terça-feira, 26 de junho de 2012

Há um segundo genoma humano e é o dos micróbios que nos habitam

Texto escrito por Ana Gerschenfeld, jornalista do Público, em 25/06/2012
"Se pensa que é dono do seu corpo, desengane-se. O corpo humano é feito de milhões de milhões de células, mas o número de microrganismos a viver nele, principalmente bactérias - o "microbiota" humano, a "flora", por oposição à "fauna" das nossas próprias células - é dez vezes maior e estima-se que contenha milhares de espécies diferentes.
A bactéria Escherichia coli produz vitamina K no intestino humano

A importância deste "jardim botânico" interno, deste "órgão" invisível que pesa cerca de dois quilos (mais do que o nosso cérebro!) e que vive sobretudo nos intestinos, começa apenas a emergir. Sabe-se que as bactérias intestinais participam na digestão e até produzem vitaminas, mas a ideia de que o seu papel extravasa ainda mais o foro digestivo é recente.

Graças aos espectaculares avanços das técnicas de sequenciação genética, que há 12 anos permitiram ler o genoma humano, os cientistas estão agora a estudar o que alguns já chamam o "segundo genoma humano" - o genoma colectivo dos micróbios com os quais convivemos - e a tentar perceber o seu impacto na saúde.

Existem dois grandes projectos de sequenciação do "microbioma" (abreviação de genoma do microbiota) humano: o Projecto Microbioma Humano (HMP), lançado em 2007 pelos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA; e o projecto Metagenómica do Tracto Intestinal Humano (MetaHIT), lançado em 2008 pela Comissão Europeia e a China.

Há pouco mais de uma semana, o HMP publicou 17 artigos (dois na revista Nature e 15 na PLoS Biology) apresentando o primeiro "rascunho" genético desse ecossistema - incluindo um catálogo de cinco milhões de genes de bactérias, vírus, fungos e outros bichinhos -, bem como os primeiros estudos das suas características e das suas relações com doenças humanas. As sequências genéticas foram obtidas a partir de amostras colhidas em vários locais anatómicos - como intestino, pele, nariz, boca, garganta, vagina, fezes - de 242 pessoas saudáveis. Os cientistas afirmam ter assim identificado a maior parte das espécies microbianas comuns que habitam o corpo humano.

Num comentário na Nature a acompanhar as publicações, David Relman, da Universidade de Stanford, EUA, fazia, no entanto, notar que o estudo do microbioma humano tem sido "uma lição de humildade" e que "as funções de todas estas comunidades microbianas permanecem em grande parte desconhecidas". E salientava que a diversidade individual e geográfica do microbioma humano ainda não pode ser avaliada, dado o reduzido número de pessoas estudadas e o facto de elas residirem todas em países desenvolvidos, com estilos de vida semelhantes.

O que se tem tornado cada vez mais claro é que o saudável desenvolvimento do nosso sistema imunitário depende intimamente do microbiota intestinal, sobretudo bacteriano. Só que, até aqui, pensava-se que essas bactérias benéficas eram as mesmas para todos os mamíferos. Mas agora, na última edição da revista Cell, Dennis Kasper e colegas da Universidade de Harvard, EUA, mostram, pela primeira vez, que as bactérias do intestino humano são específicas da nossa espécie e... não funcionam no ratinho.

Os cientistas criaram animais sem flora microbiana própria. A seguir introduziram, num grupo destes roedores, micróbios intestinais habituais dos ratinhos, enquanto noutro grupo colocaram micróbios do intestino humano. Nos dois grupos, as floras intestinais desenvolveram-se de forma aparentemente normal. Porém, essa proliferação não teve efeitos equivalentes: os ratinhos que tinham o intestino colonizado por bactérias humanas apresentavam níveis muito reduzidos de células imunitárias. "Apesar da abundância e da complexidade da comunidade bacteriana", explica Hachung Chung, uma das co-autoras, "era como se os ratinhos não reconhecessem as bactérias humanas - como se, de facto, não tivessem bactérias nenhumas."

Quando repetiram a experiência introduzindo nos ratinhos a flora intestinal habitual dos ratos, o mesmo ocorreu - o que é ainda mais surpreendente porque são duas espécies próximas. E quando infectaram os animais com salmonelas, os ratinhos com flora intestinal humana foram incapazes de lidar com o agressor.

Para os cientistas, os resultados mostram que a as nossas bactérias intestinais evoluíram juntamente connosco e confirmam os potenciais perigos que a sua perda poderia acarretar, dada a nossa utilização intensiva de antibióticos e os nossos ambientes de vida ultra-higiénicos. Para Kasper, "a prevalência actual de doenças auto-imunes - tais como a asma, a esclerose múltipla e as doenças inflamatórias do intestino - poderão ser, pelo menos em parte, a consequência da crescente vulnerabilidade da relação entre humanos e micróbios, fruto da evolução".O terceiro genoma?

As surpresas não acabam aqui. Num artigo ontem publicado online na revista Genome Research, Rotem Sorek e colegas, do Instituto Weizmann de Ciência em Rehovot, Israel, apresentam uma análise daquilo a que se poderia talvez chamar o "terceiro genoma humano": a população de vírus que está constantemente a atacar a nossa comunidade de bactérias benéficas.

Os cientistas utilizaram o facto de as bactérias, para se protegerem desses predadores (um tipo de vírus chamados fagos), serem capazes de lhes "roubar" bocadinhos de ADN e de os integrar em locais específicos do seu próprio genoma.

"No nosso estudo, procurámos esses bocados de ADN de fagos roubados no material genético das bactérias que vivem no intestino humano", diz Sorek. "A seguir, utilizámos essas peças para identificar os fagos que coexistem com as bactérias no intestino humano."

Os resultados mostram que centenas de tipos de vírus infectam repetidamente o nosso microbiota intestinal. "Estes vírus podem matar algumas das nossas bactérias intestinais e é portanto provável que tenham impacto na saúde humana", diz Sorek. Torna-se assim essencial perceber as pressões que os fagos exercem sobre essas bactérias."

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Cientistas afirmam que Alzheimer se deve a proteína "infecciosa"

Artigo escrito por Ana Gerschenfeld, jornalista do Público.

"Tal como a doença das vacas loucas, também esta terrível demência senil, que afecta milhões de pessoas no mundo, será devida a uma proteína "infecciosa"


Prusiner venceu em 1997 o Nobel pela descoberta dos priões

"Os nossos resultados fornecem provas irrefutáveis de que os agregados de [proteína] beta-amilóide são priões e que a formação de priões de beta-amilóide não requer qualquer outra proteína ou factor adicional." A afirmação, assinada por Stanley Prusiner, da Universidade da Califórnia, e colegas - que surge num artigo publicado na edição desta semana da revista Proceedings of the National Academy of Sciences - implica nada mais nem nada menos do que o seguinte: que, tal como a doença das vacas loucas, a doença de Alzheimer é causada por uma proteína "infecciosa" ou prião.

Os priões são proteínas que possuem uma configuraçãoanormal e que, ao penetrarem no cérebro de animais ou de seres humanos, são capazes de "criar adeptos", por assim dizer, fazendo com que as suas homólogas normais, habitualmente presentes no cérebro, se tornem também elas anormais, com consequências devastadoras para o tecido cerebral.

Prusiner foi o primeiro a teorizar a existência dos priões e, a seguir, mostrou que os priões derivados de uma proteína normalmente presente no cérebro, chamada PrP, eram os agentes causadores de encefalopatias espongiformes como a doença das vacas loucas ou a doença de Creutzfeldt-Jakob. A ideia - que quando foi postulada era totalmente iconoclasta - de que uma versão "torta" de uma proteína pudesse ser "infecciosa" (e de que a infecciosidade não era assim um atributo reservado às bactérias e aos vírus) começou por suscitar grande controvérsia e cepticismo na comunidade científica, mas acabou por valer a Prusiner o Prémio Nobel da Medicina em 1997.

A doença de Alzheimer, quanto a ela, caracteriza-se em particular pela formação de placas no cérebro, cujo principal ingrediente é a já referida proteína beta-amilóide, que forma agregados tóxicos à volta dos neurónios. Embora existam famílias onde a doença de Alzheimer é hereditária, 90% dos casos não têm causa identificada.

O que Prusiner e colegas quiseram agora saber foi se os agregados de beta-amilóide poderiam ser, na realidade, priões, agindo como partículas infecciosas e propagando-se progressivamente no cérebro para dar origem à doença de Alzheimer. A validação experimental desta ideia tinha-se até aqui revelado difícil.

Para isso, estes cientistas desenvolveram uma técnica que permite visualizar, graças a um composto fluorescente, os níveis de agregados de beta-amilóide presentes no cérebro de ratinhos. E a seguir, fizeram várias experiências. Primeiro, injectaram directamente no cérebro de ratinhos geneticamente predispostos à doença de Alzheimer extractos do cérebro de outros ratinhos que continham agregados de proteína beta-amilóide. Depois, fizeram o mesmo com extractos cerebrais purificados, que quase só continham agregados de beta-amilóide, de forma a excluir os eventuais efeitos de outras substâncias presentes nos extractos. Por último, e para ter a certeza de estarem a injectar apenas agregados de beta-amilóide, tornaram a repetir o teste com agregados de beta-amilóide sintetizados no laboratório e portanto absolutamente puros. Em todos estes casos, puderam constatar, passados uns meses, um aumento da quantidade de agregados no cérebro dos animais inoculados, bem como a sua propagação para todo o cérebro.

Os cientistas especulam, com base nestes resultados, que "a formação e propagação de priões beta-amilóides representam um dos acontecimentos mais precoces no desenvolvimento da doença de Alzheimer". A confirmar-se, isto poderá permitir resolver um velho debate: o de saber se os depósitos amilóides são a causa ou apenas uma consequência da doença.

Para os investigadores, uma tal mudança de paradigma em relação à doença de Alzheimer poderá permitir, quando forem desvendados os mecanismos que governam a formação e a autopropagação dos priões de beta-amilóide no cérebro, perceber melhor a doença e "facilitar a identificação de alvos terapêuticos de forma a desenvolver intervenções eficazes".Os cientistas levantam no fim a questão de saber se a doença de Alzheimer será ou não contagiosa. Por enquanto, não há resposta: "Actualmente", escrevem, "não existem indícios de que a doença de Alzheimer seja infecciosa no sentido de ser transmissível entre seres humanos". Mesmo assim, terminam com uma nota inquietante: o facto de a injecção de agregados beta-amilóides desencadear a formação de depósitos beta-amilóides no ratinho fá-los recear pelas centenas de doentes com Alzheimer ligeiro a moderado que, há dez anos, no âmbito de um ensaio clínico, nos EUA, de imunização contra a formação destes depósitos, receberam injecções de proteína beta-amilóide sintética. Terá o tratamento acelerado a progressão fatal da sua doença em vez de a travar?"

sábado, 16 de junho de 2012

Neil Harbisson vê as cores como sons: "Sou um ciborgue"

Artigo escrito por Nicolau Ferreira, jornalista do Público.

"As cores são interferências visuais, diz-nos Neil Harbisson. São ondas de luz reflectidas pelos objectos. "A luz move-se de forma tão rápida que não consigo ver as cores", conta ao PÚBLICO. O britânico descobriu aos 11 anos que só via cinzentos, tinha uma síndrome visual chamada acromatopsia, que o impede de ver as cores. Terá herdado este problema do avô, que, tal como ele, tinha problemas com as cores.
Neil Harbisson faz arte com sons e cores: o som de Lisboa é azul-pastel e creme, diz


Durante anos, lutou para compreender as cores, até assistir a uma palestra sobre cibernética, onde interpelou o orador e falou-lhe do seu problema. Nasceu uma solução: uma câmara que lê os raios luminosos e transforma as cores em sons. Harbisson chama-lhe eyeborg. Quando utilizou o dispositivo pela primeira vez, as cores transformaram-se em sons e o mundo mudou. "É um novo sentido, não um substituto. Para mim, a cor é um som", explica Harbisson, 29 anos, que veio ontem dar uma conferência na Fundação Champalimaud, em Lisboa, juntamente com o investigador Domingos Henrique, do Programa Champalimaud de Neurociências, e o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, que trabalha nos Estados Unidos.

Harbisson dizpor que é que este eyeborg o transforma num ciborgue. "À medida que o tempo passou, senti que deixou de ser um dispositivo e passou a ser a extensão dos meus sentidos", explica. "A maior mudança aconteceu quando comecei a ouvir cores em frequências diferentes nos meus sonhos. O meu cérebro criou sons electrónicos e entendeu-os como cores. O organismo e a cibernética unem-se. É por isso que a palavra "ciborgue" define o meu ser."

Desde 2004 que Neil Harbisson não tira o aparelho que traz na cabeça. Utiliza-o a dormir, a tomar banho. É um elemento do seu corpo: o eyeborg, atento por cima dos seus olhos azuis, está ligado à parte de trás da cabeça, onde umchip, colado ao crânio pressionando-o, emite sons. Harbisson ouve as cores, não directamente pelos ouvidos, mas através do som que percorre os seus ossos.

Foi esta situação que o ciborgue explicou às autoridades britânicas em 2004, que desde então o reconhecem como ciborgue. Agora, a sua fotografia do passaporte tem lá a câmara - ela faz parte do corpo.

O novo sentido, ao contrário da visão, dá um som geral das cores dos lugares. "Agora estou a apontar lá para fora e detecto um som entre o verde e o amarelo", diz, sentado num cadeirão, no enorme hallda fundação. Um dos projectos do ciborgue foi andar pelas capitais europeias a ouvir as cores das cidades. Lisboa é azul-pastel e creme. Mas se Harbisson quiser ouvir a cor de um objecto, então tem de se aproximar muito dele, para que o eyeborg não receba raios reflectidos de outros locais.

O que sentiu a primeira vez que pôs o eyeborg? "Tudo mudou, porque a cor está em todo o lado. Por exemplo, quando me visto. Hoje estou vestido todo com a mesma cor [T-shirt e calças vermelhas, antes vestia-se a preto e branco]. A alimentação também mudou. Os alimentos têm cores e, quando se come, pode compor-se música. Mudou a forma como vejo arte visual ou as caras das pessoas. Pessoas que conhecia antes, agora que oiço as suas cores vejo-as de uma forma diferente", descreve.

Os primeiros tempos foram os mais difíceis. O cérebro de Neil Harbisson teve de se habituar a uma quantidade enorme de informação que antes não recebia. Mas, passadas cinco semanas, já se tinha habituado ao dispositivo e tinha memorizado o som de todas as cores. Hoje, gosta de andar pelos supermercados e ouvir as harmonias das cores nas várias secções. Elegeu o som da beringela como a sua cor favorita: "Tem um tom muito alto, no supermercado sobressai." No seu trabalho artístico, dá concertos utilizando o som das caras das pessoas que estão na plateia e transforma ainda os discursos de políticos famosos em cores.

Como ciborgue, Harbisson diz que é o primeiro de muitos. "As crianças que nascem agora não vão usar a tecnologia como uma ferramenta, mas como parte do corpo. As pessoas que nasceram no século XX vêem essa junção como negativa, mas isso está a mudar", defende, acrescentando que vão surgir novos sentidos e que isso vai ajudar-nos a compreender a realidade. "Há tantas coisas em que podemos evoluir, aplicando a tecnologia no nosso corpo.""

Vasos sanguíneos humanos a três dimensões criados em laboratório

Artigo escrito por Nicolau Ferreira, jornalista do Público.

O sistema circulatório estende-se por todo o corpo, com o sangue a movimentar-se numa rede de veias, artérias, capilares. Leva oxigénio e nutrientes às células, transporta moléculas tóxicas que têm de ser expelidas e serve de meio de comunicação hormonal. É uma rede tridimensional que não pode falhar, mas que ainda não se compreende totalmente como funciona. Uma equipa de cientistas conseguiu agora criar uma rede de capilares humanos num suporte tridimensional, com sangue a fluir. Além de permitir estudar estes processos, os vasos podem servir para testar novas terapias.

Microvasos sanguíneos formados num molde, no qual se tinham colocado células endoteliais humanas (a vermelho)

“Podemos dissecar realmente o que acontece na ligação entre o sangue e o tecido, e olhar como é que as doenças [do sangue] começam a progredir e desenvolver terapias eficientes”, disse Ying Zheng, uma das autoras do trabalho, da Universidade de Washington, nos EUA.

O trabalho, publicado ontem na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences, começa por explicar que os capilares — os vasos mais pequenos de transporte circulatório — são “um órgão extenso que medeia as interacções entre os tecidos e o sangue”. Antes, já se tinha produzido este sistema vascular numa estrutura bidimensional, mas esse modelo está longe da estrutura tridimensional e complexa que existe nos organismos vivos.

Ying Zheng e colegas tentaram, por isso, produzir um sistema tridimensional de capilares sanguíneos com a espessura de um fio de cabelo. Para tal, a equipa utilizou um molde de colagénio, uma proteína que existe na matriz extracelular de muitos tecidos, como a cartilagem e os tendões. Nos espaços dentro desta matriz, foram introduzidas células humanas endoteliais, que formam a parede interna dos vasos sanguíneos. Ao fim de duas semanas, estas células organizaram-se e criaram uma rede de canais da espessura de um fio de cabelo (100 micrómetros) no molde rectangular.

No corpo, os capilares estendem-se até ao extremo dos tecidos. As células endoteliais que formam a parede destes vasos têm ligações especiais entre elas, que permitem manter a estrutura do tubo, mas também deixam que o oxigénio e outras moléculas atravessem as paredes. Este fenómeno é necessário para que haja comunicação entre os tecidos e o sangue.

Os cientistas verificaram que nos vasos sanguíneos, produzidos in vitro, as ligações entre as células endoteliais eram equivalentes às que existem no corpo humano. Mais, conseguiram promover a formação de novos vasos, injectando no colagénio células nervosas que produzem substâncias que promovem este crescimento.

Quando colocaram sangue dentro dos vasos, verificaram que as células sanguíneas eram transportadas sem entraves, até pelos cantos da estrutura de colagénio. Testaram ainda compostos inflamatórios, produzidos quando há ferimentos, e viram que o sangue in vitro entra num processo de coagulação, tal como no corpo.

“Com este sistema podemos dissecar cada componente ou colocar todos os componentes da circulação juntos. É uma coisa boa, pois permite isolar os componentes biofísicos, bioquímicos e celulares. Como é que as células endoteliais respondem ao fluxo de sangue ou a diferentes químicos? Como é que interagem com os tecidos envolventes e como é que esta interacção afecta a barreira que as células endoteliais formam?”, questiona Ying Zheng.

A investigação também é importante para o estudo do cancro. Um dos passos fundamentais para um tumor se alastrar envolve a circulação. À medida que o tumor aumenta, promove o crescimento de vasos que trazem sangue e nutrientes, que alimentam o cancro. Mas que também possibilitam que células cancerosas entrem na circulação e se alojem noutros locais do corpo, provocando metástases. A equipa injectou no molde proteínas que os tumores produzem e verificou que a parede dos capilares se tornou mais permeável, como ocorre nos cancros.

Além do estudo de doenças e do teste de fármacos, este modelo pode vir ainda a ser desenvolvido para produzir transplantes médicos do sistema circulatório. "

Genoma mais antigo de sempre de um vírus extraído de uma múmia coreana do século XVI

Artigo escrito por Teresa Firmino, jornalista do Público
"Tinha quatro a seis anos de idade, quando morreu no século XVI, e tinham-na descoberto num túmulo na cidade de Yangju, perto de Seul, na Coreia do Sul. Os seus restos mortais, que chegaram até nós mumificados de forma natural, têm sido submetidos a vários estudos — num deles, procurou-se ver como estavam os seus órgãos internos através de pequenos furos, por onde também se extraíram amostras de tecidos. Agora, uma equipa internacional anuncia que as amostras do fígado retiradas revelam que a criança estava infectada com o vírus da hepatite B.

Mas não foi fácil detectar a presença de ADN do vírus, uma vez que se encontrava degradado por ser tão antigo: só depois de isso ter sido conseguido em laboratórios de três países (Coreia do Sul, Reino Unido e Israel) a equipa avançou para a sequenciação do genoma completo deste vírus antigo da hepatite B. Nisto tudo, e na comparação do genoma entretanto obtido com sequências genéticas de vírus que infectaram ocidentais nos últimos 60 anos, a equipa levou três anos.

Resultado: este genoma é o mais antigo alguma vez obtido de um vírus, sublinha a equipa, composta por investigadores de Israel e da Coreia do Sul, entre outros, que publicou as conclusões do trabalho na revista Hepathology, da Associação Americana para o Estudo das Doenças do Fígado.

“Apesar dos grandes progressos na área do ADN, até agora só tinha sido descrito na íntegra um genoma viral antigo, o da gripe espanhola de 1918”, diz o artigo de Gila Kahila Bar-Gal, da Universidade Hebraica de Jerusalém, e colegas.

Este genoma permite contar mais pormenorizadamente a história de um vírus que infecta hoje, segundo a Organização Mundial de Saúde, 400 milhões de pessoas em todo o mundo, sobretudo em África, na China e Coreia do Sul, apesar de existir uma vacina que permite evitar a infecção. Transmitido pelo sangue e outros fluidos corporais, como saliva e esperma, nomeadamente por material não esterilizado como seringas, o vírus da hepatite B está na origem da cirrose e do cancro do fígado, doenças que matam cerca de 700 mil pessoas por ano.

A comparação entre partes do genoma do vírus antigo e dos vírus modernos da hepatite B permitiu calcular o ritmo das suas mutações, ocorridas ao longo dos últimos quatro séculos. Uma vez na posse dessa informação, os cientistas puderam então andar para trás no tempo, para tentar descobrir quando surgiu o antepassado da estirpe do vírus que infectou a criança (a estirpe é a C2).

“Pensa-se que as mudanças genéticas resultaram de mutações espontâneas e, possivelmente, de pressões ambientais ocorridas durante o processo evolutivo do vírus. Tendo em conta a taxa de mutações observadas, a análise do ADN do vírus da múmia sugere que ele teve origem há pelo menos 3000 e talvez até há 100 mil anos”, refere um comunicado da Universidade Hebraica de Jerusalém.

Migrações de uma doença

A idade da múmia, que mantém os órgãos internos relativamente bem preservados, foi confirmada por datação por carbono 14 quer das suas roupas, quer dos pedaços de fígado. Por isso, a sua idade e, por conseguinte, a do vírus da hepatite B que transportava dão ainda pistas sobre a forma como a doença se disseminou pelo planeta.

Supõe-se que viajou de África para o Sudeste asiático, refere o comunicado. “Pode-se ainda clarificar as vias migratórias da hepatite B no extremo asiático, desde a China e Japão até à Coreia, bem como para outras regiões na Ásia e na Austrália”, explica-se no comunicado.

No artigo científico, os cientistas consideram mesmo que os vestígios do vírus encontrados na múmia constituem um dos primeiros exemplos da sua chegada ao Sudeste da Ásia através de migração humana.

O genoma antigo agora obtido também pode servir como modelo no estudo de como vai evoluir a infecção crónica da hepatite B, explicou ao jornal Haaretz um dos elementos da equipa, Daniel Shouval, também da Universidade Hebraica: “Este resultado vai permitir-nos determinar o ritmo das mutações do vírus no futuro.” "

Regeneração da medula espinal - Tratamento fez ratos paraplégicos andarem por vontade própria

Artigo escrito por Ana Gerschenfeld, jornalista do Público.
"O sonho de Christopher Reeve (1952-2004), que depois de ter protagonizado o regresso do Super-Homem aos ecrãs de cinema ficou tetraplégico devido a uma lesão da medula espinal, na sequência de uma queda de cavalo, poderá estar mais perto da concretização, a acreditar nos espectaculares resultados a publicar nesta sexta-feira na revista Science. (01 de junho de 2012)

O cérebro e a medula espinal são capazes de uma certa recuperação após lesões de gravidade moderada — graças à “neuroplasticidade” do sistema nervoso, cujos circuitos são capazes de se adaptar e regenerar, restabelecendo as funções afectadas. Mas pensava-se até aqui, que em caso de lesões muito graves, em particular da medula espinal, essa recuperação era impossível. O trabalho que Grégoire Courtine e colegas, da Universidade de Zurique e do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, têm vindo a fazer nos últimos cinco anos está a alterar profundamente a compreensão das capacidades regenerativas do sistema nervoso central.

Os resultados agora obtidos — em ratos cuja medula espinal fora seccionada quase na totalidade, paralisando por completo as suas patas traseiras —, mostram que, em certas condições, é possível estimular a neuroplasticidade e a recuperação motora ao ponto de os animais voltarem a ser capazes de mexer voluntariamente as extremidades paralisadas. Para isso, afirmam os cientistas, é preciso “acordar” primeiro os neurónios da medula espinal, que ficaram “dormentes” ao serem desligados do cérebro devido à lesão.

Combinaram um tratamento de estimulação química e eléctrica com um treino num sistema robótico de reabilitação motora. Primeiro, injectaram nos ratos um cocktail de substâncias químicas que imitam a acção de neurotransmissores como a dopamina, a adrenalina ou a serotonina — ou seja, que imitam os efeitos dos sinais químicos que o cérebro envia normalmente à medula espinal. As substâncias excitaram os neurónios da medula que controlam os movimentos das patas, preparando-os para coordenar, nas fases seguintes da experiência, os movimentos voluntários da parte inferior do corpo.

Verdadeiros atletas

Cinco a dez minutos após a injecção, os cientistas estimulavam electricamente a medula espinal dos animais via uma série de eléctrodos implantados no espaço epidural (a camada mais exterior do canal espinal). Enviavam assim sinais eléctricos contínuos até aos neurónios previamente excitados pelo cocktail químico. “Restava agora iniciar o movimento”, explica Rubia van den Brand, co-autora, em comunicado.

Nesta terceira fase, graças a pequenos coletes, os cientistas “penduraram” os animais a um dispositivo robótico que os mantinha erguidos sobre uma plataforma, com o peso totalmente suportado pelas patas traseiras, e que só se activava para os manter de pé se eles perdessem o equilíbrio. O sistema permitia ainda que os animais pudessem andar para frente de sua livre vontade. E de facto, quando os cientistas colocaram bocadinhos de chocolate na outra ponta da plataforma, os ratos começaram a querer andar — e a andar mesmo.

“Após umas semanas de neurorreabilitação com essa combinação de arreio robótico e estimulação electroquímica”, explica Grégoire Courtine, “os nossos ratos não só iniciavam voluntariamente a marcha, como depressa começaram a correr, a subir escadas e a evitar obstáculos”.

Quando os cientistas examinaram o que tinha acontecido ao nível microscópico no sistema nervoso dos animais, constataram “que as fibras nervosas na medula espinal e no cérebro tinham quadruplicado”, diz Janine Heutschi, outra co-autora. E mais: as novas fibras tinham contornado a lesão medular, permitindo que os sinais vindos do cérebro atingissem a zona da medula espinal onde estavam situados os neurónios previamente excitados. Para Courtine, este crescimento nervoso reproduz, de certa maneira, o que acontece na infância durante o desenvolvimento dos animais.

“Isto é um campeonato da reabilitação!”, exclama este cientista. “Os nossos ratos, que poucas semanas antes estavam completamente paralisados, tornaram-se atletas. E estou a falar em 100 % de recuperação do movimento voluntário.”

Há razões, afirmam, para acreditar que as pessoas paralisadas devido a lesões da medula espinal possam vir um dia a beneficiar destes resultados. Courtine estima que os ensaios clínicos de eficácia em seres humanos poderão começar dentro de um ou dois anos."

Encontrada a química do tomate mais saboroso

Artigo escrito por Nicolau Ferreira, jornalista do Público.
"Vegetais e frutos com um aspecto perfeito só no supermercado? Talvez, mas isso não quer dizer que sejam os mais saborosos. Uma investigação comparou várias substâncias de variedades nativas de tomate com as que existem no supermercado e descobriu compostos químicos importantes que tornam este vegetal agradável ao paladar. O estudo foi publicado na revista Current Biology.














"Sabemos agora do que é que precisamos para melhorar um tomate sem sabor", declara Harry Klee, da Universidade da Florida, Estados Unidos, líder do projecto.

Se tudo o que é necessário para um tomate é ser vermelho, redondo, brilhante e cheirar bem, então as variedades comerciais estariam no pódio. Mas há variedades não comercializadas, com formas e cores diferentes, cada vez mais apreciadas pelo sabor.

A equipa de Klee foi verificar que compostos eram responsáveis por esta preferência das pessoas. Analisou a quantidade de glicose, frutose, citrato, malato e de 28 compostos voláteis - que se evaporam quando estão em contacto com o ar - em 152 variedades nativas. Ao compararem estas variedades com aquelas que são comercializadas, os cientistas descobriram que alguns compostos estão presentes vários milhares de vezes a mais em variedades diferentes.

Para terem uma correspondência entre os compostos nas variedades e o sabor de cada uma delas, convidaram 170 voluntários a prová-las e a dar-lhes notas. A equipa verificou que a intensidade do sabor se devia a 12 compostos e que outras 12 substâncias eram responsáveis por otomate ser mais ou menos doce.

A equipa verificou ainda que uma classe de compostos, que existe em grande quantidade e que se pensava ser importante para o paladar do tomate, afinal não o era. Enquanto outra, o geranial, tornava o tomate muito mais saboroso e existia em pouca quantidade nas variedades do supermercado. "Isto pode ser o primeiro passo para dar um bom sabor ao tomate comercial", diz Klee."



                       

Fibras vegetais utilizadas para criar suportes publicitários biodegradáveis

Artigo escrito por Samuel Silva, jornalista do Público.

"Fibras de milho, soja e bambu constituem os têxteis utilizados por duas universidades portuguesas para criar o primeiro outdoor publicitário biodegradável a nível mundial. A inovação está agora pronta para chegar ao mercado e cria condições para que a lei da publicidade passe a ser cumprida. É que desde o ano 2000 que o Estado português exige que as mensagens publicitárias sejam impressas em materiais "verdes", o que não está a ser cumprido.

A alteração feita há 12 anos à Lei 97/88, que regula a "a fixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda", "proíbe a utilização, em qualquer caso, de materiais não biodegradáveis na fixação e inscrição" dessas mensagens. Mas essa é uma determinação que "ninguém cumpre", denuncia a investigadora Fernanda Viana, que desenvolveu nos novos outdoors. Quase todos os suportes publicitários utilizados têm por base materiais sintéticos, especialmente poliéster e polivinilcloreto (PVC), que não são biodegradáveis.

Foi ao cruzar-se com esta norma da lei que Fernanda Viana descobriu o caminho que queria dar à investigação para o seu doutoramento. Professora de Publicidade da Universidade Fernando Pessoa (UFP), ela procurou na Universidade do Minho (UM) os meios para a investigação e deste cruzamento nasceu esta inovação.

Feitos em fibras de milho, soja e bambu, materiais naturais, os novos outdoors têm a biodegrabilidade facilitada. Isso foi comprovado durante a investigação e os têxteis decompuseram-se em matéria orgânica, inclusivamente em compostagem caseira, ao fim de 28 semanas.

Além disso, o uso destes componentes não põe em causa a fiabilidade dos suportes publicitários. "O protótipo que desenvolvemos mostra que tem uma resistência tão grande como os outros", sublinha Jorge Neves, da UM, que orientou o projecto.

 A UM e a UFP já pediram a patente em Portugal da inovação, que será partilhada em 50% pelas duas instituições. Só depois de oficializado o registo é que os investigadores avançarão com os contactos com o mercado para perceber a abertura das empresas à adopção desta solução. "Quisemos jogar pelo seguro e manter o segredo à volta do produto", diz Fernanda Viana.

Os têxteis biodegradáveis são "ligeiramente mais caros" do que os sintéticos, mas a diferença de custo tem-se esbatido ao longo dos últimos anos, à medida que os novos tecidos vão sendo aperfeiçoados. Por isso, a alternativa "verde" tem condições para ser "perfeitamente competitiva" no mercado publicitário, considera a investigadora. Até porque, na produção de um outdoor, o principal custo é o do design, mais do que o suporte ou a sua impressão.

Como forma de atrair o mercado, os investigadores acrescentaram outra inovação aos outdoors que desenvolveram: o uso de cristais líquidos. Este material, que nunca tinha sido usado antes em têxteis, é incorporado no tecido através de microcápsulas, que permitem criar uma película preta sobre o placard impresso.

A inovação deste outdoor resulta assim do uso, num suporte publicitário, de fibras biodegradáveis, às quais se juntaram ainda cristais líquidos.

Os cristais são termossensíveis e respondem à variação de apenas meio grau Celsius. Por isso, mudam de cor em função da temperatura e das condições meteorológicas, o que permitirá aos anunciantes transmitir diferentes mensagens no mesmo suporte e usar a mudança do tempo como elemento das suas campanhas. "Pode-se ir despindo um modelo à medida que o tempo fica mais quente durante o ano, passando de roupas de Inverno a fatos de banho", exemplifica Jorge Neves.

Misterioso evento cósmico do século VIII ficou gravado

Artigo escrito por Ana Gerschenfeld, jornalista do Público.

"Cientistas da Universidade de Nagóia, Japão, descobriram, nos anéis de crescimento correspondentes aos anos 774 e 775 d.C. de dois cedros históricos, um aumento excepcional da concentração de carbono 14. Excepcional pela rapidez - ocorreu em apenas um ano - e por ter sido de 1,2%, quando a variação anual deste isótopo do carbono não costuma ultrapassar os 0,05%.
Fusa Miyake e colegas atribuem, na revista Nature, o fenómeno gravado nos troncos dessas árvores a um aumento espectacular dos raios cósmicos que atingiram a Terra naquela altura. Os raios cósmicos são partículas subatómicas que vêm do espaço e que, ao interagirem com a atmosfera terrestre, produzem, entre outros elementos, carbono 14. Este, ao ser absorvido pelas árvores durante a fotossíntese, deposita-se nos anéis de crescimento.

O hipotético fenómeno cósmico, argumentam estes cientistas, terá sido global, uma vez que também houve, na mesma altura e ao longo de dez anos (de 775 a 785 d.C.), aumento do carbono 14 nos Estados Unidos e na Europa - e aumento de berílio 10 (um outro subproduto da interacção dos raios cósmicos com a atmosfera) no gelo antárctico.

Os cedros agora estudados provêm da ilha de Yaku, no Sul do Japão. "Uma das árvores foi abatida em 1956 pelos serviços florestais da ilha e, em 1995, eles forneceram-nos o tronco que temos no nosso laboratório", explicou Miyake ao PÚBLICO. O outro foi obtido por um colega, no ano passado, junto dos mesmos serviços.

Uma superincógnita

Só uma supernova (a explosão cataclísmica de uma estrela que morre) ou uma supererupção solar poderiam ter produzido uma chuva de raios cósmicos tão intensa, dizem os cientistas. Mas essas explicações não os satisfazem. "Se tivesse havido uma supernova em 775 d.C., há relativamente pouco tempo e perto da Terra, ela ainda seria tremendamente brilhante (em ondas de rádio, raios X e titânio 44), diz-nos Miyake. "Mas não foi observado nada do género."

E a possibilidade de ter havido uma supererupção solar também não a convence: "Até agora, pensava-se que nunca tinha havido uma supererupção, uma vez que não existem registos históricos indicadores de um tal evento, por exemplo de extinções maciças [de espécies vivas], que a destruição da camada de ozono produzida por um tal acontecimento não teria deixado de acarretar", frisa Miyake, que especula que se possa ter tratado de um evento do qual "ainda desconhecemos a existência". Mas acrescenta: "Se, contudo, o evento foi mesmo causado por uma supererupção, o desafio vai agora consistir em estudar o mecanismo de produção destes eventos solares e a possibilidade de existirem supererupções sem efeitos adversos para a matéria viva."

Igor Moskalenko, astrofísico da Universidade de Stanford, nos EUA, citado pela revista New Scientist, diz que "não consegue imaginar que uma única erupção solar possa ser tão brilhante", contrapondo que se poderá ter tratado de "uma série de erupções mais fracas ao longo de um a três anos". Miyake concorda.

Mike Baillie, da Queen"s University, no Reino Unido, também citado pela New Scientist, encontrou entretanto um documento histórico que sugere que algo de extraordinário poderá ter acontecido naqueles anos do século VIII. Roger de Wendover, cronista inglês do século XIII, escreveu: "No Ano do Senhor 776, sinais de fogo assustadores foram vistos nos céus após o pôr do Sol; e apareceram serpentes em Sussex, como se brotassem do chão, para o grande espanto de todos.""

Pode ser ético procriar com o ADN de três pessoas

Prevenção de certas doenças justifica a criação de embriões com os genes de duas mulheres e um homem.
Artigo escrito por Ana Gerschenfeld, jornalista do Público.
"Um controversa técnica de procriação medicamente assistida foi esta terça-feira considerada eticamente aceitável para prevenir as graves e incapacitantes doenças derivadas de defeitos no ADN das mitocôndrias, as “baterias” das células vivas, num parecer emitido pelo Conselho de Bioética Nuffield, órgão independente muito influente no Reino Unido.

O nosso património genético encontra-se quase na íntegra no núcleo celular, mas as mitocôndrias também possuem um bocadinho de ADN. E as mutações neste punhado de genes podem acarretar cegueira, surdez, disfunção cardíaca, doença hepática e renal, demência e morte prematura. Uma criança em cada 6.500 poderá vir a desenvolver uma forma grave de doença mitocondrial.

As mitocôndrias são herdadas apenas da mãe e existem várias técnicas experimentais que permitem substituir as mitocôndrias defeituosas pelas mitocôndrias saudáveis de outra mulher (por exemplo, retirando o núcleo ao ovócito doado e introduzindo o núcleo da futura mãe antes da fertilização). Três pessoas contribuem assim para os genes do futuro bebé: os pais biológicos, dos quais ele herdará 99,9% do seu ADN, e a doadora do ovócito, cujo ADN mitocondrial (e não nuclear) representa 0,1% do genoma — e cuja designação como “segunda mãe” o parecer agora emitido considera aliás “legalmente e biologicamente” inadequada. O parecer recomenda em particular que, quando se tornarem adultas, as crianças nascidas deste tipo de técnicas não tenham acesso à identidade das doadoras de mitocôndrias.

“Se as investigações ulteriores mostrarem que as técnicas são suficientemente seguras e eficazes”, disse Geoff Watts, presidente do conselho, “achamos que seria ético que as famílias que o desejem as usem, desde que recebam informação e apoio adequados”. Contudo, há quem conteste a utilização deste tipo de manipulação genética, uma vez que é transmissível à descendência. A Autoridade de Fertilização e Embriologia Humanas, a entidade britânica reguladora da investigação e da aplicação das técnicas de procriação artificial, anunciou entretanto que irá lançar uma consulta pública, já em Setembro, para sondar a opinião dos cidadãos."

Plantas infestantes voltam a cobrir o Guadiana na zona de Badajoz

Artigo escrito por Carlos Dias, jornalista do Público.

"No troço do rio Guadiana que atravessa a cidade espanhola de Badajoz e a pouco mais de uma dezena de quilómetros da albufeira de Alqueva a linha de água está coberta com o nenúfar mexicano, uma espécie aquática infestante oriunda do Sudoeste dos Estados Unidos e do México.
 













O Guadiana tem estado a ser afectado por infestantes, como o jacinto-de-água (na foto) e o nenúfar mexicano

A informação foi avançada pela Confederação Hidrográfica do Guadiana que faz a gestão da bacia do rio ibérico em território espanhol.

O nenúfar mexicano é uma planta aquática similar ao nenúfar autóctone existente na Península Ibérica, mas com folhas verdes do tamanho da palma da mão e uma atraente flor amarela. Apareceu pela primeira vez em Espanha em 1985. Desde então, a Confederação Hidrográfica do Guadiana (CHG) tem feito várias tentativas para erradicar esta infestante, mas este ano assiste-se a um recrudescimento mais acentuado. Desde da confluência do rio Xévora com o rio Guadiana e até ao açude de La Granadilla – precisamente o troço do rio que atravessa a cidade de Badajoz – o rio está coberto com um manto verde.

A partir do açude de La Granadilla, nome que recebe o bairro de Badajoz onde está situado, o rio Guadiana percorre pouco mais de meia dúzia de quilómetros para depositar as suas águas na albufeira de Alqueva.

Ao longo dos últimos cinco anos, a CHG tem feito experiências e recorrido a vários processos para erradicar o nenúfar mexicano, incluindo a recolha à mão ou com maquinaria e utilizando vários produtos para travar a expansão desta planta a outras zonas do rio Guadiana, mas não são observados grandes progressos.

Nicolas Cifuentes, especialista na CHG, confirma "a realização de experiências de diversos tipos" numa tentativa para diminuir a propagação da espécie. No entanto, e apesar dos investimentos feitos ao longo dos últimos cinco anos, "tem-se assistido a um aumento considerável na proliferação desta planta aquática", obrigando a reponderar a metodologia a seguir no combate à infestação, assinala o técnico espanhol.

Para erradicar esta planta invasora admite ter de se recorrer à "dragagem" do leito do rio, frisando, contudo, que se trata de uma operação de "elevado custo". A CHG também já analisou as vantagens e os inconvenientes de se esvaziar o açude quando este apresentar um menor volume de água para retirar as raízes do nenúfar. O problema é que esta operação "exige verbas elevadas" e, como tal, não se vislumbra uma "intervenção imediata", observa Nicolas Cifuentes, admitindo que tal possa ser possível quando houver "mais disponibilidades orçamentais".

Apesar de esta planta não representar "um grave problema ambiental", a CHG está a monitorizar e a interpretar a evolução do nenúfar mexicano no troço urbano de Badajoz. Mas tem inconvenientes não negligenciáveis. Quando aparecem grandes concentrações desta planta no rio, a linha de água fica coberta de verde e pode impedir a navegação, causando problemas a pescadores e a quem circula de barco. Além disso, impede a passagem da luz, prejudicando o desenvolvimento do plâncton e, consequentemente, de outras formas de vida.

Dias mais longos, maior exposição solar e aumento da temperatura da água são factores determinantes para o reaparecimento das espécies invasoras como o nenúfar mexicano, muito embora o ano em curso esteja a ser muito benigno, tardando o aparecimento das elevadas temperaturas ambiente, que nesta altura do ano já se começam a sentir na bacia hidrográfica do Guadiana, em território espanhol e português.

Mais uma infestante
Uma outra espécie invasora, o jacinto-de-água, que chegou ao rio Guadiana em território espanhol no ano de 2004, tem sido um verdadeiro quebra-cabeças para a CHG. A sua erradicação tem exigido muito esforço e dinheiro para evitar que a planta chegue a território português.

A CHG reconhece que a erradicação total na bacia do Guadiana "não tem sido possível" Aparece no Guadiana quando está mais calor e há maior número de horas de sol. Em 2012 este fenómeno ainda não ocorreu, mas assim que chegar o calor deverá cobrir o caudal do rio, tal como aconteceu no Verão de 2011.


Os especialistas admitem a sua inevitável propagação à albufeira de Alqueva se a espécie ultrapassar a barreira instalada no rio Guadiana próximo de Mérida. Se tal vier a acontecer, admite a CHG, representará "a ruína nos blocos de rega" porque a planta poderá "paralisar" os sistemas de distribuição de água."

Revelado modo de acção do primeiro fármaco contra a doença dos pezinhos

Artigo da autoria de Ana Gerschenfeld, jornalista do Público.

"O tafamidis, aprovado em 2011 pela Agência Europeia de Medicamentos e pela Comissão Europeia para o tratamento da doença dos pezinhos - e que se espera que comece a ser distribuído gratuitamente a doentes em Portugal, o mais tardar, em Julho -, funciona impedindo que os complexos formados pela proteína responsável pela doença se desintegrem e se partam ao meio. Esta é a conclusão a que chegaram agora cientistas norte-americanos, entre os quais o inventor do tafamidis, Jeffery Kelly, do Instituto de Investigação Scripps de La Jolla, na Califórnia. Os seus resultados foram publicados na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences.

Na doença dos pezinhos, os tetrâmeros de uma proteína chamada TTR (complexos formados por quatro moléculas da proteína) desintegram-se devido a mutações genéticas.

A doença dos pezinhos ou paramiloidose - ou mais precisamente, a polineuropatia amiloidótica familiar - é uma doença hereditária rara que foi descrita pela primeira vez na população portuguesa, nos anos 1940, pelo neurologista Corino de Andrade. Terá começado a espalhar-se há uns 500 anos, de Portugal para países como o Japão, a Suécia ou o Brasil, e hoje afecta cerca de dez mil pessoas no mundo.

Portugal é de longe o país mais afectado: segundo as mais recentes estatísticas do Ministério da Saúde, estão registados mais de 2000 doentes e surgem todos os anos 90 novos casos.

Braçadeiras moleculares

A paramiloidose é provocada por mutações no gene de uma proteína, a transtirretina (TTR), que faz com que os complexos que ela forma no organismo, e que normalmente se compõem de quatro moléculas de TTR, se desfaçam e dêem origem a agregados fibrosos e insolúveis. Estas estruturas anormais, ditas amilóides (daí o nome da doença), formam depósitos nos tecidos, em especial à volta dos nervos, com consequências fatais em apenas dez anos, se nada for feito.

Trata-se de uma doença dita autossómica dominante, o que significa que basta herdar um gene mutante de um dos pais para contrair a doença. Os sintomas, que se manifestam em geral após os 20 anos de idade nas pessoas portadoras do gene da TTR defeituoso, limitam-se no início a formigueiros nos pés, muitas vezes associados a prisão de ventre e diarreia. Mais tarde, surgem problemas de insensibilidade, dores, fraqueza e degenerescência muscular - e nalguns casos, cardiomiopatias (doenças do músculo cardíaco).

Até aqui, o transplante hepático era a única maneira de travar a progressão da doença, uma vez que a transtirretina é sintetizada predominantemente no fígado. O tafamidis, cuja aprovação ainda está em curso nos Estados Unidos mas que já foi aprovado na Europa, veio mudar essa situação.

O trabalho de Kelly começou nos anos 1990 e, em 2003, este cientista criou uma empresa que hoje pertence aos laboratórios Pfizer. Mas só agora foi demonstrado que o tafamidis estabiliza de facto o complexo de quatro moléculas (ou tetrâmeros) de TTR em condições fisiológicas, no fluxo sanguíneo. Quanto aos ensaios clínicos do tafamidis, realizados previamente, deverão, segundo disse Kelly ao PÚBLICO, ser publicados ainda este mês na revista Neurology.

Kelly e o seu colega Ian Wilson estudaram de muito perto, por cristalografia de raios X, as estruturas atómicas de cerca de 30 moléculas que demonstravam ter um efeito estabilizador sobre os complexos de quatro moléculas de TTR fragilizados pelas mutações no gene da transtirretina. E acabaram por escolher o tafamidis, explica em comunicado Stephen Connelly, outro co-autor dos mais recentes resultados, quando descobriram "que uma das extremidades da estrutura do tafamidis encaixa lindamente [numa cavidade] do tetrâmero, enquanto a outra se liga a aminoácidos [componentes de base] da TTR". Duas moléculas de tafamidis formam assim, como se de braçadeiras se tratasse, duas "pontes" químicas entre duas metades do tetrâmero, nos seus pontos mais fracos. É desta forma, concluem agora os cientistas, que o tafamidis consegue travar a formação de agregados amilóides de TTR. "O nosso estudo mostra", diz-nos Kelly, "que o tafamidis tranca a transtirretina [mutante] numa estrutura incapaz de formar agregados amilóides, travando assim a progressão da doença."

E a doença de Alzheimer?

O fármaco também tem propriedades estabilizadoras das proteínas TTR normais. Ora, sabe-se que, mesmo na ausência de mutações, os tetrâmeros de TTR têm tendência a fragmentar-se à medida que as pessoas envelhecem, provocando cardiomiopatias em 10 a 20% da população. Portanto, o tafamidis também poderá ser útil nestes casos.
"Os pormenores deste novo artigo, aliados aos dados dos ensaios clínicos, mostram pela primeira vez que uma doença amilóide pode ser tratada com sucesso reduzindo o ritmo de formação dos depósitos amilóides", resume Kelly.Poderia uma abordagem semelhante permitir descobrir fármacos capazes de travar eficazmente a doença de Alzheimer? Sim, responde-nos Kelly, dadas as semelhanças entre a paramiloidose e a Alzheimer. Esta também é uma doença degenerativa caracterizada pela formação de agregados amilóides, mas à base da proteína beta-amilóide, um fragmento de uma proteína maior, a APP - e de "emaranhados neurofibrilares" à base de fragmentos de uma outra proteína, chamada tau. Os agregados formam-se à volta dos neurónios e os emaranhados no seu interior, levando à morte inexorável do tecido cerebral afectado. "No caso da Alzheimer, os alvos [das moléculas estabilizadoras] poderiam ser a beta-amilóide ou a tau", diz Kelly, acrescentando que já há cientistas à procura de tais moléculas."

                       

terça-feira, 5 de junho de 2012


Formigas "Zumbis"

Ao encher a sua cabeça com células fúngicas e comandando os seus músculos para morrer onde quiser, é assim que um fungo consegue manipular uma formiga.

O fungo age como um parasita que causa a morte das formigas no exacto local em que deseja, sendo este um lugar ideal para o seu crescimento e reprodução. Este fungo é chamado de Ophiocordyceps unilateralis, quando infecta a formiga, deixa-a viva durante algum tempo, “comandando-a”.

A formiga, influenciada pelo parasita, sai do seu ninho, dirigindo-se a outras regiões, como pequenas plantas. A formiga alimenta-se de folhas rasteiras, mesmo antes de morrer, ficando com a boca agarrada às folhas. Algum tempo após a morte da formiga, o fungo sai da sua cabeça e liberta alguns esporo semanas depois.
“O fungo manipula as formigas contaminadas para que elas morram onde o parasita prefere ficar, fazendo-as viajar por muito tempo nas suas últimas horas de vida”, afirma David Hughes.
Para além disso, o fungo utiliza a formiga depois de morta como alimento, já que esta contém açúcares que ajudam no crescimento do parasita, tendo o cuidado de manter a mandíbula da formiga intacta, para que esta se mantenha presa à folha.

Vídeo:


Luís Filipe, Mário Mota e Jorge Pacheco, alunos do 11.ºB.