segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Segurança de técnica experimental de FIV com três "progenitores" posta em causa

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 20/09/2013
A nova técnica de fertilização in vitro, destinada a evitar certas doenças genéticas graves, está gerar controvérsia.
Nova técnica ainda longe de estar pronta para uso clínico, afirmam especialistas
A revista Science publica esta sexta-feira um texto, assinado por três biólogos, que alerta para os riscos que uma nova técnica de procriação medicamente assistida, dita de “substituição mitocondrial”, poderá apresentar para a saúde de futuros bebés.
 
Recorde-se que, em Junho passado, o Governo britânico anunciou que iria elaborar directivas destinadas a permitir que, dentro de dois anos, os serviços de procriação medicamente assistida do Reino Unido pudessem começar a oferecer aos casais uma técnica destinada a evitar doenças genéticas graves associadas a defeitos do ADN das mitocôndrias, as "baterias" das células.
 
As mitocôndrias possuem um bocadinho de ADN próprio e as mutações nesse ADN podem acarretar uma série de doenças: diabetes, surdez, problemas oculares e gastrointestinais, doenças cardíacas, demência. Estima-se que uma em cada 6500 crianças seja afectada por este tipo de mutações.
 
Ora, devido à forma de transmissão hereditária das mitocôndrias – que passam exclusivamente da mãe para os seus futuros filhos via o citoplasma (a "clara") do ovócito –, basta “trocar” de citoplasma para substituir as mitocôndrias mutantes por mitocôndrias normais.
 
Mais concretamente, antes da fecundação, transfere-se o núcleo do ovócito da futura mãe (que contém 99% do ADN total da célula materna) para um ovócito cujo citoplasma contém mitocôndrias saudáveis, doado por outra mulher e previamente esvaziado do seu próprio núcleo. A futura criança terá assim três "progenitores" – um homem e duas mulheres. A técnica de substituição mitocondrial já foi testada com êxito em macacos-rhesus.
 
Porém, Klaus Reinhardt, da Universidade de Tubinga (Alemanha), Damian Dowling, da Universidade Monash (Austrália), e Edward Morrow, da Universidade de Sussex (Reino Unido), afirmam agora que os debates éticos e científicos em torno da nova técnica têm eclipsado uma análise mais cuidada dos riscos potenciais associados para a saúde humana.
 
Estes especialistas salientam, em particular, que a substituição mitocondrial pode “modificar profundamente os padrões de expressão dos genes nucleares [o resto do ADN, situado no núcleo das células], afectando uma leque de traços importantes tais como o desenvolvimento individual, o comportamento cognitivo e parâmetros-chave da saúde”. Por isso, antes de se passar para a aplicação clínica, afirmam, são precisos mais estudos em animais.
 
Os defensores de uma passagem rápida da técnica para o ser humano argumentam, pelo seu lado, que os eventuais riscos são pequenos face às doenças que a nova técnica permitiria evitar. A isso, os três autores respondem, que embora “algumas famílias afectadas pelas doenças mitocondriais possam estar mais dispostas a correr riscos, outras, que tiveram crianças com sintomas menos graves (...), poderão querer esperar por uma clarificação empírica dos riscos envolvidos”.

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