quinta-feira, 30 de maio de 2013

Emissões de CO2 baixaram tanto em Portugal como na UE em 2012

Texto de Ana Fernandes publicado pelo jornal Público em 29/05/2013.
"Estimativas iniciais indicam que, pelo segundo ano consecutivo, as emissões baixaram na Europa.
 
A União Europeia (UE) chegou ao fim de 2012 a emitir menos 2,1% de dióxido de carbono do que no ano anterior, segundo estimativas divulgadas pelo Eurostat esta quarta-feira. No caso de Portugal, essa redução será de 4%. Estes números terão ainda de ser validados, mas tudo indica que, pelo segundo ano consecutivo, os 27 têm vindo a reduzir a quantidade de CO2 que enviam para a atmosfera.
 
Portugal emitiu, em termos absolutos, 44,4 milhões de toneladas de CO2, menos 1,8 do que no ano anterior. No conjunto da UE, foram lançados para a atmosfera 3417 milhões de toneladas.
 
O campeão das emissões é a Alemanha, com 728 milhões, tendo aumentado 0,9% face ao ano anterior. Segue-se o Reino Unido, com 471,5 milhões, que registou um acréscimo de 3,9% em relação a 2011. Logo a seguir, aparece Itália (366 milhões, que reduziu 5,1%), França (332 milhões, com uma redução de 0,8%), Polónia (297 milhões, com menos 5,1%) e Espanha (258 milhões, que baixou 1,4%). Estes seis países representam, no seu conjunto, mais de 70% das emissões da UE. Além da Alemanha e do Reino Unido, só Malta (+6,3%) e Lituânia (+1,7%) aumentaram as emissões.
 
Todos os outros reduziram, com destaque para a Bélgica e a Finlândia, com -11,8%, seguindo-se a Suécia (-10,1%), a Dinamarca (-9,4%) e Chipre (-8,5%).
 
As emissões de CO2 com origem na queima de combustíveis fósseis dependem de muitos factores, como o tempo que se fez sentir durante o ano – que, por exemplo, exigiu mais ou menos uso de equipamentos de climatização –, o crescimento económico, a dimensão demográfica e as actividades industriais.
 
No ano de 2011, a redução verificada nas emissões deveu-se, sobretudo, a um Inverno ameno, que reduziu as necessidades de aquecimento. As estatísticas de 2012 ainda não estão confirmadas, pelo que ainda não são avançadas explicações para a redução das emissões."

Mamute congelado descoberto ainda com sangue

Artigo publicado pelo jornal Público em 29/05/2013.
"Um Parque Mesolítico cheio de mamutes, resgatados da extinção? O sonho louco de alguns cientistas parece estar mais perto.
Investigador junto à carcaça do mamute descoberta na ilha de Mali Liakhovski, no Árctico
 
Pormenor da carcaça do mamute
 
Tubo de ensaio com o sangue que os cientistas dizem ter extraído do mamute
 
Cientistas russos anunciaram esta quarta-feira ter descoberto sangue na carcaça de um mamute-lanudo, que ficou preservada no solo congelado numa ilha do Árctico – o que aumenta as hipóteses de vir a clonar este animal extinto há cerca de dez mil anos, no período Mesolítico.
 
Levada a cabo no início deste mês de Maio, uma expedição de especialistas da Sociedade de Geografia russa e da Universidade Federal do Nordeste, em Iakoutsk, na Sibéria, foi examinar a carcaça bem conservada de uma fêmea de mamute-lanudo. Tinha sido localizada em Agosto de 2012 no solo permanentemente congelado, ou permafrost, na ilha de Mali Liakhovski, no oceano Árctico russo.
 
O animal teria cerca de 60 anos de idade quando morreu e estaria morto entre há 10.000 a 15.000 anos, indicou à agência AFP o chefe da expedição, Semion Grigoriev, que qualificou a descoberta de excepcional.
 
“Todos os anos têm sido descobertos mamutes [na Rússia]. Mas esta expedição permitiu encontrar pela primeira vez uma fêmea em muito bom estado de conservação”, referiu o cientista russo, numa entrevista telefónica.
 
A observação da carcaça congelada permitiu fazer uma descoberta ainda mais excepcional: continha tecidos dos músculos e sangue preservados.
 
“Quando perfurámos o gelo no seu ventre, o sangue escorreu, muito escuro. É o caso mais espantoso que vi em toda a minha vida”, declarou Semion Grogoriev.
 
O cientista russo atribui esta descoberta às condições excepcionais em que a fêmea de mamute esteve conservada durante milhares de anos. “Ela caiu num buraco com água ou num pântano, que lhe dava provavelmente até a meia altura do corpo. A parte de baixo do corpo congelou na água”, contou Semion Grigoriev, acrescentando que a parte de cima do mamute terá sido devorada em parcialmente por predadores.
 
A carcaça foi entretanto removida do local onde ficou milhares de anos e transferida para um sítio apropriado à sua conservação, genericamente uma gruta aberta no permafrost.
 
“Esta descoberta dá-nos hipóteses reais de encontrar células vivas que permitam realizar o projecto de clonagem de um mamute”, referiu ainda o cientista russo. Para isso, a universidade de Iakoutsk já tinha até assinado um acordo no ano passado com o investigador sul-coreano Hwang Woo-Suk, o mesmo que clonou o primeiro cão, em 2005, o Snuppy, mas que também esteve envolvido numa fraude científica com células estaminais humanas.
 
Alegava em 2004 – mas depois admitiu que os dados eram falsos – ter criado os primeiros clones humanos e que desses embriões tinha conseguido retirar células estaminais, para serem usadas com fins terapêuticos, à medida de cada doente. Nada disto era verdade e Hwang Woo-Suk pediu desculpa em público, embora dissesse que não foi ele, mas outro membro da equipa, quem falsificou os dados.
Se  se conseguirem obter células do mamute-lanudo (Mammuthus primigenius), o seu núcleo, onde está a esmagadora maioria do ADN, será transferido para ovócitos de elefante, esvaziadas antes do seu núcleo. O objectivo é produzir embriões com o ADN de mamute que seriam, em seguida, colocados no útero de uma fêmea de elefante asiático (Elephas maximus).
 
Mamutes, elefantes asiáticos e elefantes africanos (Loxodonta africana) tiveram um antepassado comum há cerca de seis milhões de anos. Aproximadamente há cerca de 1,6 milhões de anos, apareceram os mamutes. Viveram em África, Europa, Ásia e América do Norte, até se mudarem mais para norte, à procura de regiões mais frias, desaparecendo de vez há dez mil anos. Foram perseguidos pelos humanos, o que, além das mudanças climáticas, é apontado como uma causa para a sua extinção.
 
Estará agora o mamute-lanudo prestes a regressar à vida, num Parque Mesolítico? Aconteça o que acontecer, o mamute promete suscitar um debate sobre a ciência e a sua ética."

Tabaco é responsável directo por dois em cada dez cancros

Artigo da LUSA publicado pelo jornal Público em 30/05/2013.
"Estudo baseou-se no acompanhamento de mais de 440 mil pessoas durante mais de 11 anos, em média.
O tabaco causa 80% dos cancros do pulmão e da laringe
O tabaco é responsável directo por dois em cada dez cancros, conclui um estudo do Instituto Catalão de Oncologia do Hospital Duran i Reynals, que se baseou em cerca de 440 mil pessoas, seguidas, em média, mais de 11 anos.
 
Das 441.211 pessoas acompanhadas, 14.563 desenvolveram um cancro relacionado com o hábito de fumar, informou o Instituto Catalão de Oncologia, a propósito do Dia Mundial Sem Tabaco, que se assinala na próxima sexta-feira.
 
O estudo, publicado na revista Journal of Clinical Oncology pela equipa de Antonio Agudo, confirma que fumar origina 80% dos cancros do pulmão e da laringe, assim como 20% a 50% dos restantes cancros respiratórios, digestivos e do trato urinário, segundo noticiou a agência espanhola EFE.
 
Pela primeira vez, a investigação determina que a percentagem daqueles cancros é responsabilidade directa do tabaco, que também causa 25% dos cancros do fígado, 14% dos do ovário e 8% dos do rim.
 
Os cientistas compararam o número de casos de tumores entre os participantes fumadores ou ex-fumadores e os que nunca tinham fumado. Genericamente, a investigação mostrou que 36% dos tumores relacionados com a utilização de tabaco são directamente provocados pelo seu consumo, indicou ainda a agência noticiosa espanhola, o que representa 20% do total de cancros."

O Médio Oriente está a construir uma grande máquina de raios X

Texto de Teresa Firmino publicado pelo jornal Público em 28/05/2013.
"Radiação permitirá estudar em detalhe materiais, células humanas, vírus, proteínas, conseguindo chegar até ao nível dos átomos.
O edifício principal do sincrotrão SESAME, em Allan, na Jordânia 
A Comissão Europeia e o Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN) apoiaram formalmente esta segunda-feira a construção de um centro de investigação no Médio Oriente dedicado à emissão de radiação sincrotrónica, uma máquina de emissão de raios X muito intensos que funciona como um microscópio gigantesco. Com sede em Allan, perto da capital da Jordânia, o sincrotrão do Médio Oriente começou a ser construído em 2003 e espera-se que entre em operação em 2015.
 
Está a ser construído por uma organização intergovernamental, que reúne cientistas e vários governos da região: do Bahrein, Chipre, Egipto, Irão, Israel, Jordânia, Paquistão, Autoridade Palestiniana e Turquia. Será o primeiro grande centro de investigação internacional do Médio Oriente.
 
Inspira-se no modelo do próprio CERN, criado em 1954 por 12 países no rescaldo da II Guerra Mundial, num contexto em que os países da Europa não podiam financiar sozinhos os dispendiosos instrumentos para a investigação e viam os seus físicos e outros cientistas emigrar para os Estados Unidos. Actualmente, o CERN tem 20 países-membros e é o maior laboratório de física de partículas do mundo, com o seu gigantesco acelerador de partículas na zona de Genebra, atravessando a fronteira franco-suíça.
 
Desenvolvido sob os auspícios da UNESCO, tal como o CERN, o sincrotrão do Médio Oriente chama-se SESAME – a sigla inglesa de Synchrotron-light for Experimental Science and Applications in the Middle East – e, como o nome indica, destina-se a utilizar esta radiação em investigação científica. Permitirá, por exemplo, estudar as propriedades de novos materiais, processos biológicos e artefactos arqueológicos. Além da estrutura de novos materiais, esta radiação permite ver em detalhe células humanas, vírus, proteínas, conseguindo chegar até ao nível dos átomos. E, para lá dos objectivos científicos, o projecto pretende promover a paz na região através da cooperação científica, juntando países como o Irão e Israel.
 
Na Europa, a maior infra-estrutura deste tipo, o Laboratório Europeu de Radiações Sincrotrão (ou European Synchrotron Radiation Facility), em Grenoble, França, tem 20 países-membros e associados, incluindo Portugal, e só rivaliza com duas outras instalações, uma nos Estados Unidos e outra no Japão.
 
Agora, o SESAME, segundo o acordo anunciado esta segunda-feira, vai receber cinco milhões de euros da Comissão Europeia, o que permitirá que o CERN forneça ao projecto ímanes para um novo anel de armazenamento de electrões, o coração do sincrotrão. A Comissão Europeia já tinha contribuído com mais de três milhões de euros. Outras instituições têm ajudado a construir o projecto, como o sincrotrão de Berlim, que na verdade terá partes do seu próprio equipamento colocado no SESAME.
 
Até ao momento, cerca de 38,8 milhões de euros já foram investidos no projecto, refere a revista Science no seu site. Além das contribuições distribuídas por cada um dos nove membros do SESAME, quatro países – Irão, Israel, Jordânia e Turquia – já contribuíram com 3,8 milhões de euros adicionais. Para que o sincrotrão entre em funcionamento em 2015, refere ainda a Science, são necessários mais 7,7 milhões de euros.
 
“O SESAME não só permitirá aos investigadores da região terem acesso a instalações de ponta, como chamará a atenção para os grandes progressos que podem ser realizados na região num espírito de cooperação pacífica”, sublinhou a comissária europeia para a área da ciência, Máire Geoghegan-Quinn, num comunicado conjunto da Comissão Europeia e do CERN. “O SESAME é actualmente um dos projectos mais importantes em todo o mundo. Tendo em conta as suas analogias com as origens do CERN, fico muito contente por podermos dar este contributo importante para o sucesso do jovem laboratório”, referiu por sua vez o director-geral do CERN, Rolf Heuer."

sexta-feira, 24 de maio de 2013

VITAMINA D PODE AJUDAR DOENTES ASMÁTICOS

Estudo britânico revela melhoramentos do sistema imunitário
Publicado em www.cienciahoje.pt 2013-05-23
Estudo britânico revela melhoramentos do sistema imunitário

A Vitamina D pode ser uma alternativa aos convencionais tratamentos com esteroides utilizados no tratamento da asma. A conclusão é de uma equipa de cientistas do King’s College de Londres, Reino Unido.
 
 
 

 Os investigadores averiguaram o impacto da vitamina D numa substância química do corpo humano, a interleucina-17 (IL-17A), “um químico natural que ajuda o corpo a defender-se de infeções e que reduz a resposta dos esteroides quando é produzido em grandes quantidades pelo organismo”, explicam os especialistas britânicos.

No estudo, já publicado no Journal of Allergy and Clinical Immunology, verificou-se que a vitamina D foi capaz de reduzir os níveis de interleucina-17 em 28 pacientes. "Sabemos que pessoas com altos níveis de vitamina D conseguem controlar melhor sua asma”, sublinhou Catherine Hawrylowicz, coordenadora da equipa de investigação.

Neste trabalho participaram 18 voluntários, doentes asmáticos, e com altos níveis de resistência aos esteroides, dez doentes que tinham boa resposta a este composto e de dez pessoas saudáveis num grupo de controlo.

"Os resultados mostraram que os pacientes com asma tinham níveis muito superiores de IL-17A, do que aqueles que não tinham a doença", explica em comunicado a King's College de Londres.

Para Catherine Hawrylowicz “estas descobertas são entusiasmantes porque mostram que a vitamina D pode um dia ser usada não só para o tratamento dos pacientes resistentes aos esteroides, como também ajudar a reduzir as doses de esteroides administradas, reduzindo o risco de efeitos secundários nocivos".

O próximo passo é testar a Vitamina D como tratamento de doentes asmáticos. "Acreditamos que tratar as pessoas com vitamina D pode fazer com que os pacientes resistentes aos esteroides passem a responder a eles ou permitam que aqueles que já conseguem controlar sua asma tomem menos esteroides", disse Catherine Hawrylowicz.

A vitamina D está presente em alimentos como cogumelos, ovo, iogurte, sardinha. A produção desta substância pode também ser desencadeada pela exposição moderada ao sol.

GENE VIRIATO ESSENCIAL À FORMAÇÃO DO OLHO

Experiências com moscas trazem à luz a complexidade das malformações
Publicado em www.cienciahoje.pt 2013-05-23
Este tipo de malformações impede a capacidade de ver
(Imagem: DR)

Um artigo publicado recentemente na revista «Developmental Biology» expõe de forma clara a necessidade de equilíbrio entre as funções de vários genes para a formação correcta do olho da mosca-da-fruta. No centro da questão está o gene Viriato que os investigadores do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) já tinham provado controlar a função de MYC, um gene associado ao desenvolvimento de várias formas de cancro. Agora, a mesma equipa demonstra que o Viriato não só está envolvido no processo de proliferação das células como também interage com uma cascata de vários outros genes responsáveis pela diferenciação correcta do olho.

Os autores mostram que o gene assume um papel preponderante no delicado processo de crescimento e formação do olho. Para isso, suprimiram individualmente vários genes no olho da mosca durante o desenvolvimento, todos relacionados com o crescimento ou diferenciação deste órgão, entre eles o Viriato. A supressão deste último não impedia o desenvolvimento do olho, apesar da redução de tamanho em relação ao olho normal.

De forma semelhante, quando um gene da via TGF-β, uma cascata de genes que controla a diferenciação dos tecidos, foi suprimido o olho também apresentava um atraso na formação levando a uma diminuição do tamanho do olho. No entanto, a surpresa ocorreu quando os dois genes foram suprimidos em simultâneo. Neste caso o olho apresentava uma malformação muito severa pois não ocorria qualquer formação de retina impossibilitando a visão.

Os investigadores testaram cerca de 300 outros genes e verificaram que a supressão simultânea do Viriato com genes da via TGF-β resultava em deformações muito mais dramáticas que a simples soma do efeito da supressão individual de cada um dos genes.

Este estudo exigiu da equipa uma enorme inovação técnica: “fizemos quase 300 combinações de duplo-RNAi para reduzir a função de pares de genes ao mesmo tempo”, explica Paulo Pereira, coordenador da equipa. De facto, a técnica de duplo-RNAi nunca tinha sido usada nesta escala e de forma dirigida para tecidos específicos de um organismo vivo.

“Avançamos no sentido de perceber melhor como múltiplas mutações podem estar na base do desenvolvimento de patologias”, como adianta Paulo Pereira. Percebe-se claramente deste trabalho que “o resultado não é uma simples adição dos efeitos individuais de cada gene suprimido”, explica o investigador, havendo “sinergias entre o efeito dos genes, com resultados surpreendentes”.

INVESTIGADORA DO PORTO LIDERA PROJETO

Médica recebe prémio da Harvard Medical School no valor de 400 mil euros
Publicado em www.cienciahoje.pt  2013-05-23
Alexandra Gonçalves deverá representar Portugal durante dois anos

Alexandra Gonçalves, médica cardiologista e investigadora da Unidade de Investigação e Desenvolvimento Cardiovascular da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) acaba de ver aprovado, pelo programa Harvard Medical School Portugal, um projeto de investigação Sénior na área cardiovascular que receberá um financiamento de 400 mil euros.

Intitulado «Regurgitação paravalvular aórtica após implantação de válvula aórtica transcateter, como melhorar os resultados?», o projeto obteve a nota “excelente” em todos os critérios avaliados, sendo selecionado para atribuição da verba máxima por parte do painel de avaliação da Fundação da Ciência e Tecnologia.

A investigadora da FMUP deverá representar Portugal e a sua instituição de origem em Harvard, durante dois anos, “de forma a prestar o contributo para a estreitar relações com um centro da mais elevada referência internacional e contribuir para a modernização e melhoria da qualidade da medicina em Portugal”, explica.

A médica acrescenta que "neste projeto em concreto, os dois anos na Harvard Medical School (HMS) serão dedicados ao desenvolvimento de conhecimentos em investigação clínica e imagem cardiovascular na Unidade de Imagem do Brigham and Women's Hospital e implementação pioneira do trabalho de investigação conjunto entre a FMUP e a HMS”.

O acordo de cooperação entre o nosso país e Harvard, assinado pelo Governo de Portugal, tem como objetivo a modernização e a melhoria da qualidade da medicina em Portugal. Pretende desenvolver, dinamizar e estimular a internacionalização e a cooperação entre as Faculdades de Medicina e de ciências médicas e os principais laboratórios e centros de investigação na área das ciências da saúde, procurando em particular uma ligação efetiva entre os estudos a desenvolver e as equipas e estrutura da instituição norte-americana.

O objetivo específico dos projetos de investigação clínica de tipologia sénior consiste em reforçar a capacidade nacional de produzir novos conhecimentos relevantes para a saúde, através de um estímulo ao desenvolvimento de trabalhos de investigação clínica.

NOVO CORAÇÃO ARTIFICIAL SERÁ IMPLANTADO EM QUATRO PAÍSES


Hospitais da Bélgica, Polónia, Eslovénia e Arábia Saudita vão começar a utilizar o dispositivo
Publicado em www.cienciahoje.pt 2013-05-22


O novo coração artificial da Carmat
A companhia francesa Carmat recebeu autorização para começar a implantar em humanos o seu novo coração artificial, considerado um dos mais avançados. Depois de se terem levado a cabo alguns testes-piloto, o novo órgão começará a ser implantado em quatro hospitais na Bélgica, Polónia, Eslovénia e Arábia Saudita, países com longas listas de espera para transplantes.
A diferença entre os corações artificiais mecânicos, que consistem numa espécie de bomba que se implanta junto ao velho coração danificado (sem o tirar) e os corações bio artificiais é que estes últimos devem substituir completamente o órgão original.

 Por vezes, os suportes artificiais funcionam como uma ponte enquanto se espera pelo transplante. No entanto, com o avanço da tecnologia, estes têm uma duração cada vez maior. O da companhia francesa pode durar entre cinco e dez anos.

 O dispositivo custa 200 mil euros e tem autonomia de bateria de 14 horas. É fabricado com uma série de materiais que reduzem o risco de formação de trombos, o que se traduz numa menor necessidade de medicação anticoagulante. Com apenas um quilograma de peso, o coração artificial tem uma autorregulação que permite saber quanto sangue é necessário bombear a cada momento.

Numa declaração conjunta, os cirurgiões cardíacos dos quatro hospitais que vão começar a implantar o dispositivo sublinharam que a insuficiência cardíaca terminal é um grave problema de saúde pública que ultrapassa fronteiras. Por isso, “este coração é uma verdadeira inovação para a comunidade médica. Estamos impacientes para efetuar os primeiros implantes e analisar os benefícios potenciais para os nossos pacientes”.

VACA CLONADA A PARTIR DE CÉLULAS DO TECIDO ADIPOSO

Experiência foi levada a cabo na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
Publicado em www.cienciahoje.pt 2013-05-22


A vaca é da raça Guzerá, como este macho (fotografia José Reynaldo da Fonseca)
A vitela “Brasília de Cerrados”, que vive no Brasil, é a única sobrevivente da experiência de clonagem a partir de uma célula de tecido adiposo. A pequena vaca, da raça guzerá leiteira, nasceu a 23 de Abril passado, nas explorações experimentais da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Planaltina, perto de Brasília.

Outro bovino produzido a partir de células estaminais induzidas do tecido adiposo nasceu vivo mas morreu logo de seguida.
No país que produz a maior quantidade de bovinos no mundo inteiro, este animal tem a particularidade de ser o primeiro fruto de uma experiência destinada a clonar vacas a partir de células da camada adiposa de outro animal.
Segundo Carlos Frederico Martins, investigador da Embrapa e coordenador do projeto, este é o primeiro nascimento com este tipo de clonagem celular de que se tem conhecimento na literatura científica mundial.
A bezerra nasceu com 35 quilogramas de peso e em perfeitas condições de saúde. O animal foi produzido através da técnica de clonagem de transferência nuclear, que consiste em introduzir o material genético de uma célula num ovócito da mesma espécie, a que se tirou o material genético.
Este ovócito é ativado para que comece a multiplicar-se e convertido num embrião que é imediatamente implantado no útero de vacas recetoras que serão as “mães de aluguer”.

Brasília de Cerrados é fruto das tecnologias de ponta da Embrapa, empresa estatal considerada uma referência mundial em investigação agropecuária tropical, que já fez com que o Brasil se convertesse num dos maiores produtores de alimento do mundo.

Segundo Martins, o êxito com as células adiposas permite pensar na possibilidade de se clonar animais modificados geneticamente para induzi-los a produzir proteínas de interesse humano, como insulina ou fatores de coagulação humana.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

A curva de Keeling continua a subir e regista recorde de dióxido de carbono

Texto de Teresa Firmino publicado pelo jornal Público em 07/05/2013.
"A concentração de dióxido de carbono na atmosfera, principal gás com efeito de estufa, está à beira das 400 partes por milhão. A Terra não conhecia estes valores há 4,5 milhões de anos, um novo sinal de alerta.
A queima de combustíveis fósseis, como o carvão, está a aumentar o CO2 na atmosfera
A curva de Keeling tornou-se um ícone da ciência das alterações climáticas: desde 1958 que regista as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera terrestre, medidas no topo do vulcão Mauna Loa, no Havai. É o registo contínuo mais antigo da presença atmosférica deste gás que aquece o planeta e as suas concentrações estão agora a atingir um marco simbólico, que o planeta não conhecia há cerca de 4,5 milhões de anos - o das 400 partes por milhão, o que significa que por cada milhão de moléculas de diferentes gases na atmosfera há 400 de dióxido de carbono (CO2).
 
Charles David Keeling foi o cientista por detrás deste gráfico, com implicações na investigação das alterações climáticas. Então com 28 anos, em 1956, Charles Keeling, já doutorado em Química e a fazer medições do CO2 atmosférico, foi contratado pelo então director da Instituição de Oceanografia Scripps da Universidade da Califórnia, em San Diego, o oceanógrafo Roger Revelle, que pretendia lançar um programa de medição em vários locais remotos do planeta.
 
Naquela altura, suspeitava-se de que o CO2 estivesse a aumentar na atmosfera com a queima de combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão. Certezas não havia, porque as medições eram escassas.
 
A partir de Março de 1958, tudo mudaria: Charles Keeling instalou um aparelho no cimo do Mauna Loa, longe das fontes de poluição do mundo industrial, e logo no primeiro dia de operação, como refere o site da Scripps dedicado a este gráfico (http://keelingcurve.ucsd.edu), registou uma concentração de 313 partes por milhão (ppm). Em Maio desse ano, os registos atingiriam um máximo, de 316 ppm, para em seguida decrescerem, até a um mínimo em Outubro.
 
No ano seguinte, Charles Keeling observou o mesmo fenómeno de aumento do CO2 até Maio, seguido de descida no Outono. Só que os valores ficaram um pouco acima dos do ano anterior. Mais: todos os anos isso acontecia, pelo que o gráfico era uma linha em forma de dentes de serra.
 
O químico norte-americano estava a observar duas coisas. Primeira, a respiração sazonal do planeta, ora na Primavera, ora no Outono no hemisfério Norte. Os pontos baixos do gráfico correspondiam à remoção de CO2 da atmosfera pelas plantas através da fotossíntese, que até ao Outono tinham feito todo esse trabalho, enquanto os pontos altos resultavam das árvores estarem sem folhas e não absorverem tanto CO2. Segunda, este gás estava a aumentar porque o estamos a atirar para o ar a uma velocidade tão alucinante que o planeta está ficar ofegante.

 
Em 2005, o ano da morte de Charles Keeling, aos 77 anos, de ataque cardíaco, atingiam-se novos valores: 379 ppm, o nível mais alto desde há 650 mil anos. Há ainda que dizer que o CO2 na atmosfera oscilou entre as 200 ppm nos períodos frios, ou glaciares, e as 280 ppm nos períodos quentes, tanto quanto sabemos por bolhas de ar aprisionadas no gelo e por anéis das árvores. Que antes da revolução industrial, há 250 anos, os valores não passavam das 280 ppm. E que o aumento médio no final dos períodos glaciares foi de cerca de 80 ppm, só que isso demorava pelo menos cinco mil anos. Ora, em décadas as chaminés industriais lançaram o que geralmente, de forma natural, levava milénios. Desde 1850, quando os registos meteorológicos se tornaram sistemáticos, a subida média da temperatura do ar no planeta foi de 0,76 graus Celsius.
 
Os registos no Mauna Loa continuaram com o filho de Charles Keeling, o geólogo Ralph Keeling. E agora, na última leitura, de 5 de Maio, estavam nas 399,54 ppm. Dentro de dias deverão ser ultrapassadas as 400 ppm. "Se os níveis de CO2 não chegarem às 400 ppm em Maio de 2013, no próximo ano chegarão certamente", disse ao The Guardian Ralph Keeling."

Europa a um passo de uma política de pesca mais sustentável

Texto de Ricardo Garcia publicado prlo jornal Público em 15/05/2013.
"Ministros da UE de acordo quanto a proibir o desperdício de peixes e garantir a pesca com base em recomendações científicas.
Objectivo da reforma da política comum é garantir a pesca sustentável
A União Europeia está a um passo de uma nova política comum para as pescas, que promete reduzir o desperdício de peixes e garantir a prática sustentável da actividade.
 
Depois de uma noite de negociações, ministros dos Estados-membros da União Europeia chegaram na madrugada desta quarta-feira a um acordo para uma última ronda de negociações com o Parlamento Europeu, que já tinha emitido a sua opinião em Fevereiro.
 
Dois pontos centrais da reforma da política do sector são a definição da quantidade de peixes que se pode pescar e a proibição de despejar de volta ao mar as capturas indesejadas.
 
Até agora, as pescas são definidas através de quotas negociadas entre os Estados-membros, que normalmente estão acima do que os cientistas recomendam como sustentável. Na nova política de pescas, a baliza será o “rendimento máximo sustentável”, ou seja, uma quantidade tal de capturas que garanta a sustentabilidade dos stocks.
 
Os ministros da agricultura e pescas da UE chegaram a um acordo quanto a introduzir este conceito a partir de 2015, “onde possível”. Mas a posição do Conselho – o órgão que reúne os ministros europeus nas diversas áreas – ainda é diferente da do Parlamento: o primeiro defende que o “rendimento máximo sustentável” seja calculado pelo número de peixes efectivamente pescado e o segundo quer que a base seja a quantidade de peixes no mar.
 
Parlamento e Conselho estão de acordo quanto a proibir a prática de deitar de volta ao mar o peixe apanhado colateralmente ou que não tenha dimensão mínima. Os peixes terão de ser trazidos para terra, onde só poderão, no entanto, ser vendidos para alimentação animal. Mas poderá haver uma quota excepcional de 5% de descargas no mar.

O Conselho quer que a proibição entre em vigor em 2015, e não em 2014 como defendem os eurodeputados. “Não há tempo suficiente para pôr em prática em 2014”, disse, numa conferência de imprensa esta quarta-feira, o ministro irlandês da Agricultura, Alimentação e Pescas, Simon Coveney – que liderou as negociações em nome do Conselho, dado que a Irlanda detém actualmente a presidência rotativa da UE.
 
A proibição das descargas das capturas indesejadas entrará em vigor primeiro para os peixes que vivem mais à superfície da água – chamados “pelágicos” – como a sardinha, a cavala, a anchova e o arenque, estendendo-se mais tarde a outras espécies. “Ano após ano, iremos acabar com a prática de desperdiçar enormes volumes de peixes”, disse Simon Coveney.
 
Este é um dos pontos que mais preocupa Portugal, dado que a frota pesqueira nacional captura muitos peixes diferentes, sendo mais difícil reduzir a pesca acessória.
 
Outro ponto importante da reforma das pescas é o da regionalização, ou seja, a capacidade de os Estados-membros definirem a sua própria política, alinhada sempre pelos objectivos europeus para garantir a sustentabilidade do sector.
 
Obtido o acordo dos ministros europeus – quase por consenso, com excepção da Suécia –, o ministro irlandês da Agricultura irá agora negociar directamente com o Parlamento Europeu o texto final. “Estamos a um passo de um acordo final muito significativo para a política comum das pescas”, disse Coveney.

Notícia corrigida às 17h30: a quota excepcional de 5% refere-se a descargas no mar de peixe capturado colateralmente e não à sua venda em terra."

Cientistas clonaram células estaminais embrionárias humanas com a técnica da Dolly

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 15/05/2013.
"Um avanço considerado fundamental para a medicina e cujas potencialidades se espera há anos que se concretizem um dia.
Remoção do núcleo de um ovócito antes da transferência do núcleo de uma célula adulta
A aplicação à medicina humana da técnica que permitiu clonar, em 1996, a célebre ovelha Dolly, tinha ficado quase esquecida. Mas esta quinta-feira, na revista Cell, uma equipa de cientistas norte-americanos volta a pô-la na ordem do dia, revelando ter conseguido, pela primeira vez — e finalmente com sucesso, afirmam — clonar células estaminais embrionárias (CEE) humanas inserindo uma célula humana adulta num ovócito humano e provocando uma “fecundação” artificial.
O objectivo não é clonar seres humanos, mas apenas criar no laboratório, a partir das células do corpo de um doente (da pele, por exemplo), linhagens de CEE que possam ser usadas para gerar tecidos e órgãos em tudo compatíveis com esse doente, eliminando para sempre os problemas de rejeição imunitária associados aos transplantes.
Ao longo dos anos, foram feitos vários anúncios a proclamar o sucesso em humanos, com vista a aplicações terapêuticas, da técnica de clonagem da Dolly, dita de “transferência nuclear de células somáticas”. Mas tratou-se sempre de falsas partidas. Assim, em 2001, a empresa norte-americana Advanced Cell Technology disse tê-lo conseguido — mas os embriões só chegavam a ter quatro e seis células, pelo que ficavam numa fase muito mais precoce do que a do blastocisto, que é a fase em que o embrião já possui 150 células e contém as tão procuradas CEE. Outras empresas também tentariam, mas sem sucesso confirmado. Em 2005, houve mesmo um anúncio, que se revelaria fraudulento, do sul-coreano Hwang Woo-suk.

Entretanto, por causa dos problemas éticos relacionados com os embriões e a clonagem humana, houve cientistas que começaram a explorar outras vias de obtenção de células estaminais que não passassem pelo embrião, investigações que deram lugar às chamadas “células estaminais pluripotentes induzidas”, resultantes de uma reprogramação genética de células humanas adultas que as faz voltar, por assim dizer, à infância. Mas esta via continua ainda hoje a suscitar receios de que a reprogramação celular gere mutações que, se estas células forem introduzidas num doente, possam ser perigosas para a sua saúde.
 
Pelo seu lado, em 2007, os autores dos resultados agora anunciados — Shoukhrat Mitalipov, da Universidade de Saúde e Ciência do Oregon (EUA), e colegas — conseguiam aperfeiçoar a técnica de clonagem da Dolly e fazê-la funcionar, em poucos meses, nos primatas. Obtiveram então, pela primeira vez, culturas laboratoriais de células estaminais embrionárias a partir de células adultas de macacos Rhesus e de ovócitos desses animais (ver A clonagem chega ao mundo dos primatas e desta vez não é ficção, PÚBLICO de 15/11/2007).
 
São estes cientistas que anunciam agora o resultado com células humanas. “As pessoas perguntam-nos por que é que demoramos seis anos a passar dos macacos aos humanos”, diz Mitalipov, citado numa notícia publicada esta quarta-feira no site da revista Nature. A dificuldade não foi, esclarece, de ordem científica, mas de ordem legislativa, por causa dos obstáculos interpostos pela regulamentação norte-americana à investigação em embriões humanos.
 
Estes cientistas conseguiram ainda um outro avanço, que os faz acreditar que a clonagem possa realmente vir a ter utilidade terapêutica. O facto de terem sido necessários pouquíssimos ovócitos para gerar linhagens de CEE humanas. “Conseguimos produzir uma das linhagens de CEE a partir de apenas dois ovócitos humanos, o que poderá tornar viável a utilização terapêutica generalizada da técnica”, explicou Mitalipov à revista Cell. “Os nossos resultados abrem novas vias para gerar células estaminais para os doentes com tecidos e órgãos disfuncionais ou danificados. Estas células poderão regenerar e substituir aqueles tecidos ou órgãos e lutar contra doenças que afectam milhões de pessoas.”
 
Resta saber qual das duas abordagens — clonagem terapêutica ou reprogramação genética — acabará por prevalecer para obter as tão procuradas células estaminais que muitos acreditam possam revolucionar um dia a medicina. Talvez as duas? Ou talvez outra, ainda desconhecida? "

Vacina contra a heroína testada com sucesso em ratos toxicodependentes

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 06/05/2013.
"Se também funcionar no ser humano, a vacina poderá permitir neutralizar os subprodutos psicoactivos da heroína logo no sangue, antes deles penetrarem no cérebro.
Estima-se em mais de dez milhões o número global de pessoas viciadas na heroína
Uma equipa de cientistas do Instituto de Investigação Scripps (EUA) anuncia esta segunda-feira resultados promissores de um teste pré-clínico, em ratos de laboratório dependentes da heroína, de uma vacina contra esta droga. O estudo é publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
 
Já existem vacinas experimentais contra a cocaína, a nicotina ou a meta-anfetamina, explica aquele instituto em comunicado. E como as moléculas das drogas psicoactivas costumam ser demasiado pequenas para estimular, pela sua simples presença, a produção de anticorpos pelo organismo, essas vacinas são compostas por fragmentos-chave da droga em causa acoplados a proteínas, que são moléculas muito maiores e mais susceptíveis de provocar uma resposta imunitária.
 
No caso da heroína, porém, acrescia uma dificuldade: o facto de esta droga se desintegrar rapidamente no sangue, dando origem a um outro composto – chamado 6-acetilmorfina – que penetra no cérebro e é responsável por grande parte do efeito da heroína.
 
Agora, Joel Schlosburg e colegas parecem ter conseguido ultrapassar esse obstáculo, ao desenvolverem, nos últimos três anos, uma vacina "dinâmica" que estimula a produção de anticorpos dirigidos não apenas contra a heroína, mas também contra a 6-acetilmorfina e a morfina. “A vacina consegue seguir o rasto à droga à medida que ela é metabolizada, mantendo os subprodutos activos fora do cérebro”, diz Kim Janda, um dos co-autores do trabalho, citado pelo mesmo comunicado.
 
Mas os cientistas precisavam de testar efectivamente a eficácia da vacina. Por isso, administraram-na a ratos viciados na droga. "Demos a vacina a ratos que já tinha sido expostos à heroína, o que representa uma situação de evidente relevância para a clínica humana", comenta Schlosburg.
 
E mostraram assim que, mesmo em animais que já eram profundamente dependentes da droga – ao ponto de a auto-administrarem de forma compulsiva e em doses cada vez maiores –, a vacina fazia com que, quando esses animais eram desmamados e a seguir novamente expostos à heroína, já não tornavam a desenvolver esses comportamentos. “Os ratos heroinómanos privados da droga costumam retomar um comportamento compulsivo se voltarem a ter acesso a ela”, diz George Koob, um outro co-autor, “mas a nossa vacina impede que isso aconteça”. E, em grande parte, a vacina experimental também bloqueia, afirmam os autores, as propriedades analgésicas da heroína e os seus efeitos sobre os circuitos de recompensa cerebrais.
 
Mas como, por outro lado, ela não bloqueia os efeitos da metadona nem de outras substâncias utilizadas no tratamento da toxicodependência, “será em princípio possível administrá-la em simultâneo com as terapias convencionais”, salienta, pelo seu lado, Schlosburg.
 
Os cientistas pensam, portanto, que, se a vacina demonstrar eficácia em futuros ensaios clínicos no ser humano, poderá vir um dia a fazer parte da panóplia de tratamentos utilizados contra a dependência da heroína, que se estima afectar mais de 10 milhões de pessoas no mundo."

Alzheimer, retinopatia diabética e cancro na mira dos Prémios Bial

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 29/04/2013.
"Muitas doenças não surgem de repente, mas quando se declaram é tarde para agir. Este ano, a Fundação Bial recompensa trabalhos científicos focados no diagnóstico precoce e na prevenção de doenças devastadoras.
Peter St. George-Hyslop (à esquerda) e José Cunha-Vaz
A doença de Alzheimer, que rouba às vítimas memória e identidade; as retinopatias decorrentes da diabetes, consideradas uma das maiores causas de cegueira no mundo; e o cancro. Todas estas doenças começam por fases “silenciosas”, indetectáveis. Os seus sintomas clínicos podem demorar décadas a manifestarem-se.
Mas existem sinais precursores que, ao serem “apanhados” a tempo, poderiam permitir diagnosticá-las com suficiente antecedência — e, um dia, travá-las e mesmo curá-las. Todos os galardoados da edição 2012 dos prémios da Fundação Bial — um cientista canadiano, um português e dois espanhóis, cujos nomes são hoje divulgados — desbravaram novas abordagens na prevenção e no diagnóstico precoce de uma destas três doenças.

O Grande Prémio Bial de Medicina, no valor de 200 mil euros, vai para Peter St. George-Hyslop, da Universidade de Toronto (Canadá) e da Universidade de Cambridge (Reino Unido), investigador de renome mundial pelas suas descobertas sobre factores de risco genéticos para a doença de Alzheimer e outras doenças degenerativas do cérebro. Com a sua equipa, St. George-Hyslop identificou nomeadamente as primeiras “presenilinas” — uma família de proteínas cujo fabrico é comandado por genes cujas mutações são responsáveis pela maior parte dos casos de doença da Alzheimer familiar precoce.

Mas não só: também descobriu que as doenças neurodegenerativas em geral, e a doença de Alzheimer em particular, apresentam justamente longos períodos assintomáticos que podem ir até aos 15 anos. “Esta descoberta tem duas consequências essenciais”, escreve George-Hyslop na sua candidatura ao prémio. “Primeiro, representam uma oportunidade sem precedentes para detectar e tratar as pessoas em risco muito antes de se verificarem lesões cerebrais permanentes. Segundo, os estudos epidemiológicos revelam que se esta fase pré-sintomática pudesse ser prolongada por apenas mais cinco anos, o resultado seria uma redução de 50% do número de casos.”

O contemplado pelo Prémio Bial de Medicina Clínica, num montante de 100 mil euros, é José Cunha-Vaz, conhecido oftalmologista da Universidade de Coimbra e presidente da Associação para a Investigação Biomédica e Inovação em Luz e Imagem. “É geralmente aceite que muitos doentes diabéticos, mesmo passados muitos anos, nunca desenvolvem alterações da retina que ponham em causa a sua visão, mantendo uma boa acuidade visual”, escreve Cunha-Vaz.

“Mas há também doentes que só uns anos depois de se tornarem diabéticos apresentam uma retinopatia que progride rapidamente e pode não responder aos tratamentos disponíveis.” Era esse o grande desafio e a equipa de Cunha-Vaz conseguiu, nos últimos anos, caracterizar de forma mais precisa as fases iniciais da doença nos diabéticos, identificando diversos padrões de evolução associados a um maior ou menor risco de lesões graves e de cegueira.

Mais precisamente, os cientistas desenvolveram, por um lado, um software de análise de imagens digitais da retina e, por outro, uma técnica de imagem que permite quantificar as alterações da chamada “barreira hemato-retiniana” — alterações essas que a equipa mostrou “serem das mais precoces a ser detectadas na fase pré-clínica” da doença.

Por último, duas menções honrosas, no valor de 20 mil euros cada, foram atribuídas a Manel Esteller e a Pedro Medina, respectivamente do Instituto de Investigações Biomédicas de Bellvitge de Barcelona e da Universidade de Granada (Espanha). Ambos estudam o papel desempenhado no cancro, não pela própria molécula de ADN, mas por substâncias de estrutura semelhante: as pequenas moléculas de ARN, envolvidas na transmissão da informação genética contida no ADN para o local das células onde as proteínas são sintetizadas. E mostraram, cada um por seu lado, que as moléculas de ARN podem ser essenciais à progressão dos tumores cancerosos, ora promovendo o seu crescimento, ora contrariando-o. Estes trabalhos têm potenciais aplicações na detecção, prognóstico e tratamento do cancro.

A cerimónia de entrega dos prémios realizar-se-á no dia 14 de Maio no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto."

Estudo reitera haver consenso científico quanto ao aquecimento global

Texto de Ricardo Garcia publicado pelo jornal Público em 16/05/2013.
"Em 12.000 artigos científicos avaliados, 4000 tomam posição e 97% destes corroboram a tese da culpa humana.
Mais um estudo quantifica o consenso científico quanto à culpa humana no aquecimento global
Na discussão sobre se o aquecimento global está ou não a ser acelerado pelo homem, há um número já quase mítico: 97%. Pela terceira vez, um estudo chegou a esta percentagem para reafirmar que há um largo consenso científico quanto à tese da influência humana.
 
Publicado esta semana na revista Environmental Research Letters, o estudo baseou-se em cerca de 12.000 artigos publicados entre 1991 e 2011 em revistas com arbitragem científica, contendo os termos “aquecimento global” ou “alterações climáticas globais”.
 
Dois terços dos artigos (66%) tratam de temas relacionados com o aquecimento global, mas sem tomar qualquer posição sobre as suas causas. Dos restantes – ou seja, dos que tomam posição – 97% corroboram, directa ou indirectamente, a tese de que as actividades humanas são responsáveis por grande parte das alterações climáticas observadas nas últimas décadas.
 
Um inquérito conduzido em 2009 também chegara a um número semelhante: 97,5% dos climatologistas então ouvidos concordavam que as actividades humanas estavam a mexer com a temperatura média da Terra. Considerando todos os cientistas envolvidos no inquérito – e não só os climatologistas – a taxa caía para 82%.
 
Em 2010, o mesmo número voltou a aparecer noutro estudo: 97 a 98% dos climatologistas que mais publicam na área das alterações climáticas defendem a tese da influência humana.
 
O estudo agora publicado – de autoria de investigadores da Austrália, Estados Unidos, Reino Unido e Canadá – chegou mais uma vez aos 97%, por duas vias. Os cerca de 4000 estudos que tomam posição sobre as causas do aquecimento global foram classificados com base em conteúdos que permitissem dizer se defendem, rejeitam ou relevam dúvidas sobre aquela tese. Cada estudo foi classificado por duas pessoas diferentes.
 
Os próprios autores dos estudos foram também convidados a fazer o mesmo tipo de classificação. Neste caso, obtiveram-se respostas para cerca de 2100 estudos e o resultado foi o mesmo: em 97% dos casos o dedo é apontado às actividades humanas.
 
“Estes resultados são claramente consistentes com investigações anteriores”, afirma John Cook, do Instituto de Alterações Globais da Universidade de Queensland, na Austrália, num vídeo divulgado na Internet.
 
Cook está também à frente do site Skeptical Science, destinado a combater os argumentos dos chamados "cépticos” das alterações climáticas, que defendem posições contrárias às teses científicas vigentes sobre o tema.
 
A resposta dos “cépticos” não se fez esperar. Os populares blogues Watts Up With That? e JunkScience criticaram a ideia do consenso, quando dois terços dos estudos analisados não revelam qualquer opinião, acusando o artigo de praticar uma “matemática nebulosa”.
 
John Cook e os demais autores respondem antecipadamente no próprio artigo, dizendo que o facto de haver tantos estudos científicos que não mencionam as causas do aquecimento global era expectável e significa que esta dúvida não se coloca. “A ciência fundamental das alterações climáticas antropogénicas deixou de ser controversa entre a comunidade científica, e o debate remanescente sobre o tema foi desviado para outros tópicos”, justificam os autores.
 
John Cook acrescenta que é preciso aproximar o consenso científico da opinião pública, que nalguns países, especialmente nos Estados Unidos, ainda está muito dividida quanto ao tema. “Quando as pessoas compreenderem correctamente aquilo em que os cientistas estão de acordo, mais provavelmente apoiarão as políticas de mitigação das alterações climáticas”, afirma, no vídeo publicado no site Skeptical Science.
 
A tese da influência humana sobre o aquecimento global é aceite por praticamente todos os governos e por pelo menos 198 academias científicas, em todo o mundo, segundo uma lista compilada pelo governo do estado norte-americano da Califórnia."

China aprova barragem mais alta do mundo

Artigo publicado pelo jornal Público em 15/05/2013.
"Empreendimento irá produzir electricidade e permitir a construção de mais aproveitamentos hidroeléctricos.
 
As autoridades ambientais da China deram luz verde à construção da barragem mais alta do país e do mundo, apesar de reconhecer possíveis danos para a fauna e flora.
 
A barragem de Shuangjiangkou, na região de Sichuan, no Centro do país, terá 314 metros de altura, produzindo electricidade e regulando os caudais de água do rio Dadu, onde outros empreendimento hidroeléctricos estão previstos.
 
Segundo uma nota do Ministério do Ambiente chinês, citada pela agência Reuters, a avaliação de impacte ambiental do projecto está concluída e reconhece que o projecto terá efeitos negativos sobre plantas e peixes raros que existem na região. Reservas naturais serão também inundadas.
 
Apesar da altura da barragem, a albufeira que será criada não será tão grande. A sua capacidade de armazenamento de água corresponderá a três quartos do volume do Alqueva, em Portugal, e a apenas 8% do da barragem das Três Gargantas, também na China e que é o maior empreendimento hidroeléctrico do mundo.
 
As obras preliminares da barragem de Shuangjiangkou já tiveram início em 2008. A construção do paredão deverá, agora, estender-se por dez anos, custando o equivalente a 3,1 mil milhões de euros.
 
A barragem mais alta do mundo neste momento é a de Nurek, no Tajiquistão, com um paredão de 300 metros de altura.
 
A China está a investir forte na produção hidroeléctrica, num esforço para reduzir a dependência energética dos combustíveis fósseis, especialmente o carvão. As fontes não-fósseis de energia, que representavam 9,4% do bolo energético, deverão subir para 15% até 2020."

Reactor nuclear japonês fica sobre falha geológica activa

Texto de Clara Barata publicado pelo jornal Público em 15/05/2013
"Reveladas as primeiras recomendações sobre a segurança das centrais nucleares japonesas.
Central nuclear de Tsuruga, onde um dos reuters fica sobre uma falha geológica activa
 
Um dos dois reactores da central nuclear de Tsuruga, na costa ocidental do Japão, está sobre uma falha geológica activa e por isso deve ser encerrado definitivamente, recomendou uma comissão de sismólogos. E um reactor onde se fazem experiências de reciclagem de combustível nuclear é tão inseguro que nunca mais deve abrir portas, dizem os peritos. Começam a abrir-se as portas dos primeiros encerramentos definitivos de centrais nucleares no Japão desde a crise em Fukushima, em 2011.
 
Neste momento, apenas dois dos 50 reactores nucleares japoneses estão a funcionar. A indústria nuclear civil está a ser alvo de uma revisão de segurança, depois de o acidente da central de Fukushima ter revelado que havia uma grande falta de vigilância no sector. O encerramento das centrais nucleares, no entanto, pesou de forma inédita na economia japonesa – fez com que o seu habitual superavit passasse a défice, por ter de importar combustíveis fósseis. O actual Governo de Shinzo Abe gostaria de ver as centrais nucleares voltar a funcionar o mais rapidamente possível, e os industriais também.
 
Mas o Japão é um dos países com maior actividade sísmica do mundo. Os primeiros resultados da avaliação de segurança começam a ser divulgados. Nesta quarta-feira, a comissão de sismólogos revelou o seu parecer de que a falha geológica conhecida como D-1, que fica sob a central de Tsuruga, a mais antiga do Japão, está activa.
 
“Os níveis de segurança [em Tsuruga] têm sido baixos. Só por sorte é que não houve um acidente”, disse Kunihiko Shimazaki, o presidente da comissão e comissário da nova Autoridade de Regulação da Energia Atómica japonesa – criada após o acidente de Fukushima em resposta às críticas ao antigo regulador, considerado demasiado próximo da indústria nuclear –, a entidade que deverá aconselhar o Governo a mandar encerrar as centrais que não tiverem condições.
 
A empresa que explora a central, a Japan Atomic Power, reagiu mal e acusou os cientistas de serem preconceituosos. “Lamentamos profundamente que tivessem chegado a essa conclusão, que nos é impossível de aceitar. Pedimos à comissão de peritos que cheguem a uma conclusão diferente depois de reverem os dados existentes com um ponto de vista neutro e uma discussão com base estritamente científica.”

Há outras cinco centrais nucleares que podem estar assentes sobre falhas geológicas activas.
 
Outro grupo de geólogos aconselhou também nesta quarta-feira à nova Autoridade de Regulação da Energia Atómica japonesa a não permitir que seja reactivado o reactor experimental de Monju.
 
Aquele reactor, em utilização há quase 50 anos, segundo a Associated Press, usa plutónio e não urânio como combustível. O objectivo é tentar obter um ciclo de combustível nuclear auto-sustentável. A ideia é reciclar o urânio e o plutónio do combustível já utilizado nos reactores das centrais e juntá-lo num produto híbrido (MOX).
 
Além de poupar dinheiro, evitar-se-ia enviar o combustível nuclear para o estrangeiro, para centrais onde é reciclado ou guardado – em viagens em que pode haver sempre o risco de ser desviado e haver proliferação nuclear, e em que é costume haver protestos de ambientalistas. A central de Rokkasho, no Norte do Japão, foi construída com esse fim e têm lá sido feitos ensaios, tal como em Monju.
 
Mas os ensaios não têm corrido muito bem, e houve acidentes graves em Monju, como em 1995, e problemas técnicos em Rokkasho. Há também suspeitas de que o reactor de Monju esteja situado sobre falhas geológicas activas e que exista o perigo de terramotos, tal como em Tsuruga – que, aliás, não fica longe.
 
Os cinco peritos da comissão de sismólogos que emitiu agora a sua opinião consideram que a operadora da central de Monju, a Agência de Energia Atómica do Japão, “não tem capacidade para garantir de forma suficiente a segurança”. “Apesar das lições que aprendemos após o acidente de Fukushima, parece que a cultura da segurança ainda é insuficiente no Japão”, comentou Shunichi Tanaka, secretário da Autoridade de Regulação da Energia Atómica japonesa, citado pela Associated Press.
 
“Repetiram os mesmos erros, apesar de dizerem que estavam a analisar a raiz dos problemas. Penso que não têm uma compreensão fundamental do que é a segurança”, disse ainda Shunichi Tanaka, secretário da Autoridade de Regulação da Energia Atómica japonesa."

Da bica ao croquete, um exemplo de reciclagem

Texto de Ricardo Garcia publicado pelo jornal Público em 05/05/2013.
"Reaproveitamento da borra de café para produzir cogumelos inspira vários projectos.
 
Da bica ao prato, reutilizando a borra do café
 
Os cogumelos surgem como se brotassem de um tronco de árvore

 
Há um distribuidor de clássicos do cinema norte-americano que, por causa de uma ideia surgida em África, agora transforma bicas em croquetes na Holanda. Estranho? Bem-vindos ao mundo da reciclagem do café.
 
É num armazém meio escondido entre sebes, numa pequena propriedade rural perto de Alkmaar, 60 quilómetros a norte de Amesterdão, que Jan Willem Jansen, dono da distribuidora Ignite Films, põe em prática a sua ideia.
 
Ali dentro, em câmaras especiais que garantem a temperatura e a humidade certas, produzem-se 350 quilos de cogumelos por semana, aproveitando um lixo que qualquer mortal urbano conhece bem: a borra do café.
 
Não é um projecto pioneiro. Há já muitas iniciativas semelhantes, inclusive em Portugal. Mas neste caso, conseguiu-se juntar elos suficientes para se obter um ciclo completo, em que a própria rede de cafés e restaurantes que se quer desfazer daqueles resíduos adquire e revende o produto da sua reciclagem.
 
A ideia nasceu de um problema. Desde 1999 que a mulher de Jan Jansen mantém um orfanato com 72 crianças no Zimbabwe. Confrontada com a dificuldade de acesso a produtos básicos, a instituição começou a plantar parte da sua comida, incluindo cogumelos, cultivados num substrato de palha de café. Numa visita ao local, Jan Jansen imaginou que seria possível adaptar a ideia à realidade da Holanda, onde, como em qualquer país europeu, diariamente são servidos milhões de cafés.
 
Daí nasceu a Green Recycled Organics (GRO), que agora processa semanalmente 2500 quilos de borra de café, recolhidos em restaurantes da rede holandesa La Place, com quem foi estabelecida uma parceria.
 
Os próprios restaurantes separam o material em baldes plásticos, que depois são recolhidos e encaminhados para a GRO, perto de Alkmaar. A partir daí, o processo é simples. Ao pó já usado são adicionados esporos de cogumelo ostra (Pleurotus ostreatus). A mistura fica a incubar durante quatro semanas, em grandes sacos plásticos cilíndricos, pendurados numa espécie de estufa. Depois, passam para outro recinto onde, em dez dias, de cortes feitos nos sacos vão emergindo os cogumelos, como se brotassem de um tronco de árvore.
 
A colheita é vendida a 5-6 euros o quilo para a própria rede La Place, que a utiliza ou revende. A GRO dá ainda um passo suplementar, produzindo croquetes vegetarianos com os cogumelos, com uma marca própria, que também vai parar aos pratos e prateleiras da La Place.
 
Na prática, uma bica tomada num dos seus restaurantes acaba por retornar sob a forma de novo alimento. “Isto é a economia circular”, resume Jan Jansen.
 
70.000 toneladas
A quantidade de pó que sai da máquinas de café e vai normalmente para o lixo não é insignificante. Em Portugal, este tipo de resíduos soma algo entre 65 e 70 mil toneladas por ano, segundo João Cavaleiro, que desde 2012 mantém um projecto semelhante à GRO. Neste caso, são pequenas caixas vendidas em lojas gourmet e outros estabelecimentos, com a borra de café já inoculada com os esporos e pronta a produzir.
 
A ideia é pôr os cidadãos a produzirem os cogumelos em casa. “Serve também para combater uma cerca micofobia [aversão aos fungos] que existe em Portugal”, afirma Cavaleiro, um biólogo de 32 anos que se juntou a mais dois parceiros, Tiago Marques e Rui Apolinário, neste projecto nascido em Almeirim.
 
Por mês são recolhidas cerca de duas toneladas de borra nos restaurantes da região, que resultam em 1500 a 1600 caixas EcoGumelo.
 
Seja em grandes sacos ou pequenas caixas, depois dos cogumelos terem sido colhidos, a borra volta a se transformar num resíduo, que no entanto pode ser utilizado em vasos ou hortas. “É um bom fertilizante”, diz Fernando Castro, de outra empresa portuguesa que produz caixas para a produção doméstica de cogumelos, a CogusBox. São 300 por semana, cada qual contendo um quilo de borra de café, mas também restos de cartão e de rolhas, que também são bons substratos. “Há empresas que pagam para se verem livres do cartão”, afirma Fernando Castro.
 
A reciclagem – ou antes reutilização – dos produtos associados a uma simples bica também se estende às embalagens, como as que Alessandro di Lella, um holandês filho de italiano, recolhe junto de diversos estabelecimentos de restauração em Haia. Uma vez limpas, abertas e alisadas, são costuradas em forma de malas e sacolas, vendidas como artigos de moda, a preços que começam nos 20 euros.
 
“Se enviássemos isso para ser produzida algures na China, custaria menos”, diz Lella. “Mas dessa forma não estaríamos a salvar o ambiente”."