quinta-feira, 27 de junho de 2013

Sequenciado genoma de cavalo com 700 mil anos, o mais antigo de sempre

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 27/06/2013.
 
Em cima, um cavalo de Przewalski, subespécie que se sabe agora ser 100% selvagem; ao lado, os ossos fossilizados do cavalo com 700 mil anos cujo genoma acaba de ser sequenciado
"Uma equipa internacional de cientistas fez agora algo que era considerado impossível por muitos especialistas: obteve o primeiro "rascunho" da totalidade do genoma de um fóssil de cavalo com cerca de 700 mil anos de idade. Os seus resultados são publicados hoje na revista Nature e multiplicam por cerca de 10 a idade dos fósseis mais antigos a partir dos quais é possível extrair ADN (o genoma mais antigo até aqui, sequenciado em 2012, era o de uma espécie de homens arcaicos, os Denisovanos, que viveram na Sibéria há uns 80 mil anos).
 
A "saga" do cavalo começou em 2003 com a descoberta pela equipa - liderada por Ludovic Orlando e Eske Willerslev, da Universidade de Copenhaga, Dinamarca -, no solo eternamente gelado do Yukon, território canadiano na fronteira com o Alasca, de fragmentos de um osso fossilizado do pé de um equídeo ancestral. Devido às condições de frio extremo, o ADN dos fósseis fora preservado desde o início do Pleistoceno Médio, há entre 800 mil e 125 mil anos, época em que mamíferos como mamutes, mastodontes, camelos, ursos, hienas, chitas, lobos, alces, grandes gatos - e também cavalos - reinavam nas grandes extensões da América do Norte.
 
O trabalho de sequenciação genética não foi fácil, uma vez que o ADN dos fósseis tinha, apesar de tudo, sofrido os embates do tempo, fragmentando-se e ficando contaminado, ao longo dos milénios, pelo ADN de microorganismos. Mas graças às mais avançadas técnicas, explica a Universidade de Copenhaga em comunicado, ao fim de três anos os cientistas acabaram por reconstituir o genoma inteiro, como se de um puzzle se tratasse. Este primeiro "rascunho" ainda não possui a resolução suficiente para revelar em pormenor a história evolutiva do género Equus - que inclui os cavalos, os burros e as zebras -, mas as primeiras conclusões agora apresentadas deixam antever, segundo os autores, o tipo de descobertas que poderão vir a ser feitas no futuro.
 
Estes cientistas compararam o genoma vindo do fóssil de cavalo com 700 mil anos com os genomas de outro fóssil de cavalo, este com 43 mil anos, de seis cavalos actuais e de um burro. E descobriram, antes de mais, que o último antepassado comum a todos os equídeos modernos viveu há entre quatro milhões e quatro milhões e meio de anos - ou seja, há duas vezes mais tempo do que se pensava.
 
Uma outra descoberta foi que o tamanho das populações de cavalos sofreu grandes flutuações, ao sabor das alterações climáticas. "Era bom ser um cavalo quando estava frio e muito mau quando estava calor", resumiu com humor Willerslev em conferência de imprensa organizada pela Nature.
 
Os resultados incluem mesmo "um final feliz", lê-se no comunicado: vêm finalmente resolver a questão de saber se os chamados cavalos-de-przewalski são ou não genuinamente selvagens. E a resposta da genética é... afirmativa: a linhagem destes animais, ameaçados de extinção e dos quais só restam hoje no mundo dois milhares de exemplares (ver Últimos cavalos selvagens do planeta vivem no Alentejo, PÚBLICO de 30/8/2010), divergiu da dos cavalos domésticos há cerca de 50 mil anos. "Uma das questões era a de saber se estes cavalos se tinham misturado com os cavalos domésticos", disse Willerslev aos jornalistas, "mas agora sabemos que eles são basicamente 100% selvagens - e que vale a pena preservá-los, porque são os últimos representantes vivos dos cavalos selvagens."
 
E qual terá sido o aspecto do cavalo há 700 mil anos?. "Ainda não temos muita informação morfológica", respondeu Orlando, "mas sabemos que não era um tipo de cavalo diferente dos actuais. E parece ter sido um cavalo de grande porte". Mas terá sido um bólide como os cavalos de corrida actuais? "Os genes que fazem dos cavalos de hoje máquinas de correr não estavam presentes no genoma do cavalo há 700 mil anos", frisa o cientista. "Portanto, mesmo que fossem rápidos, essa característica teria dependido de genes diferentes dos de hoje."
 
Last but not least: num comentário na Nature um especialista australiano e um neozelandês escrevem que os resultados abrem caminho para a possibilidade de recuar ainda mais no tempo na evolução humana, através da sequenciação genética de homens primitivos, como o Homo erectus, que surgiram na Terra há quase dois milhões de anos."

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