sábado, 16 de junho de 2012

Vasos sanguíneos humanos a três dimensões criados em laboratório

Artigo escrito por Nicolau Ferreira, jornalista do Público.

O sistema circulatório estende-se por todo o corpo, com o sangue a movimentar-se numa rede de veias, artérias, capilares. Leva oxigénio e nutrientes às células, transporta moléculas tóxicas que têm de ser expelidas e serve de meio de comunicação hormonal. É uma rede tridimensional que não pode falhar, mas que ainda não se compreende totalmente como funciona. Uma equipa de cientistas conseguiu agora criar uma rede de capilares humanos num suporte tridimensional, com sangue a fluir. Além de permitir estudar estes processos, os vasos podem servir para testar novas terapias.

Microvasos sanguíneos formados num molde, no qual se tinham colocado células endoteliais humanas (a vermelho)

“Podemos dissecar realmente o que acontece na ligação entre o sangue e o tecido, e olhar como é que as doenças [do sangue] começam a progredir e desenvolver terapias eficientes”, disse Ying Zheng, uma das autoras do trabalho, da Universidade de Washington, nos EUA.

O trabalho, publicado ontem na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences, começa por explicar que os capilares — os vasos mais pequenos de transporte circulatório — são “um órgão extenso que medeia as interacções entre os tecidos e o sangue”. Antes, já se tinha produzido este sistema vascular numa estrutura bidimensional, mas esse modelo está longe da estrutura tridimensional e complexa que existe nos organismos vivos.

Ying Zheng e colegas tentaram, por isso, produzir um sistema tridimensional de capilares sanguíneos com a espessura de um fio de cabelo. Para tal, a equipa utilizou um molde de colagénio, uma proteína que existe na matriz extracelular de muitos tecidos, como a cartilagem e os tendões. Nos espaços dentro desta matriz, foram introduzidas células humanas endoteliais, que formam a parede interna dos vasos sanguíneos. Ao fim de duas semanas, estas células organizaram-se e criaram uma rede de canais da espessura de um fio de cabelo (100 micrómetros) no molde rectangular.

No corpo, os capilares estendem-se até ao extremo dos tecidos. As células endoteliais que formam a parede destes vasos têm ligações especiais entre elas, que permitem manter a estrutura do tubo, mas também deixam que o oxigénio e outras moléculas atravessem as paredes. Este fenómeno é necessário para que haja comunicação entre os tecidos e o sangue.

Os cientistas verificaram que nos vasos sanguíneos, produzidos in vitro, as ligações entre as células endoteliais eram equivalentes às que existem no corpo humano. Mais, conseguiram promover a formação de novos vasos, injectando no colagénio células nervosas que produzem substâncias que promovem este crescimento.

Quando colocaram sangue dentro dos vasos, verificaram que as células sanguíneas eram transportadas sem entraves, até pelos cantos da estrutura de colagénio. Testaram ainda compostos inflamatórios, produzidos quando há ferimentos, e viram que o sangue in vitro entra num processo de coagulação, tal como no corpo.

“Com este sistema podemos dissecar cada componente ou colocar todos os componentes da circulação juntos. É uma coisa boa, pois permite isolar os componentes biofísicos, bioquímicos e celulares. Como é que as células endoteliais respondem ao fluxo de sangue ou a diferentes químicos? Como é que interagem com os tecidos envolventes e como é que esta interacção afecta a barreira que as células endoteliais formam?”, questiona Ying Zheng.

A investigação também é importante para o estudo do cancro. Um dos passos fundamentais para um tumor se alastrar envolve a circulação. À medida que o tumor aumenta, promove o crescimento de vasos que trazem sangue e nutrientes, que alimentam o cancro. Mas que também possibilitam que células cancerosas entrem na circulação e se alojem noutros locais do corpo, provocando metástases. A equipa injectou no molde proteínas que os tumores produzem e verificou que a parede dos capilares se tornou mais permeável, como ocorre nos cancros.

Além do estudo de doenças e do teste de fármacos, este modelo pode vir ainda a ser desenvolvido para produzir transplantes médicos do sistema circulatório. "

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