sábado, 9 de novembro de 2013

Como um único dente revela a existência do maior ornitorrinco do mundo

Texto de Vera Novais publicado pelo jornal Público em 08/11/2013
Descoberta na Austrália contraria ideias anteriores sobre a árvore evolutiva das espécies deste mamífero.
 
O primeiro dente molar do novo ornitorrinco

Reconstituição de como seria o maior ornitorrinco
 
O envio de um exemplar de ornitorrinco da Austrália para o Reino Unido em 1798 suscitou muitas dúvidas nos cientistas acerca da veracidade do espécime. Parecia-lhes uma montagem de um bico de pato num corpo semelhante ao de um castor. Apesar de a classificação do ornitorrinco como um mamífero já não causar dúvidas científicas, os seus hábitos actuais e os seus antepassados extintos continuam a despertar o interesse dos cientistas, como aconteceu com a descoberta do fóssil do maior ornitorrinco do mundo.
 
O Ornithorhynchus anatinus é a única espécie de ornitorrinco ainda viva. As características quase antagónicas deste grupo – corpo coberto de pêlo, reprodução por ovos, alimentação das crias com leite mas sem mamilos, bico semelhante ao de uma ave, e esporões que produzem veneno nas patas traseiras dos machos – têm fascinado os cientistas desde que foi descoberto.
 
De facto, a descodificação do genoma do Ornithorhynchus anatinus revelou que este animal australiano apresenta genes parecidos com os de outros mamíferos, mas também com os de répteis e de aves.
 
Descrita na revista Journal of Vertebrate Paleontology, a nova espécie de ornitorrinco Obdurodon tharalkooschild foi encontrada na jazida de Riversleigh (Austrália). Tem cinco a 15 milhões de anos e poderá ter coexistido com a espécie Obdurodon dicksoni, mostrando que a família dos ornitorrincos não tem um único ramo, como inicialmente se pensava. Assim, a sua árvore evolutiva teve pelo menos uma ramificação e terá sido a partir da linhagem do Obdurodon dicksoni que surgiram aos ornitorrincos actuais.
 
“A descoberta desta nova espécie foi surpreendente para nós, porque o registo fóssil sugeria que a árvore evolutiva dos ornitorrincos era relativamente linear”, afirma Michael Archer, da Universidade da Nova Gales do Sul, na Austrália, citado num comunicado de imprensa.
 
Esta nova espécie foi descrita com base num único dente. Mesmo assim, a equipa considerou que este fóssil era suficiente para revelar aspectos importantes deste animal. Por um lado, tinha dentes, tal como as outras duas espécies conhecidas do género Obdurodon (o O. dicksoni e o O. insignis), ao contrário dos ornitorrincos modernos. Por outro lado, teria um metro de comprimento, o dobro dos actuais ornitorrincos.
O ornitorrinco mais antigo é sul-americano
Todos os fósseis de ornitorrincos encontrados anteriormente indicavam que o tamanho destes animais e dos seus dentes teriam vindo a diminuir desde o Monotrematum sudamericanum, um ornitorrinco sul-americano, com 61 milhões de anos, o mais antigo que se conhece. Actualmente, os dentes são apenas vestigiais.
 
Além disso, as características dos molares de todos os ornitorrincos conhecidos até agora eram semelhantes, o que indicava uma linha evolutiva única, sem ramificações. Agora, a nova espécie, que é mais recente e maior do que o Monotrematum sudamericanum, vem baralhar a árvore evolutiva, tendo em conta as características únicas do seu molar.
 
Tal como os restantes ornitorrincos, o Obdurodon tharalkooschil” seria principalmente aquático, refere Suzanne Hand, também da Universidade da Nova Gales do Sul. “Provavelmente, alimentava-se não só de lagostins e de outros crustáceos de água doce, mas também de pequenos vertebrados como peixes pulmonados, rãs e tartarugas, que foram encontrados na mesma jazida.” Esta alimentação é evidenciada pelo tipo de dente encontrado, mais adequado para esmagar do que para cortar as presas.
 
O nome escolhido para esta espécie – tharalkooschild – baseia-se numa história aborígene sobre a origem do ornitorrinco. Tharalkoo era uma jovem pata desobediente. Apesar dos avisos dos seus pais, nadou rio abaixo e foi apanhada por Bigoon, um macho de ratazana-de-água. Tharalkoo conseguiu escapar e voltar para juntos dos seus pais, mas do seu ovo, em vez de nascer um patinho fofo, surgiu uma quimera com bico, pêlo, membranas digitais nas patas traseiras e patas dianteiras como as dos ratos. Nascia assim o primeiro ornitorrinco.

A fórmula certa para recuperar solos pobres foi criada por portugueses

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 09/11/2013
Vinte variedades de plantas dão nova vida a solos. As Pastagens Semeadas Biodiversas sugam mais dióxido de carbono do ar, enriquecem a terra e alimentam o gado. Projecto ganhou prémio europeu ambiental.
 

O montado é um ecossistema excelente para a plantação das pastagens biodiversas, que tornam os sobreiros mais saudáveis
Os agricultores precisam de ver para crer, diz-nos Tiago Domingos. O professor de engenharia ambiental do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, e director da empresa de serviços ambientais Terraprima conseguiu que mil agricultores lhe dessem ouvidos. Hoje, em Portugal, há muitos terrenos onde as pastagens biodiversas crescem. A maioria está nos montados alentejanos, fortalecendo os sobreiros e prestando um serviço ambiental a todos.
 
Estas pastagens capturam uma quantidade anormal de dióxido de carbono, evitando a acumulação de parte do gás que mais contribui para o efeito de estufa, responsável pelo aquecimento global. Essa foi uma das razões para o projecto da Terraprima Pastagens Semeadas Biodiversas ganhar o concurso da Comissão Europeia "Um Mundo Que me Agrada", entre os 269 projectos concorrentes.
 
Sempre que Tiago Domingos fala sobre este projecto, o nome de David Crespo surge imediatamente. No púlpito do Teatro Real Dinamarquês, em Copenhaga, quando na quinta-feira à noite lhe foi atribuído o prémio, voltou a contar a história do engenheiro agrónomo que, na década de 1960, começou a pensar nas pastagens biodiversas.
 
David Crespo é hoje director do programa de investigação e desenvolvimento da Fertiprado, a empresa que fundou em 1990. Em 1966 trabalhava na Estação Nacional de Melhoramento de Plantas. Inspirado pelas pastagens que os australianos semeavam, onde utilizavam duas ou três variedades de plantas, o engenheiro começou a pensar como poderia resgatar os solos pobres portugueses.
 
"Em Portugal temos imensos solos diferentes. No mesmo hectare, cada pedaço de terra muda", explica Tiago Domingos. Os topos dos montes são mais secos e têm menos solo, a terra debaixo das copas das árvores é mais húmida. A geologia, fundamental na natureza dos solos, é variada no território português.
 
David Crespo pensou numa solução holística. O engenheiro agrícola desenvolveu uma fórmula de 20 variedades diferentes de plantas que, quando semeadas, respondem localmente. Algumas tornam-se mais dominantes consoante as condições da terra onde crescem.
 
O cientista escolheu espécies de leguminosas e de gramíneas. As primeiras, como o trevo-subterrâneo, têm uma relação simbiótica com bactérias que se desenvolvem em nódulos nas raízes. Estas bactérias captam azoto do ar, metabolizam e disponibilizam o azoto à planta. Desta forma, este nutriente entra no ecossistema sem ser necessário usar adubos, é depois absorvido pelas gramíneas, que se tornam uma parte importante do pasto dos animais.
 
Esta mistura tem uma série de benefícios. Como as espécies são anuais, resistem ao clima mediterrânico, produzem sementes e criam no solo um banco de sementes que pode manter a pastagem por décadas. As raízes das plantas, que também morrem anualmente, alimentam o solo com nutrientes.
 
Passados uns anos, estes solos triplicam a matéria orgânica. As pastagens alimentam mais cabeças de gado e captam mais dióxido de carbono. Também se verificou que os sobreiros que crescem nestas pastagens são mais saudáveis, e o solo é mais húmido, resistindo à seca.
 
Estes benefícios foram bem quantificados na última década pela equipa de Tiago Domingos. Foi assim que se descobriu que as pastagens biodiversas captam cinco toneladas de dióxido de carbono por ano por hectare.
 
A partir de 2008, a Terraprima obteve financiamento do Fundo Português de Carbono (FPM) para três projectos que envolveram mil agricultores. Estes tinham de comprar sementes para a pastagem, de aceitar cuidar delas segundo as regras da Terraprima e recebiam o apoio dos seus técnicos. Desta maneira, podiam ganhar entre 150 e 130 euros por hectare, pelo dióxido de carbono que as suas pastagens captam. É uma ajuda que seduz os agricultores, mas o trabalho só compensa a longo prazo, com todos os outros benefícios.
 
Os projectos do FPM já terminaram, mas Tiago Domingos espera envolver empresas para assim compensarem as suas emissões e a indústria alimentar para que os alimentos produzidos nestas pastagens tenham uma marca distintiva. O prémio europeu "pode ajudar a expandir este sistema dentro de Portugal e em muitos países".

Projecto português de pastagens contra as alterações climáticas vence concurso europeu

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 07/11/2013
Pastagens Semeadas Biodiversas consideradas a melhor solução apresentada no concurso Um mundo que me agrada.
 

Projecto das pastagens envolve mais de mil agricultores portugueses
O grande vencedor do concurso europeu Um mundo que me agrada, para a melhor solução contra as alterações climáticas, é um projecto português: considerou-se que Pastagens Semeadas Biodiversas preconiza uma solução inovadora para a redução das emissões de dióxido de carbono, a erosão dos solos e os riscos de incêndios florestais, aumentando ao mesmo tempo a produtividade das pastagens.
 
Anunciado esta quinta-feira à noite em Copenhaga (Dinamarca) pela Comissão Europeia, na cerimónia de entrega dos prémios Sustainia, o prémio distingue um projecto promovido pela Terraprima, empresa de serviços ambientais portuguesa, e envolve mais de 1000 agricultores portugueses. Sustentada por três projectos financiados pelo Fundo Português do Carbono, a Terraprima fez, desde 2008, contratos com estes agricultores, pagando-lhes pelos serviços de captura de carbono feita pelas pastagens biodiversas.
 
Estas pastagens são formadas por 20 variedades diferentes de plantas. A pastagem acaba por se adaptar ao tipo de solo onde é plantada. Os agricultores têm de comprar estas sementes e, posteriormente, têm o apoio técnico da Terraprima durante o projecto.
 
Além de capturarem mais carbono, estas pastagens enriquecem o solo de matéria orgânica, protegem contra a seca e são mais nutritivas para os animais que se alimentam delas, evitando que os agricultores tenham de comprar mais alimento, que normalmente é produzido de uma forma intensiva.
 
“Estou muito contente pelo reconhecimento deste projecto”, disse ao PÚBLICO Tiago Domingos, director da Terraprima e professor de engenharia ambiental do Instituto Superior Técnico, da Universidade de Lisboa. “É o reconhecimento do meu trabalho, de toda a equipa da Terraprima, dos agricultores e do Estado português”, defende, acrescentando que este prémio dá visibilidade ao projecto a nível internacional e “pode ajudar a expandir este sistema dentro de Portugal e em muitos países”.
 
A produção de pastagens biodiversas começou por ser uma ideia australiana. Mas na década de 1960 David Crespo, engenheiro agrícola, começou a apurá-la, estudando, durante décadas, as melhores sementes para o solo português. Em 1990, fundou a empresa Fertiprado.
 
Na última década, a Terraprima olhou para estas pastagens e foi estudar os seus benefícios. Foi assim que descobriu que, usando adequadamente esta técnica, era possível criar pastagens mais nutritivas, solos mais ricos e capturar mais dióxido de carbono da atmosfera. Hoje, estas pastagens crescem em 50.000 hectares de terreno português, principalmente no Alentejo, onde as pastagens estão associadas ao regime de montado.
 
“Este projecto é o exemplo perfeito de como uma solução prática contra as alterações climáticas pode também poupar dinheiro, criar emprego e gerar crescimento”, disse a comissária europeia para a Acção Climática, Connie Hedegaard. “O facto de o concurso Um mundo que me agrada ter atraído tantos projectos inovadores de toda a União Europeia é muito encorajador. Há que desenvolver mais estas soluções para construirmos um mundo que nos agrada com um clima de que gostamos”, acrescentou a comissária.
 
O concurso pretendeu recolher ideias criativas oriundas de toda a Europa sobre inovações com baixo teor de emissões de carbono. Foram apresentados 269 projectos, votados depois pelos cidadãos e, no final, os melhores foram apresentados ao comité dos prémios Sustainia. O concurso faz parte da campanha de sensibilização pública da Comissão Europeia Um mundo que me agrada com um clima de que gosto, que promove soluções para as alterações climáticas.
 
Agora, o projecto português irá gravar um vídeo profissional, recebendo apoio para a sua promoção nos meios de comunicação social europeus, refere um comunicado da Comissão Europeia.
 
“Portugal é capaz de ter uma ideia que funciona e inova”, sublinhou por sua vez Humberto Rosa, ex-secretário de estado do Ambiente e actual director do programa de adaptação e de tecnologia de baixo carbono, que pertence à Direcção Geral para a Acção Climática na Comissão Europeia. “Neste caso concreto, inova no ambiente.” Humberto Rosa fez parte do júri europeu do concurso.
 
Havia dois outros projectos a competir com as pastagens semeadas biodiversas. Um belga, que promove a redução das emissões de carbono nos aeroportos, e o terceiro, polaco, que incide na redução da energia gasta nas casas.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Descoberto um asteróide que parece um cometa com seis caudas

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 07/11/2013
A estranha aparência do objecto deixou os especialistas a coçar a cabeça.

O aspecto do asteróide a 10 de Setembro (à esquerda) e a 23 de Setembro (à direita)
O telescópio Hubble acaba de descobrir, pela primeira vez, um asteróide que não parece um asteróide, anunciaram esta quinta-feira as agências espaciais europeia ESA e norte-americana NASA, as duas entidades responsáveis por aquele telescópio espacial, em simultâneo com a publicação online do inédito achado na revista Astrophysical Journal Letters.
 
Segundo os seus autores – uma equipa internacional liderada por David Jewitt, da Universidade da Califórnia –, o estranho objecto parece “um regador automático da relva”, com seis “caudas” luminosas a sair do seu centro.
 
O asteróide, nome de código P/2013 P5, faz parte da cintura de asteróides situada entre Marte e Júpiter. Normalmente, os asteróides parecem apenas pontinhos de luz ao telescópio, mas a luz emitida pelo P/2013 P5, que foi avistado pela primeira vez por um telescópio terrestre no Havai e apresentado oficialmente em Agosto deste ano, parecia invulgarmente difusa. Por isso, os cientistas apontaram o Hubble na sua direcção a 10 de Setembro – e descobriram as suas múltiplas caudas. Mais: quando o Hubble voltou a olhar para o asteróide a 23 de Setembro, o seu aspecto era totalmente diferente, como se toda a sua estrutura tivesse rodado.
 
"Ficámos completamente banzados”, diz Jewitt, citado pela NASA. “Mais surpreendente ainda foi o facto de a sua estrutura de caudas se alterar em apenas 13 dias (…). Isso também nos apanhou de surpresa. É difícil acreditar que estamos a olhar para um asteróide.”
 
Uma explicação possível do inédito fenómeno é que a velocidade de rotação do asteróide tenha aumentado ao ponto de a sua superfície começar a ser despedaçada, produzindo ejecções de poeiras em erupções episódicas que tiveram início na Primavera, explica um comunicado da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA).
 
A equipa descarta que se possa tratar do resultado de uma colisão de asteróides, uma vez que isso teria causado a expulsão de uma enorme quantidade de poeiras de uma só vez. Ora, não parece ser o que terá acontecido: com base numa modelização, Jessica Agarwal, do Instituto Max Planck de Lindau (Alemanha) e co-autora dos resultados, calculou que, ao longo de cinco meses, terá havido uma série de ejecções de poeiras – a 15 de Abril, 18 de Julho, 24 de Julho, 8 de Agosto, 26 de Agosto e 4 de Setembro.
 
Segundo Jewitt, o fenómeno agora observado no P/2013 P5 é provavelmente algo de frequente na cintura de asteróides – e até poderá ser a forma como os asteróides costumam morrer. “Em astronomia, quando encontramos um [objecto de um dado tipo], acabamos sempre por encontrar mais um montão deles. Este é um objecto espantoso e quase de certeza o primeiro de muitos outros a vir.”
 
Diga-se já agora que Jewitt desempenhou um papel importante, em 1993, na descoberta da cintura de Kuiper, que de repente revelou a presença, para lá de Neptuno, de milhões de objectos num local onde se pensava não haver nada. Isso mudou radicalmente a visão que os astrónomos tinham do sistema solar, faz notar o comunicado da UCLA.
 
Até agora, apenas uma pequena fracção da massa principal do asteróide P/2013 P5 – talvez entre cem e mil toneladas de poeiras – foi ejectada, salienta Jewitt. O núcleo do asteróide, com mais de 400 metros de diâmetro, é milhares de vezes mais maciço.
 
Os astrónomos tencionam continuar a observar o bizarro objecto, não só para medir à velocidade com que gira sobre si próprio como para determinar se as poeiras são ejectadas no plano equatorial do asteróide. A se confirmar, isto sugeriria fortemente que o asteróide está de facto a sofrer uma ruptura provocada pela sua rotação.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Cientistas contam a história do bólide vindo do céu que abalou Cheliabinsk em Fevereiro

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 06/11/2013
Uma análise pormenorizada do que aconteceu em Cheliabinsk leva os especialistas a especular que eventos como este — que põem em perigo as populações e as construções — poderão ser bastante mais frequentes do que se pensava.
 

Este meteorito com cerca de quatro centímetros de diâmetro foi um dos fragmentos a atingir o chão
Imagine um prédio de seis andares a cair do céu e a explodir por cima da sua cabeça. Foi essa a experiência que terão vivido, há nove meses, os habitantes de Cheliabinsk — cidade da região dos Montes Urais, na Rússia —, quando um bocado de asteróide com 19 metros de diâmetro se abateu sobre eles sem pré-aviso. Com base numa diversidade de informações recolhidas na altura, três estudos — dois publicados na revista Nature de quinta-feira e um outro na revista Science de sexta-feira — contam com grande pormenor a história do bólide de Cheliabinsk. E os resultados sugerem que o que lá aconteceu poderá voltar a acontecer noutro sítio mais cedo do que previsto.
 
Recorde-se que, por volta das 9h00 (5h00 em Lisboa) de 15 de Fevereiro, um rasto de fogo cruzou o céu e explodiu numa bola incandescente. Segundos depois, ouviu-se um forte estrondo e uma onda de choque percorreu o ar, partindo vidros, abanando automóveis. No fim do dia, contavam-se 1200 feridos. O estado de emergência foi declarado.
 
Muitas pessoas filmaram na altura o fenómeno com telemóveis ou câmaras instaladas nos tabliers dos carros. E foi em parte graças a estes vídeos que foi possível reconstituir a sequência de eventos assustadores que tiveram lugar naquela gélida manhã de Inverno.
 
O que se sabe hoje: uma rocha de 12 mil toneladas entrou na atmosfera terrestre a cerca de 70 mil quilómetros por hora; desfez-se a uns 30 quilómetros de altitude, dando origem a uma bola de fogo cerca de 30 vezes mais brilhante do que o Sol, numa explosão de potência equivalente à de 500 mil toneladas de TNT que deixou rastos de poeira incandescente no céu. Um fragmento gigante, com cerca de 650 quilos, atingiu o solo, abrindo um buraco de sete metros de diâmetro no gelo do vizinho lago Chebarkul (de onde foi pescado em Outubro). Foi, ao que tudo indica, o maior meteoro a atingir a Terra desde 1908, quando um corpo celeste se desintegrou sobre Tunguska, uma zona não povoada da Sibéria.
 
Olga Popova, da Academia russa das Ciências, e Peter Jenniskens, da NASA, que assinam o artigo na Science juntamente com 57 colegas de nove países, contam que, nas semanas que se seguiram, visitaram mais de 50 aldeias e descobriram que os estragos se estendiam até a 90 quilómetros do “epicentro”. Já em Cheliabinsk, foram registados casos de escaldões e problemas oculares (devidos à intensa radiação ultravioleta emitida pela explosão); e de concussão, confusão mental e sinais de stress causados pela onda de choque. A força da explosão foi aliás suficiente para deitar pessoas ao chão.
 
Esta equipa também analisou a composição dos meteoritos recuperados no solo e conclui que o bólide de Cheliabinsk era uma rocha celeste da classe mais frequente: a dos “condritos comuns”. Os seus cálculos sugerem ainda que esta rocha provém da cintura de asteróides do sistema solar, mas Jenniskens especula, em entrevista à Science, que fazia inicialmente parte de um asteróide maior, que se terá fragmentado há cerca de 1,2 milhões de anos, provavelmente num anterior “encontro do terceiro grau” com a Terra.
 
Peter Brown, da Universidade do Ontário Ocidental, no Canadá — que assina ambos os estudos na Nature —, e colegas canadianos e checos confirmam esta ideia com base em vídeos da trajectória do meteoro de Cheliabinsk, que indicam que a sua órbita é semelhante à de um asteróide próximo da Terra, podendo isso significar que, a dada altura, os dois faziam parte do mesmo asteróide.
 
Mas os resultados mais inquietantes vêm do outro estudo assinado por Brown, que com uma outra equipa internacional tira duas conclusões do evento de Cheliabinsk: por um lado, que os modelos actuais de previsão dos estragos causados por este tipo de explosão aérea não correspondem às observações; e por outro, que o número de objectos com diâmetros da ordem das dezenas de metros que colidem com a Terra poderá ser até dez vezes maior do que se pensava.
 
“Os modelos actuais prevêem que um evento como o de Cheliabinsk poderia acontecer com intervalos de 120 a 150 anos, mas os nossos dados mostram que essa frequência poderá estar mais próxima dos 30 ou 40 anos”, diz Brown em comunicado. “Isso é uma grande surpresa”, acrescenta.
 
“Os nossos cálculos da frequência dos impactos baseiam-se numa década de registos, vindos de sensores de infrassons e outros, dos impactos energéticos na atmosfera terrestre, incluindo Cheliabinsk”, disse ao PÚBLICO Margaret Campbell-Brown, co-autora deste estudo. “Ora, esses registos revelam mais objectos com umas dezenas de metros de diâmetro do que as observações dos telescópios.”
 
Segundo ela, isso poderá dever-se ou ao facto do número desses objectos próximos da Terra ser maior do que se pensa; ou ao facto de a probabilidade de colisão com esse tipo de objecto, e não o seu número, ser maior; ou ainda a um enorme azar, que fez com que, nas últimas décadas a Terra fosse mais atingida do que é costume. “Não sabemos qual é a resposta”, conclui a cientista, “mas na minha opinião é uma combinação dos dois primeiros cenários; o terceiro é pouco provável”.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Cientistas testam robô que detecta e destrói alforrecas

Artigo publicado pelo jornal Público em 06/10/2013
Equipamento foi desenvolvido por centro de investigação da Coreia do Sul.
Tem havido casos crescentes de proliferação de medusas, mas ainda não há dados globais
Para quem só vê problemas nas alforrecas, eis aqui uma solução radical: eliminá-las com robôs marinhos que as detectam e as dilaceram.
 
Tal máquina existe e chama-se Jeros (Jellyfish Elimination Robotic Swarm) . Foi desenvolvida pelo Instituto Avançado de Ciência e Tecnologia da Coreia do Sul e tem sido alvo de testes que os cientistas consideram satisfatórios.
 
Imagens difundidas por este centro de investigação mostram como a tecnologia funciona. Os Jeros operam junto à superfície da água, com uma parte submersa. Equipado com câmaras e GPS, a robô não só detecta as medusas, como ajusta automaticamente o trajecto até dar com elas, para um encontro fatal.
 

Uma espécie de rede acoplada ao equipamento cerca as alforrecas, que são assim atraídas para ventoinhas que literalmente as pulverizam.
Cada robô é capaz de eliminar 400 quilos de medusas numa hora. Com três a trabalharem em simultâneo, o método já supera, em eficácia, a remoção manual dos animais, com redes.



A proliferação de medusas tem causado problemas em diferentes situações, seja a banhistas, seja a equipamentos. Na semana passada, uma central nuclear na Suécia teve de encerrar um dos seus reactores, devido à entrada de grandes quantidades de alforrecas no seu sistema de refrigeração. Outras centrais nucleares enfrentaram situações semelhantes no passado. Em 2009, um barco de pesca japonês afundou, depois de lançar as redes numa zona do mar infestada por alforrecas gigantes.
Casos de proliferação de alforrecas têm sido reportados em vários pontos do mundo. Entre as causas poderá estar a sobreexploração da pesca, por eliminar os predadores naturais das medusas, e a proliferação de alimento, pelo acrescimento de nutrientes devido à poluição.
Muitos cientistas sustentam, no entanto, que apesar do número crescente de casos reportados, não há dados suficientes para se concluir que se trata de um fenómeno à escala global.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Ratos-caseiros conseguem resistir à toxoplasmose

Texto de Vera Novais publicado pelo jornal Público em 30/10/2013
Parasita e parasitado poderão ter evoluído em paralelo, de forma a sobreviverem os dois, revela um estudo do Instituto Gulbenkian de Ciência.
Ratinhos de laboratório são menos resistentes ao parasita
A infecção pelo parasita Toxoplasma gondii, responsável pela toxoplasmose, é das mais comuns em todo o mundo. Algumas estirpes mais agressivas do parasita podem matar o hospedeiro (organismo que o alberga), mas, ao matá-lo, não consegue completar o seu ciclo de vida. Este facto intrigante – a elevada virulência do parasita – motivou um estudo, que acabou por descobrir como é que os ratos-caseiros conseguem resistir ao parasita.
 
O trabalho foi agora publicado na revista eLife, pela equipa coordenada pelo britânico Jonathan Howard, agora director do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), em Oeiras, e investigador no Instituto de Genética da Universidade de Colónia, na Alemanha.
 
Os parasitas são organismos que dependem de outros para viver e muitos precisam de um hospedeiro para completar o ciclo de vida. No caso do protozoário Toxoplasma gondii, o ciclo de vida é complexo. Reproduz-se sexuadamente dentro do sistema digestivo do hospedeiro primário – um felídeo, principalmente o gato-doméstico – e liberta os ovos com as fezes dele. O hospedeiro intermediário – principalmente os ratos, ainda que infecte qualquer animal de sangue quente, incluindo o homem – ingere os ovos por contacto com as fezes e o parasita vai disseminar-se e formar cistos (bolsas com o parasita adormecido) no cérebro e nos músculos. Quando o hospedeiro primário caça e come o hospedeiro intermediário, o parasita completa o seu ciclo de vida.
 
Ratos perdem medo de gatos
“Curiosamente, o parasita faz com que os ratos percam o medo dos gatos”, referem os cientistas no artigo científico, aludindo ao facto de o parasita provocar alterações permanentes na estrutura do cérebro. “Isto aumenta a probabilidade de ser caçado e comido, ajudando o parasita a voltar ao hospedeiro primário e completar o seu ciclo de vida.”
 
Se a agressividade do parasita for baixa, o sistema imunitário do hospedeiro pode combatê-lo facilmente e eliminá-lo. Se for muito elevada, pode provocar a morte do hospedeiro antes de o parasita completar o ciclo de vida e cumprir uma das suas principais missões: disseminar-se e infectar outros hospedeiros.
 
Assim, os cientistas propuseram que entre o Toxoplasma gondii e os seus principais hospedeiros intermediários, os ratos-caseiros (Mus muscullus), deve ter existido um mecanismo de co-evolução, que permite a sobrevivência, ainda que temporária, de ambos. “É evidente que os ratos e o Toxoplasma gondii tiveram um forte impacto selectivo um no outro”, afirmam os investigadores no artigo.
 
Os cientistas verificaram que existe um equilíbrio dinâmico entre as múltiplas variações de um gene resistentes no hospedeiro e as múltiplas variações virulentas do parasita, mas apenas para os ratos-selvagens, em oposição aos ratinhos de laboratório. Nos ratos-selvagens, a variação dos genes, que comandam o fabrico de um grupo de proteínas responsáveis pela resistência (as IRG), é maior do que nos ratinhos de laboratório. Foi este mecanismo de resistência ao parasita que agora foi identificado.
 
Os investigadores ficaram também intrigados com o facto de muitos potenciais hospedeiros (outros animais de sangue quente) terem perdido a capacidade de produzir as proteínas que conferem resistência aos parasitas mais agressivos. Isto pode significar que manter um sistema imunitário altamente resistente pode ter custos desnecessários para o organismo, se este não for o principal hospedeiro para completar o ciclo de vida do parasita.
 
O parasita também infecta o homem, embora normalmente os sintomas não sejam muito diferentes dos de uma gripe, e a prevenção baseia-se sobretudo nalguns cuidados de higiene e de confecção dos alimentos. Precauções adicionais devem ser tomadas no caso das grávidas, pois pode causar problemas graves nos bebés, ou das pessoas imunodeprimidas, cujo sistema imunitário não consegue combater as infecções. Nestes casos, medidas de tratamento adicionais terão de ser tomadas.