quinta-feira, 17 de julho de 2014

Espinhas de bacalhau estão a ser usadas para criar um protector solar

Texto de Marta Lourenço publicado pelo jornal Público em 15/07/2014.

As espinhas do peixe que os portugueses tanto gostam podem ser muito mais do que os restos que ficam no prato. No Porto, uma equipa de cientistas procura dar-lhes uma roupagem completamente nova.
 

 
O pó de hidroxiapatite, que é um fosfato de cálcio, o principal composto dos ossos

Das espinhas do bacalhau obtém-se hidroxiapatite

 


O creme protector solar com diferentes percentagens de pó de hidroxiapatite
 
Nos dias de grande calor, não nos contentamos com uma bebida fresca ou um belo gelado. De chinelo no pé, quer vamos até à praia ou à piscina, todos gostamos de estender a toalha e apanhar banhos de sol e o protector solar não pode ficar em casa. E se lhe disserem agora que as espinhas de bacalhau o podem proteger dos raios ultravioletas? Ora é isso que está a fazer uma equipa de investigadores da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto.
 
Por ano, produzem-se milhares de toneladas de espinhas, que costumam ser aproveitadas no fabrico de rações e farinha de peixe. A ideia de valorizar ainda mais as espinhas de bacalhau remonta a 2010, quando a equipa coordenada por Manuela Pintado, da Escola Superior de Biotecnologia do Porto, começou a tentar obter um composto de cálcio a partir de espinhas de bacalhau. Esse composto é a hidroxiapatite e poderia servir, por exemplo, para fabricar próteses ósseas e dentárias.
 
Agora, utilizando esse mesmo composto, surgiu uma possível nova aplicação: obter um produto que tivesse a capacidade de proteger dos raios ultravioleta (UV).
 
Antes de mais, uma breve explicação sobre a radiação ultravioleta. Está dividida em três regiões, consoante o seu comprimento de onda: os raios UVC (200-290 nanómetros), os UVB (290-320 nanómetros) e os UVA (320-400 nanómetros). Enquanto a radiação UVC é essencialmente bloqueada pela camada de ozono, na atmosfera superior, isso não acontece com os raios UVB e UVA. Por isso, estes dois tipos de raios ultravioletas podem ser perigosos para a saúde humana, causando grandes danos na pele, como eritemas e queimaduras solares, e cancros de pele a longo prazo.
 
Os protectores solares são uma das maneiras mais fáceis e eficazes de evitar os problemas na saúde provocados pelas radiações UVA e UVB. Idealmente, devem proteger a pele tanto dos UVA como UVB. E os UVC, tendo em conta que a camada de ozono não tem estado na sua melhor forma? “Este não é um parâmetro muito importante, porque estes raios são bloqueados pela camada de ozono na alta atmosfera. Quase não chegam aqui à superfície da Terra, por isso não é preciso os protectores solares terem efeito com raios UVC”, responde ao PÚBLICO Clara Piccirillo, cientista de materiais na Escola Superior de Biotecnologia do Porto e que está a trabalhar no desenvolvimento destes novos protectores solares.
 
O que foi feito então para que as espinhas de bacalhau tivessem capacidade de absorção da radiação ultravioleta? “Basicamente, modificámos a composição das espinhas, que foram deixadas numa solução de ferro. Com esse tratamento, o ferro entrou na estrutura das espinhas”, explica Clara Piccirillo. E é o ferro que lhes confere as propriedades de absorção dos raios ultravioletas.
 
“Depois, as espinhas foram aquecidas a temperaturas elevadas: a 700 graus Celsius. Desta maneira, foram eliminadas todas as partes orgânicas presentes nas espinhas e o que ficou foi a parte mineral”, continua Clara Piccirillo.
 
Restou então o principal material constituinte das espinhas em forma de pó: a hidroxiapatite, que é um fosfato de cálcio. Este pó castanho-avermelhado é, aliás, o principal componente dos ossos humanos e dos animais.
 
“A hidroxiapatite sozinha não é um produto que pode ser usado como filtro solar, porque não absorve a luz ultravioleta. Mas, introduzindo o ferro, há uma modificação na estrutura. Portanto, o material torna-se um protector solar”, explica a investigadora italiana, há cinco anos em Portugal. “Esse pó é o material-base e pode ser usado de muitas maneiras.”
 
Uma das maneiras é precisamente desenvolver um creme que funcione como protector solar. Numa primeira fase, este pó de hidroxiapatite foi testado sozinho, em laboratório, e os resultados foram positivos, segundo a investigadora. Posteriormente, o pó foi incorporado num creme e também submetido a testes em laboratório. Consoante a percentagem de pó introduzida, o creme adquiriu um tom mais ou menos castanho-avermelhado.
 
Mais tarde, o creme com 15% de pó foi testado em 20 pessoas sem problemas de saúde e de pele. Esses resultados foram publicados pela equipa na revista Journal of Materials Chemistry B, no início de Julho. “Este material mostrou boa absorção a toda a gama de UV”, diz o artigo científico, acrescentando-se que “cremes criados com este material podem ser usados como um protector solar de largo espectro”. “O creme também é fotoestável e não causa irritação ou eritemas em contacto com a pele humana”, lê-se ainda.
 
“Estes resultados mostram como o subproduto de um alimento como as espinhas de peixe pode ser convertido em produto valioso, com potencial para tratamentos na área da saúde e na cosmética. Esta é a primeira vez que um protector solar à base de hidroxiapatite é desenvolvido e a prova do seu conceito é validada”, conclui o artigo.
 
Clara Piccirillo conta que o creme foi testado em voluntários para averiguar se produzia reacções negativas na pele. “O que fizemos foi colocar um pouco de creme em contacto com a pele durante 48 horas e verificar, ao fim deste período, a presença de irritações. Isto foi feito com creme ‘normal’, ou seja, sem pó, e com creme com pó. Em nenhum voluntário houve reacções negativas. Deste ponto de vista, é um produto que tem potencial e pode ser usado sem causar problemas na saúde”, sublinha a investigadora.
 
“É a primeira vez que estamos a tentar desenvolver protectores solares com um material diferente que não seja bióxido de titânio ou óxido de zinco”, diz ainda Clara Piccirillo, referindo-se aos produtos já existentes no mercado. “Claramente, a vantagem deste material [hidroxiapatite] é ser menos tóxico. Já temos todos os seus componentes no nosso organismo, que são fosfato de cálcio e ferro.”
 
Na opinião da cientista, este produto natural pode vir a atrair um grande número de interessados. Apesar de os protectores solares no mercado terem qualidade, o novo produto é apresentado como vantajoso por não ter bióxido de titânio e óxido de zinco, que, em quantidades muito elevadas, podem ser tóxicos.
 
Um protector solar que bloqueie tanto os raios UVA como UVB pode ser classificado como sendo de espectro amplo, como é o caso do protector à base de espinhas de bacalhau: “Pode ser classificado como protector 5 estrelas, o que corresponde à protecção máxima numa das escalas internacionais. Esta é uma das características mais importantes para um protector solar”, explica a cientista.
 
No início, as próteses
Para já, o novo protector está patenteado a nível nacional. A equipa espera agora continuar os seus trabalhos, procurando melhorar tanto as propriedades da hidroxiapatite como a formulação do próprio creme.
 
Ainda com a função de protector solar, o pó de hidroxiapatite irá ser testado noutros produtos. “Por exemplo, no futuro queremos incluir este pó num tecido e esse tecido pode ser usado para protecção solar”, avança Clara Piccirillo.
 
Por enquanto, a comercialização deste protector ainda não é uma preocupação para os cientistas. “Ainda é demasiado cedo para isso.”
 
Mas o pó de hidroxiapatite já estava a ser investigado para aplicações médicas: em próteses ósseas e dentárias, cujos resultados foram divulgados em 2012. Já nessa altura, tal como agora, as investigações tiveram a parceria da empresa Pascoal & Filhos, que pesca e transforma principalmente bacalhau, para poder aproveitar-se como matéria-prima um subproduto abundante em Portugal. Precisamente porque os portugueses são grandes consumidores de bacalhau, os cientistas estão a usar as espinhas deste peixe e não de outros.
 
Deste 2012, os investigadores prosseguiram os estudos em laboratório sobre as próteses e agora a equipa está em contacto com empresas para que sejam fabricadas. “Estamos em conversação com empresas de próteses para avaliar o potencial da nossa hidroxiapatite em aplicações. Isso terá sempre de ser feito com a indústria das próteses ósseas”, conta Manuela Pintado.
 
“Durante este período, também estivemos a fazer vários estudos com o objectivo de validar as propriedades de biocompatibilidade em vários tecidos [humanos], de maneira a prever se são seguros e ver se a hidroxiapatite é compatível com as nossas células e se realmente evidencia a capacidade regenerativa”, explica ainda Manuela Pintado.
 
Feitos em culturas de células, esses estudos mostraram que a hidroxiapatite pode ser aplicável a próteses ósseas e dentárias e, além disso, é segura.
 
Agora, já sabe que as espinhas do bacalhau que come podem ser mais do que um desperdício e estar mesmo na base de inovações científicas. Da próxima vez que for à praia, pode lembrar-se que há cientistas que procuram desenvolver protectores solares à base de espinhas.
Texto editado por Teresa Firmino

Os bebés treinam mentalmente a fala meses antes de começarem a falar

Texto de Ana Gerschenfeld pubicado pelo jornal Público em 16/07/2014.

Ao longo do primeiro ano de vida, o cérebro humano prepara-se para conseguir coordenar os movimentos que irão permitir ao bebé articular os sons da sua língua, concluem cientistas.
 

Um bebé de um ano sentado no aparelho de medição da actividade cerebral
Sabe-se que, até mais ou menos aos oito meses de idade, os bebés prestam igualmente atenção aos sons de todas as línguas que ouvem. Mas, por volta dos 12 meses, passam a reconhecer claramente a sua língua materna – ou seja, aquela que é, normalmente, a mais falada à sua volta – em detrimento de qualquer outra. Ainda não se sabe bem como é que esta transição da percepção da fala se opera, mas agora uma equipa de cientistas nos Estados Unidos descobriu o que consideram ser uma base biológica dessa radical transformação.
 
Segundo eles, mesmo quando os bebés ainda são incapazes de articular qualquer palavra, o seu cérebro já está a tentar imitar, mentalmente, os sons que eles ouvem. E assim fazendo, está a construir, em silêncio, as bases neuronais motoras que irão possibilitar a locução pelo bebé, a partir do segundo ano de vida, das palavras da sua língua mãe. Os resultados foram publicados na edição desta semana da revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
 
O que Patricia Kuhl, da Universidade de Washington (em Seattle), e colegas essencialmente mostraram é que as palavras que os bebés com sete meses de idade ouvem à sua volta estimulam as áreas motoras do cérebro que estão encarregadas de coordenar e planificar os movimentos que irão permitir, uns meses depois, a articulação efectiva da fala.
 
Os cientistas analisaram a actividade cerebral de 57 bebés, respectivamente com sete meses e 11 a 12 meses de idade. Para isso, sentaram-nos debaixo de um aparelho parecido “com um secador de cabelo à moda antiga” – mas que é de facto um capacete high-tech que mede a actividade cerebral através de uma técnica não invasiva dita de magnetoencefalografia, totalmente inócua para os bebés, lê-se no mesmo documento. Os bebés ouviam sílabas derivadas do inglês ou do espanhol, como “da” e “ta”, enquanto os cientistas registavam a resposta do cérebro dos bebés a esses sons.
 
Mais precisamente, a equipa registou uma activação neuronal numa área auditiva do córtex chamada "giro temporal superior" bem como em duas outras áreas – a área de Broca e o cerebelo – que se sabe serem responsáveis pela planificação dos movimentos necessários para articular as palavras. E constataram que, aos sete meses, todas essas áreas se activavam com igual intensidade fosse qual fosse a língua que os bebés ouviam.
 
“A maioria dos bebés de sete meses consegue palrar, mas apenas irá pronunciar as primeiras palavras a seguir ao primeiro aniversário”, diz Kuhl, citada em comunicado da sua universidade. “O facto de termos detectado uma activação cerebral em áreas cerebrais motoras numa altura em que os bebés estão simplesmente a ouvir os outros a falar é significativo, porque quer dizer que o cérebro do bebé tenta, logo de início, responder verbalmente. E também sugere que o cérebro dos bebés de sete meses já está a tentar descobrir os movimentos certos para produzir palavras.”
 
Já nos bebés com 11-12 meses, esse padrão de activação alterava-se: as áreas auditivas passavam a responder mais fortemente à língua materna do que à língua estrangeira, enquanto as áreas motoras passavam a responder mais fortemente à língua estrangeira do que à língua materna. Para os cientistas, isso não só confirma que, nesta fase do seu desenvolvimento, os bebés já adquiriram uma experiência auditiva suficiente para distinguirem a língua materna das outras, como também sugere que já é preciso um maior esforço por parte das suas áreas cerebrais motoras para descobrirem como articular os sons da língua estrangeira do que para articular as palavras da sua própria língua. A transição da percepção da fala apanhada ao vivo e em directo, por assim dizer.
 
“A experiência da língua [ouvida durante os primeiros meses de vida] serviria assim para reforçar o conhecimento da língua nativa, tanto perceptual como motor. Ao fim do primeiro ano, (…) tornar-se-ia portanto mais difícil e menos eficiente gerar modelos [motores] internos para uma língua estrangeira”, escrevem os cientistas.
 
Os resultados têm várias implicações sociais, segundo os autores. Por um lado, mostram que é preciso falar “a sério” com os bebés, mesmo sabendo que não percebem o que estamos a dizer-lhes, porque esse é precisamente o “catalisador” da sua aprendizagem da língua, a chave que lhes vai permitir gerar os tais “modelos cerebrais internos” para mais tarde conseguirem falar essa língua.
 
Por outro, sugerem que a forma como os pais costumam falar com os seus filhos recém-nascidos, articulando muito bem e esticando as vogais de forma exagerada (“oooohhh, meu liiiindoooo bebéééééé”) – e que nada tem a ver com dizer palavras que não fazem sentido – poderá ajudar os bebés na construção desses modelos motores cerebrais logo nos primeiros meses de vida. “Essa forma de falar dos pais é muito exagerada e é possível que, quando os bebés a ouvem, o seu cérebro consiga modelar mais facilmente os movimentos necessários à fala”, diz Kuhl.

Vírus da sida ressurgiu no organismo do “bebé do Mississippi”

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 16/07/2014.

Um bebé norte-americano que nascera já infectado pelo VIH, que fora tratado com altas doses de antirretrovirais logo à nascença – e que desde então era considerado “curado” – tornou a apresentar sinais de infecção activa pelo vírus da sida.
Um dos bebés tratados com antirretrovirais voltou a apresentar sinais do VIH
Os médicos que trataram uma menina contra o VIH apenas horas após ter nascido anunciaram há dias que, ao contrário do que acreditavam até agora, a menina já não se encontra em remissão.
 
A menina, que não recebia tratamento há cerca de dois anos, aparentava ainda recentemente ter ficado livre da infecção.
 
O resultado é “obviamente uma desilusão”, declarou aos jornalistas Anthony Fauci, director do Instituto Nacional das Alergias e das Doenças Infecciosas norte-americano, citado pela BBCNews.
 
Os médicos, liderados por Deborah Persaud, da Universidade Johns Hopkins (EUA), tinham tratado o bebé, que nascera no Mississippi já infectado pelo vírus, com altas doses de um cocktail de medicamentos antirretrovirais, habitualmente utilizado nos adultos infectados. Mas a dada altura, tinham perdido contacto com a mãe do bebé – e o tratamento fora interrompido. Quando o contacto foi retomado, os médicos constataram que os testes habituais não revelavam qualquer presença do VIH no organismo da criança, o que suscitou esperanças de que o tratamento antirretroviral fosse particularmente eficaz quando administrado muito precocemente aos bebés.
 
Aliás, um estudo financiado com dinheiros públicos estava previsto nos EUA para testar este método de tratamento e determinar se ele poderia ser aplicado a todos os recém-nascidos infectados pelo VIH. Mas agora, acrescentou Fauci, “vamos ter de olhar muito bem para esse estudo para ver se é preciso alterá-lo”.
 
Este desfecho vai ao encontro de outros resultados recentes, que também apontam para o facto de os reservatórios de VIH – os locais do organismo onde o vírus se esconde e fica em estado latente – serem muito maiores e portanto mais difíceis de erradicar do que se pensava.
 
Entretanto, um segundo bebé igualmente tratado, mas desta vez na Califórnia, ainda permanece livre do vírus. Porém, esta criança continua a tomar antirretrovirais, ao contrário da primeira – não sendo agora nada provável que os médicos arrisquem interromper o tratamento.
 
Até aqui, apenas um doente no mundo parece ter conseguido expulsar totalmente o vírus VIH – e isso após um transplante de medula óssea. Mas o caso deste homem, conhecido como o “doente de Berlim”, é diferente do dos bebés na medida em que o transplante que recebeu provinha de um dador que apresentava uma mutação, num gene chamado CCR5, que torna as células sanguíneas imunes ao vírus da sida.

O que o nosso cérebro faz quando queremos virar para um lado ou para o outro

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 08/07/2014.

Quando viramos o corpo para a esquerda ou a direita, é o nosso hemisfério cerebral do lado oposto que controla a operação. Uma equipa portuguesa descobriu que esse controlo é mais complexo do que se pensava.
 

O cérebro humano consegue orquestrar os mais espectaculares movimentos corporais
A coordenação dos movimentos voluntários do corpo é uma complexa “sinfonia” orquestrada pelo nosso cérebro. E os seres humanos, sem sequer darem por isso, são excelentes “músicos” do movimento. Provam-no de cada vez que se levantam e andam.
 
Nos casos extremos – um dançarino a executar uma coreografia quase impossível ou um doente neurológico que mal consegue por um pé à frente do outro –, a potência dessa orquestração e os estragos causados pelas suas patologias tornam-se ainda mais aparentes.
 
Mas como é que o cérebro faz para controlar séries complexas de movimentos corporais? E sem ir tão longe, como faz para, simplesmente, nos permitir virar o corpo para a esquerda ou a direita? Novos resultados, publicados esta terça-feira por uma equipa da Fundação Champalimaud de Lisboa na revista Nature Communications, põem em causa uma das teorias mais geralmente aceites do funcionamento dos circuitos neuronais envolvidos.
 
Antes de mais, e de forma muito resumida: quando queremos virar para a esquerda, por exemplo, é a metade (hemisfério) direita do nosso cérebro que está aos comandos – e vice-versa. Neurónios do nosso córtex motor direito dão a ordem, que passa por uma espécie de “placa giratória” neuronal, chamada “corpo estriado” (um em cada hemisfério), que por sua vez transmite os sinais cerebrais ao lado esquerdo do corpo, fazendo-o mexer.
 
Na realidade, o corpo estriado transmite os estímulos motores às fibras musculares através de dois circuitos diferentes – um deles designado “via directa”, o outro “via indirecta”. Ora, até aqui, pensava-se que, para virarmos por exemplo para a esquerda, a via directa do corpo estriado do hemisfério direito devia activar-se, enquanto a sua via indirecta permanecia inactiva – e que, para pôr fim ao movimento, a via indirecta devia activar-se, enquanto a directa ficava inactiva.
 
Agora, uma equipa de neurocientistas liderada por Rui Costa “dissecou” estes processos no ratinho graças a uma técnica dita de “optogenética”, que permite não só observar, mas também controlar a actividade de cada um desses circuitos cerebrais. Por um lado, graças a uma manipulação genética dos neurónios que se pretende estudar, consegue-se que eles emitam luz quando são iluminados com luz; por outro, uma outra manipulação genética permite, também com impulsos de luz, “ligar” ou “desligar” à vontade um dado circuito.
 
A técnica é tão precisa que os autores estimam ter manipulado “uns 4601 a 5813 neurónios de cada corpo estriado [esquerdo e direito]”, lê-se no seu artigo.
 
Os autores observaram assim ratinhos colocados em ambientes onde tinham a possibilidade de se deslocarem livremente. E, graças a software especializado, registaram em tempo real os movimentos dos animais e a actividade neuronal dos circuitos em causa. Também analisaram os movimentos da cabeça.
 
E o que concluíram foi que os circuitos de cada corpo estriado (direito e esquerdo) funcionam de forma concertada – e que ambos têm de estar activos ao mesmo tempo para que o hemisfério cerebral produza movimento do lado oposto do corpo (neste caso, para virar o corpo e bifurcar).
 
Em particular, os cientistas mostraram que se a via directa de um lado do cérebro estiver activa mas não a indirecta – ou se as duas forem inactivadas –, os animais deixam de conseguir virar-se para o lado oposto.
 
“Conseguimos perceber que, inibindo a actividade de um ou de outro circuito [de um lado do cérebro], de forma independente, os animais deixavam de controlar os movimentos espontâneos contralaterais [movimentos do lado oposto do corpo]”, diz Rui Costa em comunicado da Fundação Champalimaud. “Por outro lado, a activação simultânea dos dois circuitos resultava na produção deste tipo de movimentos.”
 
Porém, dizem os autores, o facto de ambos os circuitos de um mesmo hemisfério cerebral estarem activados não chega: tem de existir um equilíbrio entre os seus níveis de actividade para produzir movimentos contralaterais.
 
“Os nossos resultados sugerem que, embora a actividade simultânea em ambas as vias esteja normalmente envolvida nos movimentos contralaterais, uma actividade desequilibrada [dessas vias] pode produzir efeitos motores opostos, o que poderia ser relevante para certas patologias”, escrevem ainda.
 
Patologias tais como lesões vasculares cerebrais ou ainda as doenças de Parkinson ou de Huntington, onde a coordenação motora é afectada.
 
"Uma pessoa que teve um AVC no hemisfério direito [do cérebro] não consegue mexer o braço esquerdo e vice-versa", disse Rui Costa à agência Lusa.
 
“Há muito que o controlo dos movimentos contralaterais espontâneos é alvo de estudos em doentes neurológicos, mas ainda há muito por desvendar quanto aos circuitos neuronais na base destes movimentos”, salienta, por seu lado, Fatuel Tecuapetla, autor principal do estudo.

O ADN humano pode ter apenas 19 mil genes e talvez só mais dez do que o do ratinho

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 10/07/2014.
Pensava-se que o nosso ADN continha uns 100 mil genes, mas esse número foi descendo drasticamente. A mais recente análise aponta para apenas 19 mil genes, 99% dos quais já existiam antes do aparecimento dos primatas.
 

O número de genes que distinguem os ratinhos dos humanos poderá ser inferior a dez
Uma equipa de cientistas em Espanha “contou” literalmente o número de genes presentes no ADN humano – ou seja, as sequências genéticas que codificam proteínas – e chegou à conclusão de que são provavelmente cerca de 19 mil, o que reduz em mais de 1500 o número anteriormente avançado. Os seus resultados foram publicados há dias na revista Human Molecular Genetics.
 
A molécula de ADN dos seres vivos, das bactérias aos primatas, é composta por quatro pequenas moléculas de base. No caso dos seres humanos, o ADN tem cerca de 3000 milhões de pares destas moléculas, encadeadas numa dupla hélice.
 
Apenas determinados fragmentos do genoma são genes, ou seja instruções de fabrico das proteínas que formam as células, os tecidos e os órgãos do nosso corpo. O resto das sequências que compõem o ADN não codifica qualquer proteína – os cientistas falam em “ADN não codificante” –, mas sabe-se hoje que tem um papel importante no controlo da actividade dos genes.
 
Há pouco mais de dez anos, “antes de o primeiro rascunho [da sequência total] do genoma humano ser publicado, os especialistas pensavam que o número de genes rondava os 40 mil a 100 mil”, escreve no seu artigo a equipa de Alfonso Valencia e Michael Tress, do Centro Nacional de Investigações Oncológicas (CNIO) espanhol. “A sequenciação inicial reduziu drasticamente esse número, sugerindo que o número final se situaria entre 26 mil e 30 mil genes. E com a publicação da versão final do genoma, em 2004, o número de genes que codificam proteínas foi revisto mais uma vez em baixa, para 20 mil a 25 mil.” E em 2007, um estudo apontara para a existência apenas uns 20.500 genes humanos.
 
Entretanto, os especialistas começaram a analisar as proteínas fabricadas pelo corpo humano, para daí remontar até às sequências, no ADN, dos genes que as codificam, construindo desta forma, passo a passo, um catálogo das proteínas humanas ou “proteoma”.É esta abordagem, baseada numa técnica dita de espectrometria de massa, que está no centro do novo estudo.
 
Estes cientistas começaram por criar uma nova versão do catálogo das proteínas integrando resultados de sete estudos em grande escala de espectrometria de massa, obtidos a partir da análise de mais de 50 tecidos diferentes do corpo humano, explica em comunicado o CNIO. Identificaram assim um pouco mais de 12 mil proteínas humanas diferentes.
 
Porém, quando foram ver quais eram os genes que codificavam essas 12 mil proteínas, aperceberam-se de que, para as codificar todas, eram precisas menos de 60% das sequências de ADN humano até agora consideradas como sendo genes codificantes.
 
“Embora as limitações técnicas das análises do proteoma sejam uma das causas mais prováveis para termos detectado as proteínas de menos de 60% [da lista actual de] genes, pode haver outra razão para isso ter acontecido”, escrevem ainda os autores. A saber, é possível que algumas das sequências que se pensava codificarem proteínas não codifiquem, afinal, proteína nenhuma.
 
Para aprofundar esta questão, a equipa considerou a seguir um conjunto de 2001 (supostos) genes potencialmente não codificantes. E de facto, quando analisaram as suas sequências, apenas detectaram capacidade de comandar o fabrico de proteínas em menos de 6% desses genes. “Os nossos resultados sugerem que muitos desses genes não codificam proteínas em circunstância alguma”, lê-se ainda no artigo.
 
Segundo os autores, é possível que “até 1800 sequências actualmente consideradas como sendo genes não codifiquem proteínas e que o número de genes funcionais no genoma (…) esteja mais próximo de 19 mil do que de 20 mil”.
 
E mais: por incrível que pareça, mais de 90% desses 19 mil genes que produzem proteínas surgiram há centenas de milhões de anos – e mais de 99% já existiam antes da emergência dos primatas, há uns 50 milhões de anos.
 
“O número de genes novos que separa os seres humanos dos ratinhos [ou seja, os genes que evoluíram depois da emergência dos primatas] poderá mesmo ser inferior a dez”, diz o co-autor David Juan no mesmo comunicado. Uma estimativa que contrasta fortemente com os cerca de 500 genes específicos dos primatas actualmente catalogados – e que faz dizer aos autores que esses genes “vão ter de ser reavaliados”.
 
A confirmarem-se estes resultados, o número dos nossos genes será semelhante ao do de espécies como Caenorhabditis elegans, um verme com apenas um milímetro de comprimento – e muito menos complexo do que nós.
 
“Ninguém teria imaginado, há uns anos, que um conjunto tão pequeno de genes pudesse fabricar algo de tão complexo” como o corpo humano, diz Valencia. De facto, pensa-se hoje que a complexidade poderá residir, não nos genes em si, mas na forma como eles funcionam sob o controlo dos 90% de ADN não codificante que existe no nosso genoma.

Seja como for, os resultados, concluem os autores, deverão ter um grande impacto na interpretação dos estudos biomédicos (na área do cancro, por exemplo), onde actualmente se incluem como genes sequências que poderão ser não codificantes.

Alimento visto por um especialista em nutrição: as cerejas

Texto escrito pela dietista  Andreia Rua em 04 de junho de 2014.

De forma redonda, cor vermelho vivo, doces, refrescantes e deliciosas, assim chegam até à mesa dos portugueses, as cerejas.
 

  
Encontram-se disponíveis desde meados de Maio até Julho e, são várias as variedades que se podem encontrar, merecendo especial destaque as doces e as ácidas, também conhecidas por ginjas.
No que toca à composição nutricional, este pequeno fruto é uma verdadeira caixinha de surpresas! Fornece ao organismo compostos fenólicos, fibra alimentar, flavonóides, hidratos de carbono, minerais - cálcio, ferro, fósforo e potássio -, proteínas e vitaminas, nomeadamente vitamina A e C. Apresenta também uma quantidade considerável de melatonina - hormona responsável pela regulação dos nossos ritmos circadianos. Assim, a sua ingestão, surge como uma alternativa para a melhoria da qualidade do sono.

A riqueza em vitamina C aliada ao bom teor em ferro , fazem da cereja uma fruta interessante no combate à anemia. O ferro presente, tem ainda como função o armazenamento e transporte de oxigénio para as células.

O seu excelente teor de fibra permite considerá-la como um suave laxante para quem tem problemas de obstipação. São-lhe também propriedades atribuídas drenantes e diuréticas possibilitando, desta forma, a eliminação de toxinas e evitando a retenção de líquidos. Podem integrar qualquer dieta, incluindo a dos hipertensos e a de portadores de problemas cardíacos e renais.

As cerejas são poderosos antioxidantes, ajudam a retardar o envelhecimento da pele - devido à presença de betacaroteno que defende o tecido cutâneo de agressões externas, nomeadamente das radiações solares - e a prevenir o cancro.

A todas estas propriedades, acrescenta-se o baixo valor energético, ou seja, as poucas calorias que este pequeno fruto apresenta - 100g de cerejas
oferecem, em média, 60 kcal - e a rentabilidade deste fruto, onde tudo se aproveita, à exceção do caroço. Até os caules ou pés da cereja depois de
secos, servem para fazer chá que, de entre várias funções, é um aliado no combate às infeções urinárias.

Na hora de escolher lembre-se que, as cerejas devem ser apanhadas o mais maduras possível porque, se forem apanhadas verdes, não vão ficar mais doces, como acontece com outras frutas. Assim, as mais carnudas, pesadas e maiores são sempre as melhores. Escolha aquelas que se apresentem brilhantes, de pele firme, limpas e sem golpes e/ou manchas. Os caules ou pés devem ser verdes, frescos e bem presos ao fruto.

Em casa, guarde-as no frigorífico sem lavar nem tapar. Assim, conseguirá conservá-las até duas semanas. Quando as consumir, lave-as bem, por
baixo da água da torneira, só assim será possível remover todos os vestígios de produtos químicos.

São várias as formas de as consumir, desde tartes, compotas ou até mesmo cristalizadas, no entanto, o ideal será a ingestão da cereja ao natural para que possa tirar proveito de todos os benefícios. Contudo, quando consumida em quantidades excessivas, a cereja pode propiciar o aparecimento de problemas digestivos, uma vez que a própria cereja é estimulante das glândulas digestivas. Assim, a quantidade diária recomendada são 50g, aproximadamente 10 cerejas.

Não é ao acaso que por cá se usas muitas vezes o provérbio popular "As conversas são como as cerejas, quanto mais se tem, mais se quer"!

Delícia de Cereja

Ingredientes (4 pessoas):
- 2 iogurtes magros e sem pedaços, 250g
- 200g de cerejas
- 8 bolachas Maria ou torrada,64g
- 1 colher de sopa de Edulcorante, 10g

Modo de preparação e confeção:

- Corte as cerejas em pedaços pequenos e lave.
- Coloque-as numa panela e cozinhe-as, durante 5 minutos, juntamente com o edulcorante. Decorrido o tempo de confeção, deixe arrefecer.
- Triture as bolachas.
- Coloque, em taças individuais, as bolachas, por cima o iogurte e finalize com as cerejas. Repita, novamente, este procedimento e termine a
sobremesa com raspas de bolacha.
 
Valor Nutricional:
 
Macronutrientes:
- Energia: 504,04 Kcal
- Água: 390,2g
- Hidratos de Carbono: 85,68g
- Proteína: 18,47g
- Total Lípidos (Gordura): 9,70g
- Fibra Dietética: 4,54g

Lípidos:
- Ácidos gordos saturados: 4,42g
- Ácidos gordos monoinsaturados: 2,82g
- Ácidos gordos polinsaturados: 1,23g
- Ácidos gordos trans: 0,06g
- Colesterol: 24,2mg

Vitaminas:
- Vitamina A: 90,5ug
- Vitamina C: 12mg

Minerais:
- Cálcio: 452,32mg
- Ferro: 2mg
- Fósforo: 424,42mg
- Potássio: 1028,68mg

Depois desta receita, mais que nunca, a expressão "Sabe que nem ginjas" fará sentido!

O alimento visto pelo especialista em nutrição: a sardinha

Texto escrito pela dietista Andreia Rua em 19 de maio de 2014.

Diz o ditado popular que a Mulher quer-se como a sardinha, pequenina! Eu diria, pequenina, elegante e altamente nutritiva.
 

 
Aproximam-se os meses de calor e, com eles, vêm também as festas populares onde a pequena, popular e saborosa sardinha assada é a rainha da mesa. O nome sardinha deriva do nome de uma ilha situada no Mediterrâneo, a Sardenha, onde há muitos anos grandes cardumes deste peixe costumavam nadar. Contudo, a sardinha é conhecida por todo o Mundo, pois os cardumes não se limitavam apenas ao mar Mediterrâneo, viajavam por todos os mares.

A sardinha é, conjuntamente com o bacalhau, o peixe de eleição dos portugueses. O seu valor nutricional, principalmente os níveis de gordura, varia ao longo do ano pelo que, a melhor época para o seu consumo é o verão, estação em que a sardinha apresenta teores de gordura mais elevados e, consequentemente, mais sabor.

Qualquer peixe tem um papel distinto e importante na alimentação contudo, a sardinha destaca-se pelo seu elevado conteúdo em proteínas, minerais e gordura polinsaturada, nomeadamente o ómega 3. Desta forma, a sardinha adquire a designação de peixe gordo, sendo a sua gordura polinsaturada importante para a proteção do sistema cardiovascular - redução dos níveis de colesterol e triglicerídeos no sangue; controlo da pressão arterial - e para o desenvolvimento e manutenção cerebral.

No que diz respeito aos micronutrientes (constituintes presentes nos alimentos em pequenas quantidades - vitaminas e minerais) a sardinha apresenta-se como uma excelente fonte de vitaminas A, B3, B6, B12, D, E e K e minerais como o cálcio, ferro, fósforo e selénio. O selénio tem uma importante ação antioxidante, contribuindo assim para a proteção de doenças crônicas. O cálcio, fósforo e ferro presentes apresentam, respetivamente, 1 importante papel ao nível da manutenção da massa óssea, na saúde dos dentes e ossos e no transporte de oxigênio e formação de glóbulos vermelhos.

Para garantir todos estes benefícios nutricionais é necessário algum cuidado aquando da confeção da sardinha, especialmente ao assar: utilize um grelhador elétrico adequado, ou no caso de utilizar carvão, mantenha a sardinha a uma distância das brasas de, pelo menos, 20 centímetros, de modo a permitir uma confeção lenta, a temperaturas moderadas e sem a formação de compostos cancerígenos.

Ao comprar sardinhas, seja exigente! Saiba que a sua qualidade está estritamente ligada à frescura pelo que, sardinhas frescas apresentarão uma qualidade superior!
Verifique se os olhos se encontram brilhantes, as guelras avermelhadas, o corpo firme, a carne vermelha e macia ao toque dos dedos e a pele firme e de cor viva. Quanto às escamas, é normal, na sardinha, encontrar algumas soltas.

Sardinha assada com puré de abóbora

Ingredientes (4 pessoas)
- 4 sardinhas, 300g
- 400g de abóbora
- 3 dentes de alho
- 1 cebola, 60g
- 1 colher de sopa de azeite
- Sal e pimenta preta moída q.b.

Modo de preparação e confeção:

- Coloque, num tacho, o azeite, a cebola e os alhos picados e deixe alourar.
- Adicione, de seguida, a abóbora cortada aos cubos, o sal e a pimenta e refogue durante 7 minutos. Cubra com água e deixe cozer.
- Depois de cozida, escorra a abóbora, reduza-a a puré e reserve.
- Asse, numa grelha, as sardinhas já temperadas com sal, cerca de 10 minutos.
- Sirva as sardinhas com o puré de abóbora.
 
Valor Nutricional:

Macroconstituintes:

- Energia: 618,24 Kcal
- Água: 658,96g
- Hidratos de Carbono: 10,01g
- Proteína: 58,9g
- Total Lípidos (Gordura): 38,28
- Fibra Dietética: 3,94g

Lípidos:

- Ácidos gordos saturados: 9,35g
- Ácidos gordos monoinsaturados: 14,46g
- Ácidos gordos polinsaturados: 10,74g
- Ácidos gordos trans: 0,9g
- Colesterol: 84mg

Vitaminas:

- Vitamina A: 676ug
- Vitamina B3: 21,43mg
- Vitamina B6: 1,55mg
- Vitamina B12: 30ug
- Vitamina D: 51ug

Minerais:

- Cálcio: 330,64mg
- Ferro: 5,89mg
- Fósforo: 936,32mg
 

Tomate: um superalimento

Escrito por Inês Miranda e Paula Ravasco, Unidade de Nutrição e Metabolismo do Instituto de Medicina Molecular, em 28 de maio de 2014.

O tomate é o fruto do tomateiro, Solanum lycopersicum; Solanaceae. Originário das Américas Central e do Sul, era amplamente cultivado e consumido pelos povos pré-colombianos, sendo atualmente cultivado e consumido em todo o mundo.
 

 
O tomate sabe bem com o hambúrguer, ou na salada, ou presente num molho envolvendo o esparguete à bolonhesa. Mas o tomate é bem mais do que apenas um fruto delicioso. Incluindo-o na alimentação pode diminuir o risco de aparecimento de cancro e de doenças cardiovasculares, devido essencialmente, ao licopeno que possui.

Nos anos recentes, o papel da nutrição na prevenção do cancro tem assumido uma importante área de investigação. A avaliação do papel dos carotenóides, especificamente, do beta-caroteno, na prevenção do cancro teve início nos anos 20. Contudo, o interesse no licopeno apenas teve ínicio no final dos anos 80, quando foi descoberto que a sua atividade antioxidante era o dobro da do beta-caroteno.

O licopeno é um carotenóide, o pigmento responsável pela característica cor vermelha do tomate e dos seus derivados. Tem tido particular interesse científico devido às suas propriedades físico-químicas e biológicas, especialmente relacionadas com o seu efeito enquanto antioxidante natural. Apesar de não ter atividade pró-vitamina A como os outros carotenóides, o licopeno elimina radicais livres que podem lesar o ADN e outras estruturas celulares frágeis.

Qual o mecanismo?

O efeito antioxidante do licopeno é potencialmente benéfico para a prevenção das doenças cardiovasculares e do cancro da próstata. Relativamente às doenças cardiovasculares, o licopeno pode possivelmente reduzir o desenvolvimento da doença, ao diminuir a inflamação, a síntese de colesterol ou aumentar a função imunitária. O mecanismo proposto para a ação do licopeno na prevenção do cancro da próstata inclui a inibição da proliferação, de fatores de crescimento e efeitos antiandrógenos.

Evidência?

Estudos observacionais (estudos que avaliam uma larga amostra populacional) em diversos países demonstraram que o risco para desenvolver alguns tipos de cancro é mais baixo em pessoas que possuem maiores níveis licopeno no sangue. Os estudos sugerem que dietas ricas em tomate podem entrar para esta redução do risco. A evidência é mais forte para o efeito protector do licopeno contra o cancro do pulmão, estômago e próstata. Pode também proteger contra o cancro do cólo do útero, mama, boca, pâncreas, esófago, cólon e reto.

Alguns estudos populacionais demonstraram que uma dieta rica em alimentos derivados do tomate, ricos em licopeno estava associada a uma diminuição do risco de cancro da próstata. Outros estudos, contudo, não encontraram nenhuma ligação. Um estudo recente sugeriu que a variação num gene particular (XRCC1) que ajuda na reparação de ADN danificado influencia o efeito do licopeno ingerido no risco de desenvolver o cancro da próstata.

Uma revisão de 2004, que analisou 21 estudos observacionais, concluiu que os produtos derivados do tomate parecem ter um efeito protetor fraco contra o cancro da próstata. A análise notou que o efeito protetor era maior para produtos confecionados e que pequenas quantidades de gordura adicionada aumentavam a absorção de licopeno.

Um estudo com um pequeno grupo de doentes do sexo masculino com cancro da próstata demonstrou que suplementos com licopeno pareceram reduzir o rápido crescimento das células tumorais. Outro estudo demonstrou que o licopeno não tinha um efeito significativo.
 
Alguns ensaios clínicos reportaram efeitos de curto-termo do licopeno nos níveis de PSA (antigénio específico da Próstata), considerado um bom indicador do crescimento do cancro da próstata. Apesar destes estudos constituirem uma importante esperança, não são tão válidos como os estudos de longo-termo que avaliam se o tratamento realmente aumenta a qualidade de vida dos doentes e a melhoria da sintomatologia.

A maioria dos estudos em humanos que têm sido publicados até hoje são estudo caso-controlo ou outros estudos observacionais, que são mais suscetíveis de erro do que os ensaios clínicos. Mais informação a partir dos ensaios clínicos (incluindo resultados de diversos estudos que estão a ser realizados neste momento) é necessária para assegurar que alimentos ricos em licopeno, como o tomate, ajudam na prevenção e no tratamento do cancro.

Como aumentar a biodisponibilidade do licopeno na alimentação?

A absorção do licopeno pode ser influenciada por diversos fatores. A sua biodisponibilidade é maior em produtos processados do que em tomates frescos. O processamento vai quebrar as paredes celulares, o que diminui as forças de ligação entre o licopeno e a matriz tecidular do tomate, sendo este libertado e mais facilmente absorvido. O molho de tomate é uma boa opção.

Qual a dose diária recomendada para ter o efeito terapêutico?

O licopeno obtido a partir das frutas e vegetais não tem efeito secundário, nem tóxico ou perigoso para os humanos. A dose apropriada de licopeno depende de diversos fatores como a idade, estado de saúde, e outras condicionantes. Neste momento não existe suficiente informação científica para determinar um balanço específico de doses para o licopeno. Veja na caixa abaixo os alimentos derivados do tomate mais ricos neste antioxidante.

Alimentos derivados do tomate ricos em Licopeno (mcg)

½ chávena de puré de tomate: 27,192
1 chávena de sumo de tomate: 21,960
1 colher de sopa de pasta de tomate: 3,140
1 colher de sopa de ketchup: 2,506
1 tomate seco: 0,918
1 fatia de tomate fresco: 0,515
1 tomate cherry: 0,437
Fonte: USDA National Nutrient Database
Mais pesquisa referente à biodisponibilidade, farmacologia, bioquímica e fisiologia do licopeno deve ser feita para revelar o mecanismo deste micronutriente na dieta do humano e do seu metabolismo in vivo. O aconselhamento para uma alimentação saudável proporciona uma oportunidade para se desenvolverem alimentos ricos em licopeno como alimentos funcionais. Alimentos ricos em licopeno, como o tomate, ao cumprirem com a regulamentação de segurança e higiene alimentar, podem trazer potenciais benefícios à indústria alimentar e à qualidade de vida dos humanos.

Optar por alimentos derivados do grupo das frutas e dos hortícolas e de outras fontes vegetais, como frutos secos e leguminosas, é aconselhado. The American Cancer Society recomenda, nas suas mais recentes guidelines, uma dieta equilibrada com ênfase nas fontes vegetais, que inclui:
- 5 ou mais porções de vegetais e frutas por dia.
- Reduzir o consumo de carnes vermelhas e processadas.
- Equilibrar o consumo calórico com atividade física
- Reduzir o consumo de álcool.

Baseado em evidência científica atual, os alimentos que você consome são mais propícios a desempenhar um papel fundamental na prevenção do cancro do que propriamente a tratá-lo.
Inês Miranda e Paula Ravasco
Unidade de Nutrição e Metabolismo - Instituto de Medicina Molecular
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Fontes:
- National Cancer Institute , "Promises and perils of lycopene/tomato supplementation and cancer prevention"
- 1. Campbell JK, Canene-Adams K, Lindshield BL, Boileau TW, Clinton SK, Erdman JW Jr. Tomato phytochemicals and prostate cancer risk. J Nutr. 2004; 134:3486S-3492S.
- Kirsh VA, Mayne ST, Peters U, et al. A prospective study of lycopene and tomato product intake and risk of prostate cancer. Cancer Epidemiology, Biomarkers & Prevention. 2006; 15:92-98.
- Giovannucci E. Tomato products, lycopene, and prostate cancer: a review of the epidemiological literature. J Nutr. 2005. Aug;135(8):2030S-1S.

Alimento visto por um especialista em nutrição: os cogumelos

Texto escrito pela dietista Telma Nogueira em 23/06/2014.
Associados ao universo mágico e misterioso, por surgirem e desaparecerem de uma forma quase instantânea, os cogumelos comestíveis são apreciados desde os primórdios, dado o seu sabor, aroma, textura e propriedades nutricionais e medicinais, tendo sido considerados "Pão dos Deuses" pelos Romanos e "Elixir da Vida" pelos Chineses.  

 
Cerca de 400 variedades de cogumelos estão identificadas por conterem compostos com propriedades medicinais que se têm revelado promissoras para o combate de doenças que afetam o homem. São exemplos os efeitos antioxidante, anti-inflamatório, anti-diabético, anti-fibrótico, anti-viral, anti-microbiano, hipotensor, imunossupressor, hipocolesterolémico e de proteção hepática. As investigações científicas neste âmbito continuam.

Os cogumelos são produzidos por fungos e a sua função, à semelhança dos frutos, consiste na produção, proteção e dispersão de esporos, para a sua reprodução e disseminação.

Tal como os hortícolas, os cogumelos são fontes alimentares pouco calóricas e riquíssimas nutricionalmente: em média fornecem 18 calorias em 100g de produto, 88% a 93% do seu peso é constituído por água e são fontes de fibra, proteínas, potássio e vitaminas do complexo B, como a riboflavina, niacina e acido fólico.
Simultaneamente apresentam um baixo teor em sódio e como, à semelhança dos seres humanos, os cogumelos têm a capacidade de produzir vitamina D, tratam-se dos únicos "hortícolas" que nos fornecem esta vitamina.

Existem variadíssimas espécies de cogumelos, sendo exemplos: cogumelos brancos, cantarelo, castanhos, enoki, morel, pé azul, pleurotus, porcini, portobello, shitake, entre outros.

Frescos, desidratados, congelados ou enlatados, os cogumelos constituem excelentes opções alimentares para introduzir diversidade e potencial nas suas refeições diárias, sem que isso implique um aumento do aporte calórico. Pode incorporá-los em entradas, sopas, saladas, sandes, estufados, salteados, omeletas, arrozes, massadas, ou em qualquer outra preparação culinária: experimente e surpreenda-se! Considere que 2 chávenas de cogumelos crus equivalem a 1 porção de hortícolas.

Prefira confeções, molhos ou acompanhamentos com pouca gordura, caso contrário passarão de uma solução saudável e com baixo valor energético para uma alternativa muito calórica e com consequências indesejadas.

Dado o seu sabor característico, a introdução de cogumelos nas suas refeições pode constituir uma estratégia útil para minimizar a adição de sal aos preparados.

As opções de cogumelos desidratados, enlatados e congelados, pela sua maior durabilidade, podem constituir soluções praticas e úteis para fazer face à necessidade de prepararmos refeições rápidas, saudáveis e nutritivas no dia-a-dia.

Na hora de comprar, considere que os cogumelos inteiros, tal como os restantes hortícolas e frutos inteiros, não têm obrigatoriamente de mencionar data de validade. Estes produtos estão à venda enquanto mantiverem toda a sua frescura. Já os cogumelos laminados, por serem processados, têm de apresentar data limite de consumo (frescos) ou data de durabilidade mínima (conservas).

São sinais de frescura a ausência de pontos de humidade e a textura firme e intacta, sem partes tocadas, manchas ou cortes.
 
Já em casa, conserve-os num saco de papel opaco, evitando o uso de sacos de plástico já que estes levam à retenção da humidade, acelerando a sua degradação. Pela mesma razão, não lave os cogumelos antes de os guardar.

Antes de confecionar os cogumelos frescos, retire a extremidade do pé e, para os higienizar, poderá recorrer a um pincel, por exemplo, e lavá-los de seguida sob água corrente. No caso dos cogumelos desidratados, coloque-os em água morna durante cerca de 15 minutos, depois escorra-os e coloque-os em água a ferver durante cerca de 10 minutos. Finalmente retire-os, escorra e lave-os novamente: estão pronto a consumir ou compor as suas refeições.

Aventure-se e delicie-se!

Valores nutricionais

por 100gr de diferentes cogumelos em cru

Variedade
Energia (Kcal) Proteínas (gr) Hidratos de carbono (gr) Fibra (gr) Potássio (gr) Vitamina D(µg) Ácido Fólico (µg) Água (gr)
Cogumelos Brancos
27 3.1 2.3 1.0 3180.2 17 92.5
Cogumelos castanhos
27 2.5 3.7 0.6 448 0.1 25 92.1
Cogumelos enoki
39 2.7 5.1 2.7 359 0.1 48 88.3
Cogumelos pleurotus
373.3 3.8 2.3 420 0.7 38 89.2
Cogumelos portobello
25 2.1 2.6 1.3 364 0.3 28 92.8
Cogumelos shitake
36 2.2 4.3 2.5 304 0.4 13 89.7
Referência: USDA National Nutrient Database for Standard Reference, Release 26. Nutrient Data. U.S. Department of Agriculture, Agricultural Research Service, 2013. Valor energético calculado de acordo com o Regulamento da União Europeia nº1169/2011 de 25 de outubro de 2011.
 

A banana vista por um especialista em nutrição

Texto escrito pela nutricionista Ana Guerra em 17/03/2014.
Considerado o fruto de eleição por muitos e o fruto da controvérsia por outros, o certo é que o consumo da banana é muito importante, principalmente para a maioria dos povos das regiões tropicais onde predomina o seu cultivo. Grande parte da produção de bananas destina-se à exportação, onde a Europa e os Estados Unidos são os principais mercados.

Para além da variedade de banana que existe nos nossos supermercados, ainda existe uma variedade designada por bananas-pão. Este tipo de banana tem uma polpa e casca mais rijas e é menos usada para exportação.

Em Portugal, mais propriamente na Ilha da Madeira, existe o cultivo de uma variedade de bananas que se diferencia pelo tamanho (um pouco mais pequena que as outras variedades) e pelo sabor (ligeiramente mais doce). Pensa-se que a banana foi introduzida na Ilha durante o século XVI, oriunda de Cabo Verde ou mesmo das Ilhas Canárias.

No que toca às características principais, cada banana pesa em média 125g e possui cerca de 72 por cento de água e um sabor um tanto adstringente e único que se deve à forte presença de amido na sua constituição. Quando a banana é deixada a amadurecer à temperatura ambiente ou quando é cozinhada, passa a ter um sabor doce devido à transformação desse amido em sacarose e glucose (os chamados açúcares simples).

Ao longo dos anos foram feitos vários estudos para determinar quais as propriedades mais importantes da banana. Hoje sabe-se que é um fruto muito equilibrado a nível nutricional e que tem uma boa quantidade de potássio e magnésio que a torna num excelente "suplemento alimentar".

Eis algumas das principais propriedades nutricionais da banana:

- Melhora o funcionamento intestinal em casos de diarreia devido à quantidade de uma fibra alimentar designada por pectina; esta fibra estimula a produção de bactérias fundamentais para o organismo.

- Quando consumida regularmente ajuda na prevenção de cãibras musculares que costumam aparecer após um exercício físico intenso, nos indivíduos que já possuem problemas musculares graves ou como efeito secundário de medicamentos.

- Possui um efeito antiácido quando chega ao estômago, protegendo-o das úlceras gástricas e reduzindo a sensação de ardor.

- Devido à quantidade de triptofano que possui, ajuda a ultrapassar os sintomas de depressão ligeira e melhora a sensação de bem-estar; o triptofano é um aminoácido que, juntamente com o magnésio, é utilizado para a produção de serotonina (a hormona do humor).

- É muito utilizada pelos desportistas antes de um treino ou competição porque fornece uma boa quantidade de açúcares e minerais importantes para o bom funcionamento dos músculos durante o exercício; também ajuda na manutenção dos valores de açúcar no sangue e fornece um "pack" extra de energia.

- Auxilia a absorção de cálcio pelos ossos, prevenindo o aparecimento de osteoporose.

- Protege dos radicais livres devido à presença de antioxidantes (vitamina E e C).

- Como é rica em potássio e pobre em sódio, a FDA (Food And Drug Administration) reconhece a banana como um fruto capaz de reduzir a pressão sanguínea e proteger o coração contra o enfarte ou ataque cardíaco.

A banana é considerada como sendo um alimento controverso, pois alguns profissionais de saúde afirmam que "a banana engorda". É claro que temos de ter em conta que uma banana possui uma boa quantidade de açúcares que, para quem está a fazer um plano de emagrecimento, pode não ajudar muito. Contudo, é preferível comer uma banana do que um pacote de bolachas ou meia tablete de chocolate ou outro alimento que possa parecer inofensivo mas que, nas contas finais, "pesa" mais e possui mais gordura e açúcar. Desta forma, a banana pode servir como um snack entre duas refeições ou quando sentimos vontade de comer alguma coisa doce.

Valores por 100g de parte edível

Energia - 95 Kcal

Teor em água - 72 g

Proteína - 1,6 g

Gordura - 0,4 g

Hidratos de Carbono - 2,2 g

Amido - 2,2 g

Fibra Alimentar - 3,1 g

Vitamina C - 10 mg

Folatos - 14 mg

Sódio - 6,0 mg

Potássio - 425 mg

Cálcio - 8,0 mg

Caroteno - 21 µg

Vitamina A - 4,0 µg

Fósforo - 25 mg

Magnésio - 28 mg


Tabela Nº1 – Dados recolhidos através da Tabela da Composição de Alimentos