quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A Precaridade do Conhecimento

O artigo de Nicolau Ferreira que a seguir se transcreve, vem, mais uma vez, recordar-nos que todo o conhecimento é efémero e que perante novos dados, cabe aos cientistas elaborar as teorias que melhor respondam às novas situações. A ciência é, assim, um edifício em permanente construção e remodulação, em que a única certeza é a mudança. O par ciência-tecnologia, numa estreita relação biunívoca tem levado a que o conhecimento pule e avance num ritmo cada vez mais alucinante.
"Observações da sonda Messenger obrigam a repensar teorias sobre formação de Mercúrio.
Dados da sonda Messenger mostram que planeta Mercúrio ainda pode estar geologicamente activo.

Nicolau Ferreira
O resultado dos primeiros 90 dias de órbitas da Messenger ao planeta mais próximo do Sol foi publicado na Science. O que se sabe sobre Mercúrio mudou.
Não há nada como ver os objetos de perto para os conhecer melhor, e a última vez que se olhou com atenção para Mercúrio foi há 37 anos, com a sonda Mariner 10. Teorias sobre o planeta mais pequeno do Sistema Solar foram feitas a partir destes resultados, mas tudo mudou com a Messenger. A sonda que foi enviada em 2004 começou a orbitar o planeta a 18 de Março deste ano e os dados dos primeiros 90 dias já obrigaram os cientistas a deitar fora estas teorias, de acordo com sete artigos publicados agora na revista Science.
“A presença em abundância de enxofre e potássio na superfície de Mercúrio mostra que o planeta não sofreu as altas temperaturas no início da sua história que pareciam prováveis nas teorias sobre a formação de Mercúrio”, disse Sean Solomon, um dos vários autores dos sete artigos, que trabalha no Instituto Carnegie, em Washington, e que foi o cientista escolhido pela Science para conversar num podcast.
Solomon explica que o tamanho de Mercúrio e as forças gravíticas entre os planetas do Sistema Solar levaram gerações de cientistas a concluir que a quantidade de ferro presente no planeta tinha que ser muito maior do que a que existe nos outros planetas do interior do Sistema Solar – Vénus, Terra e Marte. Ou seja, Mercúrio é um planeta densíssimo, com um terço do diâmetro da Terra, com imenso ferro. Em 1974, a Mariner 10, que fez três aproximações a Mercúrio – nunca orbitou o planeta como a Messenger –, confirmou esta visão.
As teorias que foram nascendo sobre a sua formação envolviam ou altas temperaturas vindas do Sol, que queimaram uma parte mais externa e mais rochosa do planeta e deixaram a versão mais pequena e mais metálica que hoje conhecemos. Ou um outro objeto com um tamanho semelhante ao de Mercúrio embateu contra este e arrancou essa camada mais rochosa, com a ajuda de altas temperaturas. Em ambos os casos, e de acordo com o que se sabe hoje, se isto realmente tivesse acontecido grande parte do potássio e do enxofre que se encontrou agora à superfície do astro teria sido volatilizado. Por isso, o cientista é perentório, há que “repensar todas as ideias sobre a formação de Mercúrio”.
O espectrómetro de raios X foi o instrumento que permitiu medir estes elementos na superfície do planeta e faz parte dos seis instrumentos principais da Messenger, cujo nome é uma espécie de acrónimo para Mercury Surface, Space Environment, Geochemistry and Raging.
Os instrumentos trouxeram mais surpresas. Os cientistas descobriram uma camada de lava solidificada que cobre seis por cento da área do planeta, o equivalente a três quintos dos Estados Unidos, e tem uma espessura de mais de um quilómetro. A lava brotou de rachas na superfície em grandes quantidades, num fenómeno de vulcanismo que durou pouco tempo e aconteceu entre 3,5 e quatro mil milhões de anos atrás. Esta lava seria tão quente que derretia a superfície, provocando sulcos.
A equipa também descobriu uma paisagem nunca vista, formada por muitos buracos sem bordas, adjacentes, que ocorrem em zonas de substratos brilhantes no meio de crateras de impacto de meteoritos. “A melhor explicação é que há um material destes depósitos que sublimou”, defendeu Solomon. As altas temperaturas diurnas de Mercúrio podem ter volatilizado alguma substância, formando estas concavidades. Isto mostra que ainda “é possível que Mercúrio esteja geologicamente ativo”, disse o cientista, acrescentando que a sua superfície pode estar a alterar-se pela perda de alguns materiais.
A sonda tem pelo menos mais seis meses de observação se a NASA não quiser prolongar os trabalhos. Solomon espera que prolongue. O Sol está a atingir o pico do seu ciclo de atividade e, segundo o cientista, é um privilégio ter um observatório que testemunha esta interação com o planeta mais próximo da sua estrela. Isto e tentar perceber como é que astros irmãos como Mercúrio, Vénus, Marte e Terra são hoje tão diferentes".

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