
Na saga de ficção científica A Guerra das Estrelas, Han Solo, a personagem interpretada por Harrison Ford, é congelado pelo vilão Darth Vader e, mais tarde, é salvo e descongelado, recuperando por completo. Na natureza, conhecem-se poucos animais capazes de sobreviver a este processo. Agora descobriu-se que os minúsculos tardígrados, ou ursinhos-de-água, como também são conhecidos, conseguem sobreviver ao congelamento durante mais de 30 anos.

Num artigo científico, uma equipa do Instituto Nacional de Investigação Polar do Japão descreve as condições em que estes animais, congelados depois de terem sido recolhidos na Antárctida em 1983, foram descongelados e recuperaram completamente. É um recorde para estes animais já conhecidos pela sua grande resistência.

“Ficámos surpreendidos. É espantoso que consigam sobreviver, recuperar e reproduzir-se depois de terem estado congelados tanto tempo”, comenta ao PÚBLICO Megumu Tsujimoto, ecologista e primeira autora do artigo científico na revista Cryobiology.

Os tardígrados são pequenos invertebrados, geralmente com menos de um milímetro de comprimento, translúcidos, segmentados, com cabeça e quatro pares de patas com várias garras. É devido ao seu aspecto e por viveram na água e em ambientes húmidos, como o musgo, que também lhes chamam ursinhos-de-água.

Alimentam-se de plantas, algas e bactérias e há algumas espécies carnívoras. Sugiram na Terra há mais de 600 milhões de anos e estão identificadas mais de mil espécies, existindo tardígrados em quase todos os ambientes terrestres e marinhos, desde áreas geladas, florestas tropicais, mares até ao topo das montanhas.

Além disso, são conhecidos por resistirem a condições extremas — a temperaturas muito baixas (a 200 graus Celsius negativos) e muito altas (a 150 graus Celsius), ao vácuo, a pressões muito elevadas (1200 vezes a atmosfera terrestre), a doses letais para outros animais de radiação ultravioleta e raios gama. E até já foram ao espaço.

Parecem quase indestrutíveis. A sua resistência deve-se à capacidade, em condições adversas, de entrarem num estado reversível de latência – chamado “criptobiose” –, em que perdem a água do corpo e o seu metabolismo praticamente pára. No entanto, sem entrarem em criptobiose o seu tempo de vida máximo é de 58 dias.

Os tardígrados têm características tão distintas que dentro do reino animal têm o seu próprio filo (unidade taxonómica em que se subdividem os reinos) – o filo Tardigrada. Estes animais foram descritos pela primeira vez em 1773 pelo zoólogo alemão Johann August Ephraim Goeze, que lhes chamou kleine Wasserbären (ursinhos-de-água). Três anos mais tarde, o biólogo italiano Lazzaro Spallanzani é que lhes atribuiu o nome Tardigrada, do latim tardus (lento) e gradus (passo).

Três Belas Adormecidas
Os tardígrados deste estudo, que tinham sido recolhidos em 1983, encontravam-se numa amostra de musgo obtida durante uma expedição japonesa de investigação científica na Antártica, na Terra da Rainha Maud, um território norueguês no Leste do continente branco. O musgo foi colhido numa altura em que não havia acumulação de neve e foi armazenado a 20 graus Celsius negativos.

“Como por vezes podemos encontrar tardígrados nos musgos, esperávamos encontrar alguns na amostra de musgo congelado. Uma vez que o recorde de sobrevivência dos tardígrados a longo prazo em criptobiose era de nove anos para ovos e de oito anos para animais adultos, tínhamos esperança de quebrar este recorde”, lembra Megumu Tsujimoto.

Em Maio de 2014, a amostra foi descongelada. Alguns tardígrados estavam mortos, dois encontravam-se aparentemente em latência e havia ainda um ovo. Foram todos colocados caixinha de laboratório com alimento e água, para voltarem a hidratar-se, e observados à lupa e filmados. “A sobrevivência a longo prazo de animais criptobióticos tem atraído muitos cientistas há muito tempo, mas normalmente só eram descritas as reanimações e não eram estudadas em detalhe as condições da recuperação e da reprodução”, explica a investigadora.

Um dia depois de os cientistas japoneses terem descongelado o ovo e os dois tardígrados – a que a equipa chamou Belas Adormecidas –, os animais começaram a mexer as patas traseiras e, nos dias seguintes, foram-se movendo mais e começaram a alimentar-se.

Um deles, a Bela Adormecida 2, morreu ao fim de 20 dias, mas a Bela Adormecida 1 recuperou e começou a produzir ovos: pôs 19 ovos, 14 dos quais eclodiram e desenvolveram-se como adultos. Também o ovo, a Bela Adormecida 3, que estava congelado eclodiu e deu origem a um adulto, que por sua vez se reproduziu. Estes tardígrados pertencem à espécie Acutuncus antarcticus, que é endémica da Antárctida e partenogénica (pode reproduzir-se sem que ocorra fertilização).

Embora o desenvolvimento dos animais ressuscitados fosse normal, foi mais lento do que o habitual nesta espécie. Os tardígrados demoraram algum tempo a recuperar e o tempo de eclosão do primeiro ovo foi maior do que costume. “O tempo longo de recuperação observado neste estudo é consistente com a reparação dos danos nas células e no ADN acumulados durante os 30 anos de criptobiose”, lê-se no artigo científico.

Os investigadores propõem-se agora estudar como é que estes animais conseguem recuperar da exposição a condições ambientais hostis. “Agora estamos a estudar mais amostras. Depois vamos examinar os danos no ADN e a reparação que ocorre nos animais reanimados e revelar os mecanismos subjacentes à sobrevivência a longo prazo destes animais criptobióticos.”

 Os tardígrados já não são só uma curiosidade para os zoólogos e têm recebido alguma atenção, aparecendo em livros infantis e exposições. Em 2015, foi fundada a Sociedade Internacional de Caçadores de Tardígrados na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill (Estados Unidos), dedicada ao estudo da biologia destes animais e à sua divulgação junto do público em geral, disponibilizando informação para professores e para quem queira fazer a sua “caça aos ursinhos-de-água”.

Nos últimos meses, os tardígrados foram também alvo de atenção com a publicação dos primeiros resultados da sequenciação do seu genoma. Este trabalho foi realizado por duas equipas científicas diferentes que, porém, apresentaram resultados distintos para a mesma espécie de tardígrado (Hypsibius dujardini). Primeiro, em Novembro de 2015, uma investigação liderada por investigadores da Universidade da Carolina do Norte publicou um artigo indicando que um terço do genoma destes animais continha genes adquiridos de outros grupos animais – a maior taxa alguma vez encontrada em animais. Uma semana mais tarde, uma equipa da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido, publicou os resultados preliminares da sua sequenciação, encontrando valores muito mais baixos para genes “estrangeiros”, sugerindo por isso que os resultados da equipa norte-americana se devessem a uma contaminação das amostras utilizadas.

Esta divergência nos resultados da descodificação do genoma dos tardígrados é também um exemplo da forma como avança a investigação científica e da importância da validação dos resultados por outros cientistas que não fizeram parte de uma equipa. Por agora, não há um veredicto final sobre a composição do genoma dos tardígrados, mas este desfecho é aguardado com curiosidade. Talvez a análise deste genoma possa desvendar parte do segredo de como é que estas espécies conseguem tolerar condições ambientais tão extremas.

Se recuperar e reproduzir-se ao fim de 30 anos de congelamento é um recorde para os tardígrados, não é um recorde para os animais – há relatos de vermes nemátodos que superaram congelamentos mais longos, como por exemplo o Tylenchus polyhypnus, depois de quase 39 anos congelado. Nesta perspectiva, a história em que Han Solo é congelado num dos filmes da saga de A Guerra das Estrelas e descongelado no filme seguinte torna-se quase uma brincadeira de crianças.
Texto editado por Teresa Firmino

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

O que os cientistas descobriram na Gronelândia pode aumentar ainda mais o nível do mar


Pensava-se que uma camada de 80 metros de gelo poroso na Gronelândia estava a reter parte da água derretida à superfície. Mas nos últimos anos, descobriu-se agora, este mecanismo tem estado a desaparecer.


A subida da temperatura global pode estar a afectar a camada de gelo da Gronelândia – e a sua contribuição para o aumento do nível médio do mar – de uma forma mais grave do que os cientistas imaginavam, revela um novo estudo. As alterações recentes no gelo parecem ter afectado a sua capacidade de armazenar o excesso de água, o que significa que uma maior quantidade de gelo derretido poderá estar a ir para o oceano.

Os cientistas dizem que a camada de gelo da Gronelândia já perdeu mais de nove biliões (milhões de milhões) de toneladas de gelo no último século – e a rapidez do derretimento continua a aumentar à medida que as temperaturas vão subindo.

A agência espacial norte-americana NASA estima que a camada de gelo da Gronelândia está a perder anualmente cerca de 287.000 milhões de toneladas, em parte por causa do derretimento superficial e em parte por causa de pedaços de gelo que se partem dos glaciares e caem para o oceano. Como esta enorme camada de gelo tem o potencial de aumentar bastante o nível médio do mar [se todo o gelo da Gronelândia derretesse, o nível médio do mar subiria cerca de sete metros], os cientistas têm estado especialmente atentos ao seu comportamento e aos fenómenos que podem acelerar o seu derretimento.

O novo estudo, publicado na revista Nature Climate Change, centrou-se numa parte do gelo designada por firn (uma palavra alemã). [Este é o nome dado à neve endurecida, que vai ficando tapada pela neve que cai por cima e volta a cristalizar nos anos seguintes, tornando-se mais densa, mas não alcançando ainda a densidade do gelo. A camada de “firn” é porosa e atinge os 80 metros de profundidade, de acordo com o artigo.]

O firn é considerado uma parte importante da camada de gelo porque consegue capturar e acumular o excesso de água antes de ela escoar da superfície dos glaciares. [Até agora, os cientistas estimavam que o firn pudesse sequestrar entre 30 e 40% do gelo derretido.] Este serviço da natureza acaba por ser essencial porque ajuda a mitigar o aumento do nível médio do mar que de outro modo aconteceria, se toda a água derretida fugisse do glaciar.

“Como esta camada é porosa e como os poros estão ligados entre si, em teoria todos os poros nesta camada de gelo recente poderão ser usados para acumular a água derretida que percola para o interior do ‘firn’ sempre que o gelo derrete à superfície”, explicou Horst Machguth, do Centro de Investigação Geológica da Dinamarca e da Gronelândia, ao jornal The Washington Post. Ao longo do tempo, a água derretida que escorreu para os poros pode ir para os aquíferos que existem na camada de gelo do firn ou pode voltar a congelar.

Até há pouco tempo, muitos cientistas assumiam que a maior parte desta camada ainda estava disponível para capturar água líquida. Mas o novo estudo mostrou que é provável que isso já não seja assim. Através de observações em 26 sítios na região Oeste da Gronelândia, os investigadores mostraram que formações recentes de densas camadas de gelo junto à superfície estão a dificultar a entrada de água líquida – o que faz com que esta seja forçada a escoar para o oceano.

“Os outros estudos defendiam que havia uma capacidade ilimitada de retenção de água naquele gelo, mas este novo estudo mostra que não é verdade”, disse Kurt Kjær, curador e investigador do Museu de História Natural da Dinamarca, que estudou as dinâmicas da camada de gelo na Gronelândia mas não esteve envolvido no novo trabalho.

Os cientistas examinaram amostras do gelo obtidas por perfuração naqueles locais da Gronelândia entre 2009 e 2015. A equipa procurou descobrir como é que uma série de Verões particularmente quentes, que causaram vários fenómenos de derretimento muito significativos em 2010 e 2012, afectou o firn.

Criadas “lentes de gelo”
“Acho que o resultado mais notável do nosso estudo é mostrar que aquela camada de gelo recente reage mais rapidamente do que o esperado ao aumento da temperatura atmosférica”, disse Horst Machguth. Ao analisar as amostras de gelo, os investigadores descobriram que o dilúvio de água derretida dos últimos anos escorreu para o gelo e congelou em camadas superficiais chamadas “lentes de gelo”. Estas lentes impedem que a água derretida escorra mais para baixo, o que significa que a água começa a acumular-se e a congelar logo junto da superfície, aumentando o número e a grossura de lentes de gelo num ciclo vicioso.

As amostras de gelo mostravam que as lentes de gelo ficaram rapidamente mais grossas entre 2009 e 2012, disse Machguth. Depois, a partir de 2012, ocorreu uma nova mudança. “No local onde estávamos, o derretimento muito intenso dos gelos que ocorreu no Verão de 2012 não resultou num aumento forte da camada de gelo no ‘firn’, porque já havia uma camada de gelo presente”, explicou o cientista. “Em vez disso, observámos que a camada de gelo obrigou a água derretida a escorrer pela superfície.”

Este fenómeno foi mais pronunciado nas zonas mais baixas do Oeste da Gronelândia, onde a água se infiltrou mais rapidamente nas camadas de gelo, e ficou lá acumulada na sua forma sólida. Mas Machguth e os seus colegas prevêem que o mesmo processo de formação de lentes de gelo irá ocorrer em locais cada vez a maior altitude – e a quantidade de água derretida forçada a escorrer para o oceano, não tendo onde infiltrar-se, irá também aumentar.

[Os peritos do Painel Internacional para as Alterações Climáticas das Nações Unidas estimam que até 2100 o derretimento de gelos em toda a Terra vá fazer aumentar o nível médio do mar entre 0,44 e 0,74 metros face ao período compreendido entre 1986 e 2005, no melhor e no pior cenário de emissões de gases com efeito de estufa. No ano 2500, esta amplitude entre o melhor e o pior cenário exacerba-se muito: é entre 0,5 metros, se os países controlarem a sério as emissões de dióxido de carbono e outros gases como o metano, e 6,6 metros, se as emissões continuarem descontroladas. Neste cálculo, conta também o derretimento dos glaciares que existem nos continentes e a grande massa de gelo que a Antárctica alberga.]

No caso da Gronelândia, a equipa do novo estudo não está só preocupada com a possível contribuição que este excesso de água vai ter no aumento do nível médio do mar – também sugere que o aumento de escoamento de gelo derretido possa provocar certos processos de reforço positivo que causem um derretimento ainda maior no futuro. Segundo o artigo científico, a água que vai escoando poderá esculpir canais na superfície da camada de gelo criando assim áreas lamacentas [mais escuras], o que poderá reduzir o albedo – a capacidade de a camada de gelo reflectir a luz solar. Por isso, com mais luz solar a ser absorvida pelo gelo, a temperatura à superfície poderá ficar ainda mais alta, acelerando o seu derretimento.

Além disso, estas mudanças no firn são em grande medida irreversíveis. Apesar de ser possível a formação de uma nova camada de gelo à medida que a neve vai caindo durante o Inverno e vai se acumulando à superfície na Gronelândia, o processo pode demorar décadas – e pode não acontecer de todo num clima cada vez mais quente.

Este estudo particular foi realizado apenas na região Oeste da Gronelândia, por isso os cientistas não têm a certeza se estes resultados reflectem o que está a acontecer em toda a ilha. Seria importante fazer as mesmas análises noutros locais, considerou Machguth.

Mas até lá, estas observações representam um importante passo na compreensão dos processos que afectam a Gronelândia, e podem ajudar os cientistas a melhorar as simulações utilizadas para prever o que irá acontecer no futuro àquela enorme massa de gelo. “Quando se obtém este tipo de informação, onde há um novo tipo de conhecimento, ela deverá ser integrada nos modelos”, defendeu, por sua vez, Kurt Kjær.
Exclusivo The Washington Post/PÚBLICO

A higiene na Roma Antiga não evitou a propagação de lombrigas e outros parasitas


Apesar dos aquedutos, dos sistemas de esgotos, das latrinas e dos banhos públicos, parasitas como as pulgas, as ténias ou um verme que existe nos peixes continuaram a existir nas cidades romanas.

Latrinas romanas num sítio arqueológico na Síria

Ovo do parasita de um local romano na Turquia
 Na obra-prima de Marguerite Yourcenar, Memórias de Adriano, publicada em 1951, a escritora belga coloca-nos como herdeiros de Roma. O romance é um relato na primeira pessoa da vida do imperador romano Adriano, e a sua profundidade e qualidade evocativa tornam credíveis os pensamentos daquela figura histórica, que viveu entre 76 e 138 d.C. Por isso, é possível reencontrarmo-nos com o legado de Adriano quando ele diz ver em cada frágil povoação, protegida por paliçadas, futuras metrópoles que seguem a mesma “unidade da conduta humana” da Roma Antiga, o mesmo modelo civilizacional.

A partir de um legado destes, é natural que o quotidiano daquela civilização seja observado à lupa pelos historiadores e nasçam perguntas como a do investigador Piers Mitchell, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido: “Queria ver se as tecnologias de saneamento introduzidas na Europa pelos romanos beneficiaram a saúde das pessoas que viviam sob as regras romanas.” O paleopatologista tentou perceber se parasitas como as lombrigas e as pulgas desapareceram com a expansão do império romano, comparando vestígios arqueológicos romanos com outros anteriores. A resposta é não, conclui um artigo publicado na revista Parasitology: os parasitas não desapareceram nas cidades romanas e muito provavelmente até proliferaram.

“Os romanos eram conhecidos por disseminar as suas ideias sobre literatura, engenharia, cultura, cozinha, religião e higiene”, lê-se no artigo. “A propagação do conhecimento romano – a água limpa e fresca dos aquedutos, o aquecimento debaixo do chão das casas, os banhos públicos para as pessoas se lavarem, as casas de banho com descarga, os sistemas de escoamento e esgotos – poderia, em teoria, ter melhorado a saúde dos habitantes.”

Piers Mitchell explica como é que estes equipamentos públicos eram utilizados e por quem. “As latrinas públicas eram normalmente gratuitas. Os banhos públicos tinham um custo de entrada, mas penso que eram bastante baratos. No entanto, os mais pobres não tinham as suas próprias latrinas e teriam usado um pote, que depois era esvaziado na rua para um esgoto aberto”, explica o investigador ao PÚBLICO.

Apesar de a República de Roma ter nascido no final do século VI a.C., as fronteiras máximas do império romano foram conquistadas apenas no século III d.C., alcançando a costa do Norte de África, o Próximo Oriente, o Sul e Oeste europeus e parte da Grã-Bretanha. Naqueles séculos, as culturas da Idade do Ferro e da Idade do Bronze na Europa foram sendo substituídas pela cultura romana. Regras de higiene, como a retirada dos dejectos humanos das ruas para serem levados fora da cidade, foram aplicadas nas novas cidades do império.

Para compreender o impacto destas medidas na prevalência dos parasitas humanos, Piers Mitchell procurou na literatura provas da existência de parasitas do sistema digestivo humano nas antigas latrinas, nas sepulturas e nos coprólitos – fezes fossilizadas –, bem como de parasitas da pele como piolhos, pulgas ou piolhos púbicos, em tecidos e em pentes encontrados em locais arqueológicos romanos.

Assim, os romanos eram infectados por ténias na Grã-Bretanha, no Egipto e na Alemanha, e por lombrigas na Áustria, em Israel, na Holanda e na Polónia, entre outros países. Estes e outros parasitas estavam tão dispersos no império romano como nas culturas europeias anteriores, o que significa que a vida romana não os tinha evitado.

Há mesmo o caso de um parasita intestinal responsável pela difilobotríase, que infecta pessoas quando comem peixe mal cozinhado, e que se tornou muito mais frequente durante o império romano graças a um pitéu chamado garum. Este prato, à base de peixe não cozinhado e fermentado, era levado até locais longe da costa, transportando o parasita que acabava por infectar populações que antes não teriam acesso a peixe na Áustria, na Alemanha e noutras regiões.

No artigo, Piers Mitchell conclui que a grande mudança em relação aos tipos de parasitas que afectavam as populações humanas terá acontecido muito antes dos romanos, quando se começou a cozinhar os alimentos e se deixou de comer carne crua, evitando os parasitas provenientes da caça, por exemplo.

Mas qual a razão do insucesso da higiene romana? “Um factor-chave foi que as leis romanas que exigiam que os dejectos fossem recolhidos das ruas e fossem levados para fora das cidades eram responsáveis por reinfecções, já que eram muitas vezes usados para a fertilização dos campos”, diz o investigador, explicando que o uso actual de fertilizantes químicos torna alguns parasitas, como as lombrigas, menos frequentes. Outra razão poderá estar nos próprios banhos públicos, que não seriam limpos com a regularidade necessária.

No entanto, o investigador não desdenha a engenharia romana: “Os esforços de melhorar o saneamento teriam tornado o quotidiano mais conveniente para as populações. Além disso, provavelmente as cidades cheirariam melhor.”

Estas antigas preocupações associadas à urbanização continuam nas cidades de hoje, com resultados muito mais satisfatórios. Nesse sentido, podemos voltar às Memórias de Adriano e à sua ideia de legado, que o imperador nos sussurra através da história: “Roma perpetuar-se-ia na mais pequena cidade onde os magistrados se esforçassem por verificar os pesos dos negociantes, limpar e iluminar as ruas, opor-se à desordem, à incúria, ao medo, à injustiça, e reinterpretar razoavelmente as leis. Assim, só decairia com a última cidade dos homens.”

Eis um primo bizarro das girafas


Esqueleto de animal que viveu há mais de um milhão de anos foi reconstituído no computador em 3D. Pesava mais de uma tonelada.

Modelo 3D do esqueleto do Sivatherium giganteum (a cinzento as partes por reconstituir)

Girafa actua
 Surpresa: um primo antigo das girafas actuais tinha patas curtas e grossas, o pescoço era pequeno e a cabeça estava ornamentada por cornos em forma de leque, revela um estudo publicado esta quarta-feira na revista britânica Biology Letters, editada pela Royal Society.

Chamado Sivatherium giganteum, viveu há mais de um milhão de anos em África e na Ásia e extinguiu-se há cerca de 10.000 anos. Este animal da família dos girafídeos evoluiu separadamente da linhagem que depois conduziu até às girafas actuais, caracterizadas por pescoços muito longos e patas fininhas, atributos que começaram a surgir há cerca de 7,5 milhões de anos.

Os primeiros fósseis do Sivatherium giganteum foram descobertos na Índia nos anos de 1830, pelo geólogo escocês Hugh Falconer e pelo engenheiro inglês Proby Thomas Cautley. No artigo científico publicado por ambos em 1836, apresentando o Sivatherium giganteum como um ruminante de um novo género para a ciência, a dupla descreveu-o como um animal cujo crânio era do tamanho do de um elefante e acreditava que possuía uma tromba. Imaginavam-no como uma criatura parecida com um alce mas com a dimensão de um elefante, uma visão que, refere a BBC online, permaneceu ao longo do tempo.

“Quando se encontraram os primeiros fósseis do Sivatherium no início do século XIX, os paleontólogos nunca tinham visto nada assim e andaram às voltas para classificar que tipo de animal seria. Devido a um crânio grande e cornos elaborados, presumiram que o Sivatherium era um elo de ligação entre os elefantes, os rinocerontes e os antílopes”, explica um dos autores do novo estudo, Christopher Basu, do Colégio Real de Veterinária da Universidade de Londres, segundo um comunicado desta instituição. “Desenvolvimentos posteriores na paleontologia revelaram que o animal de aspecto bizarro era, na realidade, um primo próximo das girafas actuais”, acrescenta o comunicado.

A equipa, que inclui também investigadores da Universidade Jonh Moores de Liverpool, no Reino Unido, fez agora a primeira reconstituição 3D em computador do esqueleto do Sivatherium graças a uma técnica chamada fotogrametria, que, utilizando fotografias, permite obter medições rigorosas de um objecto. Neste caso, a equipa tirou mais de mil fotografias a uma colecção de ossos do antigo girafídeo que está no Museu de História Natural de Londres, o que possibilitou não só reconstituir digitalmente o seu esqueleto como fazer estimativas do peso e do tamanho do animal.

“Reconstituímos o esqueleto com 26 ossos fossilizados do Sivatherium, o que nos permitiu reconstituir a cabeça, o pescoço e as patas”, explica por sua vez à agência de notícias AFP Christopher Basu. “Falta-nos [reconstituir] as costelas, as costas e a bacia.”

Resultado: “O Sivatherium giganteum não pesava tanto como um elefante-africano adulto (nem mesmo como um elefante-asiático), mas era certamente um grande girafídeo e talvez até tenha sido o maior mamífero ruminante que alguma vez existiu”, lê-se no artigo científico.

Estima-se assim que terá tido uma massa corporal à volta de 1200 quilos, sendo então mais pesado do que as girafas actuais. “O animal que reconstituímos media 1,8 metros até ao ombro. Mas pensamos que os machos adultos eram maiores, sem sabermos até que ponto”, especifica ainda Christopher Basu. “Era um animal pesado, com as pernas grossas e quatro cornos na cabeça.”

Dois dos cornos, situados no topo da cabeça, eram enormes – tinham pelo menos 70 centímetros de comprimento – e eram grossos dos lados como os dos alces. Os outros dois cornos, mais pequenos, encontravam-se por cima dos olhos. “Devia ser um animal impressionante”, resume o investigador.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Os dinossauros também se cortejavam em danças nupciais


A descoberta de um certo tipo de marcas de patas de dinossauros permitiu perceber que estes animais se terão exibido em rituais de acasalamento, como fazem actualmente algumas aves.

Plumagens coloridas, danças, canções, cheiros e outros rituais de exibição são algumas das formas usadas pelos animais para atrair o sexo oposto. As primeiras provas de que os dinossauros também tinham comportamentos em que se cortejavam foram agora reveladas. Nos Estados Unidos, descobriram-se marcas de raspagem no chão feitas há cerca de 100 milhões de anos por dinossauros terópodes – grupo de bípedes carnívoros que incluí o famoso Tyrannosaurus rex –, cujas características indicam que esgaravatavam durante os rituais de exibição para cortejar o sexo oposto.

“Estes são os primeiros locais alguma vez descobertos com provas de que os dinossauros exibiam rituais de acasalamento, constituindo as primeiras provas físicas do comportamento de cortejar”, diz Martin Lockley, da Universidade do Colorado e coordenador da equipa internacional que fez a descoberta. “Estas arranhadelas enormes preenchem uma lacuna na nossa compreensão do comportamento de dinossauros”, continua o paleontólogo, citado num comunicado da Universidade do Colorado.

Como as aves descendem de uma linhagem de dinossauros que sobreviveu à colisão de um grande meteorito com a Terra há cerca de 65 milhões de anos, exterminando então muitas formas de vida, especulava-se até agora se os dinossauros não teriam rituais de acasalamento como as aves.

Podemos imaginá-los em rituais idênticos aos de aves, mas em ponto grande: animais de várias toneladas exibindo-se em arenas próprias para esses comportamentos, emitindo sons, dançando, abanando o corpo, a cauda, mexendo as pequenas patas dianteiras e raspando o chão com as fortes patas posteriores e tudo a tremer. Um espectáculo terrífico para nós, mas certamente muito atraente para os seus parceiros sexuais.

A equipa descobriu cerca de 80 vestígios fósseis de patas de terópodes esgaravatadas em quatro locais distintos do estado do Colorado. Estes vestígios misturam a pegada com as marcas das arranhadelas das garras, chegando algumas aos dois metros de comprimento — a dimensão de uma banheira. Como no mesmo local se encontram marcas de tamanhos e profundidades diferentes, isso indica que várias espécies de terópodes terão sido os seus autores.

Todas as marcas foram encontradas numa formação geológica de rochas sedimentares do período Cretáceo, que tem entre 103 e 97 milhões de anos. No maior dos quatro locais – uma área de cerca de 750 metros quadrados, numa rocha exposta de aproximadamente 50 metros por 15 metros –, encontraram-se 60 marcas de arranhadelas.

“Apesar da abundância de pegadas nesta região, estas marcas de exibição são uma nova categoria de vestígios fósseis de vertebrados nunca antes reconhecida”, lê-se no artigo publicado na revista Scientific Reports. Os investigadores baptizaram este novo tipo de actividade biológica fossilizada (um icnofóssíl) como Ostendichnus bilobatus.

Para estudar as marcas, os investigadores mapearam-nas detalhadamente e analisaram-nas por fotogrametria – uma técnica que permite extrair de fotografias informação sobre a forma, as dimensões e a posição de objectos. Foram também feitas réplicas das marcas em látex e fibra de vidro, que se encontram depositadas no Museu da Natureza e da Ciência de Denver.

Para interpretar estes novos vestígios, os cientistas analisaram a possibilidade de representarem um de vários comportamentos que impliquem escavar: fazer ninhos, procurar água, comida ou abrigo, marcar o território e a exibição nupcial. Porém, apenas o comportamento de exibição durante a corte era consistente com todas as características apresentadas por estas marcas (abundância, espaçamento e densidade).

Resultado: a equipa considerou que as marcas foram feitas durante os rituais de acasalamento em locais específicos, tal como acontece com algumas espécies de aves, como o papagaio-do-mar. No entanto, os investigadores salientam que, embora este comportamento ritualizado de corte esteja descrito de forma pormenorizada para muitas aves, as marcas em si estão pouco descritas na literatura científica.

Estas primeiras pistas sobre o comportamento de corte em dinossauros abrem agora o debate sobre o seu significado. Timothy Isles, paleontólogo da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido, pensa que as marcas podem ter outra justificação e considera que o facto de apenas se observar este comportamento nalgumas aves actuais torna pouco provável que tivesse sido comum nos seus antepassados, afirma o investigador numa notícia no site da revista Science.

Por outro lado, o paleontólogo Darren Naish, da Universidade de Southampton, também no Reino Unido, comenta que, se estas marcas foram feitas durante a corte, então corroboram fortemente a ideia de que a maioria dos comportamentos das aves, ou mesmo todos, tiveram origem nos dinossauros não-avianos (que se extinguiram).

Seja como for, o debate científico foi agora alimentado com a descrição de um comportamento novo para os dinossauros: talvez nos próximos filmes de animação com dinossauros vejamos o T-rex a raspar o chão, como uma galinha gigante e, sem dúvida, um tanto assustadora.
Texto editado por Teresa Firmino

Cientistas regressam no Verão ao Algarve atrás do antepassado da salamandra gigante


A National Geographic foi uma das entidades que manifestaram interesse em entrar como novas financiadoras do projecto, que envolve também o município e a Fundação António Aleixo.
Ilustração artística do Metoposaurus algarvensis JOANA BRUNO
 A equipa de cientistas que descobriu fósseis de um anfíbio gigante com cerca de 200 milhões de anos, no interior do concelho de Loulé, vai voltar a escavar, no próximo Verão. O antigo lago, agora seco, apresenta-se como um cemitério destes antepassados das salamandras e sapos. Um protocolo assinado entre a Universidade Nova de Lisboa, Câmara de Loulé e Fundação António Aleixo vai permitir a atribuição de bolsas de investigação, com vista a aprofundar o conhecimento da nova espécie – Metoposaurus algarvensis.

O paleontólogo Octávio Mateus, da Universidade Nova de Lisboa, em declarações ao PÚBLICO, considera que é “absolutamente extraordinário” o que foi encontrado sobre os metopossauros, com a forma de uma enorme salamandra, com cerca de dois metros. Além deste cientista português, a equipa integra investigadores das universidades de Edimburgo, Birmingham e Museu da História Natural de Paris. Os apoios financeiros vieram, até agora, quase exclusivamente de entidades estrangeiras. Até 2007, altura em que se realizou a primeira expedição ao local, recordou, o conhecimento sobre os metopossauros na Península Ibérica limitava-se ao registo de “alguns vestígios que tinham sido identificados em artigos científicos”. Porém, o que as escavações trouxeram à superfície leva a concluir que ainda há muito descobrir sobre a vida das criaturas que viveram em lagos e rios durante o período Triásico, de forma semelhante aos crocodilos. “A National Geographic manifestou interesse em financiar a investigação”, revelou, acrescentando que tenciona retomar as escavações no próximo Verão.

Octávio Mateus esteve na passada terça-feira em São Brás de Alportel a fazer uma comunicação sobre as investigações que estão a ser desenvolvidas no Algarve. No Museu do Trajo, a assistência, constituída pela comunidade de estrangeiros residentes no concelho, questionou-o sobre os fósseis de crocodilos e tubarões encontrados nas rochas das arribas do Algarve. O maior crocodilo do Jurássico, disse o paleontólogo, “foi descoberto no Algarve, no século XIX, e a região tem um bom registo de sedimentos que vem desde há mais de 300 milhões de anos”, frisou. Em termos de futuro, o investigador da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa defende que o trabalho deve prosseguir “com estudantes que fiquem no Algarve”, considerando por isso revelante o protocolo de cooperação assinado com o município de Loulé.

A descoberta do Metoposaurus algarvensis foi revelado num artigo científico publicado na revista Journal of Vertebrate Paleontology (ver PÚBLICO 25/3/2015). Nele se explica que, além de se tratar de uma espécie nova para a ciência, constitui também a “primeira espécie de metopossauro da Península Ibérica, tendo por base vários exemplares excepcionais de uma acumulação de ossos do Triásico Superior no Algarve”. Octávio Mateus recorda o primeiro encontro dos especialistas no terreno. “Na primeira visita, em 2007, descobrimos logo a jazida principal, e logo aí ficámos com os olhos esbugalhados.” “[O que se encontra no local] é absolutamente extraordinário, pois estamos a falar de um dos melhores locais do país em termos de vertebrados fósseis – sabíamos que existia, mas não com esta riqueza.”

As escavações levadas a cabo estão ainda limitadas a uma área de cerca de quatro metros, mas os vestígios encontrados levam os cientistas a concluir que estão perante um cemitério de anfíbios gigantes onde centenas de animais terão morrido quando o lago secou. A maioria destes animais desapareceu durante uma extinção em massa que ocorreu há 201 milhões de anos, muito antes da morte dos dinossauros.

Os mexilhões de água doce da Europa estão ameaçados


Estudo internacional coordenado pela Universidade do Porto.
Mexilhão de água doce da espécie Anodonta anatina
 Os mexilhões de água doce em toda a Europa estão “fortemente ameaçados”, com 75% das espécies em risco, conclui um estudo científico europeu liderado por investigadores do Centro de Investigação de Marinha e Ambiental da Universidade do Porto

As várias actividades humanas que resultam em perda e fragmentação do habitat, poluição, introdução de espécies invasoras, exploração excessiva de recursos e mudanças na temperatura e regimes de caudais são as principais causas identificadas como sendo “responsáveis pelo declínio destas espécies a nível europeu, incluindo em Portugal”, revela a investigação noticiada pela agência Lusa.

O estudo sobre o estatuto de conservação dos mexilhões de água doce na Europa e os desafios futuros foi publicado na revista Biological Reviews. Contou com Manuel Lopes-Lima, investigador do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) da Universidade do Porto, e Ronaldo Sousa, professor no Departamento de Biologia da Universidade do Minho, como autores principais da investigação, e envolveu um total de 49 investigadores de 26 países europeus.

O estudo científico alerta para o facto de que os mexilhões de água doce (da ordem Unionida) serem um dos grupos de organismos mais ameaçados no planeta. “Do total de 478 espécies avaliadas (...), 30% encontram-se ameaçadas e 22 extintas, estando globalmente em forte declínio”, lê-se em comunicado da Universidade do Porto.

Os mexilhões, que são moluscos, são espécies responsáveis por “importantes funções e serviços ambientais”, tais como a filtração da água, intervenção nos ciclos biogeoquímicos, habitat para outras espécies associadas e fonte de alimento para outros animais, pelo que o seu declínio poderá gerar graves impactos em ecossistemas aquáticos, alertam os investigadores.

Os cientistas defendem a necessidade de mais medidas de conservação no terreno e campanhas de educação ambiental e ciência-cidadã, de forma a ajudar a compreender e conservar os mexilhões.

O ciclo de vida dos mexilhões consiste nas larvas destes animais passarem obrigatoriamente por uma fase como parasitas, utilizando peixes como hospedeiros, o que aumenta substancialmente o seu poder de colonização, incluindo a possibilidade de dispersão para montante nos rios. Essa característica faz com que os moluscos sejam bioindicadores do estado das populações piscícolas, uma vez que o bom estado das populações de mexilhões de água doce indica que as populações de peixes hospedeiros estarão também em boas condições.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Geoparques UNESCO: reconhecer o património geológico


A UNESCO detém agora três instrumentos, de impacto mundial, que contribuem, no seu conjunto, para alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável 2016-2030.

No dia 17 de Novembro de 2015, durante a 38ª sessão da Conferência Geral da UNESCO realizada em Paris, os 195 estados-membro desta estrutura da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovaram os estatutos do novo Programa Internacional Geociências e Geoparques. Este programa pretende reforçar o papel da UNESCO no reconhecimento da importância que as Ciências da Terra detêm para o bem-estar da sociedade. A ONU tinha já declarado 2008 como Ano Internacional do Planeta Terra, com o objectivo de alertar a sociedade para que o conhecimento científico disponibilizado pelas geociências pode contribuir para vida mais equilibrada e ambientalmente, economicamente e socialmente mais sustentada.

Com este novo programa, a UNESCO criou também a designação “Geoparque Global da UNESCO” (UNESCO Global Geopark) como forma de reconhecer a importância de conservar e gerir sítios e paisagens de importância geológica internacional (património geológico) de forma holística e em benefício das comunidades.

A UNESCO detém agora três instrumentos, de impacto mundial, que contribuem, no seu conjunto, para alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável 2016-2030: os sítios de Património Mundial, as Reservas da Biosfera e os Geoparques Globais. 

Os Geoparques Globais da UNESCO são territórios com património geológico de relevância internacional cuja conservação é essencial para garantir o progresso das geociências e o conhecimento que detemos do passado do nosso planeta, da origem e evolução da biodiversidade e das condições que nos permitem sobreviver com conforto e bem-estar. Porém, um geoparque não é apenas um território com rochas, minerais, fósseis e paisagens excepcionais! É também uma estratégia de gestão territorial que reconhece a importância da geodiversidade como matriz distintiva que condiciona a fauna e a flora, assim como o modo como a espécie humana se relaciona com esse espaço desde há milénios. Por esta razão, a promoção dos aspectos culturais é também de primordial importância para os geoparques.

Os geoparques iniciaram-se na Europa no ano 2000, tendo obtido os auspícios da UNESCO desde cedo. Porém, só agora esta organização decidiu garantir o seu apoio incondicional, conferindo-lhes um estatuto idêntico ao do Património Mundial e Reservas da Biosfera, ambos criados há cerca de quatro décadas.

Em Portugal, existem atualmente quatro Geoparques Globais da UNESCO: Naturtejo, Arouca, Açores e Terras de Cavaleiros. Estes geoparques integram uma rede mundial, em claro crescimento, que possui já 120 membros em 33 países. A Universidade do Minho coordenou o inventário nacional de património geológico e tem acompanhado de perto todas as iniciativas relacionadas com criação de geoparques no país. Integrado no seu novo programa de ensino a distância, esta universidade disponibilizará, pela primeira vez, um curso online de curta duração (4 semanas) dirigido a todos os que pretendem conhecer melhor o que são Geoparques Globais da UNESCO.
Instituto de Ciências da Terra, pólo da Universidade do Minho

Paternidade do elemento 113 atribuída a japoneses


Nome provisório é unúntrio; durante 2016 será proposto um nome definitivo.

Investigador japonês Kosuke Morita, líder da equipa que descobriu o elemento 113
 Uma equipa de investigadores japoneses do instituto RIKEN viu ser-lhe atribuída a paternidade da descoberta do elemento 113 da tabela periódica, bem como o direito de dar agora o nome ao novo elemento – anunciou a União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC, na sigla em inglês). É a primeira vez que um elemento é descoberto na Ásia.

Foi o investigador Kosuke Morita, da Universidade de Kyushu, e o seu grupo que obtiveram este privilégio da parte de dois organismos científicos mundiais – da IUPAC e da União Internacional de Física Pura e Aplicada –, depois de terem conseguido reunir dados experimentais da existência do novo elemento por três vezes, entre 2004 e 2012, no acelerador do Centro RIKEN Nishina, em Wako. Kosuke Morita recebeu uma carta da UICPA a informá-lo da novidade, no último dia de 2015.

“A equipa do RIKEN do Japão preencheu os critérios para o elemento 113 e será convidada a propor um nome e um símbolo permanentes” para este elemento, temporariamente nomeado unúntrio (Uut), indicou a IUPAC em comunicado.

Igualmente no mesmo comunicado, a IUPAC informa que cientistas russos e norte-americanos, que colaboraram nesta investigação, ganharam o direito de atribuir o nome a três outros elementos – o 115, 117 e 118.

A tabela periódica dos elementos, por vezes designada tabela de Mendeleiev (o nome do cientista russo que criou a primeira versão em 1869, então só com 60 elementos), agrupa os elementos químicos em função da sua composição e propriedades químicas.

O nome do elemento 113 ainda não está decidido, mas Kosuke Morita fará uma proposta durante 2016, especificou o instituto RIKEN também em comunicado. Japónio será o nome favorito.

Este anúncio vem em boa hora para o instituto RIKEN, que acaba de sair do caso das chamadas “células STAP”, em que uma jovem investigadora do instituto foi acusada de ter falsificado dados e fotografias para demonstrar a criação, através de um procedimento químico inédito, de células estaminais pluripotentes a partir de células adultas.

Nova técnica de edição genética pode permitir tratar forma de distrofia muscular


Graças à já célebre técnica Crispr-Cas9, autêntico “corrector ortográfico” dos genes, foi pela primeira vez possível apagar, no ratinho, a mutação genética que provoca a distrofia muscular de Duchenne.

Representação artística da acção do complexo Crispr-Cas9, com o alvo de ADN a remover a amarelo
Três estudos independentes sugerem que a nova técnica de edição genética Crispr-Cas9 poderá permitir tratar a distrofia muscular de Duchenne, uma forma rara de distrofia muscular humana. Os trabalhos foram publicados na edição de sexta-feira da revista Science.

A técnica Crispr-Cas9 recorre a um mecanismo do sistema imunitário das bactérias e que, ao ser artificialmente introduzido nas células de mamíferos, incluindo nas células humanas, permite cortar o ADN em locais pré-escolhidos.

A distrofia muscular de Duchenne (DMD) é uma doença hereditária que atinge um rapaz em cerca de cada 3500. É provocada por mutações num gene situado no cromossoma X (que determina o sexo feminino), e as mulheres portadoras do defeito não desenvolvem a doença porque possuem um segundo cromossoma X para compensar. Portanto, apenas os homens, que são XY, adoecem (tal como no caso da hemofilia).

Os doentes, cujas células não fabricam uma proteína chamada distrofina, sofrem uma degenerescência muscular progressiva que acaba por os confinar a uma cadeira de rodas por volta dos 10 anos e condena-os a uma morte prematura, em geral antes dos 30 anos, devido muitas vezes a insuficiência cardíaca. 

O que os autores dos estudos agora publicados fizeram foi demonstrar que, em ratinhos que sofrem de DMD, é possível restituir parcialmente a produção de distrofina introduzindo nas células afectadas um “corrector ortográfico” Crispr-Cas9, cujo alvo é o defeito genético em causa, a bordo de vírus tornados inócuos que funcionam como veículo de entrada nas células.

Essencialmente, o que a “tesoura molecular” Crispr-Cas9 – que os cientistas injectaram directamente em músculos afectados dos animais – conseguiu fazer foi identificar e remover a parte danificada do gene que codifica a distrofina. Isso permitiu que as células musculares tratadas passassem a fabricar uma quantidade de distrofina, que embora fosse bastante inferior a uma produção normal, era suficiente para restaurar parcialmente a função muscular dos animais doentes, explica a Science em comunicado.

A Crispr-Cas9 tem suscitado preocupação na comunidade científica, tanto do ponto de vista ético como da sua segurança, no que respeita à sua aplicação a gâmetas e embriões humanos (o que os cientistas designam como a manipulação da "linha germinal"), porque isso poderia permitir a geração de bebés “à medida”. Mas os resultados agora publicados nada têm a ver com a manipulação da linha germinal  – apenas pretendem corrigir defeitos nas células ditas somáticas (do corpo), correcções que não serão transmitidas à descendência do doente.

“A utilização da Crispr-Cas9 para corrigir mutações genéticas nos tecidos afectados de doentes não está em debate. E estes resultados mostram um percurso possível para lá chegar”, diz Charles Gersbach, o líder de um dos estudos, citado no comunicado da Universidade Duke, onde trabalha.

A sua equipa conseguiu introduzir o “corrector” genético nas patas de ratinhos adultos – e também o injectou (a bordo de um vírus, como já referido) no sangue dos animais – constatando, nesta segunda fase, que isso permitia melhorar o estado dos músculos em todo o corpo, incluindo no coração. Em todos os casos, o “corrector” encontrou e cortou a parte defeituosa do gene da distrofina e, a seguir, a maquinaria natural de reparação do ADN das células encarregou-se de juntar de novo as pontas soltas de ADN. Resultado: as células ficaram com um gene mais curto, mas apesar de tudo funcional.

“Ainda temos muito trabalho pela frente para traduzir isto numa terapêutica humana e demonstrar a sua segurança, mas as nossas primeiras experiências são muito entusiasmantes”, diz Gersbach.

Num outro estudo, Chengzu Long, do Centro Médico da Universidade do Texas Sudoeste (EUA) e colegas utilizaram um vírus do mesmo tipo, mas diferente, para fazer o mesmo tipo de experiências – e mostraram ainda que era possível obter resultados promissores injectando o sistema em diversos músculos de ratinhos com DMD poucos dias após a nascença.

Por último, em ainda mais uma variante experimental, uma equipa da Universidade de Harvard (EUA), que inclui o conhecido geneticista George Church, obteve resultados muito semelhantes aos dos outros dois estudos.

As próximas etapas deverão consistir, segundo Gersbach, em optimizar o sistema de introdução viral do complexo Crispr-Cas9 nas células, em testar esta potencial terapia genética em animais com formas mais graves de distrofia muscular de Duchenne e em avaliar a sua eficácia e segurança em animais de maior porte, com vista a iniciar, quando for possível, ensaios clínicos em seres humanos.