sábado, 16 de junho de 2012

Misterioso evento cósmico do século VIII ficou gravado

Artigo escrito por Ana Gerschenfeld, jornalista do Público.

"Cientistas da Universidade de Nagóia, Japão, descobriram, nos anéis de crescimento correspondentes aos anos 774 e 775 d.C. de dois cedros históricos, um aumento excepcional da concentração de carbono 14. Excepcional pela rapidez - ocorreu em apenas um ano - e por ter sido de 1,2%, quando a variação anual deste isótopo do carbono não costuma ultrapassar os 0,05%.
Fusa Miyake e colegas atribuem, na revista Nature, o fenómeno gravado nos troncos dessas árvores a um aumento espectacular dos raios cósmicos que atingiram a Terra naquela altura. Os raios cósmicos são partículas subatómicas que vêm do espaço e que, ao interagirem com a atmosfera terrestre, produzem, entre outros elementos, carbono 14. Este, ao ser absorvido pelas árvores durante a fotossíntese, deposita-se nos anéis de crescimento.

O hipotético fenómeno cósmico, argumentam estes cientistas, terá sido global, uma vez que também houve, na mesma altura e ao longo de dez anos (de 775 a 785 d.C.), aumento do carbono 14 nos Estados Unidos e na Europa - e aumento de berílio 10 (um outro subproduto da interacção dos raios cósmicos com a atmosfera) no gelo antárctico.

Os cedros agora estudados provêm da ilha de Yaku, no Sul do Japão. "Uma das árvores foi abatida em 1956 pelos serviços florestais da ilha e, em 1995, eles forneceram-nos o tronco que temos no nosso laboratório", explicou Miyake ao PÚBLICO. O outro foi obtido por um colega, no ano passado, junto dos mesmos serviços.

Uma superincógnita

Só uma supernova (a explosão cataclísmica de uma estrela que morre) ou uma supererupção solar poderiam ter produzido uma chuva de raios cósmicos tão intensa, dizem os cientistas. Mas essas explicações não os satisfazem. "Se tivesse havido uma supernova em 775 d.C., há relativamente pouco tempo e perto da Terra, ela ainda seria tremendamente brilhante (em ondas de rádio, raios X e titânio 44), diz-nos Miyake. "Mas não foi observado nada do género."

E a possibilidade de ter havido uma supererupção solar também não a convence: "Até agora, pensava-se que nunca tinha havido uma supererupção, uma vez que não existem registos históricos indicadores de um tal evento, por exemplo de extinções maciças [de espécies vivas], que a destruição da camada de ozono produzida por um tal acontecimento não teria deixado de acarretar", frisa Miyake, que especula que se possa ter tratado de um evento do qual "ainda desconhecemos a existência". Mas acrescenta: "Se, contudo, o evento foi mesmo causado por uma supererupção, o desafio vai agora consistir em estudar o mecanismo de produção destes eventos solares e a possibilidade de existirem supererupções sem efeitos adversos para a matéria viva."

Igor Moskalenko, astrofísico da Universidade de Stanford, nos EUA, citado pela revista New Scientist, diz que "não consegue imaginar que uma única erupção solar possa ser tão brilhante", contrapondo que se poderá ter tratado de "uma série de erupções mais fracas ao longo de um a três anos". Miyake concorda.

Mike Baillie, da Queen"s University, no Reino Unido, também citado pela New Scientist, encontrou entretanto um documento histórico que sugere que algo de extraordinário poderá ter acontecido naqueles anos do século VIII. Roger de Wendover, cronista inglês do século XIII, escreveu: "No Ano do Senhor 776, sinais de fogo assustadores foram vistos nos céus após o pôr do Sol; e apareceram serpentes em Sussex, como se brotassem do chão, para o grande espanto de todos.""

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