terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Portugal é o primeiro país mediterrânico com mexilhões sustentáveis



Certificação internacional pioneira obtida por empresa do Algarve é a segunda no país, depois da sardinha.
 
Sabem bem os mexilhões do Algarve? Então agora saberão melhor: a sua produção acaba de ser declarada sustentável pela mais importante organização internacional da área. Ou seja, em tese, podemos comê-los com a certeza de que a sua cultura não está a poluir o mar ou a dar cabo da própria espécie.
 
 
Mexilhões em cordas, criados em mar aberto: "É um processo completamente natural"
É a segunda pescaria portuguesa a ser certificada com o selo do Marine Stewardship Council (MSC), uma organização sem fins lucrativos. Os mexilhões seguem os passos da sardinha, que obteve a mesma certificação em 2010, mas agora suspensa.

A iniciativa partiu da Companhia de Pescarias do Algarve, uma empresa que está prestes a completar 150 anos de existência. “É uma certificação que achamos que valia a pena”, afirma António Farinha, presidente do conselho de administração. O selo de sustentabilidade, explica António Farinha, é importante para se conquistar mercados exigentes, como os do Norte da Europa e América do Norte.
 
E a empresa quer precisamente tornar-se no maior fornecedor de mexilhões para a Europa e num dos maiores exportadores do mundo.
 
O que faz do mexilhão do Algarve sustentável é sobretudo a forma como é criado. As “sementes” – como são conhecidos os juvenis de bivalves – foram recolhidas manualmente nas rochas do litoral da região. O processo é feito uma só vez.
 
Os juvenis são então largados sobre linhas que pendem de longas cordas, às quais os mexilhões agarram-se e se desenvolvem. Submersas, ocupam uma área de cerca de mil hectares em mar aberto, uma milha marítima (cerca de 1,8 quilómetros) ao largo da ilha da Armona, em Olhão.
 
À parte a manutenção diária da própria estrutura, não é preciso fazer mais nada. “É um processo completamente natural, não damos qualquer alimento, qualquer antibiótico”, explica António Farinha. “A qualidade da água é tal que permite ter mexilhões em cinco a seis meses”, completa o responsável da empresa.
 
Os animais reproduzem-se naturalmente, não é preciso voltar a “semeá-los”. E as próprias cordas acabam por funcionar como uma espécie de recife de coral, onde outras espécies marinhas vão-se alimentar, incluindo peixes com interesse comercial como douradas e gorazes.
 
O processo parece ser simples, mas conseguir o selo de sustentabilidade não foi fácil. O processo implica garantir que o stock do recurso permanece estável, que não há impacto no ecossistema e que a pescaria é gerida com as melhores técnicas ambientais. E tudo tem de ser confirmado por auditorias independentes do MSC, já que a entidade apenas fixa as normas. “O processo de certificação levou um ano”, diz António Farinha. O resultado é hoje celebrado numa cerimónia em Olhão.
 
Com várias delegações em todo o mundo, o MSC já certificou até agora 246 formas de pesca e tem mais 106 em avaliação. O foco são as artes de captura de animais em meio natural. Os mexilhões são um caso particular, pois podem ser criados praticamente sem intervenção humana, a não ser associá-los a um suporte. “É uma pescaria que está entre a aquacultura e a pesca selvagem”, afirma Laura Rodríguez, responsável do MSC para Portugal e Espanha.
 
Além das pescarias em si, o selo pode ser usado nos produtos que dela resultam. Na prática, o rótulo significa que aquele produto – uma conserva, por exemplo – provém de uma pescaria certificada e seguiu uma cadeia também alvo de certificação até chegar ao consumidor final.
 
“O objectivo da certificação é ambiental. Mas é também um incentivo comercial para os produtores”, explica Laura Rodríguez.
 
A Companhia de Pescarias do Algarve espera, por exemplo, utilizar o selo em patês e conservas de mexilhão, bem como no mexilhão congelado, com o qual quer competir no mercado internacional, dominado por países como Nova Zelândia, Espanha e Chile.
 
Em Portugal, há 39 empresas – sobretudo conserveiras, que processam pescado certificado como sustentável – autorizadas a utilizar o selo do MSC. No mundo todo, são mais de 25 mil produtos comercializados com o selo.
 
Pescarias em si, são apenas duas no país. A pesca do cerco à sardinha foi a primeira a obter a certificação, em 2010. Mas a espécie tem sofrido altos e baixos na sua população reprodutora. Em Janeiro de 2012, a certificação foi suspensa, porque não havia sardinhas suficientes para garantir a sustentabilidade do recurso a longo prazo. Retomada um ano depois, a certificação voltou a ser suspensa em Agosto passado, pelo mesmo motivo.
 
Os mexilhões do Algarve são os primeiros da espécie Mytilus galloprovincialis – comum nas águas dos países mediterrânicos – a serem certificados em todo o mundo. Outras espécies já estão certificadas no Norte da Europa (Mytilus edulis) e no Chile (Mytilus chilensis).

O objectivo último da certificação é permitir que o consumidor opte por produtos mais sustentáveis, garantindo assim a saúde dos oceanos. Mas o próprio sistema tem um limite: quando a maioria das pescarias tiver o rótulo, o incentivo comercial para enfrentar o processo deixará de existir.
 
“Oxalá cheguemos a este ponto”, exclama Laura Rodríguez. “Mas ainda estamos longe desta situação”. Neste momento, apenas 10 em cada 100 quilos de peixe capturados nos oceanos ostentam o selo de sustentabilidade.

Primeiros linces vão ser libertados em Mértola na próxima semana



Programa de reintrodução do lince ibérico em Portugal entra em fase decisiva, com dois animais soltos numa grande área cercada, onde permanecerão durante algumas semanas.
 
Depois de anos de esforços e de avanços e recuos, os primeiros linces ibéricos criados em cativeiro a serem reintroduzidos em Portugal deverão ser libertados dentro de uma semana, no concelho de Mértola. É o primeiro passo de um plano para soltar oito animais em território nacional, de onde o lince tinha praticamente desaparecido ao longo do século XX.

O lince ibérico está em "perigo crítico" de extinção
A espécie Lynx pardinus é endémica da Península Ibérica – ou seja, só existe em Portugal e Espanha e em mais lugar nenhum do mundo. Mas a sua população foi minguando até restarem pouco mais de uma centena em Espanha e quase nenhum em Portugal no princípio década passada. É um animal considerado em “perigo crítico” de extinção, segundo a União Internacional para Conservação da Natureza.

Nos últimos anos, vários linces criados em cativeiro em Espanha e Portugal foram libertados em território espanhol. Agora é a vez de Portugal, que pela primeira vez o fará em solo nacional. Se tudo correr como o previsto, no próximo dia 16 de Dezembro, terça-feira, dois linces serão alvo de uma “soltura branda”, ou seja, serão libertados numa zona cercada, com cerca de dois hectares.
 
Aí permanecerão durante algumas semanas, para se adaptarem à vida selvagem. Quando os técnicos que os irão monitorizar estiverem seguros de que os animais estão prontos para uma vida completamente independente, então serão por fim soltos na natureza.
 
O principal elemento necessário para o sucesso da reintrodução do lince é o coelho bravo, o seu principal alimento. Uma variante da doença hemorrágica viral, que afecta ciclicamente os coelhos, provocou drástica redução da sua população nos últimos anos. Sem coelhos, não há hipótese de os linces se fixarem em território nacional.
 
O Ministério do Ambiente sempre garantiu que os linces só seriam libertados quando a situação dos coelhos fosse comprovadamente favorável. O PÚBLICO solicitou mais detalhes, mas o ministério remeteu quaisquer esclarecimentos para um momento mais próximo do dia da libertação, argumentando que a data poderia ser alterada.
 
Em Mértola, porém, há sinais de que a situação melhorou. “A percepção que temos é a de que houve uma ligeira recuperação em relação ao ano passado”, afirma António Paula Soares, presidente da Associação Nacional de Proprietários Rurais, Gestão Cinegética e Biodiversidade, que representa os donos de zonas de caça.
 
Quercus pede "justificação técnica"

Em 2013, praticamente não houve caça ao coelho na região. A doença hemorrágica viral dizimou os animais. Mas este ano tem havido uma maior actividade cinegética, embora a população de coelho bravo esteja ainda longe dos números de há dois anos. António Soares acredita que “as coisas estão bem encaminhadas”.
 
A associação ambientalista Quercus estranha que a libertação ocorra agora. “Gostaríamos de conhecer a justificação técnica”, afirma Paulo Lucas, dirigente da Quercus. “Estava prevista para Janeiro ou Fevereiro, estranhamos a pressa”, completa.
 
O que mais preocupa a Quercus é haver poucos incentivos para que os proprietários melhorarem o habitat do lince. Os prémios anuais de 10 a 100 euros por hectare, conforme o tamanho da propriedade, não são atractivos, segundo a associação. “A libertação em si do lince é um fogacho. A reintrodução de uma espécie é uma corrida de longo prazo”, diz Paulo Lucas.
 
Outras associações têm manifestado preocupações quanto à libertação dos linces. Em Julho, a Federação Portuguesa de Caça e a Confederação Nacional de Caçadores Portugueses criticaram vários aspectos do processo, manifestando o temor de que haja uma espécie de competição com o lince pelo coelho bravo e maior ingerência do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) em matérias de gestão que estão hoje na esfera dos gestores cinegéticos.
 
O período de caça ao coelho termina no final do ano. O Ministério do Ambiente, segundo António Soares, comprometeu-se a avançar com a libertação dos linces apenas após o fim do período das montarias, que se estende até Fevereiro. Isto significa que os primeiros linces deverão permanecer dois meses na área cercada, que fica numa zona de caça turística de Mértola.
 
A Secretaria de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza garantiu dois mil hectares de terrenos favoráveis para os linces, através de contratos com proprietários da região. Foi também lançado um “pacto” para a preservação da espécie, envolvendo gestores de caça, investigadores, organizações não-governamentais, representantes da agricultura e instituições oficiais, no qual diz-se que “a presença do lince ibérico não implicará a criação de limitações ou proibições” nos sectores cinegético, agrícola e florestal.
 

Sonda japonesa já vai a caminho de um asteróide

AFP

Em 2020, sonda vai trazer para a Terra amostras de um asteróide para se analisar matéria orgânica e água.
A partida do foguetão com a sonda japonesa a bordo
A sonda japonesa Hayabusa-2, que se encontrará com um asteróide em 2018, foi colocada no espaço pelo foguetão japonês H-2A nesta quarta-feira, de acordo com a agência espacial japonesa (JAXA).
 
O foguetão descolou às 13h22 (4h22, hora de Lisboa) da base espacial de Tanegashima, com um céu azul com algumas nuvens ao fundo. Desde domingo que o lançamento foi adiado duas vezes devido às más condições meteorológicas. “A trajectória seguida pelo foguetão está de acordo com o plano de voo”, assegurou um comentador da JAXA alguns minutos após a descolagem.
 
No entanto, foi necessário esperar 1h47 para que a sonda Hayabusa-2 se separasse do foguetão. “A separação da Hayabusa-2 foi confirmada”, declarou uma comentadora da agência, ao mesmo tempo que o canal público de televisão japonês NHK exibiu imagens da equipa da JAXA, felicitando o seu trabalho.
 
A Hayabusa -2 irá agora dirigir-se ao 1999 JU3, um asteróide antigo, com uma forma mais ou menos esférica e com menos de um quilómetro de diâmetro. Espera-se que a sonda atinja o objecto em meados de 2018.
 
O objectivo da missão é descer com um aparelho até ao chão do asteróide para recolher uma amostra e trazê-la para a Terra em 2020. Os cientistas querem procurar água e matéria orgânica nas amostras vindas deste antigo asteróide que, se forem encontradas, poderão dar informações sobre a composição original do nosso sistema solar. Com esta informação espera-se compreender melhor a formação dos planetas e as condições que permitiram o aparecimento de vida na Terra.
 
“Esta missão de recolha de matéria primitiva tem o potencial de revolucionar a nossa compreensão das condições de formação dos planetas”, escreveu a equipa da JAXA que lidera o projecto.
 
A missão Hayabusa-2 segue-se à missão similar Hayabusa, de 2003, e beneficia de tecnologias que foram melhoradas depois das lições tiradas da primeira missão, que teve vários problemas. A sonda Hayabusa só voltou à Terra em 2010, depois de uma epopeia de sete anos no espaço.

Universidade do Algarve está a criar pepinos-do-mar em terra



Os chineses correm meio mundo em busca de uns animais, com o corpo em forma de chouriço, que fazem as delícias à mesa dos orientais – são os pepinos-do-mar, desprezados pelos portugueses. No mercado asiático, depois de secos, chegam a custar 150 a 200 euros por quilo
 

Um dos pepinos-do-mar estudados na estação-piloto do Ramalhete, Algarve
Qual a diferença entre os pepinos produzidos em terra ou no mar? Só existe semelhança na forma e no facto de ambos serem comestíveis e de agrado popular – mas um é vegetal e o outro não. O preço de um pepino dos oceanos – animal da família dos ouriços-do-mar e das estrelas-do-mar – pode chegar aos 150 a 200 euros por quilo seco. Os chineses correm o mundo em busca destes animais, atribuindo-lhes propriedades singulares na alimentação e, na medicina popular, dizem ter poderes afrodisíacos. No Norte da Turquia, nos últimos dois anos, foram pescados 700 mil a um milhão de indivíduos por dia – uma razia que se está a repetir no Norte de África.
No Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve, a investigadora espanhola Mercedes González Wangüemert, está a investigar há cinco anos aos pepinos-do-mar. Antes, esteve em Girona e Múrcia, Espanha, a estudar a genética de populações marinhas de outros animais, como pargos e lesmas-do-mar. Está preocupada com a inexistência de legislação que proteja estes invertebrados marinhos em risco de extinção nalguns pontos do globo e defende a monitorização das capturas. “Não existe legislação que regule a pescaria. A zona Norte da Turquia foi dizimada, e agora viraram-se para sul, colocando em perigo a sobrevivência das espécies.”

A partir do Norte de Marrocos estão agora a ser exportadas “toneladas de pepinos-do-mar” para São Francisco, nos Estados Unidos, onde há uma importante comunidade chinesa. A informação sobre o que se está a passar nesses mares tem-lhe chegado através de um investigador local que colabora com a equipa da Universidade do Algarve.
 
Nos mares do Índico e Pacífico, devido à procura desenfreada, há zonas onde estes animais quase desapareceram por completo. Por isso, uma vez esgotados os recursos nas zonas dos trópicos, as capturas passaram a fazer-se no Mediterrâneo e no Atlântico europeu. Além do valor nutricional (possíveis antioxidantes e ácido gordo ómega-3), pode ainda ser utilizado na obtenção de substâncias para fins terapêuticos. Na ausência de normas que protejam estes animais, as capturas são livres.
 
No Algarve, entre a comunidade piscatória, os pepinos-do-mar são conhecidos pelo nome popular que deriva da sua forma fálica. O tamanho médio da espécie Holothuria arguinensis oscila entre 15 a 20 centímetros, mas na ilha da Culatra, na ria Formosa, já foi encontrado um exemplar com 65 centímetros.
 
A equipa do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve, que inclui dez investigadores, conseguiu entretanto reproduzir pepinos-do-mar em sistema de aquacultura, na estação-piloto do Ramalhete, na ria Formosa. Nasceram há cerca de três meses as primeiras crias de uma das espécies de pepinos-do-mar de maior valor comercial – precisamente a Holothuria arguinensis, existente no Algarve, na costa ocidental de Portugal até Peniche, nas ilhas Canárias e no Noroeste de África.
 
“Isto é como cuidar de uma criança”, comenta Mercedes González Wangüemert, a coordenadora do projecto, ao observar o aquário os 40 juvenis, com 1,5 centímetros de comprimento.
 
É neste mundo aquático da Estação Experimental do Ramalhete – instalada num velho armazém de apoio às antigas armações de atum da Companhia de Pescarias do Algarve, perto de Faro, e rodeada de salinas – que a vida corre numa aparente tranquilidade. Jorge Domínguez Godino, um jovem biólogo espanhol com um doutoramento nesta área, recorda o momento em que, através de um choque térmico, na última Primavera, promoveu a reprodução induzida da Holothuria arguinensis – os machos lançaram o esperma na água, as fêmeas os óvulos e natureza fez o resto. O resultado não podia ser melhor. “Um êxito”, enfatiza.
 
Na fase seguinte, para o próximo ano, espera que não faltem apoios financeiros para levar a cabo o estudo noutras latitudes. “Ainda falta saber muito sobre estes animais”, comenta Jorge Domínguez Godino, lembrando que há 66 espécies comestíveis de pepinos-do-mar.
 
Próximo passo: a produção em escala

O CumFish, como se chama este projecto de investigação iniciado em 2012 e a terminar no próximo mês de Janeiro, permitiu estudar as cinco espécies de pepinos-do-mar sobre as quais se exerce a maior pressão a nível mundial: além da Holothuria arguinensis, a Holothuria polii e Holothuria tubulosa (que se encontram só no Mediterrâneo) e a Holothuria mammata e Parastichopus regalis (que se encontram Mediterrâneo e Atlântico).
 
A reprodução conseguida no Algarve revestiu-se de particular significado por ser de uma das espécies de pepinos-do-mar mais cobiçadas, e não se conheciam as formas de a fazer multiplicar fora do seu habitat. O sucesso, explicou a coordenadora do projecto, foi conseguir fazer a passagem da fase de larva para juvenil, que é marcada pela “ocorrência de muitas mortes”, tanto em meio natural como em aquacultura. Por outro lado, salienta que, em paralelo, a equipa do Centro de Ciências do Mar “fabricou” as microalgas para alimentar as crias.
 
Entretanto, o Outono foi trazendo o frio e a temperatura da água dos tanques e do mar baixou. E os pepinos-do-mar mudaram de hábitos. Para se protegerem do frio, agruparam-se como se estivessem à lareira. “Muito interessante”, observa Mercedes González Wangüemert.
 
Centrado na estação do Ramalhete, o trabalho contou com uma vasta rede internacional de parcerias, de que se destaca a Universidade de Ordu, na Turquia, a Universidade de Reunião, na Polinésia Francesa, Museu de História Natural de Paris, o Instituto de Ciências Marinhas da Austrália e o Instituto de Investigações Marinhas e Costeiras, na Colômbia. “Juntámos esforços e unimos os conhecimentos”, observa Mercedes González Wangüemert, sublinhando ainda contributos de cientistas no Irão, Grécia, Itália, Holanda, Panamá e Reino Unido.
 
Para o avanço deste projecto, a investigadora considera que foram determinantes os 163 mil euros da Fundação para Ciência e a Tecnologia, além de outros 88 mil euros de outras entidades. “Não me posso queixar”, diz. “Em tempo de dificuldades, é importante valorizar a transferência de conhecimento para a investigação aplicada”, observa, sublinhando a necessidade de dar seguimento ao projecto, com vista a produzir pepinos-do-mar em aquacultura.
 
Nesse sentido, a equipa ultima uma proposta em que prevê um investimento de 250 a 300 mil euros, nos próximos três anos, para saltar da fase de laboratorial para a produção na escala das toneladas.
 
É certo que os chineses já cultivam pepinos-do-mar em aquacultura há décadas. Mas são espécies da região, diz Mercedes González Wangüemert. A maior parte da produção, cerca de 80%, é obtida em sistema de aquacultura (100 mil hectares), na província chinesa de Shandong. Em 2010, a China produziu 100 mil toneladas de pepinos-do-mar, mas a produção não chega para as encomendas. É por isso que ter conseguido reproduzir em aquacultura uma espécie de grande valor comercial como a Holothuria arguinensis é importante.
 
Da Turquia, em 2012, a China importou mais de 600 toneladas de pepinos-do-mar. Mas as suas importações globais vão para além disso: por exemplo, em 2011 importou 6000 toneladas, sendo o país com a maior fatia de importações destes animais (Singapura ou a Malásia também os importam, mas em quantidades muito mais pequenas).
 
"Cozinhei-os com cerveja e é muito bom”

Em Portugal, não existe sequer tradição no consumo destes bichos, mas as coisas poderão estar a mudar. “Já encontrámos duas ou três pessoas a pescar na ria Formosa. Julgamos que será apenas para consumo local, nos restaurantes chineses”, refere Jorge Domínguez Godino.
 
Em Quarteira, o mestre da pesca do polvo José Agostinho fala do lado não científico do seu contacto com os pepinos-do-mar. “Quando apanhamos esses bichos – e durante o Verão aparecem com frequência nos covos –, devolvemo-los ao mar, porque ninguém lhes dá valor”. Do que se recorda, José Agostinho diz que “só há dois ou três anos é que apareceu um indivíduo a dizer que pagava entre 70 a 90 cêntimos por quilo”.
 
O pepino-do-mar, depois de capturado, é submetido a uma operação de limpeza em que lhe é retirado todo o aparelho digestivo e fica a secar. Quando chega à cozinha, é confeccionado como se fosse polvo. Apesar da falta de hábitos de consumo destas espécies em Portugal, José Agostinho garante: “Cozinhei pepinos-do-mar com cerveja, e é muito bom.”
 
Em Sesimbra, há cerca de sete meses, instalou-se uma empresa de capitais da Malásia para começar a exportar este produto. Mas não foi bem-sucedida. Ao fim de dois meses, cancelou o contrato de aluguer do armazém à empresa Docapesca, porque as capturas feitas pelos pescadores da zona não terão obtido a quantidade e a qualidade que esperariam. “Provavelmente, faltou-lhes o conhecimento”, observa Mercedes González Wangüemert, que gosta de meter os pés e as mãos nos sapais da ria Formosa para estudar a morfologia destes animais – bonitos aos olhos dos cientistas, mas não de toda a gente.
 

Choques das enguias eléctricas controlam à distância as suas presas

Will Dunham /Reuters

Como se tivessem um controlo remoto, as enguias eléctricas conseguem activar à distância neurónios dos peixes que estão perto de si, fazendo-os contorcer-se e revelar a sua presença.
A enguia eléctrica vive nas bacias hidrográficas de rios da América do Sul
 
Já se sabe que as enguias eléctricas podem disparar uma potente descarga eléctrica para atordoar as suas presas. Mas este choque pode ser também usado para obrigar os peixes que estão escondidos a denunciarem-se a si próprios, revela um novo artigo na última edição da revista Science.


Enguia a atacar um peixe depois de o ter imobilizado com um choque eléctrico
Este novo estudo mostra que as enguias usam os choques para controlarem remotamente as suas vítimas, fazendo com que peixes que estão escondidos se contorçam, denunciando assim a sua localização.

“Aparentemente, as enguias inventaram as armas de electrochoque muito antes dos humanos”, diz o biólogo Keneth Catania, único autor do artigo, da Universidade de Vanderbilt, em Nashville, no Tennessee, Estados Unidos.
O estudo revela precisamente o que o choque da enguia faz às suas vítimas. Em experiências de laboratório, o cientista mostrou como as descargas eléctricas das enguias activam à distância os neurónios das presas, que por sua vez activam os seus músculos.
Enquanto anda à caça, uma enguia dá periodicamente dois choques eléctricos de grande voltagem, separados por dois milissegundos. Dessa forma, provoca a contorção involuntária nas presas que estão por ali. Como é muito sensível aos movimentos na água, a enguia pode então detectar as contorções dos peixes, ficando a saber a localização dos que estão escondidos.
Depois, a enguia dá um choque eléctrico muito forte e prolongado para imobilizar completamente a presa, que sofre uma contracção muscular – tal como as contracções provocadas pelos aparelhos de electrochoques. Isto permite a captura fácil da presa.
“Passei uma grande parte da minha carreira a examinar as adaptações extremas dos animais e as suas habilidades. Já vi muita coisa interessante, mas as capacidades das enguias são espantosas, talvez a coisa mais surpreendente que já observei”, enfatiza Keneth Catania. “Afinal, elas podem gerar centenas de volts – que, só por si, já é incrível. Mas usar essa habilidade essencialmente para atingir [à distância] o sistema nervoso de outro animal e activar os seus músculos é um belo truque.”
As enguias eléctricas (Electrophorus electricus) têm um corpo em forma de serpente e cabeças achatadas, e podem chegar a medir entre 1,8 e 2,5 metros. Estes peixes vivem nas bacias hidrográficas dos rios Amazonas e Orinoco, na América do Sul.
As enguias têm órgãos eléctricos compostos por células especializadas chamadas precisamente “células eléctricas”, que funcionam como baterias e podem gerar uma descarga até aos 600 volts.
“Apesar de não se ter conhecimento de casos de mortes de pessoas devido aos choques eléctricos de enguias, elas são capazes de incapacitar humanos, cavalos e, obviamente, peixes com as suas descargas”, diz o biólogo.
Segundo o cientista, as enguias ainda usam esta capacidade com um terceiro objectivo: periodicamente, fazem descargas de baixa voltagem que funcionam como um radar para navegar em águas escuras e turvas.