sábado, 30 de março de 2013

Identificadas dezenas de mutações associadas a três tipos de cancro

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 28/03/2013.
"Vários milhões de cancros da mama, do ovário e da próstata são diagnosticados por ano no mundo. As raízes genéticas da susceptibilidade a estas doenças começam a ser delineadas de forma sistemática.
Os cientistas querem determinar quais os indivíduos que apresentam maior risco de desenvolver diversos cancros
Uma lista de recém-identificadas "gralhas" genéticas que podem fazer aumentar o risco de desenvolver cancros da mama, do ovário ou da próstata é publicada hoje. No seu conjunto, são nove os artigos que reportam colectiva e simultaneamente, na revista Nature Genetics e noutras como a Nature Communications ou a Plos Genetics, a descoberta, no ADN humano, de 67 erros de ortografia pontuais que podem influenciar o aparecimento destes cancros.
 
Mais de dois milhões e meio de novos casos de cancro da mama, do ovário e da próstata são diagnosticados por ano em todo o mundo. A taxa de mortalidade ronda os 30%.
 
Os autores dos estudos agora publicados integram um superconsórcio internacional: o COGS (Collaborative Oncological Gene-environment Study). O objectivo do COGS, que envolve mais de 160 equipas científicas do mundo inteiro, incluindo de Portugal - e entre cujos maiores financiadores se encontra a União Europeia (UE) -, é "identificar os indivíduos que apresentam um risco acrescido face a estes cancros, de forma a conseguir reduzir o número de pessoas nas quais eles venham a ser diagnosticados", lê-se no site do COGS, em http://www.cogseu.org. E ainda "identificar os factores genéticos e de estilo de vida associados a certos subtipos de tumores e que influenciam o prognóstico".
 
Cem mil pessoas com cancro da mama, do ovário ou da próstata e cem mil pessoas saudáveis participaram nos estudos agora divulgados, que consistiram em analisar 200 mil localizações da molécula de ADN e em registar as diferenças genéticas pontuais ali detectadas entre as pessoas doentes e as pessoas sem cancro. Ou seja, as "gralhas" em que uma das quatro "letras" que compõem o alfabeto do ADN foi substituída por outra nas pessoas com cancro.
 
No que respeita ao cancro da mama, foram assim encontradas 41 novas mutações associadas à doença - até agora, conheciam-se 27. Três gralhas inéditas foram identificadas no cancro do ovário. E o estudo do cancro da próstata - no qual participou o Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto - permitiu descobrir 23 novas mutações pontuais relevantes, o que eleva a mais de 70 o número total de erros ortográficos genéticos catalogados que poderão fazer aumentar o risco de contrair este cancro.
 
"Os trabalhos agora publicados na revista Nature Genetics constituem o maior estudo de sempre sobre susceptibilidade genética para os cancros da próstata, mama e ovário, tanto em número de variantes genéticas testadas simultaneamente como em número de doentes e controlos estudados", disse ao PÚBLICO Manuel Teixeira, director do Serviço de Genética e do Centro de Investigação do IPO do Porto, de cuja equipa fazem parte Paula Paulo e Sofia Maia, as duas co-autoras portuguesas do artigo sobre cancro da próstata. "Só um estudo multicêntrico desta envergadura, com financiamento da UE, tornou possível a descoberta de um número tão significativo de factores de risco genéticos."
 
Participação portuguesa
A equipa portuguesa realizou o perfil genético de 187 homens com cancro da próstata e um igual número de dadores de sangue saudáveis. "Os doentes portugueses foram seleccionados por terem cancro da próstata diagnosticado em idade jovem (antes dos 65 anos) ou por apresentarem uma história familiar da doença, o que aumenta a probabilidade de se detectarem variantes genéticas associadas ao risco de cancro da próstata clinicamente agressivo", diz Manuel Teixeira.
 
No total, o consórcio internacional estudou mais de 25 mil doentes com cancro da próstata e quase 25 mil homens saudáveis. E os resultados permitem dizer que, "neste momento, já foram identificadas variantes genéticas que explicam até cerca de 30% do risco familiar de cancro da próstata", salienta Manuel Teixeira.
 
É só o início, mas os cientistas do COGS já têm uma ideia do número total de mutações pontuais a descobrir nos cancros da mama e da próstata. "Conseguimos determinar quantos SNP [mutações pontuais] adicionais poderão influenciar os cancros da mama e da próstata: mil no primeiro caso e 2000 no segundo", diz Per Hall, do Instituto Karolinska e coordenador do COGS, num comunicado daquela instituição sueca. "E também temos uma boa ideia de onde no genoma é que vamos ter de procurar no futuro."
 
Os trabalhos também "permitiram identificar a existência de regiões de susceptibilidade comuns aos três tipos de cancros", explica a Nature Genetics, "o que sugere que estas doenças partilham uma base e um mecanismo genéticos comuns."
 
No futuro, diz por seu lado Manuel Teixeira, "estas descobertas vão conduzir a uma melhor estratificação do risco de cancro a nível populacional, permitindo recomendar rastreio a quem tem risco mais elevado". E, embora cada uma das variantes descobertas tenha um efeito relativamente pequeno, calcula-se que a fracção de 1% da população com o maior número deste tipo de variações genéticas "pode ter um risco de cancro até cinco vezes superior ao da média da população geral". Por isso, se for possível concentrar as medidas de rastreio nos indivíduos de maior risco, conclui Manuel Teixeira, "aumenta-se a eficiência da utilização dos recursos existentes e torna-se possível diagnosticar mais precocemente o cancro e reduzir a sua mortalidade." "

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