sexta-feira, 3 de julho de 2015

A forma dos montes e vales joga-se entre a água que escorre e o solo que desliza

Nicolau Ferreira - Público - 03/07/2015
Usando um modelo experimental, uma equipa concluiu que a intensidade dos movimentos do solo, no topo e nas encostas dos montes, influencia a frequência dos vales e a largura dos montes. Estudo foi publicado na revista Science.
A formação dos vales demora milhões de anos
Muitas vezes, é difícil compreender os processos geológicos que explicam as paisagens. Os investigadores, quando olham para aspectos geológicos, são frequentemente apanhados no meio de uma narrativa natural que já se iniciou há milhões de anos. O problema é que há questões que continuam por ser respondidas, como quais são as forças de erosão mais importantes que formam os complexos sistemas de montes e vales de uma bacia hidrográfica.
 
Uma equipa tentou contornar este problema, recriando este processo em laboratório, num sistema controlado que imitou a formação dos montes e dos vales tendo em conta os efeitos da água que escorre e do deslizamento de solos. Os cientistas descobriram que quando os “deslizamentos de terra” aumentam, os montes acabam por ser mais largos e menos entrecortados pelos vales. O trabalho foi publicado nesta quinta-feira, na revista Science.
 
“Os montes e os vales fazem parte de um padrão de paisagem fundamental que as pessoas reconhecem facilmente”, diz Kristin Sweeney, autora do estudo, da Universidade de Oregon, EUA, citada num comunicado da instituição. “Quando se olha de um avião, vêem-se bacias hidrográficas, vales, e eles tendem a surgir a distâncias muito regulares. A explicação deste padrão é uma questão fundamental na geomorfologia.”
 
A erosão acontece devido à chuva que cai e escorre montanha abaixo. Nesses cursos de água cada vez mais volumosos e velozes, as partículas do solo vão sendo arrastadas e criam sulcos. À medida que o tempo passa, esses sulcos vão-se aprofundando, dando lugar aos vales. Por outro lado, distúrbios no solo causados por raízes de árvores, pelos animais ou pela congelação das águas podem criar deslizamentos de terra, que são uma força contrária à escorrência da água: os detritos caem e tendem a apagar os sulcos formados pela água.
 
Segundo os cientistas, esta dinâmica pode ser importante na evolução dos padrões de montes e vales.
Para testar esta hipótese, a equipa usou uma caixa quadrada de meio metro de lado cheia de cristais de sílica que imitavam o terreno natural. Depois, usaram vários burrifadores, que lançavam pequenas gotículas de água (0,3 milímetros), para simular a escorrência. Quanto aos movimentos de solo, foram provocados usando dispersores de água que lançavam para o terreno gotas com um tamanho bastante maior (2,8 milímetros), “suficientemente energéticas para criar respingos e crateras na superfície que resultavam em transporte de sedimentos”.
 
Ao todo, foram feitas cinco experiências que duraram entre dez e 15 horas. Em cada uma, a duração da precipitação com gotas grossas foi aumentando, de 0% para 18%, 33%, 66% e, finalmente, 100% do tempo. Em paralelo, a precipitação de gotas muito pequeninas foi diminuindo. Por isso, apesar do fenómeno de escorrência de água se manter nas cinco experiências (havia sempre água a cair), o fenómeno que imitava o deslizamento de terra foi sendo cada vez maior em relação ao que imitava a escorrência da água.
 
Essa preponderância crescente dos “deslizamentos de terra” mudou completamente o aspecto final da paisagem. Os montes e os vales surgiram sempre, mas o padrão era diferente. Quando não havia deslizamento de terra, a frequência de vales era muito maior – e a largura dos montes entre os vales menor. À medida que havia mais deslizamentos de terra, os montes foram-se dilatando e os vales passaram a estar mais distantes entre si.
 
Segundo os autores, vai ser preciso compreender o impacto das alterações climáticas – que mudam, por exemplo, os padrões da chuva – para perceber melhor como é que as paisagens do nosso planeta irão evoluir.

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