terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Quando uma matriarca elefante morre, uma das filhas herda o seu estatuto social

- Público

Ditado de elefantes: “Se uma cair, outra levanta-se.” Esta parece ser de facto a fórmula que garante a resiliência das sociedades matriarcais de paquidermes africanos à caça ilegal de que têm sido alvo.
Duas jovens fêmeas de famílias diferentes interagem sob o olhar de uma parente mais velha
É a “transmissão vertical” da posição social que, no seio das manadas de elefantes africanos (Loxodonta africana), tem permitido a estas complexas sociedades matriarcais resistirem à dizimação dos seus elementos mais experientes por caçadores furtivos. Os resultados foram publicados na revista Current Biology.
 
Segundo as estimativas, caçadores ilegais mataram 100.000 elefantes africanos entre 2010 e 2012, explica um comunicado daquela revista. Como explicar então que, apesar deste massacre — que atinge fortemente as matriarcas decanas devido ao maior tamanho das suas presas de marfim —, a estrutura social das manadas de elefantes se tenha mantido estável? A resposta chegou agora.
 
Shifra Goldenberg, Iain Douglas-Hamilton e George Wittemyer, das universidades de Oxford (Reino Unido) e do Colorado (EUA) e da organização sem fins lucrativos Save the Elephants, com sede em Nairobi (Quénia) — e fundada pelo co-autor Iain Douglas-Hamilton —, estudaram, ao longo de 16 anos, os padrões de agrupamento social das fêmeas adultas de elefantes que vivem no Norte do Quénia. Os seus resultados mostram que as filhas das matriarcas ocupam frequentemente a posição social da mãe quando esta morre — seja de velhice ou das balas dos caçadores.
 
“Ficámos surpreendidos ao constatar a importância que a rede social da mãe tem para os novos laços sociais da filha”, diz Shifra Goldenberg, citada pelo comunicado. “Já tínhamos observado, no passado, jovens fêmeas a juntar-se a parceiras imprevistas, mas agora percebemos que as mães dessas jovens já se conheciam e tinham passado um tempo juntas.”
 
Os elefantes vivem em grupos que incluem fêmeas e as suas crias, formados por várias famílias relacionadas entre si, sendo uma fêmea adulta — a matriarca — que lidera cada família. Estudos anteriores da estrutura social das manadas já tinham revelado uma complexidade social comparável à das sociedades humanas. Ainda segundo o mesmo documento, os autores do actual estudo também analisaram agora a forma como as fêmeas do grupo que tinham filhas — e que desempenhavam um importante papel enquanto matriarcas — modelavam a vida social das suas filhas — ou seja, preparavam-nas para o desempenho do “cargo”.
 
Em particular, os cientistas conseguiram prever qual iria ser, após uma disrupção social no grupo devido à morte de matriarcas, a posição social de uma dada filha com base no que fora a posição social da sua mãe nos anos anteriores. “Esta capacidade de a filhas preencherem o lugar deixado vago pelas mães é o motor da resiliência da rede social [dos grupos de elefantes]”, lê-se ainda no comunicado.
 
De um modo geral, em caso de morte de matriarcas, eram as filhas mais velhas e mais experientes que passavam a ocupar esses “nós” centrais da rede social. E em situações extremas, quando as famílias do grupo perdiam a maior parte dos seus adultos, os elefantes criavam novas redes de relações mais distantes.
 
Isso tem permitido a manutenção da rede social dos elefantes do Quénia, apesar de uma taxa de “renovação” das fêmeas adultas que nos 16 anos do estudo rondou os 70%!
 
“O facto de os elefantes serem socialmente resilientes é importante e entusiasmante: mostra a sua resiliência inata face a essa ‘desafortunada’ pressão humana” que é a caça furtiva, diz Shifra Goldenberg.
 
“Teria sido expectável que uma sociedade centrada em matriarcas como estes grupos de elefantes se desmoronasse devido à perda das matriarcas, mas o nosso estudo mostra que estes animais são capazes de se adaptar a este tipo de mudanças”, salienta a investigadora.
 
“O nosso estudo demonstra que essa robustez social existe tanto nos grupos de elefantes confrontados com perdas menores, como nos que sofrem grandes perdas”, diz George Wittemyer. “Permite um certo optimismo quanto à capacidade de recuperação dos elefantes, desde que consigamos aliviar a pressão gerada pelas agressões humanas.”
 
É esta mesma “resiliência das redes” que faz com que uma rede global de computadores como a Internet resista aos ataques exteriores. Muitos “nós” da rede podem ir abaixo, mas há sempre alternativas que mantêm a rede funcional. Mas, como faz notar a revista Nature, o fenómeno é raramente observado na natureza.

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