domingo, 26 de janeiro de 2014

Uma árvore com 2450 anos

Notícia da Sapo, 13/01/2014
Está em boa idade para rumar ao Alentejo e fazer uma visita ao Hotel Rural Horta da Moura, em Monsaraz.
 
Sobretudo, tem de visitar os terrenos do hotel onde sete oliveiras acabam de receber a certidão de idade. Entre elas, está um exemplar com 2450 anos, a segunda árvore certificada mais antiga de Portugal!!

E ainda pode ver oliveiras com 1370, 1330 e 705 anos. Todas continuam a produzir azeite. A datação foi feita por investigadores da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Estas árvores vão integrar um novo percurso pelos sete hectares da unidade hoteleira chamado de Rota da Oliveira.

Os golfinhos voltaram ao Tejo ou estão só de passagem?

Texto de Marisa Soares publicado pelo jornal Público em 24/01/2014
Biólogos vão estudar os vários avistamentos destes cetáceos no rio desde meados do século XIX. Número de observações tem aumentado nos últimos anos e os investigadores querem saber porquê.
 

Nos últimos anos têm sido avistados vários golfinhos no estuário
De cada vez que alguém vê e fotografa golfinhos a nadar no estuário do Tejo, o telemóvel da bióloga Cristina Brito toca. São os jornalistas a quererem saber se, afinal, os golfinhos estão de regresso ao estuário e, se sim, o que os traz de volta. A resposta sai com dúvidas. “Não sabemos muito bem o que dizer porque não há dados muito concretos e científicos”, admite a investigadora.
 
Perante esta incerteza, e como os avistamentos destes cetáceos no Tejo se multiplicaram nos últimos anos, os investigadores da empresa Escola de Mar e da Associação para as Ciências do Mar (uma organização sem fins lucrativos que promove a investigação do meio marinho, à qual Cristina Brito preside), decidiram mergulhar na história e procurar respostas. Através do projecto “Conservação e golfinhos no estuário do Tejo: realidade, imaginário ou mito?”, vão tentar perceber se os golfinhos estão a voltar a uma antiga área de residência ou se são visitantes ocasionais numa zona onde há hoje mais comida disponível e melhor qualidade ambiental, em resultado das intervenções ao nível do saneamento na área metropolitana de Lisboa.
 
“Vamos analisar dados históricos desde meados do século XIX, através dos registos dos naturalistas e das notícias de jornais, para perceber se os golfinhos estão a voltar a um ambiente no qual já viveram ou se estão apenas de passagem”, explica Cristina Brito, que coordena o projecto. Numa segunda fase, serão realizadas saídas de campo para “observações de oportunidade”. “Iremos para o estuário com empresas turísticas e que fazem transporte fluvial”, para tentar observar golfinhos, esclarece esta especialista em mamíferos marinhos. Os pescadores e outros utilizadores do estuário também serão ouvidos neste estudo.
 
Os avistamentos mais recentes são de golfinhos-roazes (Tursiops truncatus), da sub-espécie residente no estuário do Sado, e de golfinhos-comuns (Delphinus delphis), mais frequentes nas zonas costeiras. "Mas há registo de avistamentos até em Vila Franca de Xira", nota a bióloga. A especialista lembra que o número de avistamentos, que parece mais significativo nos últimos "dois ou três anos", pode estar simplesmente relacionado com uma maior atenção dada pela população e pelos próprios meios de comunicação a esta espécie.
 
Golfinhos toleram poluição
O objectivo, continua a investigadora, é “compilar os diversos registos [de observações] numa escala temporal e perceber se há um padrão que indique eles estão a voltar”. Se esse regresso se confirmar, depois é preciso saber o motivo: será a melhoria da qualidade da água, motivada pelas obras que permitiram, em Janeiro de 2011, deixar de lançar no rio os esgotos de 120 mil habitantes de Lisboa?
 
“Não é fácil relacionar directamente uma coisa com a outra”, adverte Cristina Brito. Isto porque os golfinhos não são uma espécie indicadora da qualidade da água – toleram facilmente sítios poluídos, já que acumulam a poluição na gordura corporal. No entanto, nota a bióloga, pode haver uma relação indirecta. “Num ecossistema com melhor qualidade há naturalmente mais peixes, o que atrai mais golfinhos.”
 
O estudo, que já começou no ano passado e deverá estar concluído no final de 2015, tem o apoio do Centro de Oceanografia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e do Centro de História de Além-Mar da Universidade Nova de Lisboa. Mas os investigadores querem também envolver os municípios. As câmaras de Almada e Cascais vão apoiar financeiramente o projecto, as de Alcochete e do Seixal disponibilizam apoio logístico, e outros municípios que fazem fronteira com o maior estuário da Europa Ocidental serão ainda contactados.
 
A Câmara de Cascais explica que este apoio está inserido num “esforço” que a autarquia está a fazer desde 2008 com vista à caracterização e monitorização da zona costeira, através do programa Aquasig Cascais.
 
Durante a investigação, serão apresentadas conclusões provisórias em palestras e em actividades de sensibilização ambiental – outro dos objectivos do projecto.

Os genes de um cão pré-histórico perduram nos cães actuais através de um cancro

Artigo publicado pelo jornal Público em 24/01/2014
A análise do ADN de um cancro dos cães permitiu ter uma ideia de como era o primeiro cão a ter padecido a doença, há mais de 10 mil anos.
 

O primeiro cão a padecer de um cancro hoje comum nos cães era provavelmente parecido com um husky
O cancro mais antigo do mundo ainda hoje activo é um cancro canino. Uma equipa internacional de cientistas determinou a sequência genética desse cancro e descobriu que terá surgido pela primeira vez num cão que viveu há uns 11 mil anos. Os seus resultados foram publicados na revista Science com data desta sexta-feira.
 
O cancro em questão é um cancro transmissível por acasalamento que provoca o crescimento de horríveis tumores genitais. Os cancros transmissíveis são raríssimos, sendo o único outro conhecido um cancro facial muito agressivo que afecta os diabos da Tasmânia e que se propaga através das mordidas, explica em comunicado o Instituto Sanger do Wellcome Trust, no Reino Unido.
 
A equipa liderada por Elizabeth Murchison, do Instituto Sanger e da Universidade de Cambridge, que inclui cientistas britânicos e da Austrália, Brasil e Itália, conseguiu – a partir do estudo de um tipo de mutações que se sabe ter-se acumulado nesses tumores caninos de forma progressiva e regular ao longo do tempo – estimar quando apareceu este cancro genital que é hoje uma doença comum dos cães de todo o mundo.
 
E não só: os cientistas constataram ainda que os genes do primeiro cão a ter padecido da doença ainda estavam presentes, hoje em dia, nas células cancerosas dos cães doentes.
Segundo os autores, esse cão pré-histórico terá sido parecido com um husky e tinha provavelmente pêlo curto de cor cinzenta acastanhada ou preta. Não foi contudo possível determinar o seu sexo. “Não sabemos por que é que aquele cão em particular deu origem a um cancro transmissível”, diz Murchison, citada no mesmo comunicado, “mas é fascinante olhar para atrás e reconstituir a identidade de um cão antigo cujo genoma ainda hoje vive nas células cancerosas que começou a espalhar.”
 
A análise genética do cancro também forneceu pistas sobre a evolução geográfica da doença. “Os padrões de variantes genéticas encontrados nos tumores provenientes de diferentes continentes sugerem que durante a maior parte da sua história, o cancro permaneceu confinado a uma população isolada de cães”, salienta a investigadora. “Espalhou-se para o resto do mundo nos últimos 500 anos, tendo provavelmente sido transmitida pelos cães que acompanhavam os exploradores nos navios, no início da era dos Descobrimentos.”

Cientistas descobriram um local onde o som nunca mais morre (ou quase)

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 21/01/2014
Numa antiga rede subterrânea de reservatórios de combustível na Escócia, o eco do disparo de uma pistola perdurou durante quase dois minutos.
 

Antiga conduta do complexo subterrâneo de Inchindown, onde era armazenado combustível naval durante a Segunda Guerra Mundial
Um especialista britânico de acústica acaba de pulverizar o recorde de duração de um eco numa estrutura de fabrico humano, anunciou a Universidade de Salford (Reino Unido) em comunicado.
 
O anterior recorde, registado no Guinness de 1970, foram os 15 segundos que o som demora a dissipar-se quando as portas de bronze maciço do Mausoléu de Hamilton, um monumento situado na Escócia, são fechadas com força.
 
Mas agora, Trevor Cox, da Universidade de Salford, visitou uma rede subterrânea de reservatórios de combustível que data de finais do anos 1930: o complexo de Inchindown, perto de Invergordon, também na Escócia. E descobriu a extraordinária acústica das estruturas que o compõem: ali, o som do disparo de uma bala demora 112 segundos a calar-se.
 
Construído em secreto pelas autoridades britânicas durante a Segunda Guerra Mundial, Inchindown foi utilizado para proteger dos bombardeamentos nazis as reservas de combustível necessárias ao abastecimento dos navios militares. Hoje em dia devoluto, pode no entanto, desde 2009, ser visitado pelo público.
 
Para realizar a experiência, Cox teve de penetrar num dos tanques através de uma conduta com menos de meio metro de diâmetro, guiado por Allan Kilpatrick, arqueólogo da Comissão Real dos Monumentos Antigos e Históricos da Escócia.
 
O tanque em que os dois homens entraram tem uma capacidade de 25,5 milhões de litros, paredes com 45 centímetros de espessura, um comprimento equivalente ao de dois campos de futebol, nove metros de largura e 13,5 metros de altura.
 
Uma vez posicionados estrategicamente dentro do tanque, um deles (Kilpatrick) disparou as falsas balas (munições de alarme) enquanto o outro (Cox) registava com microfones a “resposta” do gigantesco espaço aos estrondos. Trata-se de uma técnica habitual, explica ainda o comunicado, para avaliar a acústica das salas de concerto.
 
A primeira reacção de Cox ao eco interminável foi de incredulidade. “Nunca tinha ouvido uma tal catadupa de ecos e reverberações”, disse o cientista citado pela BBC News.
 
Segundo noticiou pelo seu lado o The Independent, o Guinness já certificou os novos resultados. “A reverberação é central à música clássica”, diz ainda Cox, citado por este diário britânico. “Seria interessante escrever uma peça de música para estas instalações.”

Planeta anão Ceres cospe vapor de água por dois lados

Artigo de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 25/01/2014
A cada segundo, seis quilos de água sob forma de vapor são ejectados de Ceres. Investigadores propõem duas origens para este fenómeno.
 

Uma ilustração de Ceres
Há uma cintura de asteróides que divide o Sistema Solar em duas zonas. Esta região, entre Marte e Júpiter, que separa os planetas rochosos (como a Terra e Marte) dos planetas gasosos (como Júpiter e Saturno), tem milhões de objectos, desde pequenas partículas até grandes asteróides. O maior é Ceres, um astro redondo que é considerado um planeta anão tal como Plutão. Agora, os cientistas descobriram duas plumas de vapor de água que se libertam de duas regiões diferentes daquele astro e que dão pistas sobre o seu interior, revela um artigo publicado nesta semana na revista Nature.
 
Ceres está na parte mais exterior da cintura de asteróides. O planeta anão tem 950 quilómetros de diâmetro (a Lua tem 3,6 vezes este diâmetro). A equipa, da Agência Espacial Europeia (ESA) e do Observatório de Paris, analisou o astro com o telescópio espacial Herschel da NASA e da ESA, cuja missão terminou no ano passado.

Em Outubro de 2012, a equipa viu sinais da emissão de água sob o estado gasoso. Mas só em Março de 2013, durante uma observação contínua de dez horas — suficiente para observar uma rotação completa do planeta anão —, é que as lentes que detectam luz no comprimento de onda dos infravermelhos confirmaram a existência de plumas de vapor de água a sair do objecto.

“Esta é a primeira detecção clara de água na cintura de asteróides”, diz Michael Küppers, da ESA, citado pela revista de divulgação científica New Scientist. Uma das causas para a origem desta água é ser proveniente de uma camada de gelo que está à superfície do astro ou logo abaixo. A luz solar faz este gelo sublimar, passando directamente do estado sólido para o gasoso.

“Outra possibilidade é que ainda pode existir alguma energia no interior de Ceres, e esta energia faria com que a água fosse expelida de uma forma semelhante à dos geysers na Terra. Só que, devido à baixa pressão que existe à superfície do asteróide, o que se libertaria seria vapor e não líquido”, explica Michael Küppers, citado pela BBC News.

O resultado deste fenómeno é que seis quilos de água são libertados por segundo em Ceres, o que equivale a cerca de 520 toneladas ao fim do dia. Os cientistas chegaram a estes números através da quantidade de infravermelhos que eram absorvidos pela pluma de vapor de água. Mas em 2015, quando o satélite da NASA Dawn chegar a este grande pedaço de rocha, a origem desta massa de água poderá começar a ser desvendada.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Localizadas mutações em 42 tijolos do ADN associadas à artrite reumatóide

Artigo publicado pelo jornal Público em 26/12/3013.
Análise do genoma de mais de 100 mil pessoas revela novos locais no ADN com influência no desenvolvimento de doença auto-imune. Estudo identifica terapias já existentes para tratar estas variações genéticas.
 

A artrite reumatóide causa a deformação das articulações
Uma análise genética a 103.638 pessoas de origem europeia e asiática encontrou 42 novos locais no ADN que estão fortemente associados ao desenvolvimento da artrite reumatóide. O trabalho, feito por cientistas em 38 instituições de sete países, foi publicado na última edição da revista Nature e pode ajudar a desenvolver terapias personalizadas para quem tem esta doença.
 
A artrite reumatóide é uma doença incapacitante. Uma resposta auto-imune do corpo gera inflamação nas articulações, provocando dores e, a longo prazo, a deformações das articulações, o que dificulta o movimento. Já se conheciam 59 locais no ADN humano em que se tinha sido associada a variação num único tijolo da molécula ao aparecimento desta doença, que surge em cerca de uma em cada 100 pessoas, afectando principalmente as mulheres.
 
O trabalho publicado agora, liderado por Robert Plenge, da Faculdade de Medicina de Harvard, em Boston, nos Estados Unidos, alargou o conhecimento sobre as variações genéticas que podem provocar a doença. A equipa internacional foi analisar 10 milhões de tijolos da molécula de ADN em 103.638 pessoas, 29.880 destas com artrite reumatóide.
 
Os investigadores fizeram um estudo de associação genómica para encontrar variações genéticas, dentro daqueles 10 milhões de tijolos, mais frequentes nas pessoas com a doença. Desta forma, descobriram 42 novos tijolos no ADN em que certas variações estão associadas à artrite reumatóide.
 
“Esta descoberta oferece uma oportunidade de utilizar a genética para descobrir novos fármacos para tratar ou mesmo curar as doenças complexas como a artrite reumatóide”, explica Robert Plenge, citado pela BBC News.
 
Com esta descoberta, conhecem-se agora 101 locais do ADN associados ao desenvolvimento desta doença. O artigo na Nature encontrou ainda 98 genes candidatos onde estão situados estes tijolos, e demonstrou ainda que estes genes são já alvo de tratamento de terapias contra a artrite reumatóide. A equipa identificou ainda terapias usadas noutras doenças, como no cancro, que poderão ser utilizadas na artrite reumatóide.
 
Kathy Siminovitch, outra investigadora envolvida neste trabalho, do Instituto de Investigação Lunenfeld-Tananbaum, do Hospital do Mounte Sinai, em Toronto, Canadá, explica em comunicado que esta descoberta facilita a medicina personalizada: “Podemos utilizar esta informação genética para tratarmos as pessoas de uma forma individualizada, dependendo da via molecular envolvida [na doença] de cada pessoa.”

Terapia genética conseguiu travar cancro da mama em ratinhos

Artigo de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 06/01/2014
Tratamento aplicado nos animais de laboratório reverteu progressão das células cancerosas do tecido mamário. Investigadores querem tentar aplicar técnica em humanos.
Ductos mamários de ratinhos marcados por fluorescência
Uma equipa de investigadores da Faculdade Médica de Harvard, em Boston, nos Estados Unidos, silenciou a actividade de um gene em células do tecido mamário de ratinhos, que é importante para o desenvolvimento do cancro da mama. Estas células estavam a percorrer o caminho para se tornarem cancerosas, mas a terapia genética conseguiu reverter o processo e normalizá-las. Publicada na revista Science Translational Medicine, a descoberta poderá vir a ser aplicada no combate ao cancro da mama.
 
O trabalho, liderado por Donald Ingber, centrou-se nas células dos ductos mamários, por onde passa o leite. “Apesar de haver algumas excepções, a maioria dos cancros da mama [cerca de 75%] aparece nas células epiteliais dos ductos”, disse ao PÚBLICO o investigador e fundador do Instituto Wyss para a Engenharia Inspirada na Biologia, da Universidade de Harvard.
 
Muitas vezes, são detectadas lesões nas células do epitélio dos ductos mamários, que podem desenvolver-se em cancros. Mas o problema é identificar quais as lesões que efectivamente estão nesse caminho. Como a medicina ainda não é capaz de fazer essa triagem, recorre-se a soluções drásticas como a radioterapia ou mesmo a mastectomia, dois tratamentos violentos com efeitos secundários a nível físico e psicológico.
 
Por isso, uma avaliação feita por especialistas em cancro da mama, publicada em 2007, “identificou a necessidade urgente de se desenvolverem terapias minimamente invasivas que possam ser direccionadas directamente para o epitélio do ducto, de forma a prevenir a progressão de lesões pré-malignas sem produzir uma toxicidade sistémica”, lê-se no artigo.
 
Os investigadores escolheram uma abordagem genética, através da utilização do chamado “ARN de interferência”. Esta técnica trava a actividade genética nas células. A informação contida nos genes, que estão inseridos nas longas cadeias de ADN, é o molde inicial para se produzirem proteínas. Para isso, a maquinaria celular começa por passar a informação do ADN para o ARN – uma molécula que pode navegar à vontade na célula –, e finalmente traduz a informação contida na molécula de ARN nos aminoácidos que formam as proteínas. O ARN de interferência está concebido para se ligar ao ARN mensageiro que foi transcrito a partir do ADN, impedindo-o assim de ser traduzido na proteína.
Outras equipas já tinham usado com sucesso a técnica do ARN de interferência, para tratar cancros da mama de origem humana que foram implantados em ratinhos. Mas uma barreira existente era identificar um gene que fosse muito importante para desencadear o cancro.
 
Por isso, os investigadores foram à caça desse gene. Através de um algoritmo matemático, a equipa identificou ligações entre genes mais activos durante o desenvolvimento do cancro da mama em ratinhos. Ou seja, produziram uma rede onde uma ligação entre dois genes implica que a actividade de um deles activa a actividade do outro. Em cancros da mama mais tardios, há uma grande heterogeneidade nestas ligações observada em ratinhos. Mas segundo a equipa, quando se observam cancros da mama em fases mais iniciais, o conjunto de genes especialmente activos é cada vez mais semelhante.
 
No início deste processo, quando as futuras células cancerosas já têm uma actividade genética própria, mas o seu aspecto ainda é igual ao das células saudáveis do epitélio dos ductos, os cientistas descobriram que o gene HoxA1 tinha uma actividade anormal e parecia ser o mais importante.
 
O HoxA1 está activo durante o desenvolvimento embrionário humano, mas não é utilizado pelas células saudáveis do tecido mamário adulto, onde está silenciado. Além disso, há vários estudos que indicam que a sua actividade está associada ao aparecimento do cancro da mama nas mulheres. Todas estas provas tornaram-no num bom candidato para ser silenciado pelo ARN de interferência.
 
Próximo passo é em coelhos
Primeiro, os cientistas experimentaram in vitro silenciar este gene, em células cancerosas do epitélio dos ductos de ratinhos. Ao contrário das células saudáveis, que formavam tubos, as células cancerosas aglomeravam-se numa massa desestruturada. Mas quando os cientistas aplicaram o ARN de interferência, as células reverteram o processo canceroso e voltaram a ter um aspecto saudável.
 
Depois, a equipa fez o mesmo in vivo, em ratinhos. Para isso, injectou a solução com o ARN de interferência – que estava dentro de pequeníssimas bolas ocas de gordura, uma técnica desenvolvida há poucos anos por um dos elementos da equipa – através dos mamilos dos ratinhos. O líquido entrou pelos ductos mamários, fazendo o caminho inverso do leite. Estes ratinhos eram transgénicos, tendo um outro gene responsável pelo cancro da mama. O tratamento foi aplicado durante a fase inicial do cancro, e a incidência de tumores reduziu-se em 75%. Os cientistas verificaram ainda que as células passaram a multiplicar-se menos.
 
Para perceber se a terapia atingia outros tecidos, o que poderia comprometer um tratamento em humanos, a equipa utilizou um marcador fluorescente ligado ao ARN de interferência para observar, por microscopia, o seu comportamento. “Não vimos quaisquer sinais do ARN de interferência em tecidos periféricos, indicando que as moléculas são apanhadas pelas glândulas mamárias e não entram na corrente sanguínea”, explicou ao PÚBLICO Amy Brock, uma das autoras do estudo que agora trabalha na Universidade de Austin, no Texas.
 
O próximo passo da equipa será testar a terapia noutra cobaia cuja anatomia dos ductos da mama seja semelhante à das mulheres – como os coelhos – e procurar efeitos secundários da técnica, para se poder passar aos ensaios clínicos. Uma questão que ainda falta responder é saber a dose que este tratamento requer em humanos, explica-nos Donald Ingber: “Mulheres com propensão para esta doença terão provavelmente de receber tratamentos de poucos em poucos meses. O mesmo tratamento poderá também ser administrado em locais [da mama] onde houve cirurgias de remoção de tumores, para induzir a reversão das células que ficaram em tecido mais normal.”