domingo, 26 de janeiro de 2014

Uma árvore com 2450 anos

Notícia da Sapo, 13/01/2014
Está em boa idade para rumar ao Alentejo e fazer uma visita ao Hotel Rural Horta da Moura, em Monsaraz.
 
Sobretudo, tem de visitar os terrenos do hotel onde sete oliveiras acabam de receber a certidão de idade. Entre elas, está um exemplar com 2450 anos, a segunda árvore certificada mais antiga de Portugal!!

E ainda pode ver oliveiras com 1370, 1330 e 705 anos. Todas continuam a produzir azeite. A datação foi feita por investigadores da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Estas árvores vão integrar um novo percurso pelos sete hectares da unidade hoteleira chamado de Rota da Oliveira.

Os golfinhos voltaram ao Tejo ou estão só de passagem?

Texto de Marisa Soares publicado pelo jornal Público em 24/01/2014
Biólogos vão estudar os vários avistamentos destes cetáceos no rio desde meados do século XIX. Número de observações tem aumentado nos últimos anos e os investigadores querem saber porquê.
 

Nos últimos anos têm sido avistados vários golfinhos no estuário
De cada vez que alguém vê e fotografa golfinhos a nadar no estuário do Tejo, o telemóvel da bióloga Cristina Brito toca. São os jornalistas a quererem saber se, afinal, os golfinhos estão de regresso ao estuário e, se sim, o que os traz de volta. A resposta sai com dúvidas. “Não sabemos muito bem o que dizer porque não há dados muito concretos e científicos”, admite a investigadora.
 
Perante esta incerteza, e como os avistamentos destes cetáceos no Tejo se multiplicaram nos últimos anos, os investigadores da empresa Escola de Mar e da Associação para as Ciências do Mar (uma organização sem fins lucrativos que promove a investigação do meio marinho, à qual Cristina Brito preside), decidiram mergulhar na história e procurar respostas. Através do projecto “Conservação e golfinhos no estuário do Tejo: realidade, imaginário ou mito?”, vão tentar perceber se os golfinhos estão a voltar a uma antiga área de residência ou se são visitantes ocasionais numa zona onde há hoje mais comida disponível e melhor qualidade ambiental, em resultado das intervenções ao nível do saneamento na área metropolitana de Lisboa.
 
“Vamos analisar dados históricos desde meados do século XIX, através dos registos dos naturalistas e das notícias de jornais, para perceber se os golfinhos estão a voltar a um ambiente no qual já viveram ou se estão apenas de passagem”, explica Cristina Brito, que coordena o projecto. Numa segunda fase, serão realizadas saídas de campo para “observações de oportunidade”. “Iremos para o estuário com empresas turísticas e que fazem transporte fluvial”, para tentar observar golfinhos, esclarece esta especialista em mamíferos marinhos. Os pescadores e outros utilizadores do estuário também serão ouvidos neste estudo.
 
Os avistamentos mais recentes são de golfinhos-roazes (Tursiops truncatus), da sub-espécie residente no estuário do Sado, e de golfinhos-comuns (Delphinus delphis), mais frequentes nas zonas costeiras. "Mas há registo de avistamentos até em Vila Franca de Xira", nota a bióloga. A especialista lembra que o número de avistamentos, que parece mais significativo nos últimos "dois ou três anos", pode estar simplesmente relacionado com uma maior atenção dada pela população e pelos próprios meios de comunicação a esta espécie.
 
Golfinhos toleram poluição
O objectivo, continua a investigadora, é “compilar os diversos registos [de observações] numa escala temporal e perceber se há um padrão que indique eles estão a voltar”. Se esse regresso se confirmar, depois é preciso saber o motivo: será a melhoria da qualidade da água, motivada pelas obras que permitiram, em Janeiro de 2011, deixar de lançar no rio os esgotos de 120 mil habitantes de Lisboa?
 
“Não é fácil relacionar directamente uma coisa com a outra”, adverte Cristina Brito. Isto porque os golfinhos não são uma espécie indicadora da qualidade da água – toleram facilmente sítios poluídos, já que acumulam a poluição na gordura corporal. No entanto, nota a bióloga, pode haver uma relação indirecta. “Num ecossistema com melhor qualidade há naturalmente mais peixes, o que atrai mais golfinhos.”
 
O estudo, que já começou no ano passado e deverá estar concluído no final de 2015, tem o apoio do Centro de Oceanografia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e do Centro de História de Além-Mar da Universidade Nova de Lisboa. Mas os investigadores querem também envolver os municípios. As câmaras de Almada e Cascais vão apoiar financeiramente o projecto, as de Alcochete e do Seixal disponibilizam apoio logístico, e outros municípios que fazem fronteira com o maior estuário da Europa Ocidental serão ainda contactados.
 
A Câmara de Cascais explica que este apoio está inserido num “esforço” que a autarquia está a fazer desde 2008 com vista à caracterização e monitorização da zona costeira, através do programa Aquasig Cascais.
 
Durante a investigação, serão apresentadas conclusões provisórias em palestras e em actividades de sensibilização ambiental – outro dos objectivos do projecto.

Os genes de um cão pré-histórico perduram nos cães actuais através de um cancro

Artigo publicado pelo jornal Público em 24/01/2014
A análise do ADN de um cancro dos cães permitiu ter uma ideia de como era o primeiro cão a ter padecido a doença, há mais de 10 mil anos.
 

O primeiro cão a padecer de um cancro hoje comum nos cães era provavelmente parecido com um husky
O cancro mais antigo do mundo ainda hoje activo é um cancro canino. Uma equipa internacional de cientistas determinou a sequência genética desse cancro e descobriu que terá surgido pela primeira vez num cão que viveu há uns 11 mil anos. Os seus resultados foram publicados na revista Science com data desta sexta-feira.
 
O cancro em questão é um cancro transmissível por acasalamento que provoca o crescimento de horríveis tumores genitais. Os cancros transmissíveis são raríssimos, sendo o único outro conhecido um cancro facial muito agressivo que afecta os diabos da Tasmânia e que se propaga através das mordidas, explica em comunicado o Instituto Sanger do Wellcome Trust, no Reino Unido.
 
A equipa liderada por Elizabeth Murchison, do Instituto Sanger e da Universidade de Cambridge, que inclui cientistas britânicos e da Austrália, Brasil e Itália, conseguiu – a partir do estudo de um tipo de mutações que se sabe ter-se acumulado nesses tumores caninos de forma progressiva e regular ao longo do tempo – estimar quando apareceu este cancro genital que é hoje uma doença comum dos cães de todo o mundo.
 
E não só: os cientistas constataram ainda que os genes do primeiro cão a ter padecido da doença ainda estavam presentes, hoje em dia, nas células cancerosas dos cães doentes.
Segundo os autores, esse cão pré-histórico terá sido parecido com um husky e tinha provavelmente pêlo curto de cor cinzenta acastanhada ou preta. Não foi contudo possível determinar o seu sexo. “Não sabemos por que é que aquele cão em particular deu origem a um cancro transmissível”, diz Murchison, citada no mesmo comunicado, “mas é fascinante olhar para atrás e reconstituir a identidade de um cão antigo cujo genoma ainda hoje vive nas células cancerosas que começou a espalhar.”
 
A análise genética do cancro também forneceu pistas sobre a evolução geográfica da doença. “Os padrões de variantes genéticas encontrados nos tumores provenientes de diferentes continentes sugerem que durante a maior parte da sua história, o cancro permaneceu confinado a uma população isolada de cães”, salienta a investigadora. “Espalhou-se para o resto do mundo nos últimos 500 anos, tendo provavelmente sido transmitida pelos cães que acompanhavam os exploradores nos navios, no início da era dos Descobrimentos.”

Cientistas descobriram um local onde o som nunca mais morre (ou quase)

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 21/01/2014
Numa antiga rede subterrânea de reservatórios de combustível na Escócia, o eco do disparo de uma pistola perdurou durante quase dois minutos.
 

Antiga conduta do complexo subterrâneo de Inchindown, onde era armazenado combustível naval durante a Segunda Guerra Mundial
Um especialista britânico de acústica acaba de pulverizar o recorde de duração de um eco numa estrutura de fabrico humano, anunciou a Universidade de Salford (Reino Unido) em comunicado.
 
O anterior recorde, registado no Guinness de 1970, foram os 15 segundos que o som demora a dissipar-se quando as portas de bronze maciço do Mausoléu de Hamilton, um monumento situado na Escócia, são fechadas com força.
 
Mas agora, Trevor Cox, da Universidade de Salford, visitou uma rede subterrânea de reservatórios de combustível que data de finais do anos 1930: o complexo de Inchindown, perto de Invergordon, também na Escócia. E descobriu a extraordinária acústica das estruturas que o compõem: ali, o som do disparo de uma bala demora 112 segundos a calar-se.
 
Construído em secreto pelas autoridades britânicas durante a Segunda Guerra Mundial, Inchindown foi utilizado para proteger dos bombardeamentos nazis as reservas de combustível necessárias ao abastecimento dos navios militares. Hoje em dia devoluto, pode no entanto, desde 2009, ser visitado pelo público.
 
Para realizar a experiência, Cox teve de penetrar num dos tanques através de uma conduta com menos de meio metro de diâmetro, guiado por Allan Kilpatrick, arqueólogo da Comissão Real dos Monumentos Antigos e Históricos da Escócia.
 
O tanque em que os dois homens entraram tem uma capacidade de 25,5 milhões de litros, paredes com 45 centímetros de espessura, um comprimento equivalente ao de dois campos de futebol, nove metros de largura e 13,5 metros de altura.
 
Uma vez posicionados estrategicamente dentro do tanque, um deles (Kilpatrick) disparou as falsas balas (munições de alarme) enquanto o outro (Cox) registava com microfones a “resposta” do gigantesco espaço aos estrondos. Trata-se de uma técnica habitual, explica ainda o comunicado, para avaliar a acústica das salas de concerto.
 
A primeira reacção de Cox ao eco interminável foi de incredulidade. “Nunca tinha ouvido uma tal catadupa de ecos e reverberações”, disse o cientista citado pela BBC News.
 
Segundo noticiou pelo seu lado o The Independent, o Guinness já certificou os novos resultados. “A reverberação é central à música clássica”, diz ainda Cox, citado por este diário britânico. “Seria interessante escrever uma peça de música para estas instalações.”

Planeta anão Ceres cospe vapor de água por dois lados

Artigo de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 25/01/2014
A cada segundo, seis quilos de água sob forma de vapor são ejectados de Ceres. Investigadores propõem duas origens para este fenómeno.
 

Uma ilustração de Ceres
Há uma cintura de asteróides que divide o Sistema Solar em duas zonas. Esta região, entre Marte e Júpiter, que separa os planetas rochosos (como a Terra e Marte) dos planetas gasosos (como Júpiter e Saturno), tem milhões de objectos, desde pequenas partículas até grandes asteróides. O maior é Ceres, um astro redondo que é considerado um planeta anão tal como Plutão. Agora, os cientistas descobriram duas plumas de vapor de água que se libertam de duas regiões diferentes daquele astro e que dão pistas sobre o seu interior, revela um artigo publicado nesta semana na revista Nature.
 
Ceres está na parte mais exterior da cintura de asteróides. O planeta anão tem 950 quilómetros de diâmetro (a Lua tem 3,6 vezes este diâmetro). A equipa, da Agência Espacial Europeia (ESA) e do Observatório de Paris, analisou o astro com o telescópio espacial Herschel da NASA e da ESA, cuja missão terminou no ano passado.

Em Outubro de 2012, a equipa viu sinais da emissão de água sob o estado gasoso. Mas só em Março de 2013, durante uma observação contínua de dez horas — suficiente para observar uma rotação completa do planeta anão —, é que as lentes que detectam luz no comprimento de onda dos infravermelhos confirmaram a existência de plumas de vapor de água a sair do objecto.

“Esta é a primeira detecção clara de água na cintura de asteróides”, diz Michael Küppers, da ESA, citado pela revista de divulgação científica New Scientist. Uma das causas para a origem desta água é ser proveniente de uma camada de gelo que está à superfície do astro ou logo abaixo. A luz solar faz este gelo sublimar, passando directamente do estado sólido para o gasoso.

“Outra possibilidade é que ainda pode existir alguma energia no interior de Ceres, e esta energia faria com que a água fosse expelida de uma forma semelhante à dos geysers na Terra. Só que, devido à baixa pressão que existe à superfície do asteróide, o que se libertaria seria vapor e não líquido”, explica Michael Küppers, citado pela BBC News.

O resultado deste fenómeno é que seis quilos de água são libertados por segundo em Ceres, o que equivale a cerca de 520 toneladas ao fim do dia. Os cientistas chegaram a estes números através da quantidade de infravermelhos que eram absorvidos pela pluma de vapor de água. Mas em 2015, quando o satélite da NASA Dawn chegar a este grande pedaço de rocha, a origem desta massa de água poderá começar a ser desvendada.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Localizadas mutações em 42 tijolos do ADN associadas à artrite reumatóide

Artigo publicado pelo jornal Público em 26/12/3013.
Análise do genoma de mais de 100 mil pessoas revela novos locais no ADN com influência no desenvolvimento de doença auto-imune. Estudo identifica terapias já existentes para tratar estas variações genéticas.
 

A artrite reumatóide causa a deformação das articulações
Uma análise genética a 103.638 pessoas de origem europeia e asiática encontrou 42 novos locais no ADN que estão fortemente associados ao desenvolvimento da artrite reumatóide. O trabalho, feito por cientistas em 38 instituições de sete países, foi publicado na última edição da revista Nature e pode ajudar a desenvolver terapias personalizadas para quem tem esta doença.
 
A artrite reumatóide é uma doença incapacitante. Uma resposta auto-imune do corpo gera inflamação nas articulações, provocando dores e, a longo prazo, a deformações das articulações, o que dificulta o movimento. Já se conheciam 59 locais no ADN humano em que se tinha sido associada a variação num único tijolo da molécula ao aparecimento desta doença, que surge em cerca de uma em cada 100 pessoas, afectando principalmente as mulheres.
 
O trabalho publicado agora, liderado por Robert Plenge, da Faculdade de Medicina de Harvard, em Boston, nos Estados Unidos, alargou o conhecimento sobre as variações genéticas que podem provocar a doença. A equipa internacional foi analisar 10 milhões de tijolos da molécula de ADN em 103.638 pessoas, 29.880 destas com artrite reumatóide.
 
Os investigadores fizeram um estudo de associação genómica para encontrar variações genéticas, dentro daqueles 10 milhões de tijolos, mais frequentes nas pessoas com a doença. Desta forma, descobriram 42 novos tijolos no ADN em que certas variações estão associadas à artrite reumatóide.
 
“Esta descoberta oferece uma oportunidade de utilizar a genética para descobrir novos fármacos para tratar ou mesmo curar as doenças complexas como a artrite reumatóide”, explica Robert Plenge, citado pela BBC News.
 
Com esta descoberta, conhecem-se agora 101 locais do ADN associados ao desenvolvimento desta doença. O artigo na Nature encontrou ainda 98 genes candidatos onde estão situados estes tijolos, e demonstrou ainda que estes genes são já alvo de tratamento de terapias contra a artrite reumatóide. A equipa identificou ainda terapias usadas noutras doenças, como no cancro, que poderão ser utilizadas na artrite reumatóide.
 
Kathy Siminovitch, outra investigadora envolvida neste trabalho, do Instituto de Investigação Lunenfeld-Tananbaum, do Hospital do Mounte Sinai, em Toronto, Canadá, explica em comunicado que esta descoberta facilita a medicina personalizada: “Podemos utilizar esta informação genética para tratarmos as pessoas de uma forma individualizada, dependendo da via molecular envolvida [na doença] de cada pessoa.”

Terapia genética conseguiu travar cancro da mama em ratinhos

Artigo de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 06/01/2014
Tratamento aplicado nos animais de laboratório reverteu progressão das células cancerosas do tecido mamário. Investigadores querem tentar aplicar técnica em humanos.
Ductos mamários de ratinhos marcados por fluorescência
Uma equipa de investigadores da Faculdade Médica de Harvard, em Boston, nos Estados Unidos, silenciou a actividade de um gene em células do tecido mamário de ratinhos, que é importante para o desenvolvimento do cancro da mama. Estas células estavam a percorrer o caminho para se tornarem cancerosas, mas a terapia genética conseguiu reverter o processo e normalizá-las. Publicada na revista Science Translational Medicine, a descoberta poderá vir a ser aplicada no combate ao cancro da mama.
 
O trabalho, liderado por Donald Ingber, centrou-se nas células dos ductos mamários, por onde passa o leite. “Apesar de haver algumas excepções, a maioria dos cancros da mama [cerca de 75%] aparece nas células epiteliais dos ductos”, disse ao PÚBLICO o investigador e fundador do Instituto Wyss para a Engenharia Inspirada na Biologia, da Universidade de Harvard.
 
Muitas vezes, são detectadas lesões nas células do epitélio dos ductos mamários, que podem desenvolver-se em cancros. Mas o problema é identificar quais as lesões que efectivamente estão nesse caminho. Como a medicina ainda não é capaz de fazer essa triagem, recorre-se a soluções drásticas como a radioterapia ou mesmo a mastectomia, dois tratamentos violentos com efeitos secundários a nível físico e psicológico.
 
Por isso, uma avaliação feita por especialistas em cancro da mama, publicada em 2007, “identificou a necessidade urgente de se desenvolverem terapias minimamente invasivas que possam ser direccionadas directamente para o epitélio do ducto, de forma a prevenir a progressão de lesões pré-malignas sem produzir uma toxicidade sistémica”, lê-se no artigo.
 
Os investigadores escolheram uma abordagem genética, através da utilização do chamado “ARN de interferência”. Esta técnica trava a actividade genética nas células. A informação contida nos genes, que estão inseridos nas longas cadeias de ADN, é o molde inicial para se produzirem proteínas. Para isso, a maquinaria celular começa por passar a informação do ADN para o ARN – uma molécula que pode navegar à vontade na célula –, e finalmente traduz a informação contida na molécula de ARN nos aminoácidos que formam as proteínas. O ARN de interferência está concebido para se ligar ao ARN mensageiro que foi transcrito a partir do ADN, impedindo-o assim de ser traduzido na proteína.
Outras equipas já tinham usado com sucesso a técnica do ARN de interferência, para tratar cancros da mama de origem humana que foram implantados em ratinhos. Mas uma barreira existente era identificar um gene que fosse muito importante para desencadear o cancro.
 
Por isso, os investigadores foram à caça desse gene. Através de um algoritmo matemático, a equipa identificou ligações entre genes mais activos durante o desenvolvimento do cancro da mama em ratinhos. Ou seja, produziram uma rede onde uma ligação entre dois genes implica que a actividade de um deles activa a actividade do outro. Em cancros da mama mais tardios, há uma grande heterogeneidade nestas ligações observada em ratinhos. Mas segundo a equipa, quando se observam cancros da mama em fases mais iniciais, o conjunto de genes especialmente activos é cada vez mais semelhante.
 
No início deste processo, quando as futuras células cancerosas já têm uma actividade genética própria, mas o seu aspecto ainda é igual ao das células saudáveis do epitélio dos ductos, os cientistas descobriram que o gene HoxA1 tinha uma actividade anormal e parecia ser o mais importante.
 
O HoxA1 está activo durante o desenvolvimento embrionário humano, mas não é utilizado pelas células saudáveis do tecido mamário adulto, onde está silenciado. Além disso, há vários estudos que indicam que a sua actividade está associada ao aparecimento do cancro da mama nas mulheres. Todas estas provas tornaram-no num bom candidato para ser silenciado pelo ARN de interferência.
 
Próximo passo é em coelhos
Primeiro, os cientistas experimentaram in vitro silenciar este gene, em células cancerosas do epitélio dos ductos de ratinhos. Ao contrário das células saudáveis, que formavam tubos, as células cancerosas aglomeravam-se numa massa desestruturada. Mas quando os cientistas aplicaram o ARN de interferência, as células reverteram o processo canceroso e voltaram a ter um aspecto saudável.
 
Depois, a equipa fez o mesmo in vivo, em ratinhos. Para isso, injectou a solução com o ARN de interferência – que estava dentro de pequeníssimas bolas ocas de gordura, uma técnica desenvolvida há poucos anos por um dos elementos da equipa – através dos mamilos dos ratinhos. O líquido entrou pelos ductos mamários, fazendo o caminho inverso do leite. Estes ratinhos eram transgénicos, tendo um outro gene responsável pelo cancro da mama. O tratamento foi aplicado durante a fase inicial do cancro, e a incidência de tumores reduziu-se em 75%. Os cientistas verificaram ainda que as células passaram a multiplicar-se menos.
 
Para perceber se a terapia atingia outros tecidos, o que poderia comprometer um tratamento em humanos, a equipa utilizou um marcador fluorescente ligado ao ARN de interferência para observar, por microscopia, o seu comportamento. “Não vimos quaisquer sinais do ARN de interferência em tecidos periféricos, indicando que as moléculas são apanhadas pelas glândulas mamárias e não entram na corrente sanguínea”, explicou ao PÚBLICO Amy Brock, uma das autoras do estudo que agora trabalha na Universidade de Austin, no Texas.
 
O próximo passo da equipa será testar a terapia noutra cobaia cuja anatomia dos ductos da mama seja semelhante à das mulheres – como os coelhos – e procurar efeitos secundários da técnica, para se poder passar aos ensaios clínicos. Uma questão que ainda falta responder é saber a dose que este tratamento requer em humanos, explica-nos Donald Ingber: “Mulheres com propensão para esta doença terão provavelmente de receber tratamentos de poucos em poucos meses. O mesmo tratamento poderá também ser administrado em locais [da mama] onde houve cirurgias de remoção de tumores, para induzir a reversão das células que ficaram em tecido mais normal.”

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Costa portuguesa tem todos os ingredientes de risco

Texto de Ricardo Garcia publicado pelo jornal Público em 09/01/2014
O país é vulnerável a eventos meteorológicos, bens e pessoas expõem-se ao pior e a perigosidade de tais fenómenos promete aumentar no futuro.
 

Apesar da vulnerabilidade evidente, muitas pessoas expõem-se ao perigo
Na linguagem técnica, o risco é produto de três factores: vulnerabilidade, exposição e perigosidade. Todos estão presentes em dose elevada na costa portuguesa, mas muitas vezes são negligenciados.
 
Vulnerabilidade: o factor Atlântico
A costa portuguesa é altamente susceptível a eventos como o que causou novamente prejuízos em vários pontos do litoral nos últimos dias. A razão é essencialmente geográfica: o país está voltado para o Atlântico, por onde passam sucessivas vagas de mau tempo no Inverno, no sentido oeste-leste. O efeito sobre o estado do mar é triplo. O mau tempo está associado a baixas pressões atmosféricas. Com menos ar a pressioná-lo, o nível do mar sobe naturalmente. Além disso, o vento empurra a água sobre a costa, acumulando-a e acentuando a subida do nível do mar. Em terceiro lugar, os ventos causados pelas frentes de mau tempo transferem enormes quantidades de energia para o mar, formando as ondas que depois darão à costa. Em terra, há um factor adicional: dois terços da linha de costa em Portugal são susceptíveis de erosão – fenómeno causado tanto pela configuração geológica do litoral, como por factores humanos, como a retenção de sedimentos pela construção de barragens. Ou seja, o país tem todos os ingredientes para episódios de forte agitação marítima e avanço do mar sobre a terra.
 
Exposição: cada vez mais junto ao mar
Basta olhar para a ocupação urbana do litoral para se concluir o que significa estar exposto aos elementos. Sem regras eficazes durante décadas, as construções avançaram para zonas nitidamente vulneráveis – como falésias instáveis, ilhas de barreira, dunas e leitos de cheia. E mesmo com sucessivas leis a condicionar a ocupação de zonas de risco no litoral nas décadas mais recentes, o número de pessoas junto ao mar continuou a aumentar. Entre 2001 e 2011, a população das freguesias do país que confinam com o mar aumentou 10%, segundo o estudo Change – Mudanças Climáticas, Costeiras e Sociais, apresentado em Novembro por investigadores do Instituto de Ciências Sociais e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Entre 1970 e 2011, o número absoluto de habitantes junto ao mar subiu de 738 mil para 1,2 milhões. Na Cova do Vapor, em Almada, explodiu o número de habitantes (94%), de edifícios (44%) e de alojamentos sazonais (60%) nas últimas duas décadas, apesar dos 26 metros de costa comidos por ano pelo mar. Em Quarteira, no Algarve, a população duplicou e os alojamentos aumentaram 74% no mesmo período, mas todos os anos perdem-se seis metros de terra para o mar, em média. Há um outro tipo de exposição: o das pessoas individualmente. Um exemplo cabal é dado pelas imagens de dezenas de pessoas a fotografar e a filmar as ondas na Foz do Douro na segunda-feira, junto à orla e à mercê de vagas maiores, que sempre acabam por aparecer. Resultado: vinte carros varridos pela água e quatro feridos. Nos últimos sete anos, pelo menos 40 pessoas morreram em Portugal arrastadas por ondas, sobretudo no Inverno.
 
Perigosidade: pior num futuro mais quente
A perigosidade é a combinação da intensidade de um fenómeno com a sua probabilidade de ocorrência. Ambos os factores não só já se reflectem em eventos como o desta semana, como poderão agravar-se no futuro, em função das alterações climáticas. Um dado importante é a previsível subida do nível do mar, devido sobretudo à expansão térmica dos oceanos. O último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, divulgado pela ONU em Setembro, fala numa subida de 28 a 82 centímetros até ao final do século, numa média global. Aumentará, com isso, a intensidade da erosão costeira. Localmente, os valores podem ser diferentes. Segundo o projecto Siam II – Alterações Climáticas em Portugal, Cenários, Impactos e Medidas de Adaptação, que envolveu cientistas de várias universidades nacionais, num futuro mais quente, as ondas poderão chegar à costa portuguesa com uma orientação ligeiramente diferente, agravando ainda mais a erosão, em 15% a 25% até ao final do século. O futuro das vagas de mau tempo é mais incerto, sendo que o estado do mar em Portugal depende do que acontece ao longo de milhares de quilómetros do Atlântico. Os modelos climáticos apontam, de qualquer forma, para uma maior probabilidade de ocorrência de fenómenos meteorológicos extremos.

Quase 60% da electricidade consumida em 2013 foi de origem renovável

Texto de Marisa Soares publicado pelo jornal Público em 14/01/2014
Meteorologia explica aumento do peso das renováveis no consumo de energia eléctrica.
 

 
 
Em 2013, a produção de electricidade a partir do vento aumentou 20%
Portugal bateu recordes em 2013 no que toca à energia renovável: 58,3% da energia eléctrica consumida no ano passado foi produzida por fontes renováveis, o que representa um aumento de 20% em relação ao ano anterior. Esta variação permitiu diminuir a electricidade importada em 2,8 vezes, segundo a Quercus.
 
A associação ambientalista, que cita os dados mais recentes da produção de electricidade em Portugal Continental publicados pela Redes Energéticas Nacionais (REN), nota que, considerando apenas a produção nacional, a contribuição das renováveis chegou ao “valor recorde” de 61,7% da electricidade consumida.
 
A diferença entre os valores de 2012 e de 2013 está relacionada com a meteorologia: 2012 foi um ano muito seco, 58% abaixo da média, segundo a Quercus. Em contrapartida, 2013 foi “relativamente húmido”, 17% acima da média. Por isso, a produção de electricidade renovável da grande hídrica, com recurso às barragens, mais do que duplicou no ano passado.
 
Também o vento soprou mais forte em 2013, levando a um aumento de quase 20% na produção de electricidade a partir desta fonte. “Na fotovoltaica, o aumento da capacidade instalada permitiu um aumento de 25% em relação a 2012, apesar de ainda não ter atingido 1% do consumo, o que revela um enorme potencial de crescimento”, nota a Quercus, num comunicado assinado também pela Associação Portuguesa de Energias Renováveis (Apren).
 
Nessa nota, Francisco Ferreira, coordenador do grupo de energia e alterações climáticas da Quercus, sublinha que a aposta nas energias renováveis e na eficiência energética “permite a recuperação da economia sem onerar o ambiente”, pelo que defende a continuação da aposta neste sector. “É preciso um investimento na sensibilização e um planeamento adequado do sector energético também em prol de uma desejável política climática exigente", defende.
 
António Sá da Costa, presidente da direcção da Apren, também citado no comunicado, salienta que, além da diminuição das importações de combustíveis fósseis e de emissão de gases com efeitos de estufa, o reforço do peso das renováveis na electricidade consumida “possibilitou estabilizar o preço deste bem, o que também é positivo para ajudar Portugal a sair da crise”.
 
Segundo as duas associações, a aposta nas renováveis permitiu poupar cerca de 850 milhões de euros em 2013: 806 milhões de euros na importação de combustíveis fósseis (gás natural e carvão) e 40 milhões de euros em licenças de emissão de dióxido de carbono (CO2).
 
Entre 2012 e 2013 verificou-se uma redução nas emissões de CO2 na ordem das 2,3 milhões de toneladas, refere a nota. Deste total, um milhão de toneladas deve-se à redução do recurso às centrais a carvão.
 
Este aumento do peso das renováveis no consumo de energia tem, porém, outro lado menos positivo para os consumidores, que este ano vêem aumentar as tarifas eléctricas em 2,8% (ou em 1% para os consumidores com tarifa social). Isto porque a produção de electricidade de origem renovável em regime especial (toda a renovável à excepção das grandes barragens) - que tem prioridade na entrada na rede - aumentou mais do que o previsto (chegou aos 32% em Portugal Continental, mais 5% do que em 2012), fazendo disparar os custos com as energias eólica e hídrica, co-geração e gás natural em 2013, e contribuindo para um aumento do défice tarifário, que deverá chegar aos 4,4 mil milhões de euros no final de 2014, segundo os cálculos da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos.

Experiência pioneira na Suécia permite transplante de útero a nove mulheres

Artigo publicado pelo jornal Público em 14/01/2014
Úteros foram doados por familiares das pacientes. As mulheres vão agora tentar engravidar.
 

Depois de duas gravidezes bem sucedidas, os úteros serão removidos para que possa ser interrompida a medicação anti-rejeição
Nove mulheres receberam com sucesso úteros doados por familiares vivas, na Suécia. As pacientes vão tentar engravidar em breve, segundo disse à agência Associated Press (AP) o médico responsável pelas cirurgias.
 
Algumas destas mulheres nasceram sem útero – sofrem de síndrome de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser (MRKH), uma anomalia congénita que afecta uma em cada 4500 mulheres –, outras tiveram de remover o útero devido ao cancro do colo do útero. A maioria tem cerca de 30 anos. O objectivo, após estas operações que os médicos classificam como pioneiras, é que as pacientes possam dar à luz os próprios filhos.
 
Outra opção para estas mulheres seria o recurso à maternidade de substituição – conhecida como “barriga de aluguer” – mas esta prática é proibida na Suécia, tal como em Portugal e na maioria dos países europeus.
 
Apoiados nos casos de sucesso de transplantes de outros órgãos, como corações ou fígados, que permitem salvar vidas, os médicos têm tentado aplicar a mesma técnica para proporcionar a maternidade às mulheres impossibilitadas de engravidar. Antes desta experiência houve outras, que falharam.
 
Na Turquia, uma mulher de 22 anos recebeu em Agosto de 2011 um útero de uma dadora morta há dois anos e conseguiu engravidar passados cerca de oito meses. No entanto, após oito semanas de gestação os médicos interromperam a gravidez porque a ecografia não mostrava os batimentos cardíacos do embrião. A primeira tentativa de transplante, realizada em 2000 na Arábia Saudita, com uma dadora viva, fracassou passados três meses – o útero teve de ser removido, devido à formação de um coágulo sanguíneo.
 
Agora, os médicos tentam outras fórmulas para o sucesso. “Este é um novo tipo de cirurgia”, disse à AP um dos especialistas, Mats Brannstrom, director do departamento de obstetrícia e ginecologia da Universidade de Gotemburgo, que está a liderar a experiência. “Não temos nenhum livro para ler”, acrescentou.
 
Segundo o médico, as pacientes estão bem de saúde e algumas até já tiveram menstruação, seis semanas após o transplante, um sinal de que os úteros estão saudáveis e a funcionar correctamente. Uma das nove mulheres contraiu uma infecção no útero e teve pequenos episódios de rejeição, mas nada de preocupante, segundo Brannstrom. Já saíram todas do hospital.
 
Segundo a AP, a identidade das mulheres envolvidas na experiência não foi revelada. Os transplantes começaram em Setembro de 2012 e as doadoras são familiares das pacientes – mães, nalguns casos. Inicialmente estavam previstos dez transplantes, mas uma mulher não pôde avançar para a operação por razões médicas, de acordo com o porta-voz da universidade, Krister Svahn.
 
Fertilização será in vitro
Nos transplantes, os médicos não ligaram os úteros às trompas de Falópio das receptoras, pelo que estas não conseguirão engravidar naturalmente. Mas todas elas têm ovários funcionais. Antes das operações, foram-lhes retirados alguns óvulos para fertilização in vitro. Os embriões foram congelados e os médicos pretendem, dentro de alguns meses, implantá-los nos úteros, permitindo a evolução da gestação de forma natural.
 
Para evitar que o corpo rejeite o novo órgão, as mulheres terão de tomar fármacos que enfraquecem o sistema imunitário. Depois de, no máximo, duas gravidezes bem sucedidas, os úteros serão removidos e a medicação – que pode provocar subida da tensão arterial, inchaço ou diabetes e aumentar o risco de alguns tipos de cancro – será interrompida.
 
Em Fevereiro, Mats Brannstrom e a sua equipa vão fazer o primeiro workshop sobre o tema e pretendem publicar um artigo científico sobre a experiência que realizaram. Mas esta levantou já algumas preocupações éticas – alguns especialistas mostraram reservas sobre o facto de estarem a ser usados doadores vivos num procedimento experimental que não tem como objectivo salvar vidas.
Na Grã-Bretanha, por exemplo, estão em curso experiências que visam efectuar transplantes de úteros em pacientes nas mesmas condições, mas com doadoras mortas ou em vias de morrer. Brannstrom justifica a opção por doadoras vivas com o facto de só assim ser possível garantir que os úteros estavam funcionais e não tinham qualquer problema, como infecções vírus do papiloma humano (HPV).
 
Antes de testar o método em mulheres, os especialistas da Universidade de Gotemburgo testaram-no em animais, nomeadamente ratos, ovelhas e macacos. No caso dos primatas, a reprodução não se concretizou. Brannstrom admite que os transplantes em humanos podem não resultar em gravidezes bem sucedidas mas está optimista. “Isto é uma investigação”, afirmou. “Pode permitir [às mulheres] ter filhos, mas não há garantias… o que é certo é que elas estão a dar uma contribuição para a ciência.”

Estudo norte-americano conclui que cafeína melhora a memória

Artigo da LUSA publicado pelo jornal Público em 12/01/2014


A cafeína melhora a memória e tem efeitos positivos a longo prazo, concluiu um estudo de uma universidade norte-americana publicado neste domingo numa revista científica.
 
Uma equipa da Universidade Johns Hopkins em Baltimore, Maryland, descobriu que a cafeína estimula certas memórias, pelo menos até 24 horas após o consumo.
 
Segundo o estudo, publicado na revista Nature Neuroscience, a cafeína tem um efeito positivo sobre a memória a longo prazo em humanos.
 
“Sempre soubemos que a cafeína tem efeitos que melhoraram o desempenho cognitivo, mas nunca foi examinado em detalhe nos seres humanos os seus efeitos específicos sobre o reforço da memória e como ela gera resistência ao esquecimento”, disse Michael Yassa, especialista que liderou o estudo.
 
O professor universitário adiantou que, pela primeira vez, foi detectado um efeito específico da cafeína por mais de 24 horas, que diminui o esquecimento.

A evolução das patas traseiras dos animais terrestres começou na água, concluem cientistas

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 13/01/2014
A descoberta de novos fósseis de um peixe pré-histórico permitiu concluir que ele possuía barbatanas traseiras muito mais robustas do que se pensava, que lhe poderão mesmo ter servido para andar “a pé”.
Visão artística actualizada do Tiktaalik no seu habitat natural
Segundo as teorias em vigor acerca da transição dos animais marinhos para os animais terrestres com quatro patas, o desenvolvimento de patas traseiras adaptadas à marcha só aconteceu depois de os primeiros vertebrados terem saído da água. Mas novos fósseis agora descritos de Tiktaalik roseae, um peixe pré-histórico de água doce que viveu há 375 milhões de anos, sugerem que as suas barbatanas traseiras já estavam preparadas para conquistar a terra firme. A descoberta foi publicada esta segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

“As teorias anteriores, baseadas nos melhores dados disponíveis, propõem que a mudança que fez a locomoção animal passar da ‘tracção dianteira’ dos peixes para a ‘tracção às quatro rodas’ aconteceu nos tetrápodes”, diz em comunicado Neil Shubin, da Universidade de Chicago (EUA), um dos autores do novo estudo. “Mas afinal, parece que, na realidade, esta mudança começou a verificar-se nos peixes e não nos animais com patas.”

Com a sua cabeça achatada e os seus dentes afiados, o Tiktaalik, que foi descoberto por Shubin e colegas em 2004, parece o cruzamento de um peixe com um crocodilo. Tem guelras, escamas e barbatanas, mas também, tal como os animais terrestres com quatro patas, um pescoço articulado, uma robusta caixa torácica e pulmões (embora primitivos).

Já se sabia que as barbatanas dianteiras do Tiktaalik eram suficientemente fortes para sustentar o seu corpo fora da água. Mas até aqui, explica o mesmo comunicado, nunca tinham sido encontrados fósseis da porção traseira deste peixe. Daí que se pensasse, com base em diversas análises anatómicas, que as suas barbatanas traseiras não podiam ter sido tão robustas como as dianteiras.

Desde a descoberta dos fósseis iniciais, no Norte do Canadá, e até a 2013, estes cientistas descobriram vários fragmentos adicionais do animal no mesmo local – e em particular, várias pélvis e uma barbatana pélvica do Tiktaalik. E quando analisaram os novos achados, ficaram surpreendidos ao constatar que a pélvis deste peixe era comparável à de alguns dos primeiros tetrápodes. Quanto à barbatana traseira, era quase tão comprida e complexa como a dianteira.

“Esta pélvis é espantosa”, diz Edward Daeschler, da Universidade Drexel (EUA), co-autor do estudo. “O Tiktaalik possuía uma combinação de características primitivas e avançadas (…) e parece ter usado as barbatanas [traseiras] como se de patas se tratasse.”

O estudo mostra que a pélvis do Tiktaalik, apesar de primitiva, tinha um tamanho, uma mobilidade e uma robustez que tornavam possíveis uma série de movimentos. “É razoável supor que o Tiktaalik usava as barbatanas traseiras à maneira de remos”, diz Shubin. “Mas também é possível que elas lhe permitissem caminhar.”
 


Descoberto “jardim zoológico” escondido de peixes fluorescentes

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 10/01/2014
No mar, dezenas de espécies de peixes brilham com cores que vão do verde ao vermelho passando pelo laranja – mas foi preciso um feliz acaso para descobrir este fenómeno, que ninguém sabia ser tão comum.
Um tubarão pata-roxa (Scyliorhinus retifer) a emitir luz verde fluorescente

 
 

Os peixes marinhos exibem uma diversidade de cores e padrões de biofluorescência

 

Um blénio (Enneapterygius sp.) visto em luz branca (acima) e em luz azul com um filtro amarelo (em baixo)

Uma equipa de cientistas contabilizou quase duas centenas de espécies de peixes que, quando iluminados em luz azul e vistos com filtros amarelos, brilham nas mais diversas cores e padrões. É a primeira vez que a existência deste fenómeno, dito de biofluorescência, é observado de uma forma tão ubíqua nos peixes. Os seus resultados foram publicados esta semana na revista online de acesso livre PLoS ONE.
 
“Já sabíamos há muito tempo que, debaixo da água, organismos como os corais e as medusas – e em terra as borboletas e os papagaios – exibiam o fenómeno de biofluorescência, mas nos peixes os casos registados eram raros”, diz em comunicado John Sparks, curador do Museu Americano de História Natural (AMNH) e um dos dois principais co-autores do trabalho. “Mas esta é a primeira vez que alguém olhou para a ampla distribuição da biofluorescência nos peixes.”
 
A biofluorescência consiste na absorção de luz por um organismo, que a seguir a transforma e a reemite noutra cor. E a paisagem revelada pelas câmaras e as formas de iluminação desenvolvidas especialmente para este estudo foi, no mínimo, colorida. Para mais, dizem os autores, a possibilidade de serem agora descobertos novos pigmentos biológicos fluorescentes poderá ter aplicações de peso em biomedicina.
 
Tudo começou de forma fortuita, relata o mesmo comunicado, quando Sparks e o seu colega do AMNH, o biólogo David Gruber, estavam a captar, ao largo das ilhas Caimão, imagens da fluorescência dos corais destinadas a integrar uma exposição itinerante daquele museu. Ao visionarem as fotografias, os cientistas viram de repente surgir, tal um fantasma vindo de outro mundo, uma enguia verde fluorescente.
 
Foi a partir daí que, juntamente com colegas das universidades de Yale, do Kansas (ambas nos EUA) e de Haifa (Israel), e ainda com a colaboração de profissionais da fotografia e do vídeo e a ajuda de equipamentos sofisticados, estes cientistas realizaram mais quatro expedições – desta vez às águas tropicais das Bahamas e das Ilhas Salomão – para ver se encontravam mais espécies de peixes fluorescentes.
 
No mundo subaquático, o tom dominante é o azul, porque o resto do espectro visível é absorvido pela água à medida que a profundidade aumenta. Mas de facto, muitos peixes absorbem por sua vez essa luz azul e reemitem-na tal como tubos de néon verdes, vermelhos ou cor de laranja. Porém, esse autêntico jogo de luzes submarino é invisível à vista desarmada: só pode ser visto em luz amarela.
 
Portanto, para conseguir ver essas cores, a equipa realizou mergulhos nocturnos durante os quais iluminou a água com luz azul de alta intensidade e registou tudo com câmaras dotadas de filtros amarelos. “Graças ao desenvolvimento de uma forma de iluminação que simula o ambiente luminoso do oceano e de câmaras capazes de capturar a luz fluorescente dos animais, conseguimos vislumbrar este universo biofluorescente escondido”, salienta Gruber.
 
Este “jardim zoológico” de peixes fluorescentes inclui peixes cartilaginosos (tais como tubarões e raias) e também peixes de esqueleto ósseo como as enguias e muitos outros. Trata-se frequentemente de espécies que vivem nos recifes de corais e que são exímias, graças aos padrões de cores que exibem na pele, na arte da camuflagem. Entre os peixes estudados nos diversos ambientes naturais e os que os cientistas puderam observar em aquários (também na escuridão da noite), a lista totaliza mais de 180 espécies. Dos tubarões às raias, dos tamboris aos cabozes, das enguias aos peixes-cirurgião, dos cabeçudos aos peixes-pedra, toda esta fauna se transforma, nas condições certas, num mundo de cores cintilantes.
 
Os cientistas pensam que os peixes utilizam essa sua capacidade para efeitos de comunicação e de acasalamento. Isto porque também observaram que a maioria dos peixes que brilham têm, justamente, filtros amarelos nos olhos – o que lhes permite ver os seus congéneres fluorescentes. “Os cabozes, os peixes-chatos, as enguias e os rascassos, que recorrem à camuflagem, são animais que nunca conseguiríamos ver durante um mergulho”, faz notar Sparks. “Para os nosso olhos, eles fundem-se literalmente com o que os rodeia. Mas para um peixe dotado de filtros intraoculares amarelos, devem sobressair como o nariz na cara.”
 
“Muitos organismos – e em particular muitos peixes – das águas pouco profundas dos recifes têm a capacidade de detectar a bioflurescência e poderão estar a usá-la (...) para encontrar os seus parceiros sexuais e para se camuflarem”, acrescenta Gruber. Alguns dos padrões de emissão fluorescente são específicos da espécie.
 
Uma outra conclusão a que os cientistas chegaram foi que os padrões de biofluorescência são extremamente variáveis: podem ser apenas anéis à volta dos olhos, mas também muco verde segregado pelos peixes e até há padrões de fluorescência muito complexos, externos mas também internos, que abrangem todo o corpo do peixe.
 
Uma potencial consequência dos resultados é que poderão abrir caminho à descoberta de novas proteínas fluorescentes. Ora, vale a pena lembrar que, em 2008, o Prémio Nobel da Química foi atribuído a três cientistas pela descoberta e a utilização de uma proteína fluorescente, produzida por uma pequena medusa que vive ao largo da costa oeste da América do Norte, no estudo microscópico dos organismos vivos. A proteína, designada GFP, esteve na origem de uma revolução na biologia, porque permitiu ver o invisível: tumores a crescer, neurónios a desenvolver-se no cérebro, proteínas a fazerem o seu trabalho dentro das células vivas. E hoje, o uso da GFP tornou-se tão generalizado que até serve nas artes plásticas e para fazer brinquedos fluorescentes.
 
“A descoberta de uma proteína verde fluorescente numa medusa nos anos 1960 forneceu uma ferramenta revolucionária aos biólogos, transformando o estudo de tudo e mais alguma coisa, desde o do vírus da sida até ao dos mecanismos cerebrais”, diz Gruber. “O nosso estudo sugere que a biofluorescência dos peixes poderia representar um reservatório muito rico de novas proteínas fluorescentes.”

http://www.publico.pt/n1619170

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Não há dois narizes iguais (e por isso o mesmo cheiro é diferente para cada pessoa)

Artigo publicado pelo jornal Público em 15/12/2013
Uma equipa testou a variabilidade olfactiva humana e descobriu que, entre duas pessoas, há pelo menos uma diferença média de 30% nos receptores olfactivos.
 

O cheiro de uma rosa difere consoante a pessoa que a cheira
O olfacto parece um sentido etéreo, mas a sua fisiologia reduz-se à química e física que foram sendo apuradas por milhões e milhões de anos de evolução. No ar há pequenas moléculas suspensas que entram nas nossas vias aéreas quando respiramos. Algumas dessas moléculas ficam presas junto do tecido olfactivo e ligam-se a proteínas que estão nas membranas de células neuronais. Quando essa ligação acontece, há um sinal eléctrico que chega ao cérebro causando uma sensação.
 
Só que a constelação destas proteínas que estão nas membranas destas células do órgão olfactivo variam de pessoa para pessoa, produzindo uma diferença média de 30%. Esta diferença pode mudar completamente a forma como duas pessoas sentem o cheiro da mesma rosa, mostra um artigo publicado recentemente na revista Nature Neuroscience.
 
No genoma humano existem 400 genes que são a receita matriz para a construção das 400 proteínas que estão nas células do tecido olfactivo e que se ligam às dezenas de milhares de moléculas que nós cheiramos. Mas na população existem muitas variações para cada gene. Há cerca de 900 mil variações destes 400 genes. Essas variações resultam em proteínas ligeiramente diferentes, que podem fazer que uma pessoa só sinta o cheiro de uma molécula quando ela está mais concentrada no ar do que outra pessoa.
 
A equipa de Hiroaki Matsunami, do Centro Médico da Universidade Duke, em Durham, Carolina do Norte, Estados Unidos, foi estudar esta variabilidade. Os investigadores clonaram 511 variantes de receptores olfactivos humanos diferentes em células que facilmente crescem em laboratório. Depois, submeteram cada receptor a 73 moléculas diferentes que causam uma sensação olfactiva, e analisaram as respostas. Chegaram à conclusão que “dois indivíduos têm uma diferença funcional de mais de 30% dos seus receptores” a nível genético, lê-se no artigo.
 
Esta diferença estará na origem de como cada um sente os odores e os percepciona de uma forma positiva ou negativa. “Há muitos casos em que uma pessoa gosta de um cheiro e outra não. Isso é muito comum”, diz Hiroaki Matsunami, citado num comunicado. “Nós descobrimos que os indivíduos podem ser muito diferentes ao nível dos receptores que produzem, o que significa que quando cheiram alguma coisa, os receptores que são activados podem diferir muito dependendo genoma.”

Genoma de um tubarão sequenciado pela primeira vez

Artigo publicado pelo jornal Público em 09/01/2014
A primeira descodificação do ADN de um tubarão fornece pistas sobre o sistema imunitário e a formação dos ossos nos vertebrados.
O ADN do tubarão-elefante escondia surpresas
Os tubarões (tal como as raias e alguns outros tipos de peixes) têm um esqueleto feito de cartilagem e não conseguem formar ossos. Agora, a primeira comparação dos genes do tubarão-elefante com o dos humanos e os de outros vertebrados permitiu a uma equipa internacional de cientistas perceber porquê. E também poderá pôr em causa a ideia de que certas células imunitárias são indispensáveis para combater as infecções. Os seus resultados foram publicados esta quinta-feira na revista Nature.
 
Os tubarões-elefante (Callorhinchus milii) vivem a profundidades de 200 a 500 metros nas águas temperadas ao largo das placas continentais do sul da Austrália e da Nova Zelândia. Os cientistas escolheram-nos entre cerca de mil espécies de peixes cartilaginosos porque o seu genoma é relativamente compacto (tem um terço do tamanho do genoma humano).
 
Uma das descobertas inesperadas feitas por Byrappa Venkatesh, da Universidade de Singapura, e os seus colegas, foi que o sistema imunitário do tubarão-elefante é mais simples do que o de muitos outros vertebrados. E, em particular, que está desprovido de linfócitos T – aquelas células que são o alvo principal do vírus da sida, que ao destruí-las anula as defesas imunitárias das suas vítimas humanas.
 
No entanto, as defesas dos tubarões são robustas e estes peixes vivem muitos anos. Como é que isso é possível se lhes faltam células consideradas essenciais para a luta contra vírus e bactérias? “É óbvio que os tubarões são capazes de lidar eficazmente com todo o tipo de infecções sem este tipo particular de células imunitárias”, diz Thomas Boehm, co-autor do Instituto Max Planck de Friburgo (Alemanha), em comunicado da sua instituição. “Isto sugere que a natureza consegue encontrar diferentes soluções para o mesmo problema.” Os novos resultados poderão portanto permitir descobrir abordagens alternativas para reforçar a imunidade nos seres humanos, mesmo na ausência de linfócitos T, especulam os autores.
 
A análise genética também permitiu identificar uma família de genes essenciais ao desenvolvimento ósseo, que todos os vertebrados como nós possuem mas os tubarões não. E quando os cientistas inactivaram estes genes em peixes-zebra, pequenos peixes dotados de um esqueleto ósseo como tantos outros, estes animais não conseguiram calcificar a cartilagem para a transformar em osso. Os cientistas pensam que este resultado poderá permitir perceber melhor doenças como a osteoporose.
 
Os peixes cartilaginosos são o mais antigo grupo de vertebrados com maxilares na árvore da evolução, tendo-se separado dos vertebrados com esqueletos ósseos há cerca de 450 milhões de anos. E como o estudo revelou ainda que o genoma do peixe-tubarão evolui mais lentamente do que o de qualquer outro vertebrado, é provável que esta espécie seja a mais parecida, fisicamente, com o antepassado comum a todos os vertebrados com maxilares que vivem ou alguma vez viveram no nosso planeta, explica o mesmo comunicado.

Cientistas reconstituem osso humano a partir de células de gordura

Notícia da LUSA publicada na rubrica Saúde da Sapo.
A gordura contém 500 vezes mais células estaminais do que a medula.

Um grupo de cientistas belgas desenvolveu uma inovadora técnica para reconstruir partes de osso humano danificado a partir de células estaminais extraídas da gordura corporal do paciente, noticiam hoje os media locais.

Este método, até agora nunca utilizado, poderá revolucionar o tratamento de fraturas ósseas e de doenças como o cancro ósseo, segundo os responsáveis do projeto científico da Universidade Católica de Lovaina (norte da Bélgica).

A técnica baseia-se no cultivo de células estaminais extraídas da gordura corporal do paciente, com as quais se cria uma espécie de pasta moldável capaz de ser reimplantada nas partes do osso danificadas.

Esta descoberta "provém da vontade de procurar soluções, principalmente para os jovens pacientes com cancro do osso", explicou o coordenador do projeto, Denis Dufrane, em declarações ao diário "Le Soir".

Até agora, na maioria das tentativas de regenerar ossos humanos foram empregadas células estaminais da medula espinal, "com resultados dececionantes", disse o especialista.

"Descobrimos que a gordura continha 500 vezes mais células estaminais do que a medula, e além disso podia converter-se em osso e resistir perfeitamente à privação de oxigénio e de vasos sanguíneos", explicou Dufrane.

Os cientistas mostram-se "entusiasmados" após testar o método em 11 pacientes que sofriam de uma degeneração dos discos vertebrais e doenças que impediam a regeneração óssea espontânea, entre as quais tumores ósseos ou disfunções metabólicas como a síndrome de Blackfan-Diamond.

Em todos os casos, a implantação de "osso artificial" permitiu a regeneração das partes danificadas sem que se observassem fraturas posteriores.

Antes, os pacientes sofriam fraturas repetidas, múltiplas intervenções e longos períodos de hospitalização, assinalaram os peritos.