A vacinação contra o vírus do papiloma humano, principal responsável 
pelo cancro do colo do útero, parecia não servir para tratar lesões 
pré-cancerosas já instaladas. Cientistas mostraram agora que não é bem 
assim.
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| Células HeLa, derivadas do cancro do colo do útero da norte-americana Henrietta Lacks, hoje utilizadas nos laboratórios de todo o mundo | 
 Os resultados preliminares de um pequeno ensaio clínico mostram que, 
nalgumas mulheres com lesões pré-cancerosas do colo do útero, um 
tratamento à base de vacinas experimentais contra o vírus do papiloma 
humano – o HPV, responsável pela grande maioria destes cancros – 
consegue desencadear uma resposta imunitária capaz de fazer regredir 
totalmente as lesões.
Os autores do estudo, que publicaram os seus resultados na última edição da revista Science Translational Medicine,
 esperam que a vacinação terapêutica venha um dia a substituir o actual 
tratamento deste tipo de lesões, que consiste na sua remoção cirúrgica 
de forma a impedir que evoluam para uma forma maligna.
Actualmente,
 as vacinas comercializadas contra o HPV destinam-se a prevenir a 
infecção do organismo humano por este vírus sexualmente transmissível, 
nomeadamente nos jovens que ainda não iniciaram a sua vida sexual 
activa. Porém, essas vacinas não funcionam como tratamento nas pessoas 
que já foram infectadas quando, através de um esfregaço vaginal de 
rotina, lhes é detectada uma lesão pré-cancerosa.
Até aqui, foram 
testadas diversas vacinas experimentais destinadas a tratar as lesões 
pré-cancerosas já instaladas, mas sem resultados convincentes. Em 
particular, os especialistas não conseguiram detectar, no sangue das 
pessoas vacinadas, alterações do sistema imunitário que indicassem 
sequer que o seu organismo estava a ser estimulado a lutar contra o 
vírus.
Mas agora, no seu ensaio clínico, em vez de se limitar a 
analisar o sangue, Cornelia Trimble, da Universidade Johns Hopkins 
(EUA), e colegas optaram por ir ver, mesmo no interior do tecido 
lesionado, se a vacinação estaria a surtir algum efeito “escondido”. E 
descobriram pela primeira vez que algo de significativo estava de facto a
 acontecer.
Os cientistas vacinaram 12 mulheres que apresentavam 
lesões pré-cancerosas, ditas "de alto grau", do colo do útero. Todas 
essas lesões estavam associadas à estirpe do vírus HPV16 – que 
juntamente com a estirpe HPV18, causa a grande maioria dos cancros do 
colo do útero.
Diga-se de passagem que as lesões pré-cancerosas de
 grau inferior podem desaparecer espontaneamente, sem cirurgia – e 
basta, numa primeira fase, vigiá-las. Mas 30% a 50% das lesões de alto 
grau dão origem a cancros invasivos – e como não há maneira prever quais
 o irão fazer, é preciso removê-las em todos os casos.
Três injecções
A
 equipa utilizou duas vacinas. Uma delas, feita à base de moléculas de 
ADN, provoca a produção pelo organismo de uma proteína específica do 
vírus HPV16 presente na superfície das células pré-cancerosas – 
incitando assim, em princípio, o sistema imunitário das participantes a 
reconhecer essas células como “inimigas”. A outra vacina, feita à base 
de um vírus vivo, mas não infeccioso, é capaz de detectar e matar as 
células pré-cancerosas que apresentam à sua superfície quer a já 
referida proteína do HPV16, quer uma outra, proveniente do HPV18.
Ao
 longo de oito semanas, a primeira vacina foi utilizada duas vezes (logo
 no início e a meio do tratamento), enquanto a segunda vacina foi 
administrada uma única vez no fim. Um grupo de seis participantes 
recebeu uma dose alta desta segunda vacina, enquanto outros dois grupos,
 de três participantes cada, receberam doses diferentes mas mais fracas,
 escrevem os cientistas. Sete semanas a seguir à terceira injecção (com a
 segunda vacina), todas as lesões foram removidas cirurgicamente e 
analisadas.
Os cientistas constataram, em primeiro lugar, que em 
cinco das mulheres – três das seis vacinadas com a dose mais alta da 
segunda vacina e uma em cada um dos dois grupos tratados com doses 
inferiores – as lesões tinham desaparecido. E ainda que as mulheres 
vacinadas a quem fora removido tecido lesionado após essas 15 semanas 
apresentavam, no interior das lesões, um significativo aumento dos 
níveis de linfócitos CD8 – as células “assassinas” do sistema 
imunitário.
Pelo contrário, nas amostras de sangue, também 
colhidas junto de todas as participantes, essa alteração não foi 
detectada com a mesma intensidade. Outros indicadores da activação do 
sistema imunitário também foram observados nas células do colo do útero 
de três das mulheres vacinadas. Até hoje, nenhuma das mulheres (a 
primeira foi vacinada em 2008 e a última em 2012) tornou a desenvolver 
lesões.
“Encontrámos alterações notáveis do sistema imunitário 
dentro das lesões, que não eram tão óbvias no sangue das doentes”, diz 
Trimble, citada em comunicado da Universidade Johns Hopkins.
Os 
cientistas tencionam recrutar mais uma vintena de voluntárias para 
testar uma combinação das duas vacinas com um creme aplicado 
directamente nas lesões, destinado a reforçar localmente a resposta 
imunitária
 
 
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