terça-feira, 11 de junho de 2019

O que são células CAR-T?



A terapia com células T é centrada nos linfócitos T, células do nosso sistema imunitário, que são geneticamente modificadas em laboratório para identificar com mais eficácia células malignas que contenham determinadas proteínas. Com este sistema de identificação mais apurado, o nosso sistema imunitário é capaz de desencadear um ataque às células cancerosas. Assim, aos linfócitos T é adicionado um receptor artificial, denominado “receptor quimérico de antigénio”, ou CAR na sigla em inglês, que permite a identificação dos antigénios (moléculas estranhas ao organismo e que, por isso, desencadeiam uma resposta imunitária) específicos das células cancerosas. Diferentes cancros têm diferentes antigénios, por isso cada CAR é feito para um antigénio específico. Por exemplo, alguns tipos de leucemia ou linfoma têm um antigénio chamado CD19. Neste caso, o tratamento passa por tornar estas células capazes de se ligar a este antigénio específico e não funciona noutros cancros com outros antigénios.

Como é feita esta terapia?

Após a referenciação de um doente que obedece a critérios específicos, há a recolha de linfócitos T (glóbulos brancos) através de um processo chamado leucoferese. São as próprias células do sistema imunitário do doente que vão ser geneticamente modificadas e reinseridas no seu organismo.

Entre outras etapas, as células são submetidas a uma alteração que passa pela introdução de um novo gene que contém uma proteína específica, o tal receptor quimérico de antigénio ou CAR que consegue direccionar as células T para atingir e destruir células que têm o antigénio CD19 na superfície. É como se colocássemos nos glóbulos brancos uma espécie de íman para detectar e destruir um veneno específico. Alguns dias antes do transplante das células CAR-T, o paciente pode receber quimioterapia para ajudar a diminuir o número de outras células do sistema imunitário, um procedimento que pode garantir mais eficácia das células CAR-T no combate ao cancro.

O que está actualmente aprovado pelas autoridades de saúde?

Actualmente, existem duas terapias com células CAR-T aprovadas, com três indicações: uma é para leucemia linfoblástica aguda de linfócitos B em fase avançada ou recidiva em crianças e adultos jovens e as outras duas são para linfomas de linfócitos B avançados, que são tipos de linfomas não-Hodgkin. As terapias, comercializadas pelas empresas Gilead e Novartis, foram aprovadas em 2017 nos EUA pela FDA e, em Agosto de 2018, pela EMEA, a agência que regula o mercado na Europa. Apenas o medicamento da Novartis está aprovado para indicação pediátrica, mais especificamente para o tratamento de doentes pediátricos e jovens adultos até aos 25 anos com leucemia linfoblástica aguda de linfócitos B refractária, em recidiva após transplante ou em segunda recidiva ou posterior.

Esta terapia pode ser usada noutros tipos de cancro? Em tumores sólidos?

Há outras terapias com células CAR-T para tratar diferentes tipos de cancro e que estão actualmente disponíveis apenas em ensaios clínicos. Na plataforma clinicaltrials.gov encontra-se uma lista de mais de 800 estudos actualmente em curso, concluídos ou prestes a arrancar. Uma das áreas mais avançadas diz respeito ao mieloma, uma doença maligna da medula óssea, mas há vários estudos que estão a testar a eficácia destas células em vários tumores sólidos.

A terapia tem efeitos secundários?

As primeiras quatro semanas após a administração das células geneticamente modificadas são críticas. É neste período que os efeitos secundários desta terapia são mais gritantes, principalmente quando as células CAR-T se multiplicam para combater a doença. Além de sintomas como febre e baixa pressão arterial, a terapia pode provocar o que os clínicos chamam uma “tempestade de citocinas” (moléculas que actuam na resposta imunitária). Podem assim surgir efeitos colaterais graves, que incluem neurotoxicidade e danos no sistema nervoso central levando o doente a um estado de coma ou mesmo à morte. É, portanto, um tratamento com riscos consideráveis e, por isso, é uma terapia de fim de linha e só possível aplicá-la em doentes que cumpram determinados critérios.

Quem são os candidatos a esta terapia?

Nem todos os doentes com linfoma não-Hodgkin ou leucemia (dos tipos já referidos) são candidatos a este tratamento. É preciso também que já tenham passado por duas linhas de tratamento de quimioterapia e que, naturalmente, essas soluções não tenham tido sucesso. Ou seja, por um lado, é uma terapia para as “versões” mais agressivas destes tipos de cancro e que resistem aos tratamentos, mas, por outro lado, não podem ser demasiado agressivos dado que os doentes têm de reunir algumas condições mínimas – boas condições cardíacas e não ter nenhum órgão a falhar, por exemplo – para aguentar esta terapia.


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