segunda-feira, 6 de junho de 2016

Inverno húngaro terá impedido conquista pelos mongóis da Europa Ocidental


Ficou gravado nos anéis de crescimento das árvores: no início de 1242, o Inverno foi muito rude na Hungria. Uma análise deste “arquivo natural” do clima poderá explicar em parte um velho mistério histórico: a razão pela qual o Império Mongol nunca se expandiu para a Europa Ocidental.


Representação de um cavaleiro mongol numa exposição sobre Genghis Kahn em Singapura.

Imagem de microscopia dos quatro anéis mais exteriores de uma amostra histórica de carvalho utilizada no estudo.


Viga de pinheiro de uma construção histórica no Sul da Polónia

Winter is coming” (“Vem aí o Inverno”), vaticinava Ned Stark, senhor da casa Stark dos reinos de Westeros, no primeiro episódio da série televisiva Guerra dos Tronos. Essa frase, que se tornaria um leitmotiv na série (e fora dela), resumia a ameaça que pairava sobre aquele continente fictício – o mais a oeste do mundo imaginado pelo escritor norte-americano George R.R. Martin –, onde o clima e a duração das estações do ano eram imprevisíveis e o mau tempo um dos piores inimigos da humanidade.

Pode parecer estranho, mas, com base nas conclusões de um estudo científico agora publicado, é possível estabelecer um contraponto entre esta pura fantasia e a história do Império Mongol, o maior império de sempre (em termos da extensão de terras contíguas que o compunham). E mais precisamente, ligar essa saga literária a um mistério histórico de longa data: a súbita interrupção, em meados de 1242 da nossa era, da conquista da Hungria Ocidental pelo exército, liderado por Batu, neto de Genghis Kahn, que invadiu a região vindo das estepes euroasiáticas via Rússia e após anos de conquistas vitoriosas que começaram, em 1206, sob a liderança do próprio Genghis Kahn.

Onde reside essa ponte entre ficção e realidade? No facto que, segundo se depreende do novo trabalho realizado por dois cientistas, se os líderes mongóis tivessem tido consciência, tal como os habitantes de Westeros, de que o mau tempo pode derrotar até ao mais poderoso exército, talvez não se teriam lançado na conquista húngara.

Há outra coisa ainda que poderia ter alertado os mongóis para o desfecho negativo da sua campanha: o próprio facto de o rio Danúbio ter congelado devido ao rigor excepcional do Inverno naquela região no início de 1242. Mas o que era na realidade um muito mau prenúncio foi, ironicamente, o que permitiu uma fácil travessia do rio pela cavalaria mongol e as suas pesadas máquinas de guerra.

Claro que, como parece óbvio, os mongóis não faziam ideia de que o clima podia deitar a sua estratégia bélica abaixo, tal como nem sequer imaginavam que o terreno em que estavam a penetrar era muito diferente das estepes eurasiáticas nas quais estavam habituados a travar batalhas. E não só: em Abril de 1241, tinham vencido duas grandes batalhas contra os europeus, em Legnica (Polónia) e em Mohi (Hungria). Mas além-rio, tudo mudou. A invasão da Europa Ocidental pelo Império Mongol abortou uns meros dois meses após as tropas terem atravessado o Danúbio e os mongóis rumaram novamente para a Rússia.
Na batalha de Legnica, na Polónia, os mongóis venceram, em 1241, um exército germano-polaco Colecção do Museu Paul Getty
Como os mongóis não deixaram registos explícitos das razões desta reviravolta, o mistério da sua repentina decisão militar tem persistido entre os historiadores.

Existem contudo várias tentativas de explicação. Muitos especialistas pensaram, em particular, que a decisão se deveu à morte súbita de Ogodei Khan, filho e sucessor de Genghis Khan (e tio de Batu), em 1241, uma vez que obrigou Batu a regressar a Karakorum, capital do império, para participar na eleição de um novo Khan.

Um imenso pântano

Porém, como escrevem agora na revista Scientific Reports (da mesma editora que a revista Nature), Nicola Di Cosmo, do Instituto de Estudos Avançados de Princeton (EUA), e Ulf Büntgen, do Instituto Federal Suíço de Estudo da Floresta, da Neve e da Paisagem, “esta teoria tem sido posta em causa pelo facto de que Batu nunca regressou à Mongólia, permanecendo nas estepes do Sul da Rússia e (…) segurando o poder sobre a Horda Dourada [a região ocidental do império]”.

A hipótese alternativa que estes cientistas propõem para explicar o abrupto e inesperado regresso à Rússia do invencível exército mongol, logo na Primavera de 1242, terá a ver com factores políticos, mas tem a ver sobretudo com factores climáticos e ambientais que, segundo eles, influenciaram a decisão militar.

No seu artigo, escrito quase em forma de relato histórico, essa tese é sustentada não só por registos históricos convencionais, que fazem referência ao clima e às condições ambientais naqueles anos, mas também por um novo “ingrediente” documental: as flutuações climáticas da época, vistas através das características dos anéis de crescimento das árvores. Isso porque se sabe, em particular, que esses anéis são mais grossos nos anos húmidos e mais finos nos anos secos. Diga-se já agora que Nicola Di Cosmo é especialista de história da Ásia Antiga e que Ulf Büntgen é justamente especialista do estudo do impacto dos factores ambientais sobre os anéis das árvores.

Utilizando este tipo de características “gravadas” nas árvores desde tempos remotos, a dupla de cientistas conseguiu gerar mapas das variações anuais de temperatura e humidade de diversas regiões da Europa – dos Montes Altai (Sibéria) aos Alpes austríacos e da Escandinavia aos Cárpatos romenos – entre 1230 e 1250. E a combinação dos dados deste “arquivo natural” com documentos históricos alusivos ao clima e às condições ambientais permitiu então concluir que “houve [na Hungria] vários Verões quentes e secos de 1238 a 1241, seguidos de condições frias e húmidas no início de 1242”, escrevem ainda os autores. 

Resumindo: o Inverno 1241-1242 na Hungria, que se tornou particularmente frio e húmido nos meses finais, levou à acumulação de neve de forma mais acentuada do que era habitual. E quando a neve derreteu, como o terreno era muito propenso às inundações, a planície húngara transformou-se rapidamente num imenso pântano.

Isso, por sua vez, levou a uma diminuição das ervas que lá cresciam – e que constituíam a alimentação essencial dos cavalos mongóis. Por outro lado, a comida também começou a escassear para as pessoas. Os soldados mongóis e as populações locais que sustentavam a alimentação dos soldados começaram a sofrer da fome.

Para além desta falta de recursos essenciais, o terreno pantanoso tornou-se um pesadelo para os cavalos mongóis, habituados aos solos mais secos do lado de lá do Danúbio. O fracasso e a incapacidade de conquistar novas cidades e fortificações que daí decorreu terão então obrigado os mongóis a decidir a retirada.

Bom tempo, mau tempo

Como já concluía, em 2014, um estudo semelhante, também realizado pela equipa de Nicola Di Cosmo e também com base nos anéis de crescimento das árvores, terá sido por sua vez uma década de inusitado bom tempo nas estepes em redor da Mongólia que permitiu a espectacular expansão do Império Mongol a partir de inícios do século XIII.

Do Mar do Japão à Europa Central, passando pela China e a Sibéria – e, mais a sul, da Indochina ao Médio Oriente passando pela Pérsia e o subcontinente indiano, os cavalos de Genghis Kahn e dos seus herdeiros beneficiaram da abundância de erva num território previamente seco e árido. Nada resistia ao avanço das hordas mongóis: nunca foram vencidas e foram anexando os seus vizinhos uns atrás dos outros.
Porém, no outro extremo da escala, e como o novo estudo parece sugerir, terão bastado umas semanas de muito mau tempo para impedir a chegada dos mongóis à derradeira fronteira do mundo conhecido na altura: a Europa Ocidental. “A nossa ‘hipótese ambiental’ demonstra os efeitos que pequenas flutuações climáticas podem ter sobre grandes acontecimentos históricos”, concluem os cientistas no seu artigo. 

E embora o clima não seja o único factor determinante na retirada mongol, seria um erro ignorá-lo, diz Nicola Di Cosmo, citado pela revista New Scientist. “Seria como dizer que o Inverno na Rússia não teve qualquer efeito sobre o exército de Napoleão”, acrescenta.

Todavia, nem todos os especialistas estão convencidos do poder explicativo da nova hipótese. “Duvido que um tal ‘determinismo climático’ seja assim tão universal como alguns autores parecem pensar”, diz por seu lado à mesma revista Michael Mann, da Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA). Para ele, as flutuações climáticas apresentadas no estudo não terão sido suficientes para provocar a retirada mongol.
Pelo contrário, Aaron Putnam, da Universidade do Maine (EUA), parece concordar com as conclusões do estudo. Como disse igualmente à New Scientist: “Acho o trabalho convincente. As explicações anteriores da retirada dos mongóis não batiam certo.”

 http://www.publico.pt/n1733890

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