quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Ratos-caseiros conseguem resistir à toxoplasmose

Texto de Vera Novais publicado pelo jornal Público em 30/10/2013
Parasita e parasitado poderão ter evoluído em paralelo, de forma a sobreviverem os dois, revela um estudo do Instituto Gulbenkian de Ciência.
Ratinhos de laboratório são menos resistentes ao parasita
A infecção pelo parasita Toxoplasma gondii, responsável pela toxoplasmose, é das mais comuns em todo o mundo. Algumas estirpes mais agressivas do parasita podem matar o hospedeiro (organismo que o alberga), mas, ao matá-lo, não consegue completar o seu ciclo de vida. Este facto intrigante – a elevada virulência do parasita – motivou um estudo, que acabou por descobrir como é que os ratos-caseiros conseguem resistir ao parasita.
 
O trabalho foi agora publicado na revista eLife, pela equipa coordenada pelo britânico Jonathan Howard, agora director do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras, e investigador no Instituto de Genética da Universidade de Colónia, na Alemanha.
 
Os parasitas são organismos que dependem de outros para viver e muitos precisam de um hospedeiro para completar o ciclo de vida. No caso do protozoário Toxoplasma gondii, o ciclo de vida é complexo. Reproduz-se sexuadamente dentro do sistema digestivo do hospedeiro primário – um felídeo, principalmente o gato-doméstico – e liberta os ovos com as fezes dele. O hospedeiro intermediário – principalmente os ratos, ainda que infecte qualquer animal de sangue quente, incluindo o homem – ingere os ovos por contacto com as fezes e o parasita vai disseminar-se e formar cistos (bolsas com o parasita adormecido) no cérebro e nos músculos. Quando o hospedeiro primário caça e come o hospedeiro intermediário, o parasita completa o seu ciclo de vida.
 
Ratos perdem medo de gatos
“Curiosamente, o parasita faz com que os ratos percam o medo dos gatos”, referem os cientistas no artigo científico, aludindo ao facto de o parasita provocar alterações permanentes na estrutura do cérebro. “Isto aumenta a probabilidade de ser caçado e comido, ajudando o parasita a voltar ao hospedeiro primário e completar o seu ciclo de vida.”
 
Se a agressividade do parasita for baixa, o sistema imunitário do hospedeiro pode combatê-lo facilmente e eliminá-lo. Se for muito elevada, pode provocar a morte do hospedeiro antes de o parasita completar o ciclo de vida e cumprir uma das suas principais missões: disseminar-se e infectar outros hospedeiros.
 
Assim, os cientistas propuseram que entre o Toxoplasma gondii e os seus principais hospedeiros intermediários, os ratos-caseiros (Mus muscullus), deve ter existido um mecanismo de co-evolução, que permite a sobrevivência, ainda que temporária, de ambos. “É evidente que os ratos e o Toxoplasma gondii tiveram um forte impacto selectivo um no outro”, afirmam os investigadores no artigo.
 
Os cientistas verificaram que existe um equilíbrio dinâmico entre as múltiplas variações de um gene resistentes no hospedeiro e as múltiplas variações virulentas do parasita, mas apenas para os ratos-selvagens, em oposição aos ratinhos de laboratório. Nos ratos-selvagens, a variação dos genes, que comandam o fabrico de um grupo de proteínas responsáveis pela resistência (as IRG), é maior do que nos ratinhos de laboratório. Foi este mecanismo de resistência ao parasita que agora foi identificado.
 
Os investigadores ficaram também intrigados com o facto de muitos potenciais hospedeiros (outros animais de sangue quente) terem perdido a capacidade de produzir as proteínas que conferem resistência aos parasitas mais agressivos. Isto pode significar que manter um sistema imunitário altamente resistente pode ter custos desnecessários para o organismo, se este não for o principal hospedeiro para completar o ciclo de vida do parasita.
 
O parasita também infecta o homem, embora normalmente os sintomas não sejam muito diferentes dos de uma gripe, e a prevenção baseia-se sobretudo nalguns cuidados de higiene e de confecção dos alimentos. Precauções adicionais devem ser tomadas no caso das grávidas, pois pode causar problemas graves nos bebés, ou das pessoas imunodeprimidas, cujo sistema imunitário não consegue combater as infecções. Nestes casos, medidas de tratamento adicionais terão de ser tomadas.

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