A sua existência foi prevista há mais de cem anos por Albert Einstein, mas só em 2015 foram detectadas pela primeira vez. O trio de físicos que há décadas andava atrás das ondas gravitacionais viu agora o seu esforço reconhecido ao mais alto nível.
3 de Outubro de 2017
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Albert Einstein, que transformou profundamente a visão que temos do Universo com a sua teoria da relatividade, do início do século XX, acertou outra vez. E tão certo estava que as ondas gravitacionais previstas teoricamente por ele há mais de 100 anos, mas fugidias a qualquer detecção durante décadas e décadas, foram finalmente registadas em Setembro de 2015 por dois grandes detectores nos Estados Unidos. Foi esse extraordinário feito científico, provando que as ondas gravitacionais existiam mesmo, que recebeu o Prémio Nobel da Física de 2017, atribuído esta terça-feira a um trio de investigadores nos Estados Unidos: Rainer Weiss (do Instituto de Tecnologia do Massachusetts), Barry Barish e Kip Thorne (ambos do Instituto de Tecnologia da Califórnia).
Na teoria da relatividade geral de 1915, Einstein descreve a gravidade como uma deformação do espaço-tempo. A matéria (e energia) deforma o espaço-tempo, o tecido que constitui o próprio Universo, criado há 13.800 milhões de anos pelo Big Bang. Uma maneira de ilustrar esta ideia da deformação do espaço-tempo pela matéria é pensar que o tecido do Universo é como uma folha de borracha elástica que é curvada por objectos pesados colocados em cima dela – como as estrelas, os planetas, mas também buracos negros ou galáxias inteiras. Por exemplo, o nosso Sol, que tem mais massa do que todos os planetas do sistema solar, vai deformar mais do que eles a “folha elástica” do espaço-tempo. Por isso, um objecto com menos massa do que o Sol que esteja nas suas proximidades, como os planetas do nosso sistema solar, vai ser atraído na direcção do objecto mais maciço e girar ao longo de uma linha curva e espiral.
Quando elaborou a sua obra-prima, Einstein já mencionava as ondas gravitacionais, mas viria a explicá-las melhor num artigo científico em 1918. As ondas de que Einstein falava são assim perturbações, ou ondulações, no espaço-tempo provocadas por qualquer objecto com massa em movimento, em particular objectos muito maciços como os buracos negros (estrelas com muita massa que morreram e originaram objectos superdensos de onde nem a luz escapa). Einstein previu que, na folha elástica do espaço-tempo, o movimento provoca ondas, tal como um navio deixa ondas na água. Ou como quando atiramos uma pedra para um charco.
Durante muitos anos, o próprio Einstein estava convencido de que nunca seria possível detectar as ondas gravitacionais e pensava que talvez até não passassem de uma ilusão matemática, como se lê na informação divulgada pela Real Academia Sueca das Ciências na cerimónia do anúncio do Nobel da Física de 2017. Só no final dos anos 50 a existência das ondas gravitacionais começou a ter alguma aceitação, ainda que muitos cientistas continuassem a duvidar delas, bem como da existência dos buracos negros.
A caça às ondas gravitacionais – conhecidas também por “mensageiros de Einstein” – começou nos anos 60. Joseph Weber, da Universidade de Maryland (EUA), construiu o primeiro detector para tentar captar as minúsculas ondulações provocadas no espaço-tempo por buracos negros. Causou um grande burburinho quando, nos anos 70, Weber disse que tinha detectado ondas gravitacionais. “No entanto, ninguém conseguiu repetir os resultados de Weber e as suas observações foram consideradas um falso alarme”, lembra a informação da Real Academia Sueca das Ciências.
À esquina do L
Apesar deste contexto de grande cepticismo, tanto Rainer Weiss como Kip Thorne acreditavam que seria possível detectar as ondas gravitacionais. E enquanto Rainer Weiss analisava fontes de ruído que poderiam perturbar as medições e concebia um detector de ondas gravitacionais (um interferómetro a laser) para ultrapassar esse problema, Kip Thorne começou a trabalhar com Ronald Drever, que já tinha construído os seus primeiros protótipos na Escócia. Drever (que morreu em Março deste ano) acabou por se juntar a Kip Thorne no Instituto de tecnologia da Califórnia. Juntos, Rainer Weiss, Kip Thorne e Ronald Drever trabalharam no desenvolvimento de um interferómetro a laser para detectar ondas gravitacionais. Um interferómetro é composto por dois grandes braços em forma de L, cada um com cerca de quatro quilómetros de comprimento: na esquina do L e nas suas extremidades encontram-se suspensos espelhos gigantescos. “A passagem de uma onda gravitacional afecta os braços do interferómetro de forma diferente – quando um dos braços é comprimido, o outro é esticado”, explica ainda a academia. “Um feixe de laser reflectido entre os espelhos mede alterações no comprimento dos braços. Se nada acontece, os feixes de laser que andam de um lado para o outro anulam-se uns aos outros quando se encontram à esquina do L. Mas se há alterações no comprimento de um dos braços do interferómetro, a luz [do laser] já viaja distâncias diferentes e, por isso, as ondas de luz perdem a sincronização e a intensidade da luz resultante sofre alterações no local onde os feixes se encontram.”
Ora a criação de um observatório com dois destes grandes detectores em forma de L teve como fundadores, na década de 80, Kip Thorne, Rainer Weiss e Ronald Drever. É a colaboração LIGO, ou Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory, em que um dos detectores está em Livingston (na Louisiana) e o outro em Handford (no estado de Washington). O LIGO começou a ser projectado em 1992. Ronald Drever seguiria depois outro caminho. Mas Kip Thorne manteve-se envolvido em análises sofisticadas e cálculos avançados necessários para o desenvolvimento do LIGO. E Rainer Weiss dedicou-se à invenção de tecnologias muito engenhosas capazes de apanhar as ondas gravitacionais, e essa foi a sua grande contribuição, que a Real Academia Sueca das Ciências considera pioneira.
Em 1994 entrou em cena Barry Barish, que assumiu então a liderança do LIGO e foi decisivo para que o projecto passasse de um pequeno grupo de investigação de 40 pessoas para uma colaboração internacional com mais de mil investigadores de mais de 20 países.
Depois de tanto tempo a desenvolver os instrumentos e a tentar registar as pequeníssimas perturbações deixadas pela passagem das ondas gravitacionais, o grande momento do LIGO chegou a 14 de Setembro de 2015. Após uma paragem de sete anos para melhorias, os seus dois detectores tinham finalmente conseguido medir uma ondulação no espaço-tempo provocada pela colisão de dois buracos negros a 1300 milhões de anos-luz de distância de nós. Como as ondas gravitacionais viajam também à velocidade da luz, essa ondulação gerada pela fusão violenta desses dois monstros de matéria demorou esse tempo todo a chegar à Terra. Um dos buracos negros tinha uma massa igual a 29 vezes a massa do Sol e o outro 36 vezes. E o buraco negro resultante da fusão tinha 62 vezes a massa do Sol, pelo que as três massas solares em falta foram emitidas na forma de ondas gravitacionais. A onda que chegou à Terra passou primeiro pelo detector de Livingston e sete milissegundos depois surgiu em Handford, a três mil quilómetros de distância.
Era um momento histórico, que foi anunciado em Fevereiro de 2016 e notícia em todo o mundo. Depois disso, as ondas gravitacionais foram detectadas mais três vezes (a 26 de Dezembro de 2015, 4 Janeiro e 14 de Agosto de 2017) e também tiveram origem na colisão de buracos negros. A última dessas detecções foi divulgada apenas há cerca de uma semana e, desta vez, a onda foi registada tanto pelos dois detectores do LIGO como pelo detector Virgo, perto de Pisa (em Itália), que passaram a trabalhar em colaboração.
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Ao telefone na cerimónia de anúncio do Prémio Nobel, Rainer Weiss contou o que sentiu quando uma onda gravitacional foi captada pela primeira vez: “Muitos de nós não acreditávamos. Levámos dois meses a convencermo-nos. Agora ninguém duvida que detectámos ondas gravitacionais.”
Todos ligados ao projecto LIGO e ao Virgo, Rainer Weiss, Barry Barish e Kip Thorne foram distinguidos com este prémio hiperprestigiado “pelas suas contribuições decisivas para o detector LIGO e a observação das ondas gravitacionais”. Metade do prémio (no valor monetário de nove milhões de coroas suecas, ou 940 mil euros) vai para Rainer Weiss, que nasceu em Berlim, e a outra metade é partilhada entre Barry Barish e Kip Thorne, ambos nascidos nos Estados Unidos.
Um feito científico, atrevemo-nos a dizer, que Einstein teria gostado.
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