sábado, 9 de novembro de 2013

A fórmula certa para recuperar solos pobres foi criada por portugueses

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 09/11/2013
Vinte variedades de plantas dão nova vida a solos. As Pastagens Semeadas Biodiversas sugam mais dióxido de carbono do ar, enriquecem a terra e alimentam o gado. Projecto ganhou prémio europeu ambiental.
 

O montado é um ecossistema excelente para a plantação das pastagens biodiversas, que tornam os sobreiros mais saudáveis
Os agricultores precisam de ver para crer, diz-nos Tiago Domingos. O professor de engenharia ambiental do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, e director da empresa de serviços ambientais Terraprima conseguiu que mil agricultores lhe dessem ouvidos. Hoje, em Portugal, há muitos terrenos onde as pastagens biodiversas crescem. A maioria está nos montados alentejanos, fortalecendo os sobreiros e prestando um serviço ambiental a todos.
 
Estas pastagens capturam uma quantidade anormal de dióxido de carbono, evitando a acumulação de parte do gás que mais contribui para o efeito de estufa, responsável pelo aquecimento global. Essa foi uma das razões para o projecto da Terraprima Pastagens Semeadas Biodiversas ganhar o concurso da Comissão Europeia "Um Mundo Que me Agrada", entre os 269 projectos concorrentes.
 
Sempre que Tiago Domingos fala sobre este projecto, o nome de David Crespo surge imediatamente. No púlpito do Teatro Real Dinamarquês, em Copenhaga, quando na quinta-feira à noite lhe foi atribuído o prémio, voltou a contar a história do engenheiro agrónomo que, na década de 1960, começou a pensar nas pastagens biodiversas.
 
David Crespo é hoje director do programa de investigação e desenvolvimento da Fertiprado, a empresa que fundou em 1990. Em 1966 trabalhava na Estação Nacional de Melhoramento de Plantas. Inspirado pelas pastagens que os australianos semeavam, onde utilizavam duas ou três variedades de plantas, o engenheiro começou a pensar como poderia resgatar os solos pobres portugueses.
 
"Em Portugal temos imensos solos diferentes. No mesmo hectare, cada pedaço de terra muda", explica Tiago Domingos. Os topos dos montes são mais secos e têm menos solo, a terra debaixo das copas das árvores é mais húmida. A geologia, fundamental na natureza dos solos, é variada no território português.
 
David Crespo pensou numa solução holística. O engenheiro agrícola desenvolveu uma fórmula de 20 variedades diferentes de plantas que, quando semeadas, respondem localmente. Algumas tornam-se mais dominantes consoante as condições da terra onde crescem.
 
O cientista escolheu espécies de leguminosas e de gramíneas. As primeiras, como o trevo-subterrâneo, têm uma relação simbiótica com bactérias que se desenvolvem em nódulos nas raízes. Estas bactérias captam azoto do ar, metabolizam e disponibilizam o azoto à planta. Desta forma, este nutriente entra no ecossistema sem ser necessário usar adubos, é depois absorvido pelas gramíneas, que se tornam uma parte importante do pasto dos animais.
 
Esta mistura tem uma série de benefícios. Como as espécies são anuais, resistem ao clima mediterrânico, produzem sementes e criam no solo um banco de sementes que pode manter a pastagem por décadas. As raízes das plantas, que também morrem anualmente, alimentam o solo com nutrientes.
 
Passados uns anos, estes solos triplicam a matéria orgânica. As pastagens alimentam mais cabeças de gado e captam mais dióxido de carbono. Também se verificou que os sobreiros que crescem nestas pastagens são mais saudáveis, e o solo é mais húmido, resistindo à seca.
 
Estes benefícios foram bem quantificados na última década pela equipa de Tiago Domingos. Foi assim que se descobriu que as pastagens biodiversas captam cinco toneladas de dióxido de carbono por ano por hectare.
 
A partir de 2008, a Terraprima obteve financiamento do Fundo Português de Carbono (FPM) para três projectos que envolveram mil agricultores. Estes tinham de comprar sementes para a pastagem, de aceitar cuidar delas segundo as regras da Terraprima e recebiam o apoio dos seus técnicos. Desta maneira, podiam ganhar entre 150 e 130 euros por hectare, pelo dióxido de carbono que as suas pastagens captam. É uma ajuda que seduz os agricultores, mas o trabalho só compensa a longo prazo, com todos os outros benefícios.
 
Os projectos do FPM já terminaram, mas Tiago Domingos espera envolver empresas para assim compensarem as suas emissões e a indústria alimentar para que os alimentos produzidos nestas pastagens tenham uma marca distintiva. O prémio europeu "pode ajudar a expandir este sistema dentro de Portugal e em muitos países".

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