sexta-feira, 23 de março de 2012

Hepatite Viral

Dada a importância do tema para a defesa da saúde pública, e dos jovens em particular, fica o registo de uma entrevista efetuada pela SAPO Saúde ao gastroenterologista Dr. José Mendonça Santos.

"ENTREVISTA:
Poderia explicar-nos em que consiste a hepatite viral em oposição a outro tipo de hepatite?

Hepatite, significa “inflamação do fígado”. Vários agentes podem dar origem a uma hepatite, desde a acumulação excessiva de gordura no fígado ou esteatose, numa forma grave, a esteatohepatite, o consumo de álcool em excesso, ou hepatite aguda alcoólica (as lesões mais frequentemente associadas ao álcool são crónicas, como a cirrose hepática), medicamentos vários em pessoas suscetíveis, alguns alimentos, como os cogumelos do género amanita phalloides, plantas, doenças autoimunes, em que o organismo desencadeia a formação de anticorpos para agentes agressores mas que, por razões desconhecidas, acabam por lesar células do próprio organismo, neste caso o fígado, bactérias e alguns vírus, causadores de hepatite chamada, neste caso, hepatite viral.

Qual dos vírus da hepatite é mais perigoso para o homem?

Os principais vírus que causam hepatite são os designados pelas primeiras letras do alfabeto, (as designações foram sendo acrescentadas à medida que foram sendo descobertos novos vírus – A, B, C, D, E, G). A esmagadora maioria das hepatites virais são causadas pelos vírus A, B ou C, sendo que apenas as duas últimas (B e C) são perigosas – a hepatite causada pelo vírus A não evolui para formas crónicas e os casos mortais na fase aguda são verdadeiramente excecionais. Outros vírus, D, E, G, herpes, etc, pela reduzida frequência, não merecem, aqui, menção especial.

Que tipo de cuidados e recomendações devemos seguir para evitar contrair esta infeção?

A prevenção da hepatite A reside em medidas higiénicas – o contacto é feito através de produtos fecais e lavagem inadequada das mãos ou ingestão de alimentos contaminados e não devidamente lavados ou cozinhados – saladas, marisco de viveiros contaminados por água de esgotos, etc.
Em áreas de risco endémico (África, Oriente, Américas Central e do Sul) deve-se evitar o consumo de água de garrafas que já tenham sido abertas, não beber bebidas com gelo, que poderá ter sido feito a partir de água contaminada, não comer marisco (amêijoas, ostras, etc.).
Em relação aos vírus B e C, a sua transmissão faz-se, no mundo ocidental através do contacto com sangue de doentes contaminados – antigamente as transfusões sanguíneas (até ao início da década de 1990), hoje, por partilha de objetos que entrem em contacto com sangue – tatuagens, piercings, acupuntura, escovas de dentes ou material de barbear, etc., mas, sobretudo, partilha de seringas, nos toxicodependentes (60 a 80% dos toxicodependentes são, em Portugal, positivos para o vírus da hepatite C).
No caso da hepatite B, existe também um risco significativo de transmissão sexual, pelo que se devem abster de ter relações de risco e, preferencialmente, usar sempre preservativo. Hoje dispomos de vacinas eficazes para as hepatites A e B, incluídas no Programa Nacional de Vacinação. A vacina da hepatite C, por enquanto está fora do horizonte a curto/médio prazo.
Quanto à vacinação da hepatite A, está aconselhada a pessoas que lidam com alimentos, que trabalham com crianças, em creches e infantários, toxicodependentes, trabalhadores de limpeza de lixo e esgotos e quem queira viajar para zonas de alto risco, como África, América Latina e Oriente, não esquecendo que a vacina necessita de um mês para se tornar eficaz. Certos indivíduos possuem defesas imunitárias capazes de produzir anticorpos que atacam os agentes infeciosos. No entanto, nem todos são capazes de travar por completo o ataque do vírus.

A que se deve o facto de umas pessoas conseguirem expulsar o vírus e outras não?

A capacidade de eliminação espontânea dos vírus causadores de hepatite, excetuando o da hepatite A, é muito baixa; contudo, nem todos os casos tendem a evoluir para formas crónicas – apenas uma minoria de casos de hepatite B tenderão a evoluir para formas crónicas, enquanto que 50 a 85% dos casos de hepatite C evoluirão para a cronicidade.

Em relação à pergunta anterior, existem cuidados a ter em conta para fortalecer o nosso organismo?

As únicas atitudes que podemos tomar com vista a reforçar as nossas defesas em relação aos vírus da hepatite são evitar agressões por outros agentes potencialmente hépato tóxicos, como o álcool, rigorosamente proibido a menores e muito limitado ao sexo feminino que apresenta, geneticamente, uma tolerância muito inferior ao homem, tomar apenas medicação prescrita por médicos – muitos medicamentos, mesmo do dia-a-dia, como o paracetamol são, a partir de certas doses e pessoas mais suscetíveis, agressivos para o fígado, não consumir “drogas de abuso”, etc. Todos estes agentes fragilizam as células do fígado e as defesas do organismo, dum modo geral, e potenciam a agressividade dos vírus, sendo o exemplo mais bem estudado o efeito aditivo do álcool e do vírus C.

Que tipo de cuidados deve ter uma pessoa que contrai Hepatite Viral?

Qualquer pessoa a quem seja diagnosticada uma hepatite deve ser seguida pelo seu médico de família ou especialista – Gastrenterologista ou Hepatologista. No caso da hepatite A, transmissível por via fecal-oral (ingestão de material contaminado por conteúdo fecal), obriga a reforço das medidas normais de higiene, como a lavagem frequente das mão, não só após a utilização dos sanitários, como antes da preparação de alimentos.
Nos casos de hepatites B e C, deve ser estudada a situação de defesa do parceiro(a) sexual relativamente ao vírus em questão e, no caso do vírus B, usar obrigatoriamente preservativo se não houver anticorpos adequados. Por agora só foram desenvolvidas vacinas para a hepatite A e a hepatite B, no entanto, já foram descobertas substâncias que podem travar a multiplicação dos vírus.

Como prevê o futuro da luta contra a doença?

Quanto ao tratamento, a evolução de novas armas terapêuticas tem sido razoavelmente rápida, pelo que as expectativas no que ao tratamento diz respeito, são otimistas; não obstante, atualmente, não devemos contar com percentagens de erradicação do vírus C em mais de 50% e, ainda menos para o vírus B- 15 a 45%. Atualmente, em todo o mundo, estima-se que existam cerca de 350 milhões de portadores do vírus da Hepatite B e 170 milhões portadores da Hepatite C.

A vacinação está a abranger uma grande percentagem da população? Está já a travar o avanço?

A vacinação está a abranger uma diminuta parte da população mundial porque, onde mais falta faria, nos países do terceiro mundo, os locais de maior prevalência, não há dinheiro para campanhas de vacinação ou sequer para educação sanitária, pelo que estas doenças continuarão a ser endémicas, inclusivamente com elevada taxa de transmissão vertical, isto é, de mãe infetada para o filho, aquando do parto".

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