sábado, 26 de janeiro de 2013

Cientistas desenvolvem perfume para ajudar a encontrar parceiro

Texto publicado pelo jornal Sol em 23/01/2013.
"Cientistas alemães desenvolveram um perfume para ajudar a encontrar um parceiro, cujo aroma corresponde ao odor corporal individual, divulgou hoje a revista “Proceedings of the Royal Society B”.
 
Segundo o líder do estudo Thomas Boehm, director do Instituto Max Planck de Imunologia e Epigenética em Friburgo, o odor corporal desempenha um papel decisivo na escolha do parceiro.
 
A fragrância sintética, na qual os cientistas trabalharam durante 10 anos, faz ressaltar precisamente o odor corporal.
 
“O estudo está na fronteira entre a imunologia e o comportamento”, disse Boehm à imprensa alemã, citado na agência noticiosa espanhola EFE.
 
O cientista referiu que os animais indicam através do seu odor corporal os genes imunológicos que possuem.
 
“O cheiro dos potenciais parceiros indica se são o complemento perfeito para os genes imunológicos próprios. Os descendentes seriam assim resistentes a um vasto grupo de agentes patogénicos”, explicou.
 
Os genes imunológicos e o odor ligado a eles é diferente de indivíduo para indivíduo e a escolha do parceiro através do cheiro é um ato inconsciente, sublinhou Boehm.
 
O cientista Manfred Milinski disse que o perfume para encontrar um parceiro está pronto para ser lançado, embora ainda não existam planos concretos para a produção em massa.
 
No estudo participaram também cientistas do Instituto Max Planck de Evolução Biológica em Plon, da Clínica de Otorrinolaringologia da Universidade de Dresden e da Universidade de Gotemburgo (Suécia)."

Investigadores desenvolvem tecido renal a partir de células estaminais

Texto da agência Lusa publicado pelo jornal Sol em 23/01/2013.
"Investigadores japoneses anunciaram terem conseguido desenvolver tecido renal a partir de células estaminais pluripotentes induzidas (IPS na sigla em inglês) pela primeira vez a nível mundial, segundo um relatório divulgado hoje.
Esta constitui uma primeira etapa potencial para ajudar milhões de pessoas que dependem de diálise.
Os rins têm uma estrutura complexa difícil de recuperar quando danificada.
 
O trabalho da equipa dirigida por Kenji Osafune, professor associado no Centro para Investigação das Células IPS da Universidade de Quioto, permitiu gerar tecidos da mesoderme intermediária, da qual os rins são largamente compostos, com uma taxa de sucesso superior a 90 por cento após 11 dias de cultura.
 
Osafune e a sua equipa criaram parte de um túbulo urinário, um pequeno tubo no rim que desempenha um papel na produção de urina.
 
"É uma etapa muito importante", declarou o professor Osafune à agência France Presse num contacto telefónico, sublinhando, no entanto, existirem ainda numerosos obstáculos a ultrapassar antes de se conseguir um tratamento médico.
 
"Não sabemos ainda se um enxerto de células regeneradas permitirá realmente curar a doença renal", precisou.
 
As células estaminais pluripotentes induzidas são criadas a partir de células adultas conduzidas a um estado quase embrionário através de expressão de quatro genes (normalmente inativos nas células adultas) para que consigam uma nova imaturidade e capacidade de se diferenciarem em todos os tipos de células.
 
A equipa de Osafune descobriu que as células suprarrenais e as células glandulares de reprodução podem ser cultivadas utilizando o mesmo método.
 
Os resultados foram publicados no 'site' da revista científica Nature Comunications."

O combustível proibido

Texto de Rui Antunes publicado pelo Jornal Sol em 26/01/2013.
"O aumento dos glóbulos vermelhos no sangue para valores próximos do limite permitido (taxa de hematócrito de 50%) é a meta de qualquer ciclista que recorre ao doping.
 
Os glóbulos vermelhos são responsáveis pelo transporte de oxigénio e, quanto maior for o seu número, mais ‘combustível’ chega aos músculos para trabalharem de forma eficaz e durante mais tempo.
 
Esta é a razão pela qual o consumo de EPO e o recurso às transfusões sanguíneas se tornaram tão tentadores no ciclismo, um desporto que pode obrigar a esforços sobre-humanos: uma etapa de seis horas na Volta a França implica um desgaste de energia equivalente a oito jogos de futebol.
 
Os ciclistas podem gastar sete mil calorias ou mais antes de cortar a meta. Nas provas de três semanas, como o Tour, é como se corressem duas maratonas e meia por dia.
 
A taxa de hematócrito de uma pessoa normal ronda os 40% e tanto a EPO (uma hormona que existe no corpo humano) como as transfusões fazem disparar os glóbulos vermelhos, como explicou ao SOL o médico Robalo Nunes, especialista em imunohemoterapia.
 
No primeiro caso, já há testes para detectar o consumo, mas no segundo é «impossível» a não ser através de um histórico que permita verificar oscilações anormais do hematócrito. É essa forma de batota que o passaporte biológico, introduzido no ciclismo em 2008, veio ajudar a combater.
 
Mas na época áurea de Lance Armstrong não existia nada. «A transfusão não deixa rasto», sublinha Robalo Nunes, que diz ser possível o ciclista ter recorrido ao método sempre antes do Tour para escapar aos controlos. «Tem lógica». Ao injectar o sangue extraído um tempo antes ao que ficou no corpo a produzir mais glóbulos vermelhos para compensar, a gasolina dos músculos ganha novas qualidades."

O raio do protão é mais pequeno do que se pensava, mas o enigma perdura

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 24/01/2013.
"Equipa internacional com importante participação portuguesa confirma a sua surpreendente descoberta, anunciada há dois anos, e que poderá pôr em causa um dos pilares teóricos da Física.
 
A descoberta, em 2010, apanhou de surpresa não apenas os seus autores, mas os físicos do mundo inteiro. Medições do tamanho do protão indicavam que o raio deste constituinte de base dos átomos seria muito inferior ao que se pensava. O resultado, obtido por 32 cientistas – do Instituto Max Planck, na Alemanha; do Instituto Paul Scherrer e do ETH de Zurique, na Suíça; do Laboratório Kastler Brossel, em Paris; dos EUA; de Taiwan; e das universidades de Coimbra e de Aveiro (na altura, um grupo de oito investigadores) – fora então publicado na revista Nature. E, agora, a mesma equipa internacional, hoje com 35 elementos – sete dos quais de Coimbra e dois de Aveiro – anuncia, na edição desta sexta-feira da revista Science, a confirmação dessas medições.
 
Desde aquela publicação inicial que existe um intenso debate em torno de algo que todos vêem como um enigma com potenciais implicações problemáticas para um dos pilares teóricos da Física: a Electrodinâmica Quântica, ou QED, que descreve as interacções entre a luz e a matéria. Os novos resultados não resolvem o enigma, antes confirmam a sua existência, ao mostrar que os primeiros resultados não eram disparatados.
 
Acontece que é com base na Electrodinâmica Quântica que foi calculado o valor “oficial” do raio do protão: 0,8768 fentómetros (milésimos de bilionésimo de metro). E que o que o que os cientistas procuravam, na altura dos seus primeiros resultados, não era apanhar uma surpresa e criar um mistério, mas apenas acrescentar uma casa decimal a esse valor em vigor, recorrendo a medições experimentais. Só que, em vez disso, viram de repente o raio do protão “encolher” cerca de 4%, para 0,84184 fentómetros.
 
Ora, a Electrodinâmica Quântica é “a teoria mais exacta e mais bem estudada da Física”, disse quinta-feira ao PÚBLICO Joaquim dos Santos, da Universidade de Coimbra, coordenador do grupo português. Como explicar então que essa teoria não bata certo com a realidade?
 
Todas estas medições foram realizadas utilizando átomos de hidrogénio – que não são senão um protão com um electrão à volta. Não de hidrogénio natural, mas de uma forma “exótica” do mesmo elemento químico, onde o electrão é substituído por um muão, partícula de igual carga mas 200 vezes mais pesada do que o electrão, que torna as medições mais precisas. “O Instituto Paul Scherrer é uma fábrica de muões”, salienta Joaquim dos Santos. “A nossa equipa é a única no mundo a fazer estas medições com hidrogénio muónico.”
 
O dispositivo experimental desenvolvido pela equipa é uma “floresta” de lasers ultra-rápidos e de detectores (estes últimos desenvolvidos pelos cientistas portugueses) que permitem medir as diferenças de energia dos muões conforme a distância das suas órbitas (ou “orbitais”) ao protão central, para daí deduzir o tamanho do protão. “Fizemos novas medições para outras orbitais do hidrogénio muónico que confirmam as [nossas primeiras medições] do raio do protão”, diz Joaquim dos Santos. Ou seja, “confirmam que o enigma se mantém”, porque “já não há dúvida na comunidade científica” de que se trata efectivamente de um enigma e não de um erro. O valor do raio do protão hoje publicado na Science é ligeiramente mais preciso do que o anterior: 0,84087 fentómetros.
 
Teoria incompleta?
E agora? “Algumas medições feitas com hidrogénio natural fornecem um valor próximo do nosso, mas não são ainda consideradas estatisticamente significativas”, diz Joaquim dos Santos. Portanto, vai ser preciso fazer as mesmas medições, com o mesmo dispositivo experimental, mas com hidrogénio natural. Estas experiências já estão em curso ou iminentes em vários laboratórios do mundo, em França, Alemanha, EUA. “Pode ser que esses valores se revelem mais baixos e então não haverá problema com a teoria”, diz o cientista. O enigma resolver-se-á sozinho. Resultados dentro de dois anos.
 
Porém, outra razão para esta discrepância entre a teoria e a observação poderia ser “a existência de uma partícula desconhecida, responsável por uma interacção entre o muão e o protão” que mascara as coisas. Há pessoas a estudar essa hipótese, mas muitos pensam que se essa partícula existisse, já teria sido encontrada.
 
A terceira explicação seria que a Electrodinâmica Quântica está incompleta, “que há uma propriedade característica do protão que a teoria ainda não descreve, um fenómeno novo que ela não previa”, frisa Joaquim dos Santos, admitindo que tem uma predilecção por esta hipótese: “Talvez possa ser da teoria, mas é um palpite como outro.”
 
Seja como for, a equipa já está a analisar os dados obtidos repetindo as medições com deutério muónico (o deutério é uma forma de hidrogénio cujo núcleo inclui um neutrão), esperando ter resultados daqui a um ano.
 
O alvo que se segue será o hélio muónico (dois protões e dois muões, para além de neutrões), mas esse trabalho irá precisar de um novo dispositivo experimental, com lasers e detectores diferentes."

EUA ponderam acabar com experiências em centenas de chimpanzés

Texto publicado pelo jornal Público em 25/01/2013.
"Recomendado fim das investigações científicas em mais de 300 chimpanzés e os laboratórios que os mantiverem terão de lhes dar melhores condições.
Só 50 chimpanzés serão necessários para experiências nos EUA, diz relatório
Os Institutos Nacionais de Saúde (NIH, sigla em inglês) dos Estados Unidos deverão desmantelar as experiências científicas que fazem em chimpanzés, defende um relatório publicado nesta semana. Dos 360 chimpanzés que eram objecto para a investigação do NIH, só 50 é que deverão ser mantidos, mas os centros que os tiverem serão obrigados a proporcionar-lhes melhores condições de vida.
 
Os Estados Unidos e o Gabão são os únicos países que ainda fazem investigação em chimpanzés, de acordo com o Instituto Jane Goodall do Canadá, um tipo de actividade científica iniciada em 1923. Em 2010, a União Europeia baniu esta actividade laboratorial.
 
“Finalmente, o governo compreendeu: os chimpanzés devem tanto viver num laboratório, como as pessoas devem viver em cabines telefónicas”, disse em comunicado o grupo norte-americano Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais.
 
A nova morada dos 310 chimpanzés será o Santuário de Chimpanzés, um parque com oito quilómetros quadrados de onde vivem mais de cem primatas desta espécie. O parque, no Noroeste do estado do Luisiana, tem floresta natural, estruturas para os chimpanzés treparem às árvores e fazerem ninhos, espaço para procurarem por comida, apesar de serem alimentados diariamente, e para se moverem em grupos.
 
A recomendação foi feita por uma comissão independente a pedido dos NIH. O pedido foi feito há um ano por Francis Collins, director dos NIH, depois do Instituto de Medicina dos Estados Unidos publicar um relatório onde considerava que a maior parte da investigação feita em chimpanzés nos Estados Unidos era desnecessária.
 
Collins terá 60 dias para aprovar ou não a recomendação depois de ouvir a opinião pública sobre este assunto. Mas no último mês, os NIH já tinham anunciado que iriam retirar 110 chimpanzés que estavam no Centro de Investigação Nova Ibéria, na Universidade de Luisiana em Lafayette, para o parque. Alguns deles já chegaram ao santuário.
 
O novo relatório de 84 páginas define normas mais restritivas para a investigação que ainda possa ser feita. Cada chimpanzé terá de ter pelo menos 93 metros quadrados de área aberta, acesso permanente ao ar livre com áreas para trepar e diferentes tipos de superfícies naturais. Os chimpanzés deverão viver pelo menos em grupos de sete indivíduos, para terem um ambiente social saudável. Todas as experiências terão de ser aprovadas por um comité independente.
 
Das nove experiências invasivas que estavam a decorrer, que incluem imunologia, doenças infecciosas, só três é que garantem estes critérios e vão continuar, diz ainda o novo relatório. Oito das treze investigações sobre comportamento ou estudos de genoma poderão continuar, mas terão de ser aprovados pelo comité.
 
O custo desta reforma será de 25 milhões de dólares (18,62 milhões de euros), de acordo com o jornal Washington Post."

Especialistas retomam investigação com vírus mutantes da gripe das aves

Texto de Ana Gerschenfeld publicado pelo jornal Público em 24/01/2013

A gripe das aves não é transmissível entre humanos, apenas das aves para os humanos. Mas nada garante que não venha a sê-lo um dia
"Em carta hoje divulgada pelas revistas Nature e Science, 40 cientistas decretam o fim de uma auto-imposta moratória nos países que já autorizam as pesquisas, mas que ainda não incluem o maior financiador: os EUA
A 26 de Janeiro de 2012, um grupo internacional de especialistas de gripe das aves tinha decidido impor a si próprio a suspensão do estudo das mutações do vírus H5N1 da gripe das aves que o poderiam tornar transmissível pelos espirros entre seres humanos. Hoje, numa carta enviada às revistas Nature e Science, os mesmos 40 signatários declaram que tencionam retomá-las.

A moratória fora decidida na sequência das críticas levantadas por uma parte da comunidade científica na altura da publicação, naquelas mesmas revistas, de dois artigos - respectivamente da autoria de Ron Fouchier, do Centro Médico Erasmus (Holanda), e de Yoshihiro Kawaoka, da Universidade do Wisconsin (EUA) - sobre as questões de segurança ligadas ao facto de criar, em laboratório, vírus H5N1 mutantes adaptados ao contágio por via aérea entre mamíferos, tal como uma vulgar gripe sazonal. Na altura, a ênfase foi posta na ameaça bioterrorista, mas actualmente as preocupações estão mais viradas para os riscos de eventuais "fugas" acidentais de tais vírus.

Inicialmente prevista para durar dois meses, a moratória acabaria por se prolongar por um ano, para "explicar ao público os benefícios para a saúde destes trabalho, descrever as medidas que permitem minimizar os riscos e dar tempo aos países para rever as suas políticas", nomeadamente de biossegurança, lê-se na carta agora publicada (acessível em http://www.sciencemag.org/site/special/h5n1/). Os defensores destas investigações têm argumentado que conhecer o número mínimo de mutações que tornariam o H5N1 numa nova praga humana global deverá permitir não só desenvolver vacinas, mas criar sistemas de alerta, caso essa combinação de mutações surja naturalmente.

Os mesmos signatários de 2012 - Fouchier, Kawaoka e um elenco de estrelas mundiais da gripe das aves - assinam, portanto, esta nova carta, considerando que essas metas foram atingidas. E que, na medida em que uma série de países já redefiniu as suas normas de biossegurança e aprovou as pesquisas nessas condições, é urgente retomá-las. Apesar de os EUA, o maior financiador mundial na área através dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), não ter ainda dado a sua resposta e não se saber quanto é que ela poderá ainda demorar.

"Por que é que os outros países deveriam esperar pelos Estados Unidos?", disse ontem Fouchier, durante uma conferência de imprensa telefónica internacional organizada pela Science, salientando, aliás, que combinações de duas mutações por eles identificadas antes da moratória já foram detectadas em H5N1 no Egipto.

Interrogado pelo PÚBLICO sobre quais os países que já responderam afirmativamente - ou que estarão em vias de o fazer -, o investigador disse serem basicamente os países onde se localizam os laboratórios dos signatários: Alemanha, Canadá, China, EUA, Holanda, Itália, Japão, Reino Unido e Rússia. "Não tenho uma lista dos países", declarou, "mas a Holanda, Canadá e, em princípio, todos os países da União Europeia já deram a sua aprovação". O Japão, salientou, pelo seu lado, Kawaoka, ainda não o fez.

Todavia, reconheceram estes cientistas, os níveis de biossegurança exigidos aos laboratórios para evitar fugas ou a contaminação dos que neles trabalham não estão harmonizadas a nível mundial. Mas esperam que a Organização Mundial da Saúde venha a agir nesse sentido.

O debate está, contudo, longe de estar encerrado. Muitos cientistas continuam a criticar a realização destas investigações - e subsistem dúvidas inclusivamente entre os signatários da nova carta. Ilaria Capua, do Instituto Zooprofiláctico Experimental de Pádua (Itália), admite na Nature os seus receios ao jornalista Declan Butler. Não com o punhado de laboratórios com altos padrões de segurança actualmente envolvidos, mas "com o risco de proliferação deste tipo de investigação a mais longo prazo".

Concretamente, onde é que as pesquisas poderão ser retomadas nas próximas semanas? Fora dos EUA e sem fundos dos NIH. O que por enquanto exclui totalmente a equipa de Kawaoka e parcialmente a de Fouchier."

Português descobriu o que acontece no cérebro antes de fazermos um movimento

Texto de Nicolau Ferreira publicado pelo jornal Público em 23/01/2013.
Rui Costa trabalhou no desenvolvimento de um novo método para observar a actividade dos neurónios
"Rui Costa e colegas descobriram que a decisão para fazer um movimento simples como levantar o braço depende de dois circuitos neuronais diferentes e não de um só. Descoberta pode ter implicações no tratamento de sintomas de doenças como a de Parkinson.
Luzes, neurónios, acção: foi através da observação desta sequência de acontecimentos que uma equipa de cientistas, com participação portuguesa, conseguiu mostrar que são necessárias duas rotas diferentes de células nervosas para se gerar movimento.
 
Utilizando uma nova técnica, Rui Costa, neurocientista que trabalha na Fundação Champalimaud, em Lisboa, e colegas, puseram em causa o que se pensava ser a função de cada uma das rotas – defendia-se que uma servia para accionar um determinado movimento, outra para inibir o mesmo movimento. Mas, afina,l o comando para começar uma acção é mais complexo, mostra um estudo publicado nesta quarta-feira na edição online da revista Nature.
 
O que é uma acção: levantar o braço, caminhar até à casa de banho ou saltar de uma ponte? As três, mas a terceira necessita de um processo mental mais complexo para a tomada de decisão. O tipo de acção que Rui Costa e os colegas do Instituto Nacional do Abuso de Álcool e do Alcoolismo, nos Estados Unidos, estudaram prende-se mais com as duas primeiras. São esses movimentos mais simples que são afectados por doenças do sistema nervoso como a de Parkinson ou a coreia de Huntington.
 
Essas doenças afectam os gânglios de base, estruturas bem definidas no cérebro compostas por células nervosas que estão abaixo do córtex. Uma das actividades que são levadas a cabo pelos neurónios destas estruturas conduz à tomada de decisão para a iniciação ou não de movimentos mais simples.
 
Sabia-se que dois circuitos diferentes que partem destes gânglios afectavam esta decisão. Um dos circuitos é directo e o outro tem mais intermediários e, por isso, chama-se indirecto. A doença de Parkinson, que é inibidora desses movimentos, e a coreia de Huntington, que provoca movimentos musculares descontrolados, afectam estes dois circuitos. Por isso, teorizou-se que o circuito directo servia para activar o movimento e o indirecto servia para o inibir.
 
Mas faltava uma observação experimental. “Nunca se conseguiu medir directamente a actividade destes neurónios”, diz Rui Costa ao PÚBLICO. O trabalho, que começou quando Rui Costa ainda estava nos Estados Unidos, ultrapassou esta dificuldade experimental e mostrou que aquela hipótese parece estar errada.
 
As células nervosas de cada circuito têm identidades diferentes e produzem proteínas únicas. A equipa criou ratinhos que produziam proteínas fluorescentes em cada um dos circuitos. Estas proteínas emitiam mais luminosidade quando os neurónios se activavam. Com uma pequeníssima fibra óptica instalada no cérebro dos ratinhos e ligada a um contador de fotões, os cientistas conseguiram medir a actividade dos dois circuitos neuronais separadamente.
 
Depois, puseram os ratinhos a iniciar um movimento e mediram a actividade do circuito directo e do indirecto. “Menos de um segundo antes de iniciar o movimento, os dois circuitos ficavam mais activos, depois iniciava-se o movimento”, conta Rui Costa. “Para iniciar um movimento consciente, é necessário os dois circuitos estarem activos”, conclui.
 
Os cientistas não fizeram nenhuma experiência que testasse a actividade dos circuitos quando uma acção era inibida. Só se verificou que, quando os ratinhos se mantinham parados, os dois circuitos estavam menos activos.
 
Não se sabe qual a função de cada um dos circuitos. Uma das possibilidades é que, enquanto um circuito está a activar uma acção, o outro acaba por inibir todas as outras, explica Rui Costa.
 
Mas estes resultados podem ajudar “a melhorar o tratamento dos sintomas das doenças neuronais”, diz o investigador. “O próximo passo é tentar manipular a actividade destes circuitos, de forma a controlar o movimento.” "