quarta-feira, 18 de junho de 2014

Chuva de cálcio e alumínio para explicar diferenças entre os dois lados da Lua

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 16/06/2014
Há 55 anos, quando foi visto pela primeira vez, o lado oculto da Lua surpreendeu pela ausência dos grandes mares de basalto que existem no lado visível. Uma explicação é avançada agora.
O lado visível da Lua (à esquerda) e o lado oculto da Lua (à direita)
Mais montanhoso, com muitas crateras e uma crosta mais espessa, o lado oculto da Lua tem características geológicas muito diferentes do lado que vemos a partir da Terra. A primeira vez que o lado escondido foi fotografado, pela sonda soviética Luna 3, em 1959, os cientistas ficaram surpreendidos pela ausência dos mares – as grandes e escuras planícies de basalto que se espalham pelo lado visível da Lua. Agora, uma equipa de cientistas explica, na revista The Astrophysical Journal Letters, que a origem deste mistério descoberto há 55 anos remonta ao início da história da Lua.
 
Os mares escuros da Lua são o resultado de actividade vulcânica antiga. Um dos mais conhecidos é o Mar da Tranquilidade, onde o módulo lunar da Apolo 11 pousou, em Julho de 1969, e a humanidade, simbolizada naquele momento por Neil Armstrong, caminhou pela primeira vez na Lua. Estes mares formaram-se depois de o embate de grandes meteoritos ter furado a crosta da Lua e o material magmático, que estava no manto, ter vindo à superfície em forma de lava basáltica.
 
No passado, os cientistas já tinham descoberto que a ausência destes mares no lado escondido estava relacionada com a espessura da crosta. “De forma grosseira, a crosta da Lua tem 20 a 30 quilómetros de espessura no lado mais próximo e 30 a 60 quilómetros no lado mais longínquo”, explica ao PÚBLICO Arpita Roy, autora do artigo com Jason Wright e Steinn Sigurðsson, os três da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos.
 
Esta crosta mais espessa fez com que os impactos dos meteoritos não furassem completamente a crosta, impedindo que a lava se libertasse. Apesar de a questão da ausência dos mares estar explicada, surgiu uma nova pergunta: por que é que existe uma assimetria na espessura da crosta dos dois lados da Lua?
 
Para responder à questão, a equipa analisou os processos iniciais de formação da Lua. É necessário recuar cerca de 4500 milhões de anos, quando o sistema solar tinha apenas 100 milhões de anos. Nessa altura, a Terra já estava quase formada, quando um corpo do tamanho de Marte, chamado Teia, embateu contra o nosso planeta. De acordo com a teoria prevalecente, este embate lançou uma grande quantidade de materiais para o espaço em redor da Terra. E foram esses materiais que originaram a Lua, num período de tempo recorde.
 
“O que se pensa é que a Lua demorou entre um e 100 anos a formar-se. O disco [de material] formou-se imediatamente após o impacto e, quase de imediato, os detritos maiores do disco terão começado a colidir e a colar-se uns aos outros, formando grandes pedaços de rocha completamente rodeada por gás”, descreve Arpita Roy.
 
Ao mesmo tempo, a Lua ficou com a sua órbita presa ao nosso planeta. Isto significa que o tempo que o satélite demora a dar uma volta em torno da Terra é o mesmo tempo que demora a dar uma volta sobre si mesmo. Por isso, a Lua apresenta sempre a mesma face para a Terra.
 
Segundo os cientistas, esta rotação sincronizada da Lua em relação à Terra acabou por definir o que se seguiu. Quando Teia colidiu com a Terra, provocou a vaporização e fusão da crosta e manto do nosso planeta. Aqueceram muito, chegando a alcançar temperaturas de 10.000 graus Celsius. Numa altura em que a Lua estava 10 a 20 vezes mais próxima do nosso planeta do que hoje, esse calor foi um autêntico aquecedor da sua face virada para a Terra. “A quantidade de calor que a Lua recebeu foi centenas de milhares de vezes maior do que a Terra recebe hoje do Sol”, diz a investigadora.
 
Este fenómeno provocou a assimetria geológica descoberta há mais de meio século. Como só um lado da Lua apanhava com este calor, o outro lado, mais distante, arrefeceu mais rapidamente. Ao arrefecer mais depressa no lado oculto, as partículas de cálcio e de alumínio que estavam na atmosfera então densa da Lua solidificaram e caíram em forma de “neve” no magma derretido do satélite natural.
 
Durante alguns milhares de anos, esta “neve” de partículas de cálcio e alumínio foi muito mais intensa do lado frio do que do lado quente da Lua, o que resultou na acumulação de mais minerais no oceano de magma do lado oculto. Até que, finalmente, a Terra arrefeceu e deixou de aquecer a face da Lua que está virada para nós.
 
Mas nesta altura já existia a assimetria geológica. “Muitos milhares de milhões de anos depois, o oceano de magma da Lua arrefeceu e estes minerais formaram a crosta”, explica Arpita Roy. Mas, como havia uma quantidade maior destes minerais no lado distante da Lua, a crosta acabou por se tornar mais grossa, defende a equipa, propondo assim uma explicação para um mistério com 55 anos.

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