sexta-feira, 19 de julho de 2013

Sem terapia hormonal da menopausa, terão morrido 50 mil mulheres nos EUA

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 19/07/2013.
Desde 2002 que um estudo nos EUA sobre os supostos perigos das terapias hormonais causa estragos.
Uma equipa de cientistas norte-americanos fez uma estimativa do número de mulheres com 50 a 59 anos de idade que morreram nos EUA, nos últimos dez anos, porque após uma cirurgia de remoção do útero não receberam o tratamento hormonal que lhes poderia ter poupado a vida. Os seus resultados foram publicados online ontem pela revista American Journal of Public Health.
 
Nos anos 1990, as mulheres que sofriam histerectomias (remoção do útero) recebiam a seguir um tratamento com estrogénios, uma das duas hormonas sexuais femininas, para travar o declínio cardiovascular e ósseo associado a essa menopausa induzida - e evitar afrontamentos, suores nocturnos, depressão... Mais de 90% dessas mulheres faziam estes tratamentos nos EUA.
 
Mas em 2002, tudo foi por água abaixo quando um grande estudo sobre a saúde das mulheres, o WHI (Women"s Health Initiative) foi interrompido por ter sido alegadamente observado um aumento do risco cardiovascular e de cancro da mama nas mulheres com menopausa que tomavam combinações de estrogénios e de progesterona, a "outra" hormona sexual feminina (nas mulheres com útero, dá-se progesterona para evitar o risco de cancro do útero associado aos estrogénios).
 
O pânico gerado entre as utilizadoras destas terapias e os seus médicos foi tal que, ainda hoje, apenas 10% das norte-americanas recorrem a terapias de "substituição hormonal". A repercussão em países europeus como França também foi gigantesca, com uma quebra de 80% das utilizadoras já em 2007. Em Portugal não há dados disponíveis, mas o mais provável é que o impacto tenha sido da mesma ordem.
 
Desde então, os próprios autores do estudo norte-americano foram desmentindo as suas conclusões de 2002. Sabe-se hoje que os resultados aparentemente negativos para a saúde daquele estudo apenas se aplicavam a um medicamento específico chamado Prempro (que, já agora, não era utilizado na Europa). E esses mesmos autores também já publicaram resultados que indicam que, nas mulheres sem útero, a utilização de estrogénios até reduz o risco de cancro da mama.
 
Em França, Marianne Canonico e colegas do INSERM (Instituto francês da Saúde e da Investigação Médica) mostraram, em 2007, que os estrogénios transdérmicos não aumentavam o risco de trombose e que o risco associado à progesterona dependia do tipo de progesterona utilizada. Outros cientistas franceses obtiveram resultados semelhantes em relação ao risco de cancro da mama.
 
Mas isso não tem impedido a "aversão" às hormonas de continuar a ser a atitude dominante. E as consequências dessa atitude não fundamentada mas persistente têm sido, como escrevem agora Philip Sarrel e colegas, da Universidade de Yale, "letais", nomeadamente para o grupo de mulheres que perdeu o útero. "O facto de evitar os tratamentos com estrogénios resultou num custo real em vidas de mulheres durante os últimos dez anos - e as mortes continuam a acontecer", diz Sarrel, citado em comunicado da universidade. "Esperamos que o nosso artigo force finalmente o necessário debate e faça aumentar a receptividade aos benefícios para a saúde da terapia de estrogénios para as mulheres na casa dos 50 anos que já não têm útero."
 
Para obter as estimativas, os cientistas recorreram a dados do Censo norte-americano, a dados sobre taxas de histerectomias na população e a estimativas do declínio da utilização de hormonas pelas mulheres com 50 a 59 anos de idade entre 2002 e 2011. E os números a que chegaram são aterradores: no cenário mais "optimista", as vítimas terão sido à volta de 18.500; no mais brutal, 91.500. O mais provável é que tenham sido perto de 50 mil - e também é provável que os números seriam maiores se tivessem tido em conta as mulheres sem útero com menos de 50 anos. A maioria destas mortes prematuras e desnecessárias foram devidas a doenças cardiovasculares e quase todo o resto a cancros da mama.
 
Os autores escrevem palavras muito duras: "É da responsabilidade dos cientistas biomédicos relatar os seus resultados de forma a que os media e o público em geral os possam facilmente perceber. (...) É também da responsabilidade dos media e dos médicos transmitir essa informação de forma a que seja claramente compreendida. A distorção dos pormenores pode revelar-se nada menos do que letal. (...) O facto de não ter havido distinções claras entre as diversas populações de mulheres e os diversos tipos de tratamentos hormonais tem custado milhares de vidas."

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