quinta-feira, 16 de maio de 2013

Alzheimer, retinopatia diabética e cancro na mira dos Prémios Bial

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 29/04/2013.
"Muitas doenças não surgem de repente, mas quando se declaram é tarde para agir. Este ano, a Fundação Bial recompensa trabalhos científicos focados no diagnóstico precoce e na prevenção de doenças devastadoras.
Peter St. George-Hyslop (à esquerda) e José Cunha-Vaz
A doença de Alzheimer, que rouba às vítimas memória e identidade; as retinopatias decorrentes da diabetes, consideradas uma das maiores causas de cegueira no mundo; e o cancro. Todas estas doenças começam por fases “silenciosas”, indetectáveis. Os seus sintomas clínicos podem demorar décadas a manifestarem-se.
Mas existem sinais precursores que, ao serem “apanhados” a tempo, poderiam permitir diagnosticá-las com suficiente antecedência — e, um dia, travá-las e mesmo curá-las. Todos os galardoados da edição 2012 dos prémios da Fundação Bial — um cientista canadiano, um português e dois espanhóis, cujos nomes são hoje divulgados — desbravaram novas abordagens na prevenção e no diagnóstico precoce de uma destas três doenças.

O Grande Prémio Bial de Medicina, no valor de 200 mil euros, vai para Peter St. George-Hyslop, da Universidade de Toronto (Canadá) e da Universidade de Cambridge (Reino Unido), investigador de renome mundial pelas suas descobertas sobre factores de risco genéticos para a doença de Alzheimer e outras doenças degenerativas do cérebro. Com a sua equipa, St. George-Hyslop identificou nomeadamente as primeiras “presenilinas” — uma família de proteínas cujo fabrico é comandado por genes cujas mutações são responsáveis pela maior parte dos casos de doença da Alzheimer familiar precoce.

Mas não só: também descobriu que as doenças neurodegenerativas em geral, e a doença de Alzheimer em particular, apresentam justamente longos períodos assintomáticos que podem ir até aos 15 anos. “Esta descoberta tem duas consequências essenciais”, escreve George-Hyslop na sua candidatura ao prémio. “Primeiro, representam uma oportunidade sem precedentes para detectar e tratar as pessoas em risco muito antes de se verificarem lesões cerebrais permanentes. Segundo, os estudos epidemiológicos revelam que se esta fase pré-sintomática pudesse ser prolongada por apenas mais cinco anos, o resultado seria uma redução de 50% do número de casos.”

O contemplado pelo Prémio Bial de Medicina Clínica, num montante de 100 mil euros, é José Cunha-Vaz, conhecido oftalmologista da Universidade de Coimbra e presidente da Associação para a Investigação Biomédica e Inovação em Luz e Imagem. “É geralmente aceite que muitos doentes diabéticos, mesmo passados muitos anos, nunca desenvolvem alterações da retina que ponham em causa a sua visão, mantendo uma boa acuidade visual”, escreve Cunha-Vaz.

“Mas há também doentes que só uns anos depois de se tornarem diabéticos apresentam uma retinopatia que progride rapidamente e pode não responder aos tratamentos disponíveis.” Era esse o grande desafio e a equipa de Cunha-Vaz conseguiu, nos últimos anos, caracterizar de forma mais precisa as fases iniciais da doença nos diabéticos, identificando diversos padrões de evolução associados a um maior ou menor risco de lesões graves e de cegueira.

Mais precisamente, os cientistas desenvolveram, por um lado, um software de análise de imagens digitais da retina e, por outro, uma técnica de imagem que permite quantificar as alterações da chamada “barreira hemato-retiniana” — alterações essas que a equipa mostrou “serem das mais precoces a ser detectadas na fase pré-clínica” da doença.

Por último, duas menções honrosas, no valor de 20 mil euros cada, foram atribuídas a Manel Esteller e a Pedro Medina, respectivamente do Instituto de Investigações Biomédicas de Bellvitge de Barcelona e da Universidade de Granada (Espanha). Ambos estudam o papel desempenhado no cancro, não pela própria molécula de ADN, mas por substâncias de estrutura semelhante: as pequenas moléculas de ARN, envolvidas na transmissão da informação genética contida no ADN para o local das células onde as proteínas são sintetizadas. E mostraram, cada um por seu lado, que as moléculas de ARN podem ser essenciais à progressão dos tumores cancerosos, ora promovendo o seu crescimento, ora contrariando-o. Estes trabalhos têm potenciais aplicações na detecção, prognóstico e tratamento do cancro.

A cerimónia de entrega dos prémios realizar-se-á no dia 14 de Maio no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto."

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