terça-feira, 13 de maio de 2014

Ressonar: salve o seu sono reparador

Escrito por Pedro F. Pina, com entrevista a Paulo Gonçalves, Otorrinolaringologista, em 14 de dezembro de 2012.
 

Ressonar não é uma doença mas é um problema social
O ressonar em si não é uma doença. Mas o ruído que provoca pode ser ensurdecedor ao ponto de abalar até a mais estável das relações. E pode também ser sinal de algo maior a ter em conta. Antes de desesperar e decidir dormir no sofá, veja o que pode fazer para contrariar a situação.

Pelo consultório de Paulo Gonçalves, otorrinolaringologista, passam vários pacientes para quem a roncopatia tomou conta das noites de sono. Trata-se de um motivo de desassossego entre casais e até entre vizinhos, quando as paredes são finas demais. O especialista explica-nos que "a roncopatia em si não constitui uma doença, mas é um problema social, devido ao ruído que perturba o sono de quem rodeia o ressonador".

Na origem do ressonar podem estar as mais diversas causas. Talvez por isso não seja fácil encontrar estatísticas concretas. Mas o problema existe, pode ser um desafio à estabilidade de um casal, devido às consequências da privação de sono, e pode até ser um sinal de que aquele ronco merece cuidados médicos específicos. Daí ser essencial perceber-se exatamente o que está em causa quando um sono que deveria ser tranquilo se transforma numa espécie de pesadelo.

Por que razão ressonamos

Em Portugal há estimativas que apontam para cerca de dois milhões de pessoas que sofrem de roncopatia. Sabemos que afeta mais adultos do que crianças. Sabemos que é mais comum entre os homens do que entre as mulheres – estimativas recentes apontam para 40 por cento dos homens a partir dos 30, contra 30 por cento das mulheres a partir da menopausa. Mas embora possa ser mais frequente nos homens e haver tendência para agravar com a idade, são muitas as razões por trás do ronco. Algumas mais fáceis de contrariar do que outras.

Em primeiro lugar convém perceber por que razão ressonamos. Paulo Gonçalves explica-nos que isto acontece "porque as paredes das vias respiratórias superiores vibram e fazem ruído com a passagem do ar que respiramos". Se se verificar estreitamentos nessas vias ou tecidos excedentários, a "tendência a ressonar será maior", adianta. Mas também podem existir características anatómicas específicas que contribuem para o problema, como é o caso de uma língua grande, um queixo "recuado" (retrognatismo) ou até da obesidade, tal como circunstâncias pontuais, como o consumo de álcool antes de dormir ou efeitos secundários de anti-histamínicos, por exemplo.

Ressonar não constitui apenas um incómodo do ponto de vista social ou conjugal. Também pode ser o indício de algo mais preocupante. "Quando a roncopatia se acompanha de paragens de respiração, por colapso das paredes das vias aéreas, aí sim começam os problemas, com as chamadas hipopneias e apneias, que são paragens com duração igual ou superior a 10 segundos", conta-nos Paulo Gonçalves, acrescentando que "nessas situações o sono fragmenta-se com várias repercussões nefastas".

Quando surgem paragens respiratórias longas, o esforço sobre o organismo é muito maior. O sono desregula-se e até o coração é sujeito a mudanças de batimento cardíaco. O que quer dizer que as horas de sono na prática parecem ter o efeito contrário, fazendo com que a pessoa acorde tão ou mais cansada do que quando se foi deitar. Percebe-se assim que ressonar pode ser um problema que extravasa as horas de sono. Se acorda da manhã e já sente o cansaço, ou se a memória e a concentração parecem mais debilitadas, pode dar-se o caso de o sono não estar a ser tão reparador quanto deveria. É importante perceber-se nestes casos se o ressonar não é sinal de Síndrome de Apneia Obstrutivo do Sono (SAOS).
"Em regra as apneias são testemunhadas por quem dorme ao lado de quem ressona sendo por vezes assustadoras", esclarece o especialista. Em situações mais graves de SAOS, o doente pode referir adormecimento fácil durante o dia (hipersónia diurna), cansaço persistente". Mas pode haver outros sintomas, como por exemplo a hipertensão ou impotência no homem, que por vezes acabam por acompanhar a SAOS.

Para resolver esta situação, Paulo Gonçalves refere que "a abordagem dum doente com roncopatia e principalmente dum doente com SAOS deve ser multidisciplinar". Para além da área de otorrinolaringologia, a colaboração da pneumologia, e até da nutrição ou de endocrinologia é muitas vezes determinante. Mas atenção: não basta o acompanhamento profissional. "O doente tem de estar motivado para ser tratado", o que quer dizer que não basta ser "empurrado" para o consultório.

Quando a cirurgia é necessária

Paulo Gonçalves alerta para o facto de se poder ter criado a ilusão de que esta "situações se resolvem de uma forma simples". Infelizmente, nem sempre é o caso. Daí o especialista insistir na "necessidade de envolver o doente no seu tratamento e fazê-lo entender bem os prós e contras de cada opção bem como as expectativas quanto aos resultados, que nomeadamente no que diz respeito à cirurgia, têm de ser o mais realistas quanto possível".

São vários os pormenores a que os especialistas estarão atentos, como é o caso de se perceber se o septo nasal, a estrutura de osso e cartilagem que divide as duas fossas nasais, não tem um desvio que possa ser a causa do ronco. Mas além dos hábitos e de vida e da postura durante o sono, há outros pequenos cuidados que a pessoa pode ter, que contribuirão para evitar o ressonar, como por exemplo a importância de uma pessoa se manter hidratada ou o cuidado em verificar se no quarto onde dorme não há elementos que possam provocar alergias, já que o aumento das secreções nasais também pode obstruir a respiração, provocando o ronco.

É importante por isso, quando se trata de roncopatia, recuperar a velha máxima de que "cada caso é um caso". São várias as opções de tratamento existentes, e estas podem funcionar isoladamente ou em conjunto. Paulo Gonçalves refere algumas hipóteses: a correção do peso quando se justifica e melhorar a tonicidade muscular promovendo o exercício físico; correções posturais durante o sono (dormir de lado é melhor opção do que de barriga para cima, por exemplo); o uso de dispositivos intraorais; oxigenoterapia (nomeadamente uso de um técnica denominada Continuous Positive Airway Pressure), "muito útil e eficaz sobretudo em casos de SAOS" e, naturalmente em último caso, a cirurgia.

"As cirurgias mais frequentes são as que incidem sobre o nariz, palato e amígdalas palatinas. E existem de facto alguns procedimentos que podem ser efetuados inclusivamente no gabinete de consulta". Alguns casos mais complexos podem implicar "cirurgias também elas bem mais complexas, como avanços mandibulares e outras, em que muitas vezes há também a necessidade da avaliação e colaboração da cirurgia maxilo-facial". Mas uma eventual decisão pelo bloco operatório deve ser muito bem ponderada e decidida em conjunto com o seu médico. E lembre-se: ressonar não se resolve com culpabilização. Converse e informe-se, sem receios ou preconceitos. Para que o sono lá em casa seja aquilo que deve ser: um prazer reparador.
 

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